Capítulo 30
VOU DEIXAR AQUI AVISADO QUE NÃO VOU ACEITAR DE JEITO NENHUM AGRESSIVIDADE E JULGAMENTO DESCABIDO PARA QUALQUER DAS ATITUDES TOMADAS NO CAPÍTULO
Subi as escadas rapidamente, me trancando no quarto.
Me joguei na cama, já incapaz de segurar as lágrimas. Mordi o lábio, mais irritada comigo por chorar do que machucada por tudo o que aconteceu.
Ouvi alguém mexer na maçaneta, desesperado. Ouvi a voz de Seth do outro lado, pedindo para que eu abrisse a porta.
Me encolhi na cama, me agarrando ao travesseiro, ignorando seus pedidos para que eu pudesse sair e conversasse com ele...
- Sam, por favor – sua voz era desesperada, mas pelo menos agora ele tinha parado de forçar a maçaneta. – Eu sei que nada que eu disser sequer chega perto de ser uma desculpa para a merda que eu acabei de fazer... – sua voz falhou. – Mas... – ele ficou em silêncio. Por tanto tempo que eu achei que ele tivesse ido embora, até ouvir sua voz e a da minha mãe do lado de fora da minha porta.
Seth POV
Encostei minha testa na porta. O que mais dói é que eu sei que o que eu fiz não tem desculpa e que ela está absolutamente certa em me ignorar. E que vai estar absolutamente certa quando decidir terminar comigo.
- Seth? – a mãe de Sam perguntou atrás de mim. – Aconteceu alguma coisa? A Sam está bem?
Passei a mão no rosto e fiz que não com a cabeça.
- Eu fiz besteira – admiti. Assumir em voz alta dói mais, ainda mais para a mulher que confiou em mim, depois de todas as coisas que aconteceram com a filha dela e ela confiou em mim. Eu sou um merda mesmo...
Ela me guiou até a cozinha e eu sentei à mesa, ainda sem coragem de olhar para seu rosto.
- O que aconteceu? – sua voz era séria e preocupada.
- Alguém, não sei como, descobriram que a Sam é trans. Vazaram imagens dela de antes da transição, dela com o Jack, essas coisas. Eu não entendi ainda como conseguiram essas coisas – minha voz saía arrastada e exausta. – Confrontaram ela, principalmente no time - continuei. - Ela já tinha passado por muita coisa por estar comigo, mas recentemente tinha parado. As garotas... bom, as garotas que já queriam ela fora do time por minha causa... Elas armaram para poder humilhar e expor ela para todo mundo.
Vi sua mão se fechar em punho sobre a mesa. Continuei com a cabeça baixa, sem coragem de encarar ela.
- O que aconteceu depois? – ela parecia muito mais controlada agora, mas eu não posso ter certeza.
- Me confrontaram. Nos pegaram separados, na verdade. Eu descobri o que estavam fazendo com ela depois que me abordaram. Era tanta gente falando tanta coisa a meu respeito ao mesmo tempo que eu não tive reação alguma. Quando eu finalmente consegui reagir e entrar que eu vi as fotos e o resto – respirei fundo. – E foi isso. Quando me viram, todos do lado de dentro do prédio se viraram para mim e eu não consegui intervir para ajudar ela. Eu me calei e assisti. Eu não fui um dos que atacou ela, mas eu tenho certeza que eu fui o que mais a fez sofrer e a machucou – senti meus olhos arderem ao relembrar a dor em seu olhar direcionado a mim. Ela não pediu minha ajuda e nem falou nada. Ela só me encarou e isso doeu. Mas o pior foi constatar que ela já parecia esperar essa reação. – Depois disso a Lucy e o Matt chegaram e nos tiraram dali. Bom, tiraram ela dali, e eu acabei seguindo. A Lucy fez o que eu não tive coragem de fazer. Ela fez o que eu nem sequer tentei fazer! – rangi os dentes, tentando conter o choro. – A Lucy me xingou bastante e depois me deu um belo soco, e Matt trouxe Sam em casa.
Ela suspirou.
- Me alivia que não tenha sido nada físico – falou por fim. – Seth... – ela começou e depois se calou. – Eu acho que você devia ir embora por hoje. Ela não vai falar com você agora e ela também precisa de um tempo.
Concordei com a cabeça. Eu sei que eu não tenho o direito de me sentir magoado, mas eu me senti mesmo assim.
- Eu não vou interceder em seu favor, e eu também não vou contestar nenhuma decisão que ela tomar, então eu espero que você esteja preparado para as consequências.
- Eu não estou – falei, desesperado. – É claro que eu não estou preparado! Mas eu não posso fazer nada. A culpa foi minha. Tudo o que eu precisava fazer era parar ao lado da minha namorada e apoiar ela – apoiei meu rosto em minhas mãos. – E eu sabia, eu sempre soube, que o maior medo dela era esse, que as pessoas da escola descobrissem e fizessem justamente o que fizeram!
- Seth, você também precisa descansar e esvaziar a cabeça. Mesmo que vocês conversassem agora, nenhum dos dois conseguiria resolver nada. Eu vou falar com ela e ver se ela está bem, mas antes eu quero te pedir um último favor: dá esse tempo para a Sam se recuperar. Ela vai resolver isso com você em algum momento, então espere – ela se levantou e eu a segui até a porta.
- Desculpa, dona Elbe. A senhora confiou em mim e mesmo assim... – ela colocou a mão em meu ombro e pela primeira vez desde essa conversa eu olhei para seu rosto.
- Não sou eu quem preciso te desculpar. Eu entendo que é uma situação nova para você também e que você provavelmente ouviu coisas que nunca achou que ouviria, ainda mais de pessoas que você conhece – concordei com a cabeça, mesmo não querendo que suas palavras me reconfortassem. Eu não quero ser reconfortado. – Até mais, Seth. Se cuida.
Confirmei com a cabeça e peguei minha mochila largada no chão ao lado da porta e saí, sem olhar para trás.
Sam POV
Minha mãe deu três leves batidas na porta e me chamou, pedindo para eu abrir. Suspirei. Eu não quero falar com ela também, mas eu sei que ela tá preocupada comigo.
Me levantei da cama e andei até a porta vagarosamente para poder destrancar.
Mamãe entrou no quarto e eu me joguei na cama novamente. Eu já não estou mais chorando, mas eu não tenho nem como começar a tentar disfarçar de que eu chorei.
- Você tá bem? – perguntou, se sentando ao meu lado, afagando minha cabeça. – Seth me explicou o que aconteceu... – falou cuidadosamente.
- Eu vou sobreviver – respondi depois de muito tempo calada, ignorando a segunda parte.
- O que você vai fazer? – perguntou suavemente.
- Eu não quero pensar nisso agora. Eu não sei nem se eu quero ter que encarar isso em algum momento – admiti. – Eu não preciso mais voltar para as aulas, mas ainda tem o torneio e os treinos – minha voz foi desaparecendo, até eu parar de falar.
- E você não quer vê-lo – concluiu por mim. Suspirei.
- O problema não é ele. Se eu me afastar, ele não vai forçar uma aproximação. E a Lucy provavelmente vai fazer um ótimo trabalho mantendo ele longe. O problema são as outras pessoas...
- Sam, você chegou até aqui de cabeça erguida. Você vai deixar mesmo essas pessoas te abalarem?
- Não é questão de deixar... eles já conseguiram – uma risada sem o menor pingo de humor escapou por meus lábios.
- Eu espero que você se lembre que nem todos estão contra você – ela disse com suavidade. – E que essas mesmas pessoas que estão te apoiando vão precisar do seu apoio no jogo amanhã... – ela beijou minha testa e se levantou. – Descansa um pouco. Esfria a cabeça. Amanhã é um novo dia e você vai precisar ser uma nova Samanta.
Sorri um pouquinho, agradecida, e ela saiu do quarto.
Ouvi meu celular tocar sobre a escrivaninha e me levantei para atender.
- Como você tá? – Lucy perguntou, me olhando como se eu fosse feita de vidro...
- Bem. Estou melhor agora.
- Matt se ofereceu para te levar pro estágio amanhã... – abri a boca para recusar, mas ela me cortou. – Se você falar que não quer dar esse trabalho pra ele, eu vou ficar com raiva – avisou. – Ele também é seu amigo e também tá preocupado com você. Ele quer ajudar, e ele ficou chateado por não poder fazer mais por você do que apenas te dar carona.
Suspirei.
- Tudo bem. Obrigada pela consideração. Eu vou aceitar sim... – ela sorriu.
- Ótimo. Até amanhã.
- Até.
A capitã se aproximou e o nosso técnico também. Eles nos passaram algumas informações e depois pediram para que esperássemos no vestiário. Concordamos e voltamos para lá.
Lucy ficou do meu lado todo o tempo e qualquer pessoa que pensava em dizer qualquer coisa se calava imediatamente quando percebia que ela realmente não tinha o menor problema de não jogar apenas pra poder bater em quem mexesse comigo.
Ayumi também não saía de perto de mim para nada e, sinceramente, dessa vez eu não fiz a mínima questão de falar que não precisa. Eu estou realmente me sentindo insegura do que pode acontecer e tê-las ao meu lado tá me ajudando bastante a lidar com isso...
Como eu previ, Seth não tentou nenhuma aproximação, e se ele pensou nisso por pelo menos um instante, a cara da Lucy fez ele desistir da ideia prontamente.
- Está na hora, garotas – a capitã chamou. Nos levantamos e seguimos ela até a quadra.
O primeiro set foi tranquilo e vencemos sem muitas dificuldades, com uma vantagem de uns 9 pontos, mas no segundo set elas voltaram muito mais concentradas e conseguiram virar.
Fiz o ponto da vitória no terceiro set com o saque, mas senti algo que eu preferia não ter sentido.
Sentei no banco enquanto a gente esperava para começar o que talvez fosse o último set. Segurei meu pulso com a mão esquerda, tentando disfarçar a dor, sem nenhum sucesso.
- Toma – Lucy me ofereceu um isotônico. Estiquei a mão direita para poder pegar, mas a fisgada fez com que eu recolhesse o braço e pegasse a garrafa com a mão esquerda. – Você é uma idiota. Você sabe, não é? – suspirei. – Eu sei que você tá irritada e que tá descontando toda sua raiva na bola, mas se machucar não é a solução ideal para lidar com isso.
- Minha intenção não é essa...
- Sam, eu nunca te vi tão séria em quadra. Você não disse uma palavra a não ser quando foi absolutamente necessário. Você também não sorriu e nem interagiu com ninguém...
- E isso é ruim agora? – perguntei, irônica.
- Quando você mesma tá tentando se sabotar é – ignorei o que ela falava e tentei abrir a garrafa, mas meu aperto com a mão direita simplesmente falhou. Fiz careta e apoiei a garrafa com as pernas, forçando o lacre com a outra mão. Vi sua cara insatisfeita, mas ela não disse mais nada.
- Eu vou ao armário pegar minha munhequeira que eu esqueci. Volto em dois minutos – me levantei e fui andando enquanto bebia o líquido.
Ela me olhou como se quisesse me dizer que provavelmente não vai dar tempo, mas ignorei e segui andando.
Olhei para Seth parado na frente do vestiário feminino, mas não parei, passando direto por ele.
Ele segurou meu antebraço cuidadosamente, me parando.
- Sam – começou, mas puxei meu braço de sua mão, com força, me libertando. Vi a mágoa em seus olhos, mas a minha mágoa ainda tá muito fresca em minha memória para eu me importar se eu o machuquei com isso. – Eu estou preocupado com você. Você não vai aguentar até o final da partida assim... Eu vi como você tá jogando e você parece outra pessoa, parece fora de si...
Ri com escárnio.
- Eu não quero ouvir isso de você. Eu não preciso ouvir isso de você – falei. – Eu sei muito bem o que eu estou fazendo.
- Então a sua intenção é se machucar? – perguntou, levemente irritado. – O meu erro não justifica isso!
- O mundo não gira ao seu redor, Seth – falei. – Minha decepção com o que você fez não tem nada a ver com a partida. Eu estou usando todos os métodos que eu posso pra ganhar e é isso. Agora me dá licença – pedi, mas ele não saiu da frente da porta. Cruzei os braços e esperei.
- Eu sei que eu não tenho o direito de te pedir perdão – começou. – Eu sei que eu fui um merda e que você tá decepcionada comigo, isso para dizer o mínimo, mas eu não quero que você se machuque e eu não quero que você sofra mais. Se você não puder jogar porque se machucou por causa do que aconteceu ontem... – sua voz falhou, e ele parou de falar.
