MISTIFÓRIO ❅02❅
Devorar os convidados não é permitido.
— Cinderela
Cerimonialmente, durante a última noite do ano, foi iniciado o Baile de Gala mais famoso e aguardado de Reverie. Assim, logo antes das oito horas da noite, toda a cidade já estava reunida no grande e bem iluminado salão de festas para a aguardada comemoração anual, incluindo Park Jimin e Jeon Jungkook.
Desabotoando o último botão fechado do terno que vestia, Jungkook estava decidido de que manter aquele traje abotoado não faria bem para a sua saúde.
— Não tinha nenhuma roupa menos colada para me emprestar? — O garoto reclamava pela milésima vez dentro dos poucos minutos de festa transcorridos, evidenciando o seu desgosto, e detestando o fato de ter concordado em fazer um papel tão ridículo como aquele. — Ou um pouco menos espalhafatoso? — Jeon estava vestindo um terno de Gala emprestado por seu primo mas, talvez, se ambos não fossem tão divergentes em seus gostos aquilo não fosse um problema tão grande. — Parece que eu roubei a roupa do Papai Noel, quem foi que inventou este terno vermelho cintilante horrendo? — Ele já quase berrava ao falar, exalando desconforto.
— Ficou ótimo em você. — Park Jimin falava sem dar muita atenção ao mau humor típico e aos resmungos de seu amigo. — Reparou que aquelas duas garotas não param de olhar para cá? — Passando a mão meticulosamente por seus fios acinzentados, de maneira majestosa, Jimin esboçava o seu melhor sorriso matador na direção das meninas nitidamente interessadas neles. — Estou com bons pressentimentos dongsaeng... Hoje será o dia em que eu finalmente irei evoluir de um sapo para um príncipe encantado!
— Então aquele papo todo de já ter superado o amor e os contos de fadas era uma mentira? — Jungkook logo se manifestou, sabendo que Jimin ora ou outra voltaria a ser o mesmo bobo romântico de sempre. — Você nunca muda hyung, desde que o conheço sempre está procurando por uma garota para preencher o seu conto encantado imaginário — apontava. —Mas não acha que o seu luto acabou rápido demais?
— Ah maninho..., está na hora de transformar a minha abóbora em uma bela carruagem! — Pouco se importando com a visão pessimista de seu primo, e ignorando completamente todos os seus protestos, Jimin não se demorou para caminhar confiante em direção às meninas citadas.
De outra forma, indo diretamente ao balcão de bebidas, Jeon Jungkook fez questão de solicitar ao barman uma generosa porção de somek, pois ele entendia que precisaria de muito álcool se quisesse sobreviver àquela tortura.
— Por que não estou nem um pingo surpreso? — Jungkook conversava consigo mesmo enquanto ria com desgosto e deboche, ao observar de longe o comportamento exageradamente charmoso que Jimin forjava propositalmente para conversar com as duas meninas estranhas. O Park intercalava entre mordidas nos lábios, jogadas de cabelo, e de seu maior sorriso carregado de duplas intenções. Mas não demorou muito para que Jimin logo fizesse um largo cumprimento ao primo, para que se juntasse a eles. E Jungkook pensou seriamente em ignorá-lo. Entretanto, a ideia de ouvir Jimin tagarelando sobre como ele havia estragado uma grande noite pareceu motivo o suficiente para que, contradizendo a sua vontade, o Jeon apenas fizesse uma bela cara de paisagem e retribuísse o cumprimento com um aceno rápido. — Vai ser uma longa noite! — Jeon Jungkook exclamou quase sem fôlego, após beber toda a sua bebida de uma única vez, completamente indisposto a caminhar em direção ao seu destino infortúnio. E ele até faria a gentileza de entregar o seu copo vazio ao barman simpático que o recepcionou, mas foi obrigado a largar o copo em qualquer canto do balcão, porque aparentemente até o barman também estava ocupado demais, babando por uma garota qualquer, do que interessado em fazer o seu trabalho com decência.
Todos naquela cidade pareciam como loucos desesperados. Como animais selvagens que ficaram encarcerados por 364 dias antes daquele infeliz Baile de Gala.
E talvez aquela magia de que tanto se era falada fosse somente o efeito dos ânimos aflorados e do excesso de hormônios descarregados de uma só vez — pensou Jungkook —. E assim, ele finalmente tomou coragem para encarar o seu destino tedioso, sem esperar por nenhuma surpresa agradável vinda de qualquer convidado daquela festa ridícula.
Conversa ia e conversa vinha, e se tinha uma coisa que era muito nítida era que as duas garotas eram muito bem receptivas aos encantos e investidas de Park Jimin, que abusava de todo o seu galanteio para garantir a sua noite.
Jeon Jungkook, de outra forma, permanecia com poucas falas, soltando alguns sorrisos falsos e sem graça, na tentativa de disfarçar todo o seu desgosto e desconforto por estar flertando com desconhecidas em meio a um Baile onde todos pareciam eufóricas figuras de época. Era quase como uma comédia de mau gosto para ele.
