Capítulo 23
Férias.
Se eu estava ansiosa para que esse momento chegasse? Depende.
As aulas não vão mais acontecer, mas agora a quantidade de horas dedicadas ao vôlei vai ser insana. Treino de manhã até praticamente de noite.
Às vezes me questiono se todo esse esforço vai compensar, embora eu também saiba que sequer tentar vai acabar sendo ainda pior, porque sempre vai existir aquele sabor agridoce no fundo da minha memória. Aquele leve arrependimento de não tentar dar um passo a mais.
Dito isso, nesse momento eu estou absolutamente revoltada com o celular que não para de despertar e que eu não consigo alcançar porque Seth simplesmente se recusa a me deixar levantar.
Bufei provavelmente pela milésima vez nesse pouco tempo em que estou acordada.
- Seth, é sério, se você não me soltar eu vou te derrubar da cama – ameacei, mesmo sabendo que é inútil porque ele está praticamente desmaiado.
Alisei o rosto com a mão, tentando, em vão, não me irritar.
Cutuquei a costela de Seth, testando sua reação. Seu corpo estremeceu levemente e ele se encolheu. Sorri um pouquinho enquanto o cutucava novamente. Desistindo de fazer ele acordar por bem, lancei um pequeno ataque de cócegas nele, fazendo ele me soltar e se encolher no mesmo instante para se proteger.
Me levantei rapidamente da cama e desliguei o despertador.
- Você sempre precisa inovar na maneira de me acordar? – perguntou, levemente irritado. Fiz cara feia e joguei o celular para ele ver a hora e entrei no banheiro sem falar mais nada.
O celular ficou quase 20min despertando até eu conseguir desligar. Não sei que milagre minha mãe não entrou no quarto para nos chutar, puta de raiva porque foi acordada também.
Quando voltei para o quarto, ele também já tinha terminado o banho e já estava me esperando lá.
Peguei a roupa que uso para as atividades do clube e enfiei na mochila e saí do quarto, ainda sem falar nada. Ele me seguiu, um pouco distante.
Peguei um pacote de biscoito salgado no armário e joguei pra ele e depois peguei a chave do carro dele e saí de casa. Seth arqueou a sobrancelha quando eu entrei no lado do motorista, mas não argumentou.
- Você tá tão irritada assim comigo que prefere ir dirigindo só pra poder ter alguma coisa pra fazer no caminho? – perguntou por fim.
Suspirei.
- Eu só queria saber como você consegue ter um sono tão pesado... – ele deu de ombros e abriu o pacote de biscoito e começou a comer. Ele pegou um e colocou na minha boca, sorrindo charmosamente. Ri. – Droga!
- Eu sabia! Você não consegue ficar irritada comigo – falou de forma arrogante.
- Claro, claro. Nem um pouco convencido da sua parte, não é?
- Estou errado?
- Eu não testaria essa teoria se eu fosse você – falei, ainda sem olhar para ele. – Eu estou irritada.
Ele deu de ombros.
- Pode até ser, mas eu ainda acho que você não está irritada comigo.
- Esquece – falei. Me estiquei para pegar mais biscoitos, mas ele puxou o saco. Olhei para ele de cara feia e ele riu.
- Você não pode comer enquanto dirige. É crime – debochou e eu estreitei os olhos em sua direção.
- Você realmente acordou disposto a me irritar hoje, não é? – perguntei, mesmo que seu sorrisinho já me desse toda a resposta necessária.
- Não, desculpe. É só que você fica fofa fazendo biquinho – riu. – Toma – colocou outro biscoito na minha boca e depois colocou o pacote em um lugar onde eu poderia facilmente alcançar quando eu quisesse pegar algum.
Sorri.
Lucy nos olhou questionativamente quando entrou no carro e percebeu que quem dirigia era eu. Seth simplesmente deu de ombros.
- Bom dia pra vocês também – falou cheia de sarcasmo quando nenhum de nós abriu a boca pra cumprimentar ela.
- Bom dia – respondi por fim, olhando para ela pelo retrovisor. Eu não sorri, o que a fez arquear uma sobrancelha para mim.
- O que o Seth fez? – ela perguntou, me fazendo rir. Bem na mosca.