- Seth, aqui não é o lugar para falar sobre isso. Aliás, eu não quero falar sobre isso. Você deixou bem claro ontem o que você realmente pensa sobre mim. E eu não posso dizer que eu me surpreendi, na verdade – ele abaixou o olhar, fitando o chão. – Eu não quero prolongar tudo isso, e eu não vou te dar esperanças de que um dia eu vou te perdoar, então você não precisa mais ficar com essa dúvida...
- Você tá terminando comigo? – perguntou. Seus olhos marejaram, mas nem assim eu consegui sentir outra coisa que não fosse a mágoa e a raiva que eu vinha tentando não nutrir desde ontem.
- Estou – senti o nó em minha garganta, mas não demonstrei qualquer sinal da hesitação e da insegurança que eu sentia.
- Então você está desistindo? Você vai simplesmente jogar tudo fora, desse jeito, fácil assim?
- Desistindo? – falei, quase incapaz de acreditar no que eu ouvi. – Seth, você viu as pessoas me humilharem e não fez nada! Você me machucou! Não foram eles, foi você! Foi em você que eu confiei e você foi quem mais me traiu! – trinquei os dentes, tentando controlar a raiva. – Sinceramente eu esperava que qualquer pessoa me virasse as costas naquele momento, menos você!
Ele abriu a boca para tentar falar alguma coisa, mas o cortei.
- Não! Eu não quero saber. Eu não quero desculpas, Seth. Eu queria o seu apoio. Não me importa se você travou ou se você não sabia o que fazer com toda aquela atenção voltada para você! Não importa se estavam te xingando ou te chamando de viado ou sei lá mais o quê! – apertei a garrafa em minha mão, amassando ela. – Porra, Seth, não tem um mês que você pediu para eu confiar em você enquanto a gente transava pela primeira vez. E eu confiei! – minha voz foi morrendo, minha raiva se esvaindo tão rapidamente quanto veio. Respirei fundo. – Esquece. Me esquece. Esquece que um dia fomos amigos, que fomos namorados, que nos beijamos e transamos. Eu não vou esquecer que te amo e não vou esquecer que confiei em você cegamente, mas todo o resto não fará mais parte da minha vida.
Seu semblante desabou, mas eu não fiquei ali para vê-lo chorar. Dei as costas e entrei no vestiário. Quando eu saí, ele já não estava mais ali.
Quando voltei, Lucy e a capitã já estavam surtando, mas provavelmente entenderam que alguma coisa aconteceu pela minha expressão.
Lucy me levou para um canto.
- Você tá bem? Vai conseguir jogar assim? Você parece que vai despedaçar a qualquer momento...
- Seth estava me esperando lá embaixo – contei e seu rosto se contorceu em compreensão. Me sentei no banco e entreguei a fita para ela, que eu acabei pegando também. Coloquei a munhequeira e estiquei minha mão em sua direção para que ela pudesse prender meus dedos.
Ela não falou mais nada, e eu agradeci por isso. Tudo o que eu menos quero nesse momento é conversar. Na verdade, eu não quero nem jogar, mas eu sei que as meninas dependem de mim e a Ayumi parece que tá tão nervosa que não se aguenta em pé.
- Você consegue voltar? – a capitã perguntou, atrás de mim. – Eu posso colocar a Ayumi até você se recuperar.
- Me recuperar de quê? – falei, fingindo ignorância. Eu sei que minha cara provavelmente não é a melhor. Bom, já não era antes de eu falar com o Seth, agora só deve estar pior. Me pergunto se eu pareço estar tão no limite quanto eu me sinto.
Ela suspirou e se virou, apontando com o queixo na direção de Seth, que está sentado no banco com o rosto apoiado nas mãos. Seus dedos se fechavam em seus cabelos e pela primeira vez eu me senti mal por tudo o que eu falei pra ele lá embaixo.
- Ele vai sobreviver. Eu vou sobreviver – dei de ombros, falando friamente. – Uma coisa dessas não vai me atrapalhar em quadra – vi Matt se aproximando de Seth e se sentando ao seu lado, falando alguma coisa pra ele. O namorado de Lucy olhou rapidamente em minha direção, sentindo meu olhar sobre si e depois voltou sua atenção para Seth, que nem sequer tinha levantado a cabeça para falar com o amigo.
Suspirei.
- Você também devia falar com ele – falei pra Lucy. – Não importa o motivo, ele ainda é seu amigo e provavelmente vai precisar de você agora – ela me olhou, pasma. – Eu não sou esse tipo de pessoa – expliquei. – Eu ainda gosto dele e me importo com ele e isso não vai mudar – dei de ombros, refazendo meus cadarços, já que o próximo set já vai começar. – E eu não quero que vocês se afastem por minha causa. Ele me agradeceu, mais de uma vez, por eu ter sido o motivo de vocês voltarem a se entender, e eu não quero ser a pessoa a arruinar isso de novo.
- Você é a melhor pessoa que eu já conheci na vida. Eu não sei se eu seria madura assim pra falar essas coisas – ela me abraçou. – Eu vou lá falar com ele – concordei com a cabeça e me ajeitei no banco, olhando o telão no outro lado da arena, com o nome dos times e o placar dos sets.
Se tudo der certo, amanhã estaremos aqui novamente.
Me virei, curiosa, e vi Lucy deitando a cabeça de Seth em seu ombro enquanto falava alguma coisa pra ele. Ele concordou algumas vezes, com os olhos fechados. Lucy riu e Seth fez uma careta, mas deu um sorriso mínimo também.
Me levantei e segui as meninas que já se posicionavam na quadra. Eu não sei se eu falei mais do que eu realmente precisava para ele, mas fico feliz se ele levar esse término na boa. Eu não quero causar sofrimento desnecessário a ele. Na verdade, eu não quero causar sofrimento algum para ele, mas eu acho que essa parte é inevitável. Fiquei feliz também pela Lucy ter conseguido animar ele um pouco.
Ela correu em nossa direção e se posicionou. O juiz apitou o início do jogo.
O saque foi certeiro em sua direção, mas ela não parecia estar atenta o suficiente no jogo para pegá-lo, então ele vazou sua defesa, dando o primeiro ponto para elas.
Me virei para ela, de sobrancelha arqueada e ela pediu desculpas.
Nosso treinador gritou alguma coisa antes do segundo saque vim, e dessa vez ela recebeu. Olhei em volta, analisando a posição das atacantes do outro lado da rede e vi que tinha um óbvio desfalque, que provavelmente é uma estratégia para atrair nossa atenção no ataque... Uma típica armadilha... Pulei e quando elas se prepararam para defender, joguei a bola graciosamente por cima do bloqueio, sorrindo ironicamente quando elas me fuzilaram com o olhar. Esses truques infantis não vão funcionar comigo...
A gente marcou com muito mais folga no terceiro set, e a cada ponto elas pareciam menos dispostas a lutar contra a gente, então o resultado final não foi surpresa para ninguém.
As garotas que não me queriam fora do time comemoraram comigo e as que não gostavam de mim simplesmente se afastaram, enciumadas.
Olhei em volta quando ouvi alguém chamar meu nome, sentindo meu coração acelerar. Procurei por alguns instantes, não conseguindo identificar o rosto que eu associei à voz, até que eu vi ele parado, na arquibancada, sorrindo largamente. Meus olhos se arregalaram e meus pés me guiaram em sua direção mesmo sem eu ter ordenado que eles fizessem isso.
Ouvi vagamente Lucy me chamando, mas ignorei, meus olhos incapazes de desgrudar dos olhos azuis brilhantes de Jack.
Eu dei a volta, entrando para poder acessar a parte das arquibancadas. Quando eu cheguei lá, ele já me esperava, sorrindo ainda mais.
Andei até ele com passos largos e o agarrei, apertando-o forte contra mim. Senti meus olhos arderem e não consegui conter as lágrimas, mas também não me importei de chorar em seus braços. Como eu senti falta desse abraço.
Ele me abraçou, me trazendo para mais perto.
- Você cresceu bastante – comentou, me fazendo rir.
- Por que não me avisou que vinha? – perguntei, fungando e passando a mão em meus olhos. Jack é a única pessoa na vida que eu não me importo se me vir chorar, porque ele já presenciou isso tantas vezes quando éramos mais novos...
- Eu queria fazer uma surpresa – sorriu e beijou minha testa.
- Você sabe que eu odeio surpresas – sorri também.
- Eu achei que você fosse gostar dessa – piscou um olho para mim. Apoiei meu rosto em seu peito novamente e o apertei mais um pouquinho contra mim, não querendo larga-lo.
Senti o olhar das pessoas lá embaixo na quadra em nossa direção e suspirei. Acho que eu não tenho escolha... Me afastei, mas segurei sua mão, entrelaçando meus dedos aos seus.
- Vem, eu preciso te apresentar à Lucy e ao namorado dela, caso contrário ela nunca mais vai largar do meu pé e parar de encher o saco – começamos a andar.
- Não tá faltando um para me apresentar? – perguntou, já sabendo a resposta. Ele ainda não sabe o que aconteceu ontem, mas ele me conhece melhor do que ninguém e sabe que tem alguma coisa errada. Ele sempre sabe quando tem alguma coisa errada.
- Na verdade não – falei. – Não tem mais necessidade de te apresentar pra ele...
Jack suspirou pesadamente.
- Eu vou ficar aqui enquanto vocês tiverem partidas. Espero que você possa se abrir comigo até lá – ignorei o que ele falou e parei antes da gente entrar na parte da quadra. Lucy olhou em nossa direção e eu acenei para ela, que foi andando até nós dois.
Quando ela se aproximou seus olhos se prenderam em nossas mãos por um momento, mas ela não falou nada.
Jack ofereceu sua mão livre para ela, sorrindo calorosamente.
- Olá, prazer. Eu sou o Jack. Sam falou muito sobre você... – ela me olhou, arqueando a sobrancelha.
- Nem sempre coisas boas, imagino – ela disse, ironicamente e apertou a mão dele. – Prazer, eu sou Lucy – Matt apareceu, parecendo receoso. – Ah, esse é meu namorado, Matt.
Matt acenou com a cabeça e Jack fez o mesmo.
- Então você é o famoso ex... – ela comentou e ele riu, espirituoso.
- O que você andou falando de mim para eles? – perguntou, me cutucando. Dei de ombros.
- Quase nada, na verdade. Está tudo na imaginação deles – sorri maliciosamente e Lucy bufou.
- Vocês querem ir para algum lugar? A capitã nos liberou e eu estou morrendo de fome – Lucy falou. Matt olhou de relance para ela, mas não falou nada.
- Por mim – dei de ombros. – Não é como se eu fosse conseguir fugir de você, e se eu tentasse ir embora sozinha você ia me caçar até o fim do mundo...
- Se você quiser, eu posso te dar uma carona na volta – Jack ofereceu. Dei de ombros.
- Pode ser. Mas antes vamos comer alguma coisa – ele concordou e a gente foi andando vagarosamente até o vestiário.
Soltei minha mão da sua, começando a tirar as fitas dos meus dedos.
- Ah, quase me esqueci – ele parou e me virou para si. – Você é uma idiota! – Lucy e Matt olharam para ele, surpresos. Ri achando graça. Eu realmente sinto falta da delicadeza dele...
- O que eu fiz dessa vez? – perguntei fazendo uma bolinha com as fitas que tirei pra poder jogar na lixeira.
- Você sabe o que fez – me encarou, sério. Uau, ele tá mesmo irritado comigo. – Se você continuar forçando seu pulso desse jeito, por birra, seu pino vai rachar seu osso novamente. Acho que você ainda lembra da dor, não é mesmo?... – segurou meu pulso que já está sensível e fez uma leve pressão, me olhando com uma cara assustadora.
- Ok, ok, eu não vou fazer de novo – falei, desesperada, tentando me livrar de seu aperto. – Eu prometo! Agora me solta! – choraminguei, deixando uma careta de dor escapar.
- Ótimo – falou satisfeito. – Amanhã eu estarei aqui novamente, e se você demonstrar pelo menos o mínimo desconforto... – parou de falar e arqueou a sobrancelha sugestivamente.
Me arrepiei e concordei rapidamente com a cabeça.
- Boa garota – beijou minha bochecha e me empurrou carinhosamente para a porta do vestiário. – Vou esperar vocês aqui... – sorriu de canto e Lucy me arrastou para dentro.
- Eu acho que ele é totalmente diferente do que eu imaginei... – ela confessou. Esfreguei freneticamente meu pulso, tentando aliviar a dor. – Eu nunca imaginei que ele faria isso com você...
Ri um pouquinho enquanto me despia.
- Ele sabe como lidar comigo de uma forma que eu muito raramente me oponho ao que ele quer... Ele tem um jeitinho especial de driblar minha teimosia... – admiti. – Mas ele nunca passou dos limites comigo e ele só faz coisas como essa quando ele tá realmente puto comigo, normalmente quando eu fiz alguma merda muito grande que é ou vai ser prejudicial pra minha saúde...
