ALVORECER ❅02❅
Depois das três horas, o Chevrolet de Jin, dirigido por Taehyung, entrou cantando pneu no estacionamento e brecou com tudo, ocupando duas vagas.
Jin sabia que Taehyung era o pior motorista de toda Reverie mas não tinha a menor possibilidade de dizer isso ao amigo. Ele estava nervoso por estar prestes a encarar um brechó empoeirado, não sabia se deveria escolher um smoking ou algo mais casual, nem se seria necessário um lenço em sua lapela.
As coisas estavam indo legais naquele dia congelante, e não houve sinais de clientes em seu fliperama nas últimas duas horas, portanto Jin se sentia, parcialmente, otimista embora preocupado. Entretanto, ainda havia muito a fazer.
— Esse frio vai congelar o meu cérebro — disse Taehyung, esfregando as palmas das mãos e as aproximando da boca.
— Como se você tivesse um — murmurou Jin, risonho. — Vem, vamos entrar logo nessa espelunca. — Chamou, andando em direção a porta do brechó.
— Ei! Isso dói — Taehyung reclamou, pousando as mãos no peito.
— Entra logo — pediu Jin, segurando a porta aberta para Taehyung.
— Lembre-se: estamos procurando roupas que elevem nossa presença. — disse Taehyung. O brechó cheirava a naftalina misturada com lavanda e poeira. — Vamos nos divertir.
Jin olhou para o amigo e riu.
— Uau. O que deu em você?
— Só estou empolgado — disse Taehyung, fazendo uma dancinha. — Nada de mais.
— Ya! Quer dizer então que você só está animado para esse baile? Nada mais? — perguntou Jin, e em seguida sorriu. — Aposto que tem garota no meio.
— Talvez sim. Talvez não. — Taehyung seguiu Jin até uma parede alta cheia e de prateleiras roxas, impressionado com a rapidez na qual ele identificava a seção mais sofisticada da loja.
Jin se pôs na ponta dos pés para puxar um terno de três peças, azul escuro e com risca de giz, de uma das prateleiras. Entregou as calças para Taehyung e fez um sinal de aprovação.
— O que achou?
— Uma bosta. — Taehyung fez uma careta e jogou a calça contra o rosto de Jin. — É um Baile de Gala! G-A-L-A! É a virada do ano, cara.
Jin revirou os olhos e partiu para mais uma busca, dessa vez nas araras. Procurou entre os ternos empoeirados até que seus dedos pousaram em um smoking branco que lhe despertou um súbito interesse.
— Gostei deste — disse Jin, quando colocou a roupa em frente ao próprio corpo. — O que achou?
— Supimpa! — disse Taehyung, sorrindo.
— Você não precisa falar como uma pessoa de oitenta anos. — Jin balançou a cabeça, examinando o smoking branco com detalhes bordados no colarinho. — Vai achar um trapo para você.
Taehyung chamou a moça alta com cabelos loiros e curtos na altura dos ombros.
— Poderia por gentileza me dizer se há mais algum smoking parecido com este? — perguntou ele, apontando para o smoking de Jin.
A moça torceu os lábios e vasculhou as araras três vezes enquanto murmurava algumas coisas que nenhum dos dois entendia. Finalmente, para a felicidade de Taehyung ela encontrou.
— Aqui está — disse ela, mostrando as peças para ele. — Os provadores ficam nos fundos.
Jin e Taehyung seguiram a mulher até um cantinho da loja, separado por uma cortina de flanela verde.
— Entre, rapaz — disse Taehyung.
O provador era uma bagunça, cheio de peças de roupas velhas, ponchos, chapéus fedora e boás em cabides e prendedores nas paredes. Dava a impressão de que tudo estava ali desde que a cidade fora fundada.
— Vai para o lado — disse Jin, empurrando Taehyung.
Lá dentro a luz era fraca; quase difícil de ver o próprio reflexo no espelho.
— Vire para eu provar isso aqui — disse Taehyung.
— Eu não vou querer ver nada do que você esconde aí — disse Jin, lançando um olhar para baixo.
— Apenas vire — disse ele. — Vai.
