ALVORECER ❅01❅
Cada vez que você faz uma opção, está transformando sua essência em alguma coisa um pouco diferente do que era antes.
— C. S. Lewis
SeokJin estava com dificuldades para embarcar no sono naquela noite: esquivo e fúgido, ele escapava toda vez que pensava em se mexer. Estava agitado, e seus sonhos eram insistentes e inquietantes.
Envolvido na parte mais escura da noite, tudo de repente pareceu congelado na vida de Jin. Não conseguia dizer o que o incomodava, mas estava lá mesmo assim, aquele medo sem nome, assomando sobre ele e fazendo com que se sentisse fraco.
Talvez fosse frustração por sempre ter que conviver com a neve. Sim, isso mesmo. Em Reverie nevava na maior parte do ano, dando um aspecto entristecido às paisagens que há muito estavam sob a camada fria de veludo branco. Mas não era isso... ou, pelo menos, isso era apenas parte do que o incomodava.
Jin não sabia exatamente o que era o restante. Acordara duas vezes para ir ao banheiro, apenas para encarar seu reflexo no espelho em busca de afastar o incômodo que sentia em plena madrugada. Lavou o rosto e secou as mãos no tecido da camiseta cinza.
Finalmente, um pouco depois das seis da manhã, quando o sol fraco nascia em meio a escuridão em um esforço para conquistar o céu, Jin resolveu desistir. Afastou os cobertores quentes e arrastou-se para fora da cama pela terceira vez, deslizou os pés cobertos por uma meia preta e chegou ao banheiro. Escovou os dentes e jogou uma água no rosto.
Vestiu-se lenta e silenciosamente, com uma calça jeans preta e um suéter de gola alta. Apesar de o dia de dezembro prometer ser um pouco mais aquecido, ainda era cedo e havia um frio úmido no ar, então, com esse pensamento, colocou um sobretudo.
Desceu as escadas de madeira polida de sua casa e chegou à cozinha, suspirando ao encarar seus eletrodomésticos e desejando que eles funcionassem sozinhos e preparassem o seu café da manhã. Não havia ânimo para ligar a cafeteira ou muito menos para esperar que o café ficasse pronto, Jin não se prestaria a esse papel.
Ao pisar do lado de fora, respirou fundo o ar orvalhado enquanto colocava os fones do IPhone.
Em seguida, começou a caminhar pela estrada coberta por um manto branco e ladeada por abetos esbranquiçados. Dali tinha uma visão perfeita da montanha contra cenário pintado no alvorecer, e isto, o fez respirar fundo e apreciar.
Sabia que estava andando devagar, sentindo seus pés vibrarem dentro dos coturnos pretos enquanto se concentrava no tempo, deixando-o clarear à mente que sincronizava com o ritmo da música.
Quando chegou ao fim da estrada, virou rapidamente à esquerda, seguindo pelo asfalto — ou o que era para ser um. Podia sentir a brisa gelada começando a fazer suas bochechas arderem e os lábios secarem.
Jin nascera e fora criado em Reverie, uma cidadezinha localizada no meio do nada, ligada a um trecho de estrada que dava a lugar nenhum. Reverie situava-se à sombra do monte Glória que era rodeado por uma imensa floresta de sequoias. Ele havia visto aquela floresta inúmeras vezes, mas nunca cansava daquela paisagem magnífica, principalmente durante a noite quando a clareira tomava um aspecto azulado.
O que tornava o espetáculo ainda mais extravagante, algo que não poderia ser desvalorizado, era o fato de que a floresta não ficava azul todas as noites. Era apenas nas épocas que findavam o ano; novembro e dezembro.
Jin também era dono de um fliperama no centro da cidade, onde também vendia livros, alguns discos, walk-talks e HQ's dos anos 80. Espirrava só de pensar nas camadas de pó que acumulavam-se em cada página. Caminhou pela calçada, soprando o ar quente em suas mãos unidas em concha ao redor da boca para aquecê-las. Virou à direita e serpenteou pelas pessoas que vinham em sua direção contrária, a caminho de seus trabalhos.
Faltavam apenas dois dias para a virada do ano e a cidade ainda continuava enfeitada por luzes natalinas. Mesmo que não tivessem destaques na neve, as luzinhas ainda brilhavam a todo vapor nas fachadas das lojas e no topo dos postes de iluminação. Essa sensação era agradável. Nostálgica. E tinha cheiro de chocolate quente. Entre pessoas normais a caminho de mais um dia de trabalho, Jin se sentia mais sereno, mais tranquilo.
Desviou de um senhor de idade que usava cachecóis verdes e botas marrons e então, parou diante a porta de seu fliperama. Enfiou a chave pela fechadura e empurrou a porta pesada com tanta força que os sinos balançaram até caírem no chão. Os ignorou e retirou o casaco, o jogando sobre o balcão.
Não teve tempo de acender as luzes quando o conhecido e — insistente —, Kim Taehyung entrou sorridente no fliperama, como se escondesse os dias ensolarados de Reverie em seu sorriso.
— O que faz tão cedo aqui? — ele perguntou a Taehyung, enquanto andava por todo o estabelecimento, ligando um interruptor de cada vez.
Taehyung colocou dois copos de chocolate quente sobre o balcão.
— Eu não consegui dormir. E você?
Jin ergueu uma sobrancelha.