Ela concordou e entrou no box para tomar banho. Entrei na cabine ao lado.
- Você tem um ar completamente diferente quando tá com ele. Talvez isso não seja muito legal de dizer, mas é como se vocês fossem feitos um para o outro...
Fiquei calada por um tempo, pensando em como responder.
- Eu pensei assim por muito tempo – admiti por fim. – Que eu nunca seria capaz de superar ele, e que nunca existiria outra pessoa que me faria sentir como eu me sentia com ele. Claro que não foi igual com... – hesitei, parando de falar. – Bom, não foi igual. E eu tive a certeza de que eu nunca o superaria, mas eu também aprendi que eu não posso esperar que seja igual. Jack foi uma parte muito grande da minha vida, mas a gente não poderia retomar de onde paramos. Eu ainda o amo, mas é um pouco diferente agora...
Saí da cabine com a toalha amarrada só na cintura. Não tem ninguém aqui além da Lucy e essa é a única parte que eu realmente me importo se alguém vir. Peguei minha roupa no armário e me vesti rapidamente.
- Parece que ele ainda gosta muito de você... – comentou.
- Você tá certa. Ele continua me olhando exatamente da mesma maneira que ele me olhava quando a gente namorava – sorri tristemente.
- Você queria que ele esquecesse esse sentimento?
- É complicado... Eu sei que é egoísmo, mas eu gostaria que ele mantivesse esses sentimentos por mim... Mas ao mesmo tempo, eu não quero mais que ele sofra por minha causa, e eu quero que ele consiga seguir em frente e seja feliz – suspirei. – Mas eu não sei dizer qual dos dois pesa mais dentro de mim...
- Vamos? – sorriu, tentando me animar. Concordei com a cabeça.
Matt já nos esperava lá fora, numa distância considerável de Jack, que está encostado na parede em frente ao vestiário feminino com as mãos enfiadas nos bolsos da calça de forma casual. Ele sorriu quando nos viu, já Matt pareceu aliviado. Eles não parecem terem discutido, mas é nítido que o namorado de Lucy não gostou dele...
- Para onde vamos? – perguntei, à ninguém em específico.
- Tem um lugar legal, não muito longe daqui – Lucy falou, então todos seguimos ela. – Você segue a gente de carro? – perguntou pra ele.
- Ok.
- Sam, você pode ir com ele. Eu imagino que tenha muita coisa que vocês queiram conversar... – ela disse, sem malícia.
- O...k... – falei pausadamente e arqueei a sobrancelha, estranhando. Matt também pareceu estranhar, já que me olhou e depois olhou para ela, desconfiado.
Ninguém falou mais nada, até eu estar sozinha no carro com o Jack.
- É impressão minha ou sua amiga tá tentando alguma coisa? – ele finalmente perguntou.
- Eu acho que nem ela sabe o que ela tá fazendo – sorri. – Mas pode ser que você esteja certo.
- Talvez ela esteja testando você – me olhou de canto de olho e eu suspirei. Eu tenho a mesma impressão. Parece que ela tá forçando pra ver se eu vou realmente traçar um limite e atravessar ele, e esquecer que eu terminei com o Seth há menos de duas horas...
Embora eu não possa realmente garantir que nada vai rolar entre nós dois, eu posso pelo menos afirmar que a nossa intenção não é essa, caso contrário, seria a primeira coisa que a gente teria feito ao se ver... Me remexi inquieta no banco, me sentindo incomodada com a minha própria linha de pensamento.
- Tá indo para onde? Ela virou na rua de trás! – ele olhou pro retrovisor e depois riu.
- Eu me distraí – fiz uma careta. – Vou dar a volta. Parece que essa rua é interligada à outra, então não faz diferença.
- E é assim que a gente sempre se perdia... – ele me olhou indignado.
- Eu nunca me perdi! Eu só buscava rotas alternativas que nem sempre davam em algum lugar satisfatório...
Ri. É típico dele esse tipo de comentário.
- No próximo sinal vermelho você vai trocar comigo! – ele abriu a boca para protestar. – Sem chance! Eu não quero me perder. Eu estou morrendo de sono e estou cansada até os ossos, e não estou com paciência pra isso hoje – ele fez uma carinha triste, mas não tentou me dissuadir. – Bom garoto – ironizei, usando a mesma frase que ele disse na arena, fazendo ele rir com gosto.
- Eu acho que mereci essa – piscou um olho para mim, sorrindo.
Estacionei na frente da lanchonete que Lucy parou e saímos do carro. Ela olhou interrogativamente para nós dois, provavelmente se questionando porquê eu estava no volante, sendo que quando a gente saiu de lá, quem dirigia era ele. Dei de ombros e fiz um sinal dizendo que explicaria mais tarde e ela confirmou com a cabeça.
Devolvi a chave do carro para o Jack antes que eu me esquecesse.
- Desde quando você vem a esse tipo de lugar? – perguntei pra ela, cutucando seu ombro. – Como você descobriu isso? Aqui é bem longe de onde a gente mora...
- Não é só você que conhece lugares longe, sabe... – respondeu ironicamente. Mesmo depois de todo esse tempo ela ainda tá chateada comigo porque eu nunca expliquei direito sobre aquele sumiço pra "ir à praia". – E pra onde exatamente você achou que eu fosse levar vocês? Um restaurante cinco estrelas?
Ri.
- Por favor, não. Não faz meu estilo e muito menos o seu – alfinetei e ela fez careta pra mim, irritada.
Jack se aproximou por trás de mim quando a gente entrou, apoiando a mão no meu ombro para chamar minha atenção e se inclinou pra falar perto do meu ouvido.
- Você acha que vai ser uma má ideia se eu aparecer na frente da sua mãe do nada? – murmurou. – Eu queria poder falar com ela antes de ir embora.
- Acho que ela vai ficar muito feliz de te rever – respondi, também baixinho. Nos sentamos e ele começou a olhar o menu. – Se você quiser, pode passar lá em casa mais tarde – ele concordou com a cabeça.
- O que você vai pedir? – falou. – Não tem muita opção interessante e que você gosta... – analisou o nome das comidas, pensativo.
- Eu não estou realmente com fome, então não tem problema... – ele me olhou feio e eu levantei as mãos em sinal de rendição. – Ok, ok, eu vou comer! Escolhe qualquer coisa aí – dei de ombros. Às vezes é melhor me poupar o trabalho de começar uma discussão que eu já sei que eu não vou ganhar.
Percebi que Lucy e Matt estão nos observando atentamente, o que tá me incomodando.
O atendente se aproximou e eles dois fizeram seus pedidos, e o Jack pediu para nós dois.
- Vocês dois parecem que estão em uma sintonia totalmente diferente dos outros... É difícil de se aproximar... – Lucy comentou.
- Já falaram isso pra gente algumas vezes – Jack disse. – Que parece que a gente tá num mundo completamente fechado e só nosso... – revirei os olhos.
- É só que a gente tem mais intimidade do que com os outros e muito tempo de convivência, então o nosso tratamento um com o outro é baseado nisso – falei. – Mas é difícil haver pessoa mais sociável do que ele – gesticulei pro Jack, que riu um pouquinho.
- Você nunca reclamou disso no passado... Você ficava com ciúmes quando eu falava com outras pessoas? – tentou me provocar.
- Nunca reclamei no passado e não estou reclamando agora. Além do mais, eu não precisava ter ciúmes de você – sorri e ele me fitou, confuso. Quando ele abriu a boca para perguntar eu arqueei a sobrancelha sugestivamente e ele riu.
- Tá vendo, é essa vibe que faz ser difícil se aproximar – Lucy falou, parecendo desistir da conversa.
- Ok, foi mal. Eu vou tentar controlar, é só que eu acho que juntando a vitória do time com poder rever ele está me fazendo ficar um pouco mais feliz do que eu ficaria normalmente... – admiti.
- O que fez você vir ao jogo? – Matt se pronunciou pela primeira vez. Pude perceber a sutil tentativa dele de fazer parte da conversa e de ser gentil.
- Eu queria vê-la jogando. Ela parecia tão feliz ultimamente falando dos treinos que eu acabei me empolgando também. Mas eu sabia que se eu dissesse que queria ver, ela ia ficar irritada e daria um jeito de me fazer prometer que não viria – me olhou quando eu comecei a retrucar. Fechei a boca e apoiei a bochecha na mão, olhando para o outro lado da lanchonete.
- Então vocês ainda mantêm contato... – ele murmurou, me fitando com a mesma expressão que Lucy.
- Dificilmente eu não manteria – dei de ombros. – Ele ainda é meu melhor amigo e eu gosto de conversar com ele. E, Lucy, para de me olhar com essa cara de quem acabou de descobrir um segredo porque você já sabia... Eu já tinha te falado isso antes – fiz careta.
- Sim, mas eu não queria perder a oportunidade de te provocar – riu. Suspirei. Eu nem vou me dignar de responder.
- O clube de basquete não vai competir esse ano? – falei, me lembrando que a data tá meio que coincidindo com as partidas que ele disputava antigamente.
- Tiveram alguns problemas e os jogos foram remarcados para maio – sua voz soou cansada de repente, e eu sei que isso é uma coisa que tá incomodando ele. Então me ver jogar não foi o único motivo que fez ele vim aqui, afinal. Foi um escape da realidade, uma válvula para desestressar... Olhei em seus olhos e ele suspirou. – Sim, também foi por isso. Eu não queria dizer porque eu achei que você fosse ficar chateada...
- Tsc. Por que eu ficaria? – reclamei. – Não seria a primeira vez que um de nós dois usa o outro como agente desestressante – revirei os olhos. – Isso explica muito mais pra mim do que sua desculpa anterior – o atendente trouxe nossa comida. Olhei para o sanduíche de queijo que Jack escolheu para mim e suspirei, sem a menor vontade de comer. Ele escolheu a mesma coisa para ele. Mesmo sem ser vegetariano, ele nunca comia carne quando estava comigo. – Lucy, você chegou a competir alguma vez no basquete? – mudei de assunto, tirando o foco de nós dois.
- Sim, de alguns, mas a gente nunca chegou muito longe, já que as outras garotas não queriam de fato competir... O que me lembra: você chegou a competir alguma vez com basquete?
Sorri sem graça e Jack riu.
- Já – admiti. – Eu fui obrigada a participar...
- Eu não te obriguei! – se defendeu.
- Claro que não, imagina. Você só me "convidou" por três semanas seguidas, sem descanso, até eu desistir...
- O cara tinha se machucado e você era nossa única opção confiável o suficiente! Eu te chamei porque eu confiava que você era boa o bastante para nos ajudar a ganhar, caramba!
- Tá, tá – ignorei o que ele dizia. – Era assim que ele me fazia ajudar com o clube também...
- Por que você não se juntou simplesmente ao clube de basquete então? Ao invés disso foi para o de vôlei...
- Você não contou pra eles? – Jack perguntou, um tanto surpreso. Fiz que não com a cabeça. – Por quê?
- Porque quando o assunto surgiu, eu já tinha traumatizado a Lucy o suficiente pelo dia para entrar em detalhes nesse tema também... – ri com a expressão perdida que ele me olhou. Levantei o pulso e apontei. Sua expressão de dor me lembrou da nossa despedida no aeroporto, e isso me desestabilizou um pouquinho.
- Na verdade não é pesado desse mesmo jeito – ele começou. Ele sabe que se eu não quisesse que tanto Lucy quanto o Matt ficassem sabendo, eu já o teria impedido de falar, então ele simplesmente continuou. – Foi no início, quando os pais dela começaram a ter problemas mais frequentes dentro de casa, e o pai dela começou a ficar mais violento também, porque começou a suspeitar de que ela era, bom, gay. Como resultado, ela também ficou bem mais surtada – arqueei a sobrancelha incomodada com a escolha de palavras, mas deixei ele continuar. – Como o basquete é um jogo de um pouco mais contato do que o vôlei, bom, isso estava mexendo um pouco com ela... então ela preferiu um esporte onde ela poderia canalizar sua raiva na bola, e não nos outros...
- Você agrediu seus colegas de time? – Lucy disse, horrorizada. Fiz cara feia e desviei o olhar.
- Ela criou uma reputação e tanto por causa disso... A Sam era uma lunática na quadra. Ela sempre tinha um olhar meio psicopata enquanto jogava – riu e eu acotovelei suas costelas com força, fazendo ele soltar um gemido de dor. – Embora seja totalmente fora da natureza dela ser violenta, ela estava num estado de estresse tão grande por causa da situação na casa dela e por outros motivos que ela já não estava mais conseguindo controlar certos impulsos.
Lucy me encarava incredulamente.
- As pessoas realmente mudam... – falou boquiaberta.