- Ei – se defendeu, me olhando de rabo de olho. – Eu não fiz nada! – bufei, mas não discuti. Na verdade, eu já nem estou mais tão irritada, é só que eu realmente não quero conversar agora.
- Nada – suspirei. Lucy olhou dele para mim algumas vezes e depois desistiu. Pegou o celular no bolso do casaco e começou a mexer como se a gente nem estivesse ali.
Passei o resto do caminho quieta, apenas pensando. Eu percebi que Seth me olhava de vez em quando, a cada olhar parecendo mais preocupado, mas ele não tentou realmente falar comigo.
Quando chegamos à escola, depois de estacionar, eu peguei minha mochila e guardei a chave dele no meu bolso e fui andando na frente. Pensei ter ouvido Lucy falar alguma coisa para ele antes de ele correr para me alcançar, mas não tenho certeza.
- Você ficou realmente chateada comigo por causa do alarme? – perguntou ao meu lado.
- O que? Não! Claro que não, Seth. Eu fiquei irritada na hora, mas eu não ficaria de birra o dia todo por algo tão pequeno.
- Então por que a cara de quem quer me chutar? – colocou a mão na nuca, desconcertado por sua voz ter soado mais desesperada do que ele provavelmente queria. Sorri.
- Não é nada. É sério. Eu só estou pensando.
- Pensando em que? – perguntou um pouco aliviado, mas seu olhar demonstrava uma insegurança que eu não sei de onde está vindo.
- Não é sobre a gente, se é isso que está te preocupando – esclareci logo. É melhor cortar esse tipo de mal entendido no início, porque isso sempre vira dor de cabeça depois. – Estou pensando mais no vôlei. Na primeira partida das eliminatórias, no tanto que a gente vai precisar se esforçar, essas coisas. A sentimento de participar de uma partida oficial... Eu não tenho exatamente boas lembranças disso – admiti. – E eu estou começando a ficar nervosa.
- Por causa do seu pai? – ele me olhou, um misto de preocupação e receio sobre tocar nesse assunto.
- Ah, não. Aquilo só aconteceu pouco antes da final – falei, diminuindo bastante meu tom de voz e o puxando para longe da entrada do vestiário. – Eu tinha outras preocupações além dele.
- Depois do que você me contou, eu realmente duvido que outra coisa poderia te preocupar tanto quanto ele... – admitiu.
- Tanto quanto ele não – disse. – Mas o suficiente. Enfim. Você devia se trocar logo. Você tem que dar o exemplo para os outros membros, eu não preciso. Te vejo daqui a pouco – sorri quando seus olhos brilharam em expectativa. Balancei a cabeça negativamente e entrei, deixando ele ali me olhando com uma cara de carente.
- Isso é maldade – ouvi ele dizer, alto, através da porta fechada e ri. – Vai ter volta – avisou.
Me troquei e fiquei sentada no banco, olhando para os meus pés. Apertei meu pulso, respirando fundo.
- Ele não pode me machucar mais – murmurei, me reassegurando. – Nunca mais – fechei os olhos com força e coloquei as mãos na cabeça. – Ele não está aqui hoje e não vai estar lá no dia... Eu não vou encontrar ele novamente e eu não preciso ter medo... – murmurei a última parte tão suavemente que até mesmo eu não consegui escutar.
Ouvi o barulho na porta do vestiário e levantei a cabeça rapidamente, dando de cara com Lucy. Ela arregalou os olhos e parou.
A encarei, nenhuma de nós falando absolutamente nada. Eu sei que ela não me escutou, mas eu já não tenho certeza de como está meu semblante.
Suspirei e me levantei, forçando um sorriso.
- Você tá bem? Você parece um pouco instável... – falou baixinho, incerta.
Acho que nesse momento, essa é uma ótima palavra para me descrever.
- Só estou nervosa com a partida semana que vem – admiti. Não é uma mentira, porém não é a verdade completa. – Eu vou sobreviver – sorri, dessa vez mais naturalmente, mais sinceramente.
Seus ombros cederam e ela suspirou. Ela parecia que queria dizer alguma coisa, mas ao invés disso, ela abriu o armário para colocar a bolsa lá dentro e começou a trocar de roupa sem falar mais nada.