— Eu trabalho aqui, na verdade.
— Espertinho. Eu queria saber se você também não conseguiu dormir. — Taehyung indicou com a cabeça para que Jin pegasse um copo de chocolate quente. — Você nunca abre tão cedo... Vim ver se queria tomar café da manhã comigo, ou algo do tipo. — Ele tentou seu melhor sorriso, parecendo um pouco preocupado com o desânimo que assombrava o rosto bonito de Jin. — Tudo bem, acho que você não está afim.
Jin não gostava quando Taehyung soava decepcionado. Apesar de serem bons amigos há anos, ele ainda não havia conseguido entrar no ritmo do rapaz.
— Tudo bem, vamos.
— Tem certeza? — ele parecia incrédulo. — Não quero obrigá-lo a encher a barriga por minha causa.
Jin virou o rosto para que Taehyung não o visse sorrir.
— Vamos logo antes que eu mude de ideia, V. — Ele já andava em direção à porta com o casaco em mãos, e Taehyung o seguia.
Caminharam por um tempo até a cafeteria mais próxima. Era a preferida de Taehyung, onde ele gastava todo seu dinheiro em bolos e tortas; isso quando não gastava todas as suas moedas no fliperama de Jin. Taehyung era um cliente fiel, daqueles que o proprietário precisava expulsá-lo do estabelecimento.
O sol ainda tentava surgir entre as nuvens para aquecê-los, mas parecia impossível. O frio estava aumentando cada vez, tanto que Jin sentiu a ponta do nariz amortecer. Ele odiava essa época do ano porque era ainda mais frio, diferente dos meses julho e agosto onde pairava um mormaço agradável, que aquecia a todos pelo tempo que conseguisse antes de ser ofuscado pela melancolia do inverno insistente.
— Então, você vai ao Baile de virada do ano? — perguntou Taehyung, buscando uma mesa dentro do estabelecimento lotado e aquecido pelo calor humano. Sentaram-se próximo ao balcão de tortas para que Taehyung pudesse admirá-las enquanto conversavam.
Jin deu de ombros.
— Você vai?
Ele já sabia a resposta; os dois sabiam. O Baile de Gala era o mais luxuoso e esperado evento de toda Reverie. Algo como um último fio de esperança, como se os moradores esperassem confiantes que o inverno fosse embora assim que passasse da meia-noite. Basicamente todos sabiam que isso jamais aconteceria.
Aquela cidade seria gelada para sempre.
Taehyung deu de ombros também.
— Estou pensando ainda.
Por dentro, Jin desejava que Taehyung não o chamasse para ir também.
— Eles vão servir comida de graça — anunciou Jin, encarando a capa de couro esverdeado do cardápio —, deveria ir.
Taehyung sorriu.
— Vamos comigo. Eu posso dirigir — sugeriu ele.
Jin sabia que Taehyung adorava dirigir e adorava mais ainda comida gratuita, mas um Baile? Era a coisa mais brega e patética que uma cidade poderia proporcionar aos seus moradores. Mas o que ele estava tentando provar a si mesmo? Que nunca sentira vontade de ir? Estaria mentindo se fizesse isso.
— Acho que posso fazer isso.
Taehyung sorriu radiante, e um calor desconhecido invadiu o ambiente.
— É? — perguntou Taehyung, não se esforçando em esconder sua empolgação. — Sabe que um baile exige um smoking, não sabe?
Jin balançou a cabeça. Se tivesse algo que ele odiava fazer era usar smoking; ele nem tinha um.
— Eu não tenho um smoking — disse, erguendo as sobrancelhas. — E eu não vou comprar um novo só para esse baile idiota.
Taehyung sorriu ainda mais. Era um sorriso travesso que Jin conhecia muito bem.
— Que tal um brechó? — sugeriu Taehyung, lambendo os lábios ao avistar a garçonete com uma fatia de torta nas mãos.
— Você está brincando comigo? — quis saber Jin, inclinando o corpo para cima da mesa. — Aquele lugar cheira a gente velha.
Taehyung riu até se engasgar com a cereja da torta. Jin olhou ao redor para se certificar de que as pessoas não estavam prestando atenção no seu amigo que tinha uma crise de tosse.
— Você vai ficar velho um dia — disse Taehyung, com os olhos marejados. — Todos no baile vão estar vestidos formalmente e isso significa que você não poderá ir como um surfista.
— Quem disse? — Ele olhou para Taehyung com incredulidade.
Taehyung riu, mas voltou a ficar sério segundos depois.
— Eu soube que terá uma banda — disse Taehyung após dar mais uma mordida em sua torta —, e também eu já consegui os convites.
Jin irritou-se com o excesso de chantilly no canto dos lábios de Taehyung e enquanto o amigo tagarelava sobre o quanto o baile seria magnífico, Jin dobrou um guardanapo e limpou a boca do amigo; indelicadamente.
— Me sinto cuidado — murmurou Taehyung. — Enfim, estou com os convites em mãos e foi difícil consegui-los.
— Eu já disse que vou então não precisa continuar tentando me convencer.
— Ótimo! Então, isso significa que também vamos ao brechó?
Jin respirou fundo, tentando não rir da expressão manhosa de Taehyung.
— Ya! Vamos logo.
Ele sorriu.
— Iu-hu — Taehyung cantarolou —, baile de gala de Reverie aí vamos nós!
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