- Eu não mudei – bufei. – Eu estava em meio de muita situação estranha pra nada me afetar de alguma maneira. Infelizmente eu fiquei violenta – abaixei a cabeça, encarando o tampo da mesa pensativamente. Não é difícil associar meu comportamento violento com tudo o que estava acontecendo dentro da minha casa, mas eu prefiro não especificar tudo isso.
- Bom, depois de traumatizar todo mundo que jogava vôlei com ela, ela começou a aprender a lidar com as emoções.
- Isso se chama "terapia", e eu não sei se você lembra a quantidade absurda de tempo que eu passava em psicólogos... – senti que o clima ficou um pouco mais pesado depois desse comentário. – Mas eu também tenho que te dar o devido crédito. Você me ajudou bastante – dei de ombros.
- E vocês começaram a namorar antes ou depois disso? – Matt perguntou.
- Ah, bem depois. Eu comecei a jogar vôlei com aproximadamente 11 anos... Nessa época eu não via ninguém com algum interesse que não fosse jogar... Nós dois éramos dois pirralhos...
- E depois disso a violência foi trocada por outro aspecto – ele sorriu maliciosamente e eu sei exatamente aonde ele tá chegando na história...
- Eu me orgulho muito menos disso do que machucar alguém – admiti. – A Lucy já sabe boa parte sobre esse meu lado, mas o Matt ainda não, então pega leve...
Ela riu e Matt olhou entre nós duas, perdido.
- Como eu falei, o pai dela era um cara violento e preconceituoso que estava desconfiado que o "filho" dele era viado... – grunhi. – E isso afetou ela de muitas maneiras...
- Se você vai ficar cheio de dedos, deixa que eu conto – me meti. – Por causa do meu pai, juntando também o desespero de um adolescente por aprovação, um adolescente cheio de testosterona buscando aprovação, eu acabei iniciando minha vida sexual muito cedo...
- Você tá sendo muito dura consigo mesma... – Jack me interrompeu. – Na verdade, ela sempre foi popular na escola, ela só não ligava...
- É, é, e um dia eu pensei "será que meu pai vai entender que eu sou homem se eu começar a levar algumas garotas pra cama?" E foi assim que tudo começou... – Jack riu por causa do meu sarcasmo e eu revirei os olhos. – Na verdade, não foi do dia para a noite. Eu me sentia incomodada com o meu corpo, mas eu não entendia o que tinha de errado. Eu também tinha muito medo de ser realmente gay, porque eu sabia que isso era algo que faria meu pai surtar, então eu estava tentando provar para mim mesma e para ele que eu era homem... Eu não sabia exatamente o que eu tinha que fazer, até a primeira oportunidade surgir... Quando eu transei a primeira vez com uma garota, eu descobri que esse era o maior "status" do homem: ser o cara experiente, ser o "pegador" – fiz cara de nojo.
- Afinal de contas, com quantos anos você perdeu a virgindade? – Lucy perguntou.
- Treze... – admiti à contragosto.
- Wow... – dei de ombros.
- Essa foi uma época que eu e ele nos afastamos muito também – continuei. – Eu passava muito mais tempo focada nisso do que com ele. Basicamente a gente só se via quando estávamos voltando para casa, e isso quando eu não fugia do colégio pra levar alguma garota para a cama – falei.
- Eu já fiz essa pergunta para ela, mas ela não sabe me responder, então eu quero saber de você, que vivenciou, mesmo que externamente, isso tudo com ela: com quantas garotas você acha que ela dormiu?
Ele colocou a mão na cabeça, pensativo. Encarei ele, meio apreensiva.
- É difícil dizer... É mais fácil contar as garotas que eu conhecia e sei que nunca dormiram com ela... Espera... – vi ele mexendo os lábios e os dedos sob a mesa, e eu percebi que ele tá realmente contando. – Na nossa sala eu tenho certeza que tinham umas cinco que ela não conseguiu levar pra cama... Que eu conhecia no total acho que era... sei lá, umas doze garotas? Provavelmente era mais, claro – deu de ombros.
- Cinco na nossa sala? – perguntei, intrigada. – Quem?
- Tinha a Jess, a Liss, a Mei, a Claire e a Yuri...
Ri.
- Você pode tirar duas dessa lista. A Mei e a Yuri mentiram pra você...
- Tá vendo? Não tem como saber exatamente com quantas pessoas ela já transou – Jack disse, parecendo incrédulo, respondendo à Lucy.
Peguei meu celular e mostrei uma foto minha para o Matt.
- Só para você se contextualizar – disse. Ele pareceu tão chocado quanto a Lucy e o Seth ficaram. – Mas não importa... O Jack ficou meio puto comigo, porque a gente quase não se via.
- É claro. Você era a pessoa que ficava comigo o dia inteiro e do nada sumiu da minha vida. Eu queria minha amiga de volta! – sorri. – Bom, e eu também comecei a notar algumas coisas, então eu dei um jeito de me reaproximar. Quando ela admitiu que não sentia nenhuma atração por mulheres, muito pelo contrário, eu quase tive certeza, embora, claro, não tenha nada a ver. Eu demorei um tempo pesquisando e juntando informação, até eu ter certeza que eu deveria falar para ela sobre a transexualidade.
- A gente começou a namorar mais ou menos por essa época...
- Não tão cedo assim. Depois que você me beijou, eu fiquei muito tempo esperando você se tocar que gostava de mim e que era recíproco... – bufou. – Você precisou estar bêbada para admitir – me encarou, parecendo irritado. Ri.
- Se você soubesse o tanto que eu surtei por causa disso, com medo de perder a sua amizade, você não me julgaria tanto... – Jack franziu o cenho.
- Em nenhum momento te incomodou o fato de namorar com ela enquanto ela nem sequer sabia ainda sobre ser trans, e muito menos se identificar com o gênero feminino? – Matt perguntou, curioso e Jack deu de ombros.
- Eu sei que ela vai ficar com raiva por causa disso, mas eu nunca exatamente vi a Samanta como um homem – arqueei a sobrancelha e ele riu. – Calma! Me deixa explicar! – pediu. – Eu sempre senti que ela se forçava a ser algo que não era. Mesmo quando nós éramos muito mais novos, mais ou menos aos cinco anos, eu já sentia isso. E por algum motivo na minha cabeça, eu sempre vi ela como mulher – admitiu envergonhado. – Eu também tive alguns problemas sobre auto aceitação. Eu fiquei em dúvida por muito tempo sobre minha orientação sexual por causa da óbvia atração que eu sempre senti por ela...
- Você nunca me disse isso – fitei ele.
- Eu não queria te confundir. E eu sabia que se eu falasse isso pra você, você se sentiria culpada por me magoar... Ainda mais que você demorou a admitir que sentia atração por homens – deu de ombros. - Mesmo que eu tivesse te falado, a gente não teria chego a lugar nenhum.
- E como foi tudo isso na escola? – ele perguntou.
Desviei o olhar e Jack ficou quieto por um tempo. A escola foi uma época complicada para nós dois...
- A gente teve bastante problema depois que descobriram que a gente estava junto – ele admitiu. – Eu também era popular, mas eu não me relacionava com ninguém. Já para todo mundo foi um choque "o cara" mais popular do colégio, o mais pegador, aparecer namorando outro cara... – ele deixou escapar uma careta. – Parecia que todo mundo estava dedicando sua vida a acabar com a nossa...
- Não dava para saber quem ficou mais irritado: se foram as garotas que eu levei pra cama, ou os caras que perderam diversas oportunidades ou tiveram seus namoros arruinados por minha causa... – Lucy arqueou a sobrancelha. – Tá, tá, eu já sei, eu era podre. Mas em minha defesa, eu sempre deixei bem claro que eu não queria relacionamento sério com ninguém... Elas terminavam ou traiam eles porque queriam – usei a desculpa mais esfarrapada que existia, o que só fez ela balançar a cabeça negativamente. É óbvio que eu também tinha culpa, porque eu poderia simplesmente negar.
- As coisas ficaram muito físicas em um determinado momento... Mas a gente sempre deu um jeito de se ajudar, seja lá qual fosse a situação – seu olhar ardeu em mim e eu fiz que não com a cabeça. Eu pedi, sutilmente, para que ele não entrasse em detalhes sobre nosso término e o que me levou a tomar a decisão. Ele concordou. Ele sabe o quanto eu me arrependi de ter feito isso. De certa forma, ele também se arrepende por não ter insistido mais... – Depois de um tempo, depois que a gente mudou pro ensino médio, na verdade, as coisas melhoraram bastante, já que nós mudamos de escola, mas mesmo assim não foi um período fácil...
- A gente namorou por dois anos. Eu comecei a transição com quinze anos, já com quase um ano de namoro – respondi, já antecipando a pergunta.
- Pelo o que você me falou, eu já imagino que você não vai querer se aprofundar no tema "término" – Lucy comentou.
- De preferência, eu realmente prefiro não falar sobre isso. Eu não sei o que teria sido do nosso relacionamento se eu não tivesse insistido em terminar, por falta de segurança. Pode ser que a gente estivesse junto até hoje, ou que a gente tivesse terminado pouco tempo mais tarde, da pior maneira possível – admiti. – Mas eu não olho para trás e penso que eu tomei a decisão certa, não sobre isso.
- Você não tomou – Jack disse. – Ainda mais se você se arrepende tanto dela, com certeza não foi a decisão correta.
- Eu me arrependo de muita coisa, Jack, mas essa é de longe a que mais pesa na minha consciência. Só isso. Talvez se a gente tivesse terminado de outra maneira, a gente sequer seria capaz de se sentar assim um perto do outro novamente, ou de nos falarmos por telefone como dois amigos...
- Você não tinha como saber – bufou.
- Eu sei. E não é disso que eu estou falando que me arrependo?
Bufei e desisti do assunto. Quanto mais a gente prolongar isso, pior vai ser. A decisão já foi tomada e eu não posso fazer nada para mudar isso. A única coisa que me restou sobre o assunto foi o arrependimento.
- Já tá ficando tarde – Lucy se meteu, parecendo cansada.
- Você tá certa. Amanhã temos outro jogo bem cedo – nos levantamos – Você vai realmente lá falar com a minha mãe hoje? – perguntei e ele concordou com a cabeça. – Então me dá a chave do carro – exigi.
- Por quê? Eu quero ir dirigindo!
- Porque você vai se perder e eu estou cansada. Amanhã eu deixo você explorar a cidade comigo no banco do carona, mas hoje sem chance – ele riu e enfiou a mão no bolso, me entregando a chave em seguida.
Sorri, satisfeita. Eu estava preparada para muito mais insistência e discussão da parte dele nesse aspecto, mas ele concordou até que fácil. Acho que ele sabe que eu estou realmente cansada.
Pagamos a conta e saímos.
- Boa noite, Sam – Lucy e Matt se despediram. – Foi bom te conhecer – ela falou pro Jack, animada.
- O prazer é meu – ele sorriu. – Fico feliz que a Sam encontrou amigos tão bons aqui. Me sinto mais aliviado assim – revirei os olhos. Às vezes parece que ele é meu pai, e não meu ex.
Andei até o carro e entramos.
Eu dirigi silenciosamente até minha casa, pensativa com tudo o que aconteceu no dia de hoje.
- Eu esqueci que minha mãe tinha ido trabalhar cedo hoje – falei, me jogando no sofá depois de acender as luzes da casa, me tocando da minha burrada tarde demais.
- Tudo bem, eu falo com ela amanhã – sorriu se sentando ao meu lado.
- Aonde você tá hospedado?
- Não é muito perto daqui... Talvez seja até melhor eu já começar a voltar.
- Se quiser ficar aqui hoje, eu não vejo problemas. Eu prefiro que você fique. Eu senti sua falta e quero conversar com você mais um pouco – olhei para ele fixamente. Eu geralmente não sou tão direta assim. Eu não era direta assim nem mesmo com ele, mas hoje o dia já me desgastou o suficiente a ponto de eu não me importar de falar o que eu estou sentindo de forma clara.
Ele concordou e deitou minha cabeça em seu colo, como ele fez tantas vezes no passado. Sua mão se perdeu nos meus cabelos, acariciando minha cabeça e meu pescoço suavemente.
Me virei para cima para poder olhar seu rosto. Seu sorriso gentil quase me fez chorar. Levei a mão até seu rosto, acariciando-o, sentindo-o como eu não fazia há tanto tempo. É quase surreal pra mim que eu o esteja tocando nesse exato momento.
Desci minha mão até seu pescoço, peito e de volta à sua nuca, enroscando meus dedos em seus cabelos, sentindo a textura sedosa.
Acho que nenhum dos dois percebeu realmente o que estávamos fazendo até o beijo acontecer de fato. Só quando eu senti sua língua na minha e seus lábios nos meus que eu me toquei que a gente tinha se deixado levar com muita facilidade.