Porém, em divergência aos anseios do Park, os planos de Jimin seriam completamente alcançados se não fosse pela presença de uma dama misteriosa no Baile, a qual ele jurou reconhecer, que apareceu quando o relógio já marcava mais de dez horas da noite.
Vestida deslumbrantemente com um vestido azul cintilante que demarcava e dividia todas as suas curvas em plena perfeição, a bela moça alta, loira e de cabelos curtos parecia procurar por alguém dentro do salão.
Uma jovem com aquele perfil era incomum nos espaços de Reverie, saber disto fez com que Park Jimin enlouquecesse. Apenas com a possibilidade da dama ser uma pessoa a quem ele bem conhecia.
Seguindo-a com seu olhar atento, ele percebeu o exato momento em que a jovem, usando a porta traseira do salão, deixou a festa apressada. Aquela era uma oportunidade tão apropriada que mais parecia ser planejada, e que não seria desperdiçada se dependesse do interesse e da boa vontade do Park.
— Garotas, vocês não sentem sede? — Ajeitando os seus fios de cabelo da maneira mais calculada (e típica) possível e distribuindo uma bela piscadela sedutora, caprichando no charme, Jimin arrumou qualquer desculpa com o intuito de sair atrás da dama que o tinha roubado a atenção. — O Jeongguk cuidará bem de vocês, enquanto trago algumas bebidas, não é mesmo maninho?
Como resposta Jungkook balbuciou um evidente "não" que somente Park Jimin pôde entender, um aviso que foi completamente ignorado pelo mais velho. Park Jimin não conseguiria ficar em paz antes de conferir a razão de suas dúvidas. Por isso, sem pensar duas vezes, partiu em sua procura.
Ele se emaranhou em meio às diferentes pessoas, com habilidade o suficiente para despistar tanto o seu primo como as duas garotas que os acompanhavam e, somente quando saiu, através da porta dos fundos do Casarão, que ele confirmou todas as suas suspeitas.
Amber Chaase, a única garota capaz de o levantar às alturas na mesma velocidade em que desmoronava o seu castelo e todo o seu reinado de uma só vez, estava sentada em um pequeno e improvisado banquinho feito de algum resto de árvore.
O coração de Jimin poderia parar de funcionar naquele exato momento que ele pouco se importaria, estava mais que satisfeito, porque sua amada princesa estava de volta em seu império de gelo. Ela tinha encontrado o seu caminho de retorno.
Pensando nestas suposições que o Park não esqueceu de fazer o seu pequeno agradecimento mental para a magia, única e especial, capaz de proporcionar a realização de seu maior desejo naquela última noite do ano.
Mas a fada madrinha de Park Jimin tinha um gosto terrível para finais felizes.
— Amber, o que está fazendo aqui? — Jimin a indagou assim que se aproximou. — Eu acabei dando o seu convite de entrada para o meu primo, como conseguiu entrar? — Ele já segurava ambas as mãos da garota com ternura, antes de continuar. — Pensei que a tinha perdido, achei que uma hora dessas você já tinha partido para sempre, como me disse que ia fazer. — Embargado, ele deixou todas as suas emoções se fazerem transparentes.
— O que posso fazer se sou completamente atraída por você? — Levantou-se somente para ficar em uma altura o suficiente para encarar o seu ex-namorado face à face. — Me diz Jimin, o que devo fazer?
— Só fica comigo.
Chaase nem sequer hesitou antes de impulsionar-se o suficiente para tomar os lábios cheios, vermelhos e tão desejosos de Jimin, que a retribuiu com todo o seu amor e paixão ainda muito vivos e guardados em seu peito.
Foi um beijo afoito, transbordante de saudade, que ansiava por qualquer magia que o pudesse justificar.
Amber massageava o fios lisos do rapaz, que eram cinzas como o famoso céu da cidade de Reverie. Chaase sempre amou aquela tonalidade de cabelo. Ela havia sentido falta do sabor de seu beijo; do toque de sua pele e de todos os formigamentos que só conseguia sentir com Park Jimin.
Saboreá-lo era sentir o inverno se formando em sua boca de estômago, era viver cada dia como se fosse único.
Para Amber Chaase, ele era o seu refúgio no mesmo tempo em que era a sua perdição.
Para Park Jimin, ela era a construção e personificação de suas melhores fantasias mesmo que não fosse real.
Eles se beijaram até que seus fôlegos estivessem em falta, e multiplicaram o momento entre diversos e muitos outros beijos e carícias doces.
Interrompidos somente pelo barulho crescente de passos na porta traseira do salão, alguém estava a caminho, e para não serem descobertos eles fugiram.
— Vamos, eu conheço um lugar vazio onde nada e nem ninguém poderá ficar entre nós.
Fazia algumas dezenas de minutos que Jeon Jungkook se encontrava naquela situação: completamente sozinho e abandonado durante o decorrer de uma festa que ele pouco apreciava.