Jin obedeceu. Ouviu os sons do amigo se mexendo, a afobação, o barulho dos casacos pesados caindo no chão. Ele acertou uma cotovelada na costela de Jin, que grunhiu e o empurrou bruscamente.
— Vai por suas roupas ou não? — perguntou Taehyung.
Após um revirar de olhos, Jin retirou o casaco preto e o deixou escorregar até os pés. Após se livrar de suas peças de roupas, sentiu o frio fazer sua pele se arrepiar. Ele evitou olhar no espelho e logo deslizou o smoking por seu corpo.
— Pronto? — perguntou Taehyung. — Quero ouvir a sua opinião.
— Calma — disse Jin, enquanto abotoava os últimos botões da camisa.
Jin subiu o zíper da calça branca e, um instante depois, sentiu suas coxas um pouco comprimidas. Moveu as pernas para que se acostumasse com o tecido justo, mas pareceu difícil.
— O que achou? — perguntou Taehyung, ao lado de Jin, enquanto se admirava no espelho.
— Está legal — disse ele. Jin olhou para o smoking de Taehyung e percebeu que diferente do dele, apenas a peça de cima era branca. — Combinou com você.
— O seu também está legal — disse Taehyung. — Porque estamos parecendo dois modelos da Vogue.
— Eca — guinchou Jin, mas estava rindo. — Tire isso logo antes que o cheiro de naftalina grude em você.
— O que eu deveria calçar? — perguntou Taehyung, rindo.
— Qualquer coisa! — Jin vasculhou na pilha de calçados e encontrou um par de sapatos de couro legítimo. — Isso aqui deve servir.
Taehyung analisou o par de sapatos e moveu os lábios, satisfeito.
Novamente diante do espelho os dois ensaiaram poses e expressões sedutoras, tentando passar a imagem de que eles realmente eram dois caras que não tinham comprado smoking em um brechó fedorento.
— Ya! Estamos do baralho.
— Tenho que concordar — disse Jin.
— Nossa, as pessoas realmente deixaram essas roupas aqui — disse Taehyung, olhando para o amigo através do espelho —, e eu agradeço por isso.
Jin riu.
— Acha que eu passo por um dono de uma vendedora de carros e não de um fliperama?
— Salafrário — murmurou Taehyung. — Vamos tirar isso de uma vez.
Jin mordeu o lábio inferior, satisfeito com o visual. Estava tentando se manter positivo por Taehyung em relação ao baile, mesmo que seus pensamentos insistissem e dizer-lhe para não ir.
— Nós temos grana para pagar isso? — perguntou Jin, livrando-se do smoking.
— Os dois smoking devem custar quatro notas de cinco — disse Taehyung. Olhou ao redor em busca da vendedora. — Se algo custar mais que cinco pratas aqui, eu derrubo esse brechó.
Jin deu uma risada e abotoou seu casaco de veludo cotelê e amarrou os cadarços de seus coturnos.
— Quanto custa estes? — Ele gritou para a vendedora que estava em algum lugar.
— Duas notas de cinco! — Foi a resposta que a garota disse, pouco depois. — Posso fazer os dois por apenas cinco pratas.
Taehyung e Jin trocaram olhares e depois sorriram. Ao despejar algumas moedas e colocar sobre o balcão algumas cédulas amassadas, Taehyung colocou os smokings em uma sacola e caminhou pelo corredor até a porta.
— Eu lhe devo cinco pratas — disse Jin, estremecendo ao sair do brechó e entrar em contato com o frio que fez suas bochechas arderem.
Taehyung sorriu.
— Me pague com fichas amanhã — disse ele, lançando-lhe uma piscadela. — Já é o suficiente.
Jin observou Taehyung trilhar seu caminho pela calçada coberta de neve, deixando pegadas profundas onde pisava com suas botas de couro. E para a infelicidade de Jin, estava começando a nevar — nenhuma novidade em Reverie —, aquilo o irritava da maneira mais profunda e dolorosa possível. Não havia um dia sequer naquela cidade onde os cidadãos não fossem massacrados pela neve e pelo frio.
A paisagem era sempre a mesma e nessa virada do ano, profundamente, Jin desejava que parasse de nevar somente por uma noite. Talvez esse fosse o desejo que ansiasse à meia-noite.
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