Suas mãos envolveram minha cintura possessivamente enquanto ele me puxava mais para cima, me sentando em seu colo para facilitar. Me virei, ficando com uma perna de cada lado de seu corpo, o beijo cada vez mais desesperado.
Puxei sua camisa, tirando-a e largando sobre o sofá. Esse tipo de coisa não era incomum quando a gente namorava. Embora nós nunca tivéssemos chegado a realmente transar, não é como se a gente fosse dois santos. Quando começamos a namorar, eu era uma adolescente que saiu de uma vida sexual absurdamente ativa para o absoluto nada. Qualquer coisa me deixava no limite. E ele sempre esteve muito disposto a me ajudar nesse quesito...
Nos separamos novamente quando ele tirou meu sutiã por baixo da roupa. O azul de seus olhos brilhou de forma selvagem e seu sorriso antes gentil se tornou pervertido. Sorri também, de forma maliciosa enquanto o beijava novamente.
Ele se levantou comigo em seu colo e subiu as escadas. Jack não conhece minha casa e não sabe onde é o meu quarto, mas de alguma maneira ele vai diretamente para a minha porta e a abre com um dos pés, mas o impeço brevemente para que eu possa trancá-la.
Tirei minha própria camiseta quando ele me deitou na cama, seus lábios se dirigindo diretamente para meu seio. Gemi sob seus toques, me sentindo ansiosa.
No fundo da minha mente eu tenho a consciência de que o que a gente está fazendo vai me levar a um ponto que eu não deveria atravessar... Se é errado ou não com Seth nesse momento não é a questão. O problema só reside no tempo que levou desde nosso término até esse momento. Eu não o estou traindo. Mas e depois? E se um dia eu resolver que eu poderia sim desculpar ele por causa do que aconteceu? Eu serei mesmo capaz de encarar essa noite com Jack de forma honesta e esperar que ele não fique chateado comigo?
A problemática é o seguinte: o que me impediu no passado de me relacionar sexualmente com ele foi minha insegurança, e esse pequeno ponto no nosso caminho se perdeu depois que eu dormi com Seth a primeira vez. Outra coisa, e isso deveria ter influenciado muito na primeira: Jack conhece meu corpo. Conhece muito bem, e o conheceu em todas as suas fases.
Seus lábios subiram para meu pescoço enquanto suas mãos trabalhavam com meu zíper e o botão da calça.
Senti ele sugando minha pele e fiquei bastante consciente de sua intenção. Ele se afastou sorrindo, e retirou o resto das minhas roupas. Jack se levantou da cama e também terminou de se despir.
~~~~~~~
Quando acordei com os braços ao meu redor me apertando e momentaneamente pensei ser Seth que eu me toquei o que eu fiz ontem à noite. Levantei a cabeça, observando o rosto passivo de Jack enquanto ele dormia profundamente. Puta que pariu, Samanta!
Ouvi os passos da minha mãe na escada, parecendo vir em direção ao meu quarto, mas aparentemente ela desistiu. Acho que o que pesou em sua decisão foi a possibilidade da visão que ela teria caso abrisse a porta – apesar da porta estar trancada, graças aos deuses.
Comecei a me sentir envergonhada. Ela sabe que eu não estou com Seth aqui. O carro na frente da nossa casa não é o carro dele. A gente também nunca deixou roupa jogada pelos cômodos, outra mancada que eu devia ter me tocado que estava dando antes do Jack me carregar para o quarto. Tapei o rosto com as mãos, sentindo meu estômago revirar. Agora é encarar todas essas merdas de cabeça erguida.
Tirei o braço dele de cima de mim cuidadosamente para não acordá-lo e me levantei. Fui até o banheiro e escovei os dentes enquanto tomava um banho rápido. Quando voltei para o quarto ele estava sentado na cama me esperando. Ele ainda está nu, bom, eu também, já que não esperei que ele fosse estar acordado quando eu voltasse, mas nenhum de nós dois se incomodou com isso.
- Bom dia – falei, pegando algumas roupas no guarda roupas. Joguei uma toalha para ele e uma boxer que provavelmente não vai ficar a coisa mais confortável do mundo, mas deve servir.
- Bomdia – ele se levantou e andou até mim, beijando minha bochecha, mas o impedi quandoele se inclinou para me dar outro beijo, que provavelmente seria um selinho. Jacksorriu meio sem jeito. – Foi mal...
- Minha mãe chegou – avisei. – E ela já sabe que você tá aqui, de alguma forma, então se prepara... – ele riu, dando de ombros.
- Não posso dizer que eu senti falta disso, mas eu meio que senti – piscou um olho para mim e entrou no banheiro. – Ainda tem aquela mania de doida de ter quinhentas escovas extras entulhada no seu banheiro? – perguntou, colocando a cabeça para fora da porta novamente. Sorri ironicamente.
- No armário – instruí e ele voltou para dentro.
Fiquei sentada pacientemente na cama, esperando ele sair. Eu é que não vou passar por essa vergonha sozinha.
Quando Jack finalmente saiu do banho, parecendo um pouco incomodado com tamanho da boxer, joguei sua calça para ele vestir.
- A blusa eu vou ficar te devendo – falei. Acho que nem se eu oferecesse sua própria blusa, que tá no meu guarda-roupas, caberia nele. Jack parece ter crescido muito mais nesse último ano, e ganhado muito mais corpo também. Quanto será que ele mede agora? 1,95m? – Vai ter que pegar a sua lá embaixo... – olhei para a porta do quarto, mas não me mexi. – Mas confesso que eu não quero sair daqui nunca mais – ele riu.
- Acho que sua mãe não vai pegar muito pesado comigo – segurou minha mão e me puxou quarto afora.
- Espero que esteja certo – eu já cheguei lá embaixo corada. Eu não preciso que ela fale realmente alguma coisa pra piorar a situação...
- Dessa vez ela nos pegou – disse, parecendo mais feliz do que envergonhado. A blusa dele e meu sutiã tinham sumido, não estavam em nenhum lugar encontrável da sala, então eu já sei que ela está com as duas peças lá na cozinha, nos esperando. Gemi baixinho, derrotada. – Vamos? – sorriu.
- Você tá se divertindo muito mais do que deveria... – deu de ombros e fomos de encontro à mamãe na cozinha.
- Bom dia, Sam – ela falou e arregalou os olhos um pouquinho ao avistar Jack ao meu lado. – Jack! – ela se levantou e ele a abraçou forte, quase tirando ela do chão.
- Oi – falou sem graça pela primeira vez. – Senti sua falta, dona El.
- O que você está fazendo aqui? – ela perguntou. – Eu não sabia que você vinha.
- Nem eu sabia. Ele apareceu ontem lá no jogo de surpresa...
- Ele nunca seria meu chute – falou maliciosamente e eu ri. - Mas eu devia ter suspeitado... Vocês sempre deixaram a roupa largada pelo caminho... – desviei o olhar, sentindo vontade de sumir daqui...
Jack riu meio sem graça, mas parecendo muito mais feliz com tudo o que está acontecendo do que realmente incomodado.
- Acho que ele era o único chute provável, mãe... Não é como se eu trouxesse qualquer um aqui para casa – revirei os olhos, ignorando seu olhar malicioso. Não é como se eu fosse fazer isso com qualquer um, caramba!
Ela pegou a camisa dele e a devolveu.
- Fico feliz de vê-lo novamente – disse e se levantou. – Espero poder te ver mais vezes.
- Eu também, dona El – falou e o sentimento de nostalgia me atingiu com força. Foquei minha atenção na xícara de café que eu pegava, para que eu não começasse a chorar. Eu me sinto mal tendo esses momentos de saudade e essas coisas, porque eu sei que isso vai acabar, e quando acabar, eu só vou sofrer de novo... Eu não estou pronta para reviver esse adeus. – Você ficou quieta – ele disse, se virando para mim.
- Só estou pesando o quanto vai doer te deixar ir novamente... – murmurei, mas não tive coragem de olhar para ele.
- Eu sei que eu fui impulsivo em aparecer aqui, ainda mais sem consultar você para saber se você realmente queria passar por isso novamente – falou, pegando a xícara das minhas mãos e bebendo meu café. – Mas eu não vou me arrepender nunca de poder passar esse tempo com você...
- Eu não vou me arrepender também – falei. – O problema é o que vem depois. Eu nunca estive preparada para ir embora antes, e também não estou preparada para deixar você ir embora agora. Você é meu amigo e eu sinto sua falta – admiti. – E devolve meu café! – peguei a xícara de sua mão novamente, sorrindo. Peguei a cafeteira e reabasteci minha xícara e depois me sentei à mesa.
- Você devia comer. Você não pode arriscar falta de energia no meio de um jogo... você se exercitou demais ontem... – a sua frase não foi maliciosa, mas eu corei mesmo assim, lembrando da nossa noite.
- Eu não quero comer. Eu sinto que eu não vou conseguir manter nada no meu estômago se eu comer – ele suspirou, mas não discutiu. – Eu preciso avisar pra Lucy que o namorado dela não precisa vim me buscar hoje – levantei, à procura de meu celular, que eu não faço a menor ideia de onde larguei depois que cheguei em casa ontem...
- Sam... – Lucy me chamou, parecendo apreensiva.
- Hmmm? – perguntei de forma arrastada enquanto me trocava, completamente distraída.
Ela segurou meu braço e me puxou para um canto.
- Eu sei que você não se importa, mas você poderia começar a prestar atenção ao seu redor! Quantos chupões você acha que tem nas costas?! – sussurrou apressadamente. Dei de ombros. – Você e o Seth voltaram? – suspirei um pouquinho e fiz que não com a cabeça. Ela arregalou os olhos. – Então... – ela me olhou de forma quase incrédula.
- Eu estou solteira, não é? Eu não preciso desse tipo de olhar – olhei fixamente para ela.
- Não, foi mal... Eu não tô te julgando... – se defendeu. – É só que o pessoal vai pegar bem pesado com ele por causa disso...
- Por quê? Ele pode fazer o mesmo se quiser, ué – dei de ombros. Claro que a ideia dele fazer o mesmo me desagrada, mas eu não seria hipócrita a ponto de ficar irritada ou chateada com ele se ele realmente saísse e transasse com alguém... – Acho que todo mundo notou que nós brigamos e terminamos ontem...
- Sua boca fala uma coisa, mas seus olhos gritam outra – ela sorriu, debochada.
- Eu não vou ficar feliz se ele fizer, mas eu não posso impedí-lo e nem ficar chateada com ele. Ele também tá solteiro... – dei de ombros novamente. – E isso me lembra... Sua pesquisa de campo recompensou? O que ele achou do Jack? – perguntei, séria.
Ela coçou a nuca sem graça, parecendo culpada.
- Você realmente achou que eu não notaria? – falei. – Eu não sou tão cega quanto vocês pensam... – terminei de colocar a blusa no exato momento que uma das garotas que não vai com a minha cara adentrou o vestiário. Ela me encarou por muito tempo, de cara feia, e depois foi se trocar.
- Eu não chamei vocês para comerem porque eu queria fazer um relatório para o Seth. Eu queria conhecer ele sim, por tudo que você já me disse dele e por outros motivos também. Eu estava curiosa para saber como ele é, e como você é perto dele. Só isso... Eu não falei sobre isso com o Seth e não tenho a mínima intenção de falar. Eu não vou me meter nesse rolo de vocês – sorri.
- Talvez o Matt não pense assim. Ele parece bem insatisfeito com a aparição do meu ex por aqui – diminuímos o tom da conversa, assim as outras pessoas não nos ouviriam.
- E não está mesmo – ela admitiu. – Mas eu não acho que ele vai se meter de alguma forma. Ele não é o tipo de cara que se envolve nessas coisas complicadas, ainda mais sem ser forçado a isso. Além do mais, ele ainda tá bem chateado com o Seth por causa do que rolou no colégio. Pode não parecer, mas ele tomou muito mais partido na hora de te defender do que até mesmo eu. Ele só não brigou com Seth porque eu impedi – segredou e eu a encarei, surpresa demais até para falar alguma coisa.
- Eu não achei que ele chegaria a esse extremo por mim. A gente não é tão próximo assim, e não tem muito tempo que a gente convive também...
- Eu acho que ele te viu como uma irmãzinha que precisa ser defendida quando tudo isso aconteceu. Pode não parecer, mas ele se importa contigo, ele só não sabe externar isso... E eu acho que ele tem medo de ser mal interpretado também.
- Ahh – deixei escapar, o que fez ela rir. – Acho que seria ruim mesmo se as pessoas pensassem que eu estou chifrando minha melhor amiga – ver o sorriso que foi iluminando o rosto de Lucy nascer foi tão lindo que eu desejei poder dar replay nessa cena de novo e de novo.