Depois da partida de Jimin, não demorou muito tempo até que as duas garotas facilmente perdessem o interesse no assunto pouco comovente dirigido por Jeon. Aparentemente, elas não gostavam de discutir a respeito dos primórdios históricos e primitivos da comemoração do dia de Ano Novo.
O que parecia completamente descabido segundo a perspectiva minuciosa do garoto. Como alguém festejava uma data sem saber qual foi a sua origem?
Por estas razões, o Baile de Gala e seus convidados, diferente de qualquer interpretação mística, tinha um semblante enfadonho e ignorante aos olhos do rapaz. Insuportável.
Olhava insistentemente para o seu relógio de pulso como quem desejava adiantar o tempo para a queima de fogos, se sentia tão torturado que nem as bebidas o satisfaziam. Sendo o oposto de Park Jimin, ele não gostava de beber a ponto de perder a noção de seus sentidos básicos.
Nem o seu único amigo estava em sua companhia durante seus piores momentos. Afinal, onde Jimin mantinha-se escondido por tanto tempo?
Sem suportar mais nenhum segundo da maneira que estava, Jungkook aproveitou a distração dos garçons e seguranças — tomando cuidado especialmente com o pianista contratado que, de longe, parecia o mais desconfiado de todos — para, sorrateiramente, vasculhar em busca de seu primo por todas as portas que conseguiu xeretar.
Em contradição, não foi nenhuma das portas fechadas ou restritas que despertou o interesse do garoto, de tal forma quanto a saída dos fundos o pareceu interessante.
Ventos gélidos e uivantes percorriam as arestas da porta entreaberta, permitindo uma pequena visão do exterior, que era tão atrativo e magnético que Jungkook jurou ouvir ser chamado por uma voz doce, viciante e firme ao mesmo tempo.
Sem raciocinar direito sobre o que fazia, como se estivesse hipnotizado, Jeon estava até esquecido de que tinha de procurar por Jimin, quando simplesmente traspassou através da porta, sendo acolhido pela visão distante da floresta e de todo o seu fascínio desconhecido.
Além disto, foi motivo de espanto para o garoto também encontrar uma menina no local. Seu corpo era pouco iluminado mas mesmo assim era visível. Seus cabelos compridos eram tão escuros quanto a famosa floresta sinistra que rodeava o monte Glória. Ela segurava uma grande cesta de piquenique, e estava coberta por um vultuoso e grosso capuz vermelho.
Talvez por efeito das bebidas, ou somente pela situação não rotineira, que o primeiro impulso de Jeon Jungkook ao contemplar as vestes da estranha foi achar graça daquela situação extremamente peculiar.
Além de figuras de época, ele ainda lidaria com personagens de contos de fadas?
Era alguma piada, por acaso?
— Se perdeu de alguma festa à fantasia? — Jungkook não teve medo de perguntar com gozação, da mesma forma também que não evitou a saída de uma sincera e alta gargalhada. Que tipo de cidade tinha moradores loucos o suficiente para andarem trajados de tal forma?
— E você? Roubou a roupa do Noel? — A menina se manifestou confiante e sem nenhuma hesitação, era desafiadora, retribuindo o sarcasmo com a mesma intensidade com a qual havia sido recebida. Enquanto ela também aproveitava o seu desalarme para se aproximar do rapaz, aos poucos, em passos precisos e lentos, olhando-o de cima a baixo.
— Olha quem me fala. A garota que está vestida de Chapeuzinho Vermelho. E o lobo mau, onde está? — Jeon interrogava revestido do mais puro deboche, no instante que ainda ria, descontraído até mais do que deveria.
Todavia, um sorriso assustador se desenhou no rosto da garota Chapeuzinho, progressivamente com o seu acercamento. Jeon Jungkook tinha um cheiro tentador ao seu olfato animal.
Os desavisados eram sempre os mais fáceis de devorar.
Chapeuzinho Vermelho podia sentir a sua boca salivar, apenas imaginando o gosto doce que a sua carne humana deveria ter.
Jungkook, por sua vez, achou graça de toda a situação até o momento em que a garota já o cercava tão de perto que estava próxima o suficiente para ser atingida e iluminada pela luz fraca de uma lâmpada. Foi somente neste instante que Jeon Jungkook teve o conhecimento que, além do capuz vermelho que vestia, ela estava sem roupa alguma.
Jeon encarava o rosto delicado em sua frente, contrastante com o destaque de seu maxilar marcado. Somado por seus olhos amarelos e os seus dentes afiados que tiveram realce o suficiente para que Jungkook encontrasse nela alguma semelhança canina.
Duvidava do que via. Extremamente desnorteado em frente ao que parecia ser uma loba, mas que também era uma humana.
— É engraçado, porque não sou eu quem deveria fugir.
V O C A B U L Á R I O
Dongsaeng: termo coreano usado para referir-se a pessoas mais novas.
Hyung: termo coreano utilizado entre homens, para se referir a um outro homem mais velho.
Soju: é uma bebida alcoólica, destilada e transparente de origem coreana.
Somek: mistura de cerveja coreana (mekju) com soju.
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