- Você tá bem? – perguntei por fim. Ela não parecia incomodada com nada hoje de manhã.
- Eu estou preocupada com você – falou diretamente, se virando para mim. – Só isso. Eu tenho sentido você muito distante, muito... fora de si... desde que você voltou a jogar. Bom, desde aquele dia na quadra que você voltou a jogar, na verdade.
- Sério? – disse. – Eu não estou realmente fazendo nada de diferente. Eu também não me sinto particularmente diferente – falei cuidadosamente. O que foi que ela sentiu de diferente em mim que nem eu notei que estava fazendo?
- Aquela cara de agora há pouco não me dá segurança o suficiente para acreditar nisso, sabe – me olhou.
- O que você quer que eu fale? – arqueei a sobrancelha. Sinceramente eu não sei aonde ela quer chegar.
Ela bufou.
- Eu não quero que você fale nada – concluiu. – Eu só não quero te ver sofrendo – suspirei.
- Lucy, eu estou bem. É sério. Eu só estou nervosa. Quando eu estiver em quadra, eu vou deixar tudo isso para trás. É assim que eu funciono – sorri. – Confia em mim nessa. Eu não vou surtar.
Ela suspirou.
- Ok. Eu não vou mais ficar te pressionando. Você tem direito de ter suas preocupações sem eu ficar me metendo – sentou no banco para trocar a sandália e colocar o tênis. Me inclinei e dei um abraço de urso nela, erguendo ela do banco. Beijei sua bochecha, rindo, e ela grunhiu enquanto se debatia, mas acabou rindo também. – Uau – falou, quando a soltei. – Você é forte, sabia? Por um segundo eu achei que você ia tentar me dividir em duas – ri e revirei os olhos.
- Zero drama, Lucy. Obrigada por se preocupar comigo. Eu não podia ter pedido alguém melhor para ter me visto sem roupas aqui no vestiário – sorri um pouquinho.
- Você sendo sentimental? – colocou a testa na minha e ficou parada um tempo, me olhando de perto. – Você não parece estar com febre – constatou por fim.
- Haha – bufei. – Bom, eu vou indo – andei até a porta, mas parei antes de sair. – Você ainda quer treinar aquela jogada nova?
- Claro. Pode ser uma boa, caso você não possa fazer o levantamento – concordei.
- Vou falar com a capitã para ela me ajudar com isso. Vou pedir para ela cortar e eu defendo. O segundo toque na bola no ar é sua. Eu corto de volta para ela. Assim está bom pra você?
Ela concordou com a cabeça e se levantou depois de terminar de colocar o tênis.
- Você não devia praticar outras coisas também? – perguntou. – Seus passes são certinhos demais, e isso é ótimo pra gente, mas em um momento de aperto, você é muito mais útil se souber fazer outras coisas...
Sorri.
- Namorar o capitão do time masculino tem suas vantagens – confessei. – Embora ele esteja pegando bem pesado comigo também – disse, pensando alto.
- Então você tem treinado escondida? – arqueou a sobrancelha.
- Você falando assim parece que a gente tá fazendo alguma coisa errada... – comentei. – Não estou treinando escondida, é só que a gente acaba começando tarde. A gente fica na praça mesmo, aquela perto das nossas casas. Eu vou te mostrar o que ele tem tentado me ajudar a aprimorar.
A capitã nos abordou assim que a gente entrou na quadra
- Sam, eu preciso que você auxilie a Ayumi hoje – falou. – Ela vai ficar no banco, mas ela vai te substituir caso haja alguma necessidade, ou para quebrar o ritmo do adversário – arqueei a sobrancelha. Ela suspirou. – Você sabe como essas coisas funcionam. Você já jogou partidas oficiais e sabe que pode acontecer. Além do mais, o seu nariz ainda é um ponto sensível. Qualquer adversário ciente disso que queira usar isso como vantagem, mesmo que seja algo imoral, vai te tirar de quadra sem o mínimo de esforço.
Suspirei.
- Na verdade, eu ia ajudar a Lucy com um passe novo...
- O que vocês querem fazer? – resumi a ideia para ela. – Ótimo. Ela tem uma certa dificuldade para receber e atacar. É só você auxiliar ela com o saque