- Cara, eu te amo, sabia? – sorri quando ela me agarrou, me apertando com força. Envolvi seu corpo, retribuindo o abraço.
- Eu sei disso – respondi convencida. – Você não consegue mais viver sem mim – pisquei um olho para ela, sarcasticamente.
- Sei... Por acaso você não tá invertendo os papeis? – brincou.
- Acho que você tá certa – concluí. Beijei sua testa afetivamente, um gesto há muito esquecido, de antes de eu transicionar, mas que surgiu com muita naturalidade nesse momento.
Ela me encarou, surpresa, quando eu me levantei. Peguei minha munhequeira dentro do armário e a fita e me virei para ela, sorrindo quase como uma criança.
Em pouquíssimo tempo minha vida desandou de uma forma que eu não estava esperando: eu terminei com meu namorado e não sei se a gente vai ser capaz de superar isso, transei com meu ex, e eu não sei se a gente também seria capaz de superar isso, mas nesse momento a presença da Lucy aqui me trouxe uma alegria tão grande e tão simples que eu quase não consegui acreditar.
A capitã apareceu na porta, chamando nossa atenção.
- Parece que as meninas do outro time tiveram um imprevisto e o pessoal da organização concordou em atrasar a nossa partida, então nós vamos ser as últimas a disputar hoje. Quem quiser ir assistir ao time dos rapazes é só vim comigo. Eu estou indo para lá agora.
Lucy se levantou do banco onde ainda estava semi paralisada e segurou minha mão.
- Vamos. É uma boa forma de passar o tempo, e eu quero ver o Matt jogar – sorriu amorosamente.
- Eu não sei se é uma boa ideia, Lucy. Minha presença lá pode ser pior para ele do que o contrário...
- Talvez, mas você não vai poder ignorar ele pelo resto da vida.
- Não até o resto da vida – falei, fingindo indignação. – Só até a cerimônia de encerramento – ela riu.
- Sam, para de fugir e admite que você quer ver ele jogar. Você sabe que admira ele em quadra. Além do mais, você não parava de encher o saco sobre o conflito de horário nos jogos te impedir de assistir...
Bufei e deixei ela me guiar.
Ouvi algumas meninas conversando atrás de nós, mas fiz questão de bloquear a conversa rapidamente quando eu percebi que elas falavam sobre algumas das marcas que eu "ostentava" no meu pescoço. Grunhi. Não dá pra dizer que eu não previ isso, mas eu realmente não queria ter que lidar com isso agora.
Me sentei ao lado de Lucy na arquibancada e mandei uma mensagem para o Jack avisando das mudanças. Ele não pareceu se importar em ficar assistindo outros times aleatórios enquanto espera a gente entrar em quadra, e também não quis vim assistir ao time masculino jogar.
O primeiro set foi horrível, o que me trouxe um gosto amargo à boca. O corpo de Seth está ali, mas o resto não. Ele não está focado no jogo e está cometendo erros grotescos. Erros que normalmente ele não cometeria.
A cada minuto minha expressão ia se fechando mais, um misto de sentimentos me impelindo a fazer algo que eu provavelmente não deveria fazer.
Quando o segundo set acabou, em outra derrota para o nosso time, eu me levantei, começando a seguir para o vestiário masculino.
Lucy segurou meu braço, seus olhos me davam dezenas de avisos ao mesmo tempo, mas eu ignorei todos. Me soltei gentilmente e virei as costas para ela, andando decidida até o vestiário, que eu invadi sem pensar duas vezes.
Os rapazes me olharam surpresos. Ouvi algumas piadinhas, mas ignorei tudo isso, meu único foco sendo a figura quase encolhida na beirada do banco.
Andei até Seth e agarrei sua camisa, fazendo ele se sobressaltar. Puxei ele, fazendo ele se levantar e o arrastei para fora, para longe dos olhares curiosos.
- O que você acha que tá fazendo? – quase exigi, possessa. – Eu esperava mais de você! – soltei sua camisa, que eu ainda puxava com força. – Se você não tá levando isso a sério o suficiente, é melhor colocar a cabeça no lugar, porque você tá ferrando com todo mundo! Porra, Seth, seu desespero e sua dormência em quadra era quase palpável. Você não é assim!
- Por que você acha que pode vim aqui me dar um sermão? – perguntou raivoso.
- Não posso. Eu sou a única pessoa nesse momento que não pode fazer isso, porque eu sei que eu sou a causa dessa merda que tá acontecendo.
Ele riu. Sua risada soou tão sombria que eu me arrepiei.
- Você não pode clamar essa culpa para você. Você fez o que era esperado de fazer ao terminar comigo. Eu não tenho mágoas pelo que aconteceu ontem – ele levantou seu olhar do chão, finalmente o erguendo em minha direção, e antes mesmo que eu tivesse tempo de pensar em qualquer coisa, eles se prenderam em uma das marcas de chupão em meu pescoço. – Ahhhh – sua voz saiu, compreensiva, pouco mais alta do que um sussurro. – Então o que te impulsionou até aqui foi culpa, mas não pelo que aconteceu no vestiário, mas sim o que aconteceu de noite...
Suspirei.
- Eu não sei o quanto você tá sabendo sobre tudo isso, mas sim, eu fiz besteira. Eu não sei até onde eu posso dizer que me sinto culpada, porque não houve traição, mas eu não estou particularmente orgulhosa também. Eu atravessei um limite que era suposto eu não atravessar. Dito isso, o que me trouxe aqui foram duas coisas: primeira, tentar colocar algum juízo na sua cabeça. Não é típico de você se abalar em jogo, e muito menos entregar a partida assim; segundo, eu achei no mínimo justo ter a decência de ser eu a te contar, ao invés de deixar você descobrir pelos outros.
- Um erro não justifica o outro, sabe? – falou, cansado, quase abalado.
- Eu não quero justificar meu ato – falei com clareza. – E muito menos dizer que aconteceu por causa de alguma coisa que você fez. Não seria justo com você. Eu tinha total consciência do que eu estava fazendo e decidi continuar. E eu não vou mentir dizendo que me arrependo.
O que já é, por si só, uma mentira. Eu me arrependo sim. Queria poder voltar atrás e não ter me deitado com o meu ex, mas essa merda não pode ser desfeita. Eu errei, errei feio, e eu sei que Seth também tá sofrendo com isso.
Ele suspirou.
- Tudo bem, Sam. Como você mesma disse: não teve traição. Você é uma mulher solteira agora.
- Não está bem! É isso o que eu tô tentando dizer! – me calei, tentando organizar meus pensamentos e voltar meu foco para fazer o que eu vim fazer. Respirei fundo. – Eu quero que você pare de se culpar – falei por fim. – Talvez eu tenha sido dura demais com você, eu não sei. Eu estava muito mais irritada na hora do que eu estou agora, então eu falei mais do que eu realmente precisava. Eu sei que você estava inseguro, por muitos motivos, e eu não fui a pessoa mais compreensiva com os seus sentimentos antes de falar aquelas coisas ontem. Eu ainda estou magoada, e eu acho que isso nunca vai mudar, mas eu não quero que você fique nesse ciclo de culpa por minha causa.
- Isso não me traz exatamente um sentimento de paz – admitiu. – Faz soar ainda mais que você tá cem porcento certa da sua decisão, e que não se arrepende de tê-la tomado. Parece muito mais que você sequer pensa que isso pode ser consertado algum dia.
- Você estaria disposto a ignorar o que eu fiz? – perguntei, incrédula, sequer levando em consideração o peso que minha frase tinha. Balancei a cabeça negativamente. – Esquece que eu falei isso. Nada disso vem ao caso agora – me corrigi, e tentei de novo. - Eu quero que você fique bem. Ver esse seu declínio e saber que eu sou pelo menos parte do motivo, mesmo que só um pouco, me dói demais – estiquei a mão em direção ao seu rosto, hesitando. Eu não tenho direito de tocá-lo e muito menos de tentar reconfortar ele, mas sua rejeição não doeria menos por esses motivos. Quando ele não fez nenhum movimento para me afastar, eu acabei com o restante da distância, percorrendo a ponta dos meus dedos em seu rosto para que eu pudesse olhar em seus olhos. – Eu quero que você lute, e eu quero que você vença, e mais do que tudo, eu quero que você entenda o que aconteceu e pare de se culpar cegamente. Mas eu preciso que você aprenda a lidar com as suas emoções. Isso teria nos poupado muita coisa... – desci minha mão até sua bochecha em uma rápida carícia e depois a deixei cair para o lado do meu corpo novamente. – Então eu vou te pedir, de forma muito egoísta: por favor, por mim, Seth, se erga – me afastei um passo para trás quando um dos caras do time abriu a porta. – E mais uma coisa: eu não sou uma pessoa rancorosa – sorri minimamente e seu olhar pareceu se iluminar um pouco, um indício de sorriso surgiu no canto de seu lábio.
Fiz cara de poucos amigos quando ouvi as mesmas piadinhas de antes. Seth se virou, pronto para responder, mas dessa vez eu o impedi, segurando seu braço. Dessa vez eu estava esperando que aconteceria, então sem o elemento surpresa eu consigo reagir com muito mais facilidade.
Esperei os integrantes do time masculino que estavam fazendo piadinhas com analogia sexual ou relacionado com órgão sexual calarem a boca. Tudo o que eu fiz foi ficar parada na porta, com os braços cruzados, esperando. Eu podia sentir o desconforto de Seth crescer a cada palavra pronunciada por eles, ainda mais quando a atenção de alguns deles foi voltada para ele também.
Quando eles perceberam que não estava tendo nenhum efeito, eles fizeram ameaças sobre mostrar o que é ser um homem de verdade, sobre mostrar seus pênis, e que eles poderiam me ensinar como se satisfaz uma mulher, porque, de acordo com a lógica deles, eu quis "virar" mulher porque eu não sabia como satisfazer uma na cama... Ri achando no mínimo interessante esse comentário.
- O que vocês têm no meio das pernas não é novidade para mim – falei. Segurei o tecido folgado da minha bermuda, sinalizando sutilmente sobre o que eu queria dizer. – Além do mais, eu também não preciso de nenhum de vocês para isso, já que eu já tenho alguém que faz isso por mim perfeitamente bem... – sorri maliciosamente e gesticulei para Seth.
- Então é por isso que dentre todas do outro time, você sempre foi a única que usava shorts mais folgados... – um deles comentou, sem aquela malícia. Ele parecia mais surpreso mesmo.
Sorri ironicamente.
- Não é fácil esconder esse tipo de coisa com roupas coladinhas – dei de ombros. Claro, isso é mentira. Senti Seth se mexer, inquieto, ao meu lado.
- Eu quero tirar uma dúvida – um deles falou, o mesmo que começou as piadas quando eu entrei no vestiário há poucos minutos. – Qual dos dois era o ativo e o passivo da relação? – revirei os olhos e depois ri. Típico.
- Eu sou uma mulher, então... Eu não acho que seja realmente necessário responder essas perguntas idiotas... – ele fez cara feia e tentou outra abordagem.
- Mas você ainda tem um pau, não é?
- Sim, e? - Seth parecia encolher mais e mais cada vez que algum deles abria a boca para falar alguma coisa. - Se você não aprender a lidar com isso, só vai ficar pior. Erga a cabeça. Você não fez nada de errado para se envergonhar. Esse é o tipo de situação que acontece quando se namora alguém como eu – murmurei para ele, ainda sem desviar o olhar do cara lá dentro, que tinha um sorrisinho vitorioso nos lábios.
- Você tem razão. Se eu tivesse confiado mais em tudo o que eu sei sobre você e eles não, nada disso estaria acontecendo agora... – murmurou.
- Ei, Seth, conta pra gente: como é namorar um cara disfarçado de garota? – riu e alguns outros o acompanharam. Seth levantou o olhar, encarando eles seriamente. Eu podia sentir sua raiva começar a escapar seu controle. Ele se aproximou de mim, colocando sua mão em meu ombro. Seus dedos me apertaram um pouco, buscando manter o controle.
Matt se levantou, se metendo pela primeira vez. Ele andou até o cara e tirou ele do banco pela blusa.
- A sua masculinidade frágil tá doendo tanto assim? – falou ameaçadoramente. – Porque pelo o que eu lembro, até semana passada você falava que ele era um sortudo e que queria muito ficar com ela. Como foi que você falou mesmo? "porra, a Samanta é uma gostosa do caralho que eu queria muito ter uma chance e o Seth é um sortudo da porra de conseguir pegar uma mulher daquelas"?...
O cara riu, nervoso, e o empurrou com força para longe, forçando Matt a soltar ele.
- Tá maluco? Quando foi que eu dei algum sinal de que eu queria ficar com aquilo? – alguns dos rapazes riram, fazendo ele ficar mais nervoso ainda. – Aliás, você também não tá namorando uma lésbic – o soco aconteceu tão rápido que ninguém sequer entendeu direito o que aconteceu. Ele desabou no chão, desnorteado.
Matt olhou para ele de cima.
- Eu acabo contigo se você falar mais qualquer coisa de algum deles três – Matt disse, tão irritado que tremia. – Principalmente sobre a Lucy e a Sam... Isso não é uma ameaça, é um aviso – ele passou por cima do cara ainda no chão e parou na frente do Seth. – E você: para com esse seu orgulho idiota sobre o que as pessoas vão pensar ou falar sobre você e tente se lembrar o motivo que fez ela se mudar em primeiro lugar. Eu tenho certeza que você sabe muito mais sobre esse assunto do que eu – ele começou a se afastar, mas parou e se voltou para o Seth novamente. – Outra coisa para você se lembrar sobre atitude: o ex dela começou a namorar com ela muito antes da transição. Se você acha que você passou por dificuldade aquele dia no colégio, você não tem ideia do que ele já passou, e mesmo assim ele nunca virou as costas para ela quando ela precisou – o encarei boquiaberta. Eu nunca imaginei que veria o Matt defender o Jack, e muito menos usar ele como exemplo para atingir Seth.
Me sentei ao lado de Lucy e ela me olhou em expectativa. Dei de ombros. Eu não sei se o que eu falei com ele lá embaixo serviu de alguma coisa. Tudo o que eu posso fazer é esperar e ver. Todo o resto tá nas mãos dele.
Fiz um resumão sobre o que aconteceu e ela quase surtou quando eu falei que o Matt bateu em um dos colegas de time, mas pela sua expressão eu não saberia dizer se era de preocupação ou de orgulho...
Seth pegou a bola, respirando fundo. Seu rosto se ergueu e ele olhou em minha direção. Quando ele sacou, usando aquele saque que a gente esteve treinando, eu tive a certeza de que ele está de volta. Sorri para ele, confirmando com a cabeça. Ele sorriu de volta, mas logo sua atenção se voltou para o jogo, completamente focado, muito diferente dos dois primeiros sets.
A diferença que Seth fazia em quadra era gritante. Depois que ele se recuperou, os três sets seguidos foram conquistados com relativa facilidade, sem sequer dar chance para o time adversário de luta.
Quando o jogo deles acabou, voltamos para onde seria a nossa própria partida, que não demoraria muito a começar.
O nosso time adversário estava bem abalado por causa do tal imprevisto, então foi fácil pressionar e colocar um ritmo favorável desde o início.
O segundo e o terceiro sets foram mais disputados, mas mesmo assim a diferença de pontos ainda era grande demais para dizer que elas conseguiriam se reerguer.
Quando voltamos, Jack já me esperava na frente do vestiário, sorrindo. Me aproximei e ele esticou a mão de uma maneira singular. O cumprimentei com algo que poderia ser chamado como "nossa brincadeira preferida", e depois começamos a rir.
- Uau, eu nunca achei que eu fosse fazer isso de novo – admiti. Seu sorriso se alargou em seu rosto e eu acompanhei. Me desencostei da parede. – Vou me apressar, para você não ficar me esperando por muito tempo.
- Eu não tenho pressa – sorriu. – Eu estou orgulhoso de você – disse, mudando seu tom animado para um tom mais neutro, carinhoso. – Você foi ótima hoje.
- Obrigada – agradeci, animada. A adrenalina do jogo ganho ainda corria em minhas veias.
Ouvi passos no corredor, mas eu não precisava olhar para saber quem é. É incrível eu precisar de tão pouco para reconhecer sua presença...
Seth passou ao nosso lado, mas não parou para falar nada, e muito menos teve coragem de erguer a cabeça para olhar em nossa direção. Suspirei.
Vi Jack olhar para ele de canto de olho, pensativo.
Por algum motivo seu olhar me dizia que ele tem alguma ideia, e eu sei que eu não vou gostar quando descobrir.
~~~~~~~
- Vamos tirar umas fotos. Para guardar de recordação – disse, já desbloqueando meu celular. Arqueei a sobrancelha, mas não falei nada. Ele mexeu por alguns segundos e me fitou, confuso. – O que aconteceu com as suas fotos?...
- Eu apaguei – respondi com simplicidade.
- Algum motivo? – dei de ombros.
- Sempre tem um motivo – ele esperou a resposta porque sabia que ela viria. – Eu não queria olhar para elas e lembrar o que eu estava deixando para trás. Foi mais fácil fingir que nunca aconteceu... – ele me olhou, seus olhos tinham um brilho triste incomum.
- Você não apagou as minhas... – comentou.
- Eu não consegui – admiti. – Eu não quis fingir que você não aconteceu também. Eu não podia fazer isso, não com você.
Ele me puxou, deitando minha cabeça em seu ombro e abriu a câmera.
- Então vamos criar novas memórias – sorriu e beijou minha bochecha, tirando a primeira foto.
Virei meu rosto para poder olhar ele melhor e tentei pegar meu celular de volta, mas ele me beijou. Ouvi o barulho da câmera e me afastei, arqueando a sobrancelha. Ele sorriu brincalhão.
- Uma foto muito importante para manter na sua galeria. Está terminantemente proibida de excluir ela depois – dei de ombros.
- Tendo problemas com ego logo a essa altura do campeonato? – perguntei, irônica. – Nunca vi você como um cara inseguro até agora...
Bufou.
- Para de falar besteira e olha pra câmera. Eu vou reviver sua galeria.
- E o que te garante que eu não vou simplesmente excluir tudo quando você voltar? – questionei.
- O mesmo motivo de você não conseguir apagar nossas fotos antigas vai ser o que vai manter essas fotos no seu celular – disse como se fosse óbvio. Bom, talvez fosse mesmo. Sorri com resignação. – Vamos recriar nossas fotos antigas. Fazer um antes e um depois – falou animado. – Você não tem nenhuma foto depois da transição, e isso é um desperdício!
- De onde vem tanta empolgação? Tá cedo ainda – cobri minha cabeça e resmunguei enquanto ele tentava me fazer levantar, até eu desistir e fazer o que ele queria.
- Deixa de ser chata, Sam.
Passamos o resto do dia tirando fotos e tentando recriar as poucas que eu ainda tinha no meu celular, e em algum momento minhas feições irritadas se suavizaram e eu passei a me divertir. Com ele era sempre assim. Por mais que demorasse, ele sempre conseguia fazer o meu humor mudar e me divertir, mesmo nas coisas mais singelas.
- Ah... – ele parou o que estava fazendo e me olhou. Me levantei da cama e fui ver o que ele tinha encontrado na minha galeria que ele possivelmente não tivesse visto antes.
Ver as feições adormecidas de Seth no meu celular me fez sentir culpada com tudo o que aconteceu recentemente.
- É a única foto recente que você tem – falou, seus olhos sem desgrudar da tela do telefone.
- Foi por uma piada que eu tirei, mas depois não consegui me fazer apagá-la. Já faz algum tempo, e eu não lembrava que ela ainda estava aí... – me senti incomodada ao olhar a foto, mas também não o corrigi dizendo que tem outra foto de Seth no meu telefone, do dia que ele estava fazendo o bolo tão concentrado que parecia estar até irritado.
- Vocês deviam conversar... Não é fácil estar do outro lado também, Sam – falou. Suspirei.
- Você é a única pessoa que eu definitivamente não quero falar sobre isso.
- Você não sabe como consertar, não é? – me fitou. – Não sabe como desfazer o que você falou, e você tá se sentindo culpada porque a gente transou – fiquei em silêncio. - Pelo menos tenta...
- É sério, J – falei, usando o apelido que eu não usava há bastante tempo. – Eu não quero meu ex tentando me dar conselhos de como ajeitar meu namoro. Bom, ex namoro, né? – sentei na cama.
- Você não devia ser tão orgulhosa. O tempo não volta, ele só segue adiante. Você vai ficar mesmo satisfeita em perder momentos tão importantes por causa de algo tão pequeno?
- Pequeno? Ele devia...
- Ter te apoiado? – me cortou. – Te defendido? Ele não é o cara que nunca precisou lidar com esse tipo de ambiente antes? Com quantas pessoas você acha que ele precisou se preocupar antes de assumir um relacionamento com você? Quantas vezes ele precisou enfrentar os pais para assumir uma mulher que era totalmente fora do "padrão" idealizado por eles? Ele não te defendeu e te apoiou nesses momentos? Acima de tudo, ele não mostrou que realmente quer você com ele, independentemente das dificuldades?
Bufei e me joguei para trás, me deitando. Fechei os olhos e ignorei o que ele falava.
- E o que você quer que eu faça? Ligue pra ele e fale "poxa, foi mal, eu falei merda, eu fiz besteira, mas eu quero voltar contigo"? – ironizei. – As duas primeiras partes eu já fiz, na verdade.
- Então já é um começo... – sorriu. – Eu não vou ficar aqui para sempre, Sam. Você não precisa sabotar seu namoro por minha causa.
Olhei para ele e ri.
- É sério? Você acha que eu tô sabotando meu namoro pra poder voltar com você? Eu sei que você não vai ficar aqui para sempre, Jack, e mesmo que ficasse, você também sentiu, não é? Que a gente não conseguiria continuar – ele concordou. – Talvez eu tenha usado tudo isso que aconteceu entre eu e o Seth como desculpa para poder confirmar isso, ou eu só queria aproveitar com você algo que a gente nunca tinha vivenciado, mas eu nunca tive sequer a menor pretensão de voltar. E eu sei que você também.
Ele arqueou a sobrancelha.
- Finalmente aprendeu a ler as pessoas?
- Eu sempre consegui fazer isso com você com relativa facilidade – revirei os olhos. – Mas eu não sou essa porta que você acha... – ele riu e se deitou de frente para mim, com a cabeça apoiada em sua mão.
- Você gosta dele, não é? – confirmei com a cabeça. – Então você devia trabalhar sua insegurança e resolver isso. Não se precipite como você fez comigo – senti a mágoa na sua voz e também não pude evitar sentir a dor em meu peito. Eu sei exatamente o que ele quer dizer com isso. Foi a minha insegurança que me levou a terminar com ele no passado, e o meu medo de Seth fugir novamente em uma situação onde eu preciso dele mais do que tudo é o que está me impedindo de sequer tentar resolver isso.
- Desculpa – falei. Tem tanta coisa que eu sinto que deveria estar me desculpando com ele que eu nem faço mais ideia à qual delas eu estou me referindo nesse momento. – Eu preciso pensar sobre tudo isso. Não é como se eu fosse conseguir resolver as coisas com ele no meio da noite – ele suspirou.
- Você sabe que essa é só mais uma das muitas desculpas que você ainda vai inventar, não é?
Fiz careta, mas não discuti. Ele tá certo.
- Ah, essa aqui eu também quero recriar! – falou animado, do nada. Quando foi que ele pegou meu celular de novo?! Fiz careta. Ele não pegou de novo. Eu que não peguei dele depois de ele ter visto a foto do Seth...
Puxei o aparelho de suas mãos e vi a foto que mamãe tirou enquanto eu dormia.
- Mas nem fodendo!
- Por quê? – fez beicinho. – Essa foto é perfeita. Você tá tão relaxada que dá até inveja. Além do mais, vai contrastar bastante com todas as suas mudanças, o que é a ideia.
- J, eu tô praticamente pelada... – gemi de embaraçamento. – E tem algo que ainda não mudou... – parei de falar.
- E qual o problema? – perguntou, confuso.
Fiquei calada por muito tempo, finalmente me dando conta de algo:
- Aliás, como você achou isso? Eu mudei ela de pasta já pra justamente nenhum curioso esbarrar nessa foto sem querer...
Deu de ombros, indiferente.
- Eu te conheço. Além do mais, essa era a sua foto que eu mais gostava – sorriu pervertidamente. – Eu já usei ela tantas vezes na hora de dormir, principalmente nos dias que eu não podia te ver... – piscou um olho para mim. Coloquei a mão no rosto sem saber se eu rio ou se eu coro. O pior – ou talvez o melhor, não sei – é que eu sei que ele está sendo absolutamente sincero.
- Mesmo assim... Como você acha que eu vou tirar minha roupa e deitar, enquanto finjo que estou dormindo, para você poder tirar fotos minhas? – questionei. Isso é no mínimo insano.
- Não é como se eu nunca tivesse te visto pelada – revirou os olhos. – Ou vai sentir vergonha de mim nessa altura do campeonato? – seu tom era implicante, mas eu senti uma leve mágoa no fundo, bem disfarçada.
- Ok... Mas você não vai ter uma cópia dessa foto, ouviu?! – enfatizei bastante. – Já foi informação o suficiente saber que você se masturbava com a minha foto antiga... Eu não sei se quero ficar pensando nessas coisas com a nova...
- Ahhh – sua expressão triste quase me convenceu do contrário, mas consegui me manter firme na minha decisão de alguma maneira.
Desviei o olhar enquanto tirava minha blusa, minha calça e meu sutiã e os jogava sobre a cadeira do computador. Respirei fundo algumas vezes, tentando me livrar da vermelhidão no rosto. Uma coisa é ele me ver pelada enquanto a gente fazia alguma coisa. Outra coisa totalmente diferente é eu me despir para ele tirar fotos... Me xinguei mentalmente, já arrependida de ter concordado. Jack se manteve virado de costas durante o processo.
- Eu vou querer uma sua também – avisei. – Eu me recuso a passar essa vergonha sozinha!
- Claro, claro. Eu tiro quantas fotos você quiser – deu de ombros.
Me deitei e fechei os olhos, pensando nas coisas mais aleatórias que eu consegui no momento. Jack se aproximou e ajeitou meu cabelo sobre meus seios, escondendo eles de maneira estratégica.
- Eu prefiro fazer isso de short – falei, abrindo os olhos. – Assim realmente não tá dando...
Ele sorriu compreensivelmente e pegou uma peça no meu guarda-roupas para eu vestir. Me deitei de novo e novamente ele ajeitou meus cabelos sobre meus seios, seus dedos roçando minha pele vagarosamente enquanto mexia nos fios. Fechei os olhos, determinada a não cair na sua provocação.
Ouvi o barulho da câmera algumas vezes e depois silêncio.
- Deixa eu ver – pedi.
Senti o peso na cama e logo em seguida Jack estendeu o celular para que eu pudesse olhar. Grunhi em embaraço, mas não tentei recuperar o aparelho para apagar a imagem.
Jack POV
Peguei o celular dela cuidadosamente para que ela não acordasse e desbloqueei. Procurei o nome dele nos contatos e comecei a digitar a mensagem:
Preciso falar com você. É importante.
Jack.
Espero que ela não fique tão irritada comigo por causa disso.
A resposta não demorou a chegar, o que me surpreendeu pelo horário. Eu pensei que ele sequer veria essa mensagem.
Tudo o que ele respondeu foi o local, e disse que estaria me esperando lá em cinco minutos.
Coloquei o celular da Sam no mesmo lugar e me levantei da cama, rezando para que ela não acorde. Peguei minhas roupas e fui para o banheiro para poder me vestir, e depois saí.
Olhei em volta, me sentindo ansioso quando o vi se aproximando. Ele parou a alguns passos de distância, parecendo desconfiado.
- O que você quer? – perguntou, não exatamente com animosidade. – Como você convenceu ela a deixar você me mandar essa mensagem?
- Eu não convenci – ri. – Eu tive que usar de toda a minha furtividade para fazer isso. Ela tá dormindo agora. Para ser sincero, eu não achei que você fosse me responder.
- Eu fiquei curioso – respondeu com sinceridade.
Observei o rapaz parado à minha frente. Ele é alto, embora não maior do que eu, mas sua postura está tão curvada que ele parece sequer querer ficar em pé. Seu rosto também está bem abatido, e eu imagino que não seja só por cansaço por causa dos jogos que ele teve recentemente.
- Eu vou ser direto com você... Eu acho que você foi um babaca por ter hesitado em se meter no que aconteceu – ele arqueou a sobrancelha, parecendo ficar irritado. – Mas a raiva dela já praticamente morreu, então você tem boa chance de conseguir consertar tudo – dei de ombros. – Outra coisa: ela já passou por muita merda e, por causa disso, ela é uma pessoa muito insegura, mesmo que não pareça, então cuidado com o que você transparece pra...
- Por que você tá me ajudando? – me interrompeu.
- Porque não tem sentido eu atrapalhar vocês. Eu não consegui superar a barreira da insegurança dela no passado e por causa disso terminamos. E agora ela mora aqui e eu moro lá. Tudo entre nós dois está acertado do jeito que deveria e eu desejo o melhor para ela do fundo do meu coração. E nesse momento eu julgo que você é o melhor para ela. Além do mais, ela gosta de você... Bastante... Se não fosse isso, a Sam nunca se colocaria nessa posição novamente, e eu não tenho o direito de me meter. E é isso.
- Eu pensei que vocês...
- Voltaríamos? – fiz que não com a cabeça. – Nós dois temos sentimentos mistos sobre o que aconteceu – hesitei. – Você sabe sobre o que eu estou falando... Eu não me arrependo, e eu duvido que ela vai se arrepender também, embora ela também se sinta culpada. Mas para nós dois, esse foi o encerramento definitivo que ficou faltando no passado. Acho que esse foi o nosso jeito de dizer adeus novamente... – cocei a nuca. – Mas eu me sinto culpado porque eu provavelmente acordei sentimentos nela que estavam adormecidos, e por causa disso ela vai sofrer de novo quando eu for embora, mas se isso te acalma de alguma maneira, ela disse com todas as letras que nunca teve a pretensão de voltar comigo – enfiei as mãos nos bolsos. Admitir isso dói. Falar sobre isso dói. Lembrar que poderia ser eu no lugar dele agora dói. Mas eu também não posso fazer nada sobre isso.
- Você é bem diferente do que eu pensei – ergui a cabeça para olhar para ele. – Muito mais maduro também. É fácil entender porquê ela sempre confiou tanto em você... – abriu e fechou a boca algumas vezes, hesitante. – Mas eu não sei se eu tenho direito de pedir desculpas para ela depois de me acovardar com aquilo.
Suspirei impacientemente, sentindo vontade de socar ele.
- Deixa eu perguntar algo que é bem óbvio: se você está namorando com uma pessoa e fazem algo contra a sua namorada, você fica parado só observando o desenrolar das coisas ou se mete para poder defender ela?
- É claro que eu me meteria.
- E qual a diferença de fazer isso com uma garota cis e com a Sam? – perguntei, sério. Ele parou, me olhando fixamente, finalmente compreendendo o quão preconceituoso sua falta de atitude tinha sido. – Agora você entendeu o quanto você machucou ela e por quê? – ele concordou fracamente com a cabeça. – Ótimo. Agora que você entendeu o tamanho da idiotice que você fez, você consegue se desculpar da forma certa.
- Obrigado – falou, ainda meio desnorteado.
- Espero que você cuide bem dela. A Samanta é a pessoa que eu mais me importo e mais amo nessa vida e eu a estou confiando a você... – meu sorriso caloroso foi trocado pela minha expressão mais séria e eu sibilei ameaçadoramente. – Mas se você pisar na bola com ela de novo, eu volto e desconto toda a minha raiva e frustração em você!
Seu olhar vacilou por alguns instantes.
Ele ajeitou a postura e esticou a mão em minha direção, para que eu a apertasse.
- Se eu desapontar ela novamente, ou magoar ela novamente, você pode fazer o que quiser comigo – segurei sua mão e a apertei amigavelmente. – Eu nunca mais vou hesitar – prometeu.
- Ótimo – soltei sua mão e comecei a me afastar, voltando para a casa dela e da dona El.
Entrei o mais silenciosamente possível em seu quarto, aliviado que ela ainda estivesse dormindo. Tirei a calça e o casaco, colocando mais ou menos onde tínhamos deixado as peças antes dela dormir, e me deitei ao seu lado.
- Aonde você foi? – perguntou baixinho. Prendi a respiração, considerando por alguns segundos mentir para ela, até me lembrar que mentir é inútil, porque ela me conhece muito bem e vai perceber que eu estou tentando esconder alguma coisa no mesmo instante.
- Promete não ficar irritada? – falei esperançosamente.
- Se você já começou assim é porque você sabe que fez algo que vai me irritar – suspirou e se sentou na cama. – O que você aprontou?
Peguei seu celular e mostrei a mensagem que mandei para o ex dela. Senti seu silêncio em todo o meu corpo e eu sei que ela tá tentando não externar muito a sua raiva só porque eu pedi.
- Se importa em dizer o porquê? – disse de forma controlada. Preciso admitir que isso me assustou muito mais do que se ela tivesse explodido comigo...
Me sentei também, me virando de frente para ela. Cruzei as pernas e agarrei um travesseiro, caso ela sentisse vontade de me bater, embora eu duvide que ela realmente teria a coragem de fazer isso comigo.
- Porque vocês não sabem lidar com o que tá acontecendo e isso tá me deixando louco! – seu rosto se fechou em uma expressão assustadora. É hoje que eu morro! – Olha, eu sei que você não queria que eu me metesse...
- Por que será, não é mesmo? – me interrompeu, ironicamente. Bufei.
- Tá, eu sei que tem muitos motivos pra eu não me meter. Aliás, se você acha que eu tô feliz em ajudar outro cara a reatar o relacionamento dele com você, eu vou ter que te dizer que você tá bem enganada... – ela suspirou e coçou a cabeça, se acalmando um pouco. – Olha, eu não fiz nada de mais, eu só expliquei para aquele idiota o motivo de você ter ficado tão magoada com ele. Só isso! O resto tá na mão de vocês – sorri. – Bom, eu posso ter ameaçado bater nele caso ele te machuque de novo também... – ela me olhou, divertida.
- Você não mata nem formiga, Jack, como acha que bateria nele? – ri.
- Sua confiança em mim é tão grande que eu me sinto até lisonjeado... Eu não pretendo bater nele de verdade, eu só queria que ele entendesse o meu ponto – coloquei o travesseiro para o lado, me sentindo seguro o suficiente para me separar de meu escudo improvisado. – Mas ele me deu total liberdade pra fazer o que eu bem entender com ele se ele te fizer sofrer novamente, então... – dei de ombros.
- Vocês dois são inacreditáveis... – disse incrédula.
- O que você vai fazer se ele te procurar? – ela ficou quieta, me encarando. – Eu estou falando sério.
- Você pode parar de ficar me empurrando para ele, por gentileza? Eu não sei, tá ok? Eu nunca sei o que fazer perto dele! – virou o rosto, irritada e escondendo o vermelhidão que provavelmente tá surgindo, mesmo que esteja escuro e eu não consiga distinguir essa mudança sutil de cor. Peguei o travesseiro-escudo e acertei sua cabeça com ele, fazendo ela me encarar de novo, mais irritada ainda. Tomei muito cuidado para segurar o riso, caso contrário eu começaria uma guerra.
- Tudo bem, eu já entendi. Eu vou parar de te pressionar – joguei o travesseiro para a cama novamente e me levantei. – Eu vou dormir no outro quarto. Eu não quero tornar as coisas mais difíceis ainda para vocês dois.
- Não! – ela segurou meu braço. – Eu sei que a gente não devia... mas eu quero aproveitar sua companhia enquanto eu ainda posso... – sua voz foi desaparecendo, até ela parar de falar. Sorri. O surto de honestidade dela já passou. Para ela, sempre foi mais fácil deixar as coisas subentendidas, ou dizer somente a metade do que realmente quer.
- Eu fico – falei, me sentando ao seu lado. – Mas eu ainda acho que isso vai piorar a situação... – me inclinei, beijando seu pescoço. – Agora deita e vamos dormir. Amanhã você ainda vai acordar cedo.
Ela se virou cuidadosamente, levando suas mãos ao meu pescoço e se inclinou, beijando minha testa. Às vezes, nesses momentos em que ela abaixa a guarda totalmente, seus antigos hábitos retornam, alguns desses hábitos manias que ela adquiriu namorando comigo, e pelo olhar conflitante que vem logo em seguida, eu sei que ela está associando isso ao seu lado "masculino", se esquecendo que esse carinho e esse cuidado nada têm a ver com gênero.
Roi, bebês... Um pequeno mimo pra vocês, porque eu consegui escrever alguns capítulos e dei uma revivida na minha frente de caps.
Imagino que tem algumas pessoas meio p- da vida comigo, porque supostamente esse capítulo era pra dar tudo certo e tudo se ajeitar, porém, foi bem o contrário... Mas é isso, a vida tem dessas merdas.
Enfim, eu falei lá em cima e quero lembrar de novo: vamos ter consciência. Pessoas tomam decisões erradas, fazem burradas, se arrependem etc. Os personagens da obra são humanos e não são perfeitos. Não tô muito no clima de ter que explicar minha motivação pra desenvolver o capítulo dessa forma, mas isso será explicado e não vai demorar muito. Espero que peguem leve com a Sam pela decisão que ela "tomou".
Se quiserem surtar comigo, surtem, talvez eu mereça mesmo, mas se eu achar algum comentário 'demais', bom...
No mais, espero que tenham gostado ou, pelo menos, não odiado muito.
Até o próximo.
Fran
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro