Capítulo 13
Eira já havia visto os pais se beijando, e alguns dos seus irmãos beijando mulheres também, mas ela nunca havia imaginado que um dia ela fosse ser beijada daquele jeito nem como seria. Como também nunca havia imaginado que seria beijada assim por uma mulher e seria justamente por sua guerreira.
Era estranho, mas, ao mesmo tempo, as sensações que estava sentindo eram boas; o cheiro que ela sentia exalando de Liam era o mesmo de quando a grama estava molhada, e seus lábios eram quentes e macios sob os seus assim como suas mãos eram firmes, mas, ao mesmo tempo, carinhosas em seu rosto, enquanto as suas próprias pareciam ansiosas, só não sabia pelo que. Pelo seu corpo ela sentia sensações que não pareciam estarem certas no momento, pois, era como se estivesse nua embaixo de uma cachoeira e a água estivesse escorrendo pelo seu corpo; era como se ela fosse capaz de sentir cada gota de água deslizando sobre seu corpo. E também havia algo de errado com sua barriga, pois, parecia haverem vários animais pequenos ali dentro, se mexendo de maneira aleatória.
Quando Liam se afastou e ficou a olhá-la por um tempo, Eira percebeu que era como se todo aquele lugar a deixasse com frio e apenas daquele olhar e daquelas mãos vinham o calor necessário para ela. Mas como e porquê disso acontecer, Eira não conseguia entender.
"Eu deveria se sentir assim com a minha amiga?"
"O que foi tudo isso que sentir com Liam me beijando?"
"Qual o motivo disso tudo?"
"E, por que tenho esse sentimento de que tudo isso é certo?"
— Me desculpe — Liam disse tirando as mãos do seu rosto e olhando novamente para o lago, fazendo assim com que Eira passasse a sentir frio onde antes ela lhe tocava e olhava — sei que não devia ter feito isso, mas depois do que aconteceu hoje, eu precisava que você soubesse a verdade, que soubesse como me sinto em relação a você.
— Eu não consigo entender, como você pode se sentir assim comigo? Sentir isso por mim?
— Eu também não entendo, só sei que sinto.
— Eu nunca ouvi antes sobre uma mulher gostar de outra mulher desse jeito. Você tem certeza de que não estar confu...
— Não! Eu não estou confusa, se é isso que você ia perguntar! — Liam a interrompeu com um pouco de raiva — Não pense assim, por favor.
— Mas é que...
— Pode parecer que eu estou confusa por crescer e ter sido criada mais em meio a homens do que mulheres, mas isso não tem nada a ver! O que eu sinto, sinto apenas por você e com você. Nunca sentir por nenhuma outra mulher. Como e, porque eu me apaixonei por você eu não sei explicar, simplesmente aconteceu. E também, antes que pense nisso também, eu não acredito que esteja agindo de maneira errada, é apenas uma situação diferente do que estamos acostumadas a ver, sobre ser sempre um homem a amar uma mulher.
— Mas...
— Eira — Liam disse olhando para sua amiga — eu precisava apenas que você soubesse, para você entender o porquê não posso aceitar você casar com aquele eejit. Você não precisa pensar em nada, ou me dar algum tipo de resposta, pois, não estou esperando por nenhuma. — Liam olhou para o céu que começava a escurecer por conta da chuva que estava se formando naquele momento, levantou-se limpando a grama da sua roupa e começou a andar na direção de Myrkur — É melhor irmos, logo vai começar a chover e, além de dificultar nossa volta para casa, não posso permitir que fique completamente molhada e doente por causa disso.
Eira permaneceu um tempo sentada, olhando para o lago sem conseguir pensar em nada como se procurasse pela solução do que estava acontecendo, mas parecia que aquelas calmas águas não lhe diriam nada, exceto pela voz que ouvia em seus pensamentos, dizendo-lhe para não se preocupar, pois tudo ia ficar bem.
Durante o percurso de volta para o forte as duas estiveram em silêncio, sendo quebrado apenas após Liam ter deixado Eira na porta de casa, dizendo-lhe que estaria em casa se precisasse dela. Agora a pequena se encontrava com a família dela e a de Liam para jantar, e estava sentada ao lado daquele homem, que conversava com um de seus soldados. Como todos estavam distraídos, ela se levantou para voltar a seus aposentos, mas ele segurou seu braço.
— Ainda não terminamos nossa conversa, Eira.
— Não creio que ainda falte algo para me falar.
— Sim, há muito que falar ainda. — disse apertando mais a mão em seu braço.
— Mas...
— Algum problema, minha filha? — perguntou o Eolaí interrompendo a conversa que estava tendo com sua esposa, Carrick e Alessa.
— Não, problema nenhum — ele disse, levantando-se, ainda segurando forte o braço de Eira — estava apenas dizendo a minha noiva que gostaria de conversar mais com ela.
