Capítulo 19
Vários dias após terem conseguido fugir das terras de seu clã e dos soldados e guerreiros que as perseguiram, Liam e Eira chegaram nas terras dos Gangani, clã aliado e pacífico daquela região. As terras eram compostas por uma vasta área aberta coberta de grama, que estava sempre verde, e era pontuada por conjuntos de árvores e pequenos córregos, que pareciam sair de dentro da terra e depois tornavam-se grandes rios. Montanhas que dividiam a paisagem eram cobertas de pedras brancas e flores diversas; tudo isso cercava a aldeia dos Gangani por um lado, mas pelo outro, havia um grande penhasco que dava acesso ao mar, e servia de proteção para eles.
Durante todo esse tempo que elas cavalgaram, Eira pedia a Scáth que voasse sempre à frente delas para ver se tinha algum problema ou mesmo para indicar o melhor caminho, enquanto a Ghatha ela pediu que a ajudasse a procurar por alimentos para elas, porém, que ele nunca mostrasse ou trouxesse nenhum animal morto, pois Eira não se alimentava deles, nem gostaria de ver um, mesmo com os protestos e pedidos de Liam por um pedaço de carne.
Algumas vezes Scáth ou Ghatha lhes diziam que havia algum feudo ou, pequenas aldeias próximas do caminho que elas faziam, mas mesmo com Eira dizendo que seria melhor para as duas dormirem pelo menos uma noite no abrigo de um lar ao invés de ficarem todas as noites ao relento e no frio, tendo as árvores ou apenas as estrelas sob suas cabeças, Liam achava melhor não arriscar, pois não tinha como saberem se eram aliados ou não daquele ollphéist e se iriam, ou não as entregar a ele.
Nas primeiras noites passadas sob as estrelas, Liam ficava a maior parte do tempo acordada, com receio de que ainda pudessem estar sendo seguidas, e aproveitava para pensar sobre o dia da partida delas. Agora ela percebia que havia sido bem estranho o fato deles não terem sido avisados com mais tempo sobre a chegada dos soldados para essa guerra, tanto pelos batedores que haviam sido enviados para a floresta, mesmo com seu pai lhe contando que eles foram mortos antes de poderem enviar alguma mensagem, quanto por Enid, que era capaz de ver o futuro das pessoas, então como ela não viu aquela guerra chegando?
Ou será que ela viu?
Era nisso que ela mais acreditava, que Enid viu a guerra e, principalmente, ela viu o final desta. Final esse que a deixava sentindo uma dor no peito; era muito provável que o clã perderia e seria exterminado, o que explicaria, além do fato do Eloaí ter tirado Eira o mais rápido possível de lá, o jeito como o seu próprio pai estava. Ela percebeu que ele estava triste e muito preocupado, como se soubesse de algo muito ruim e, com muita certeza, esse algo ruim era o final da guerra... Era... ela queria não acreditar nisso, não queria acreditar que seu pai e seu irmão seriam mortos nessa guerra.... E por não querer acreditar, ela não falava com Eira sobre isso, pois sabia que se falasse dos seus pensamentos e da sua certeza com o que iria acontecer na guerra, sua pequena irá levantar e voltar para o forte, nem que fosse usando apenas suas pernas.
Pensando que talvez Eira chegasse à mesma conclusão que ela sobre a guerra, Liam planejava ir o mais rápido possível para as terras dos Menapii e usar o porto de lá para tirá-las daquele lugar em segurança e leva-las logo para onde sua mãe e irmãs estavam. Mas, por mais que cavalgassem durante todo o dia só parando quando já estava muito escuro para continuar, ainda tinham muito o que percorrer... E essa era uma região desconhecida para ela, pois não fora com os Menapii que ela treinara, por isso ela não conhecia o caminho até lá. Sabia apenas que precisava seguir sempre um grupo de seis estrelas no céu que apareciam durante a noite; ela fazia marcas no chão no momento em que os pontos apareciam para que, quando o dia chegasse, ela soubesse que direção deveria seguir.
Três dias de viagem após deixarem as terras dos Gangani, Scáth avisou que elas se aproximavam de outra aldeia e Liam percebeu que, pela distância que haviam percorrido, só poderia ser o clã MacLaughlin. Eles também eram um clã pacífico, que vivia no topo de uma encosta que dava para o mar, e com essa notícia, Liam percebeu que ainda faltavam mais de seis dias de cavalgada até chegarem ao clã dos Menapii.
Quando o sol começou a sumir atrás das montanhas, Liam percebeu que deveria procurar um lugar para descansarem, e essa noite seria perto das árvores sem poderem fazer uma fogueira para espantar o frio, pois esta podia ser vista a distância e tida como um ataque. Então elas iriam ter que dormir juntas, enroladas nas capas que tinham e nas mantas que Carrick havia colocado para elas trazerem, mas já estavam acostumadas a dormirem assim, pois as noites das duas se tornaram sempre iguais: quando elas encontravam um lugar seguro para dormirem, Scáth pousava no galho mais baixo que encontrava para ficar mais próximo delas e Liam ia procurar o conjunto de estrelas para fazer as marcas no chão, enquanto isso Ghatha corria por entre as árvores com Eira que voltava com as frutas que encontravam. Após comerem elas cobriam Myrkur com algumas mantas e após colocarem uma manta no chão, deitavam perto dele para ficarem o máximo aquecidas, assim como Ghatha sempre deitava próximo aos pés delas; conversavam um pouco, com Liam sempre tentando distrair Eira de pensar na família quando ela mesma queria e não queria pensar no pai e no irmão lutando por um futuro sem esperança, e, quando o cansaço vencia, Eira dormia nos braços de Liam, se sentindo a pessoa mais protegida que existia.