— Podem ir conversar no salão das visitas.
— Agradeço o consentimento. — disse já puxando Eira pelo braço na direção do salão.
— Um momento antes de irem, — ele parou e olhou para o Eloaí — minha filha, leve um dos guerreiros com você, pois, parece que Liam não estava se sentindo muito bem para vir para o jantar.
Aquelas palavras pesaram no coração de Eira, pois ela sabia bem o porquê de sua guerreira estar desse jeito. Durante o caminho até o salão ela foi pensando que precisava fazer algo para amenizar a tristeza que Liam devia estar sentindo, mas não sabia o que poderia fazer. Ela sabia que gostava de Liam, que a amava, mas tinha certeza que era um amor de irmã. Então, ela se perguntava, se amo Liam como uma irmã, por que sentir tudo aquilo quando ela me beijou?
Quando voltou para casa depois da conversa de Liam, ela foi procurar a mãe para poder falar sobre o assunto que não conseguia entender. Mas sua mãe só lhe disse haver sensações diferentes pelo corpo, e uma certeza de querer ficar ao lado daquela pessoa para sempre. Mas Eira queria que Liam ficasse ao seu lado para sempre, então isso não ajudava em nada ela descobrir o porquê de se sentir diferente quando Liam a beijou. Tinha que ter algo mais, porém, ela não conseguia saber o que, e nem podia pensar sobre isso naquele momento, pois ela tinha que suportar mais daquela conversa estranha com aquele monstro.
Quando eles entraram no salão de visita, ele ordenou que o guerreiro permanecesse perto da porta pelo lado de fora e colocou Eira sentada em uma das cadeiras que ali tinham.
— Então quer dizer que aquilo que anda com vós e usa uma fera selvagem como montaria é uma mulher?
Ao ouvir o que ele disse, foi como uma se uma espada atravessasse seu coração. Como aquele homem ousava chamar sua Liam de "aquilo"?
— Sim, ela é uma mulher! — respondeu do modo mais frio que conseguiu.
— Então realmente tudo por aqui é muito estranho, selvagem e primitivo: uma mulher se dizendo guerreira de alguém. Como conseguiram viver até hoje de modo tão rústico? Se 'Ela' não tivesse inventado que, separar tudo era a melhor solução, talvez isso aqui fosse diferente, mas 'Ela' sempre tem que estragar tudo, julgando que é alguém muito importante e dona da verdade! Um dia mostrarei a 'Ela' quem é realmente importante!
Mas uma vez aquele homem falava coisas estranhas e sem sentido, e sempre se referindo a alguma outra mulher. Além disso, agora ele parecia estar criticando o modo de vida da sua aldeia, o modo como seu pai governava todo aquele lugar.
— Sabe Eira, quando descobrir que tinha renascido, fui atrás de você, mas jamais imaginei que tudo isso iria acontecer, e muito menos que eu teria condições de ser mais forte do que eu era. E muito menos ainda imaginei que conseguiria me adaptar a esse estilo de vida. Adaptei um pouco ao que eles são e eles a mim, e é o mesmo que farei por aqui se desejar continuar a viver aqui depois que nos casarmos. — Por um momento seu semblante desanuviou-se, demonstrando que o pensar no casamento era a coisa mais feliz para ele, sorrindo alegremente para Eira. — Nem acredito que finalmente poderemos ficar juntos para sempre! — Então seu semblante mudou novamente, como se ele estivesse com raiva, mas gostasse dessa raiva — Porém, antes que possamos pensar na nossa felicidade, precisarei mudar algumas coisas, por exemplo, logo após nosso casamento, as duas primeiras coisas que mandarei fazer será enviar aquela mulher guerreira para bem longe ou talvez para algum lugar de onde nunca mais volte e também mandarei sacrificar aquela fera selvagem. Isso será lindo de se ver!
Por um instante Eira pareceu ter visto como uma nuvem muito negra ao redor do homem enquanto ele dizia aquelas palavras, mas ela não ficou observando por muito tempo, pois não conseguia acreditar no que estava ouvindo: aquele monstro realmente disse que se livraria de Liam e mataria Myrkur? Ela entendeu direito? Ele disse que iria enviar Liam para um lugar de onde não vai voltar? Ele queria separar ela de sua guerreira, de sua amiga, de sua irmã...
De sua vida...
Eira parou por um momento com esse pensamento em mente...
Sim, isso era verdade, ela percebeu Liam era sua vida. Ela era como se fosse uma parte de si. A parte de si que parecia ser seu calor.