Porém, quando Liam acordou na manhã seguinte, ela se viu deitada sozinha sob a manta e, o mais rápido possível, levantou-se desesperada procurando por Eira. Sufocando a vontade de gritar por seu nome, Liam sacou a espada e começou a procurar as pegadas em torno do local onde haviam dormido. A vegetação rasteira, não lhe mostrou nada. Apesar de grande, os passos de Ghatha eram leves e os de Eira, era como se fosse de uma fada andando. Andando mais apressada, saindo da região das árvores viu que havia uma leve encosta. Subiu, encontrando-a de pé em um pequeno morro, um pouco distante de onde haviam dormido; ela parecia a visão de um ser encantado com os longos cabelos vermelhos soltos balançando ao vento admirando a paisagem à sua frente, tendo Myrkur e Ghatha parados ao seu lado enquanto Scáth estava pousado em seu ombro. Quando a guerreira se aproximou, viu que mais a frente havia um imenso campo coberto de armérias rosas, todas desabrochadas.
— Não é lindo mo bheatha? — disse sem virar o rosto sentindo a presença da sua guerreira.
— Sim, mo ghrá, é um lugar muito bonito, virou o rosto sorrindo para Eira — E contigo aqui esse lugar fica ainda mais belo.
— Liam! — ela exclamou, parecendo envergonhada, e olhou para sua guerreira sorrindo.
— Sim, mo chroi?
— Is breá liom tú go mór! — ela falou estendendo a mão para Liam.
— E eu Eira, — disse entrelaçando seus dedos com os dela — Is breá liom tú níos mó fós.
Elas permaneceram um tempo ali paradas de mãos dadas olhando a paisagem, mesmo Liam sabendo que não podiam demorar muito para chegarem no clã dos Menapii, elas estavam precisando de um momento de paz em que pudessem ficar juntas e apreciar a beleza da vida, como naquele momento.
Algum tempo depois Scáth levantou voo do ombro de Eira e ainda de mãos dadas voltaram para perto das árvores onde haviam passado a noite de modo a arrumarem tudo e continuarem a viagem. Antes de montarem, escutaram gritos de pessoas, vindos da direção da aldeia do clã MacLaughlin, e do alto, ouviram os sons agudos do falcão.
— Mo bheatha, o clã MacLaughlin está sendo atacado, e Scáth diz que são os soldados daquele homem. Temos que ir ajuda-los.
— Não mo ghrá! — Liam disse segurando o braço de Eira — Nós não podemos fazer isso.
— Por que não?
— É perigoso irmos até lá.
— Mas você mesma estava dizendo antes que iríamos até o clã dos Menapii para pedir ajuda, por que nós duas não podemos ajudar os MacLaughlin?
— Porque além de perigoso, minha prioridade é a sua proteção.
— Então se você não vai, eu irei sozinha! — exclamou se soltando de sua guerreira e correndo pelo campo na direção da aldeia, sendo seguida por Ghatha.
Liam suspirou e ficou olhando a pessoa que mais amava, e era a mais teimosa que existia, se afastar sem conseguir acreditar que ela havia feito isso. Voltando-se para Myrkur, balançou a cabeça e, montando, galopou na mesma direção que Eira havia tomado, alcançando-a rapidamente. Quando se aproximou dela, Liam se curvou sobre a sela e usando apenas um braço, agarrou-a pela cintura erguendo-a, colocando-a sentada à sua frente.
— Não adianta me colocar aqui, — ela disse se virando para Liam tentando fazer uma expressão de raiva — eu vou ajudar aquelas pessoas inocentes!
— Eu sei mo bheatha. Não tem como eu te convencer o contrário, então é para lá que estamos indo. Mas você terá que ficar em segurança, terá que ficar distante, pois não poderei lutar se você não estiver protegida.
— Tudo bem, eu ficarei. Irei ajudar apenas a fazer com que as pessoas se protejam. E você precisa se lembrar que, se forem aqueles soldados deformados, não deixe que o sangue deles caia em você.
— Tentarei ao máximo para que isso não aconteça, eu prometo.
Assim que estavam na aldeia, Liam saltou de sua montaria, tirando o escudo das costas prendendo-o no braço e, desembainhando sua espada, correu em direção a um deles, um deformado, que estava para atacar uma mulher com uma criança. Ela vira, tanto da vez anterior quando agora com os poucos guerreiros ali lutando, que as armas pareciam não fazer efeito nenhum naquelas criaturas monstruosas, mas Liam se surpreendeu quando desferiu um golpe naquele, e ele começou a queimar no lugar da ferida até não sobrar nada dele; ela ficou parada olhando a cena e depois olhou para sua própria espada tentando entender o que havia ocorrido. Ela não se lembrava de ter acontecido o mesmo com os que ela lutou no ataque da caravana, como também não se lembrava de ter conseguido ferir algum deles.
Eira, mesmo à distância, também viu o que havia ocorrido entre sua guerreira e aquele monstro, também se perguntava o porquê da arma dela conseguir feri-lo, além de fazer o que fez, e as armas dos guerreiros que ali lutavam nada fazia. Mas ela deixou seus pensamentos de lado quando viu que outro daqueles seres que mais parecia estar conseguindo voar de maneira muito rápida, ao invés de correndo, vir pelas costas de Liam, sem que esta percebesse.
— NÃO! — ela gritou quando ele já estava próximo demais da sua guerreira.
Ao erguer a mão na direção do soldado, Eira invocou uma rajada de vento que o empurrou em direção a encosta, fazendo com que ele caísse lá em baixo. Assustada, Liam olhou primeiro na direção em que o soldado havia sido empurrado e depois olhou para Eira, que olhava para suas próprias mãos como se de repente pudesse acontecer aquilo de novo, mas elas estavam normais como antes. Como não havia testado novamente tudo que podia fazer, ela ainda se assustava quando algo acontecia sem que ela estivesse no controle.
— Mo bheatha! — ela chamou sua guerreira enquanto Myrkur se abaixava para ela descer — Se trabalharmos juntas podemos nos livrar deles mais rápido.
— Mo ghrá....
— Aqui, veja! — ela ergueu a mão para outro soldado deformado e simplesmente o fez sair voando na direção de Liam, que com um golpe o fez queimar até não existir mais nada dele, apenas um eco do seu horrível grito de dor.
— Está bem — Liam cedeu quando viu o sorriso de felicidade de sua amada ao conseguir controlar seu poder e assim ser capaz de ajudar — Mas tenha cuidado.
— Vou ter! — ela disse se afastando para ir atrás dos soldados — Venha Ghatha, se algum deles se aproximar de mim você ataca, mas não morda nenhum para não tocar no sangue venenoso.
Liam respirou fundo tentando se concentrar melhor em atacar os soldados de maneira rápida e, ter confiança em Eira de que ela iria ficar bem. Logo ela começou a ver soldados vindos voando na sua direção, mas eles não estavam voando por conta própria apesar das asas, esses vinham devido ao vento que Eira estava fazendo. Apesar do medo que ela sentia de sua amada se machucar de alguma forma, ela se encheu de orgulho por ver que Eira aprendia e controlava uma coisa nova que seu poder podia fazer.
Ainda não sabiam para quê e porquê Eira tinha aqueles poderes. Se era algo realmente bom ou não. Ela já vira Eira ficar triste quando algo acontecia relacionado ao seu dom, como se ela também ficasse preocupada em saber, no futuro, que seu dom seria algo ruim. Mas isso era para se pensar depois quando tudo estivesse mais calmo. Ali agora, as duas só deveriam se concentrar em ajudar aquelas pessoas e em destruir logo todos aqueles soldados para poderem seguir viagem.
Cansada, Eira olhou em volta procurando por outro daqueles soldados, quando viu um arrastando uma menina pelos cabelos, em direção a encosta que levava ao mar. Mas antes que ele chegasse na beirada, ela usou seu poder e o jogou encosta abaixo, porém com o impacto, a menina também foi arrastada, caindo com o soldado. Eira correu o mais rápido que pode até chegar no local da queda e, quando olhou, a menina estava segurando em um galho perto da beirada.
— Eu vou te ajudar! — Eira disse se abaixando até ficar deitada na terra e conseguindo alcançar a mão da menina. — Não se preocupe, vai ficar tudo bem!
Para conseguir erguer a menina, Eira fez uso novamente do vento, que a empurrou colocando-a em segurança na parte de cima. Quando as duas levantaram, a menina agradeceu e depois saiu correndo em direção a uma mulher, que provavelmente deveria ser sua mãe. Liam, após ter certeza de que não havia sobrado nenhum monstro deformado veio andando calmamente na sua direção.
Mas o que nenhuma das duas esperava era que houvesse sim um daqueles soldados ainda vivo e escondido, que viu uma grande oportunidade de fazer seu trabalho: com todos distraídos pensando na grande vitória, ele correu na direção de Eira empurrando-a encosta abaixo.
— EIRA! — Liam gritou em desespero, ao ver sua amada cair naquele buraco.
A guerreira correu o mais rápido que pode, passou sua espada no monstro antes de pular atrás de Eira sem se preocupar com mais nada, afinal, para ela, não existiria mais motivo para continuar viva se Eira morresse. Assim, enquanto caia Liam ouviu um grito vindo, provavelmente de Scáth e, Eira e ela desapareceram através de uma luz muito forte que surgiu acima do mar.
Glossário:
Is breá liom tú go mór - Eu te amo muito
Is breá liom tú níos mó fós - te amo mais ainda
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