Até aquele momento ela nunca havia percebido o quanto ela estava tal qual como o significado do seu nome: neve... frio! E Liam, por que nunca percebeu isso antes? Era aquela que a aquecia, que a mantinha quente, viva. Ela a tinha tão sempre consigo, por perto, que não percebera isso, não percebera esse frio que sentia, o mesmo frio que existia quando Liam estivera fora, treinando. Sim, era frio, mas Eira pensou que talvez fosse o tempo ou então estivesse doente, mas agora sabia que era porque aquela que era responsável por ter calor apenas para ela, estava longe.
Além disso, havia muitas outras coisas em Liam a completava. Parando para pensar agora, Eira percebia que era como se uma única pessoa tivesse sido dividida e gerado elas duas, uma completando a outra! Não tinha como ser de outra maneira, por mais estranho que isso parecesse. Isso explicava o que Liam sentia por ela e o que ela sentia por Liam. Ela era feliz ao lado de sua guerreira, e estava sempre querendo encontrar motivos para estar do lado dela, para estarem juntas. Se Liam estava feliz ela também ficava feliz; se a outra estava triste, ela também ficava triste, e tentava de tudo para alegrá-la. E isso só podia significar uma coisa...
Amor!
Amava sua guerreira! A amava como amiga, como irmã e também como companheira, uma companheira como seus pais eram um para o outro! Se isso era certo ou errado, Eira não sabia, mas percebia, naquele momento, que o seu maior desejo, o que mais queria era viver isso com Liam, e não iria permitir nunca que aquele monstro levasse sua vida para longe dela!
— Nunca! — Eira finalmente falou cortando a felicidade obscura em que o outro se encontrava.
— O que disse? — ele a olhou, confuso pelo que era dissera.
— EU DISSE "NUNCA"! EU NUNCA VOU PERMITIR QUE VOCÊ MACHUQUE MINHA GUERREIRA, MYRKUR OU QUALQUER OUTRA PESSOA E ANIMAL DESSE LUGAR!
Ao mesmo tempo, em que Eira gritava toda sua raiva, misteriosamente um vento surgiu dentro da sala, vindo de lugar nenhum, pois, no local havia uma única janela, que se encontrava fechada no momento. De onde vinha ou o que provocava todo aquele vento que girava ao redor dela, tão rápido que o monstro praticamente não estava mais conseguindo ficar parado em pé?
— Não vou permitir que um monstro como você destrua minha vida, meus sonhos e as pessoas importantes para mim! Não vou me casar com alguém que só se importa consigo mesmo e julga que os outros são apenas brinquedos que podem ser usados ou descartados! Não vou casar com quem não amo! Não vou casar com quem só quer saber de destruir!
— Como... — ele agora não sabia se aparentava surpresa, medo ou preocupação — Mas... Isso é impossível! Como você pode ter seus poderes? Como ainda consegue fazer uma coisa dessas? Invocar o vento desse jeito? Não era para você ser capaz de fazer mais esse tipo de coisa!
— CALE A BOCA!
Cada vez que Eira gritava e ficava com mais raiva, parecia que o vento girava ainda mais forte; além disso, ele também começou a sentir que sua roupa ficava molhada, como se tivesse água no vento.
— Vá embora dessa aldeia e nunca mais volte!
— Eu irei voltar sim, Eira, pois você é minha, sempre foi, e sempre será, desde quando nos conhecemos pela primeira vez e eu não a deixarei ir! Eu a terei de qualquer maneira! Principalmente se esse povo primitivo e obtuso daqui descobrir sobre seus poderes, irão considerá-la uma serva dos demônios e vão querer sacrificá-la! Mas eu não deixarei isso acontecer, pois matarei a todos antes!
— Agora quem não aceitará esse casamento sou eu, após ouvir tudo o que você disse, além do que você chamou minha filha! — disse o Eolaí na porta da sala, pois entrar era impossível com todo aquele vento que estava lá dentro. Ele e Aideen correram para a sala quando o guerreiro que estava de vigia na porta foi avisá-los do que algo estava acontecendo entre Bean Uí Eira e o homem.
— Não sou eu quem irá chama-la assim, mas vocês irão e tenho certeza de que chamará sua esposa também, pois será quem a estar ensinando tudo.
— JÁ BASTA, SEU MONSTRO! — gritou Eira, apontando a mão para a janela, abrindo-a utilizando o vento ao seu redor — PODE ME ACUSAR DO QUE QUISER, MAS NUNCA CALUNIE MINHA FAMÍLIA!
Ao aparente controle de Eira, o vento, ainda mais forte e mais rápido, o ergueu do chão e o arremessou lá fora através da janela aberta e bruscamente fechada.
— Eira, não devia ter feito isso, m'iníon...
— CALADO! — Eira gritou virando-se para o Eolaí; este viu que os olhos dela estavam amarelos e luminosos como se fossem chamas de vela — A culpa é sua de ter aceitado essa aliança e querer que eu me casasse com ele!
— Era o necessário a ser feito!
— Devia ter se dado o trabalho de saber mais sobre esse monstro antes de ter aceitado qualquer tipo de aliança. O senhor não faz ideia das coisas absurdas que eu fui obrigada a ouvir dele e saber como ele iria destruir esse lugar mesmo com o casamento.
— Eu não sabia...
— Claro que não sabia! Entregar sua única filha a um completo desconhecido, agora, no momento presente para salvar as pessoas, salvar o forte, é mais fácil do que se preocupar com o que vai acontecer no futuro. Por que não consultou Enid para que ela lhe dissesse como seria o maravilhoso futuro da sua filha ao lado daquele homem?
— Nós não a encontramos nenhum dia desde que ele chegou aqui. — disse Aideen
— Não a viram... Estavam sentados esperando que ela vos agraciasse com a sua presença, ou se deram ao trabalho de irem atrás dela?
— Ela sempre estar ou pelo forte, ou na aldeia, mas ninguém a viu esses dias.
— Então não foram atrás dela e tomaram a decisão sem consultar sua conselheira?
— Sim! — disse o Eloaí — Tomei a decisão que era a melhor para todos! Consultá-la? Desde quando? Você foi criada sabendo que obrigações tem para com o clã!
— Todos? O clã? — Eira riu de um jeito que chegou a assustar seus pais — O senhor não parece saber o que significa ser o melhor para todos. Aliás, não, o senhor deve saber, agora eu é que não estou incluída no seu "todos", não é daidí? Afinal, eu era o sacrifício a ser entregue pelo bem do seu "todos", do seu amado "clã"!
— Eira por favor m'iníon! — gritou Aideen — Sabemos que estar com raiva, mas por favor se acalme! Pare esse vento para podermos conversar melhor.
— NÃO! Vocês me mandaram sozinha para ser sacrificada, agora querem conversar? Vão embora! Deixem-me sozinha!
No mesmo instante o vento, que ainda girava no salão, se tornou mais denso, como se estivesse carregando areia, impedindo assim de que Devin e Aideen pudessem ver ou falar com sua filha.
— Bean chéile, você sabia que Eira era capaz de fazer isso?
— Eu desconfiava de que existia algo com ela, pois quando a fui buscar no templo dos Tuatha Dé Danann, eu ouvi os druidas dizerem que ela era especial e que tinha um dom dado pela deusa, mas não sabiam dizer ao certo qual, porquê ou para que ela possui esse dom.
— Então nossa filha tem um dom dado pela Deusa, dom que, em momentos de raiva, parece que ela não tem controle.
— Eu agora me lembrei de uma coisa que Enid disse pouco tempo depois que a Eira nasceu.
— O que foi?
— Ela disse que tentou ver o futuro da Eira, mas que não havia conseguido, que eram muitos caminhos que ela precisaria decidir qual trilhar, mas que o poder dela ajudaria. Que Eira havia nascido para ser muito mais do que esperávamos!
— Então... — Devin parou por um tempo pensando no que sua esposa havia contado e sobre as coisas que Eira fez e falou — com o que disseste, Eira parece ter razão em uma coisa. Por que Enid desapareceu justamente agora? Se esse homem só iria fazer mais mal a Eira do que bem, eu devia saber antes de concordar com esse casamento.
— De repente esse era um dos caminhos em que apenas Eira tinha que decidir e talvez, Enid não quis estar presente para não mudar isso. O importante agora é encontrar uma forma de acalmar a Eira para nós podermos conversar com ela sem que esteja usando seu dom e com tanta raiva. Mas como vamos....
— Devin, o que está acontecendo? — perguntou Carrick se aproximando do casal — a casa parece que vai ruir! Estava lá fora e ouvir gritos, quando fui ver o que era, Octavius havia sido jogado daqui de dentro pela janela, e estava sendo ajudado pelos seus soldados. Eles ainda pensaram em nos atacar, mas ele disse que agora não era o momento, mas que depois voltaria e todos partiram.
— Isso é uma questão que terei que me preocupar em outro momento. Tenho algo mais importante para cuidar agora.
— É algo que eu possa ajudar?
— É uma longa história Carrick, com partes que nós ainda não entendemos muito bem, mas o mais importante no momento é que precisamos acalmar a Eira que se encontra lá dentro — ele disse mostrando pela porta o interior do salão.
— Pelos deuses! O que está acontecendo aí dentro?
— Explicarei mais tarde tudo o que aconteceu e sobre tudo o que sabemos, porém, agora — Devin parou o que dizia e olhou para sua esposa que entendeu o que ele estava pensando e concordou com a cabeça — precisamos da Liam aqui, o mais rápido possível. Ela é talvez, a única pessoa que seja capaz de alcançar e acalmar a Eira, antes que tudo fique pior do que já estar.
Glossário:
Eejit - expressão irlandesa para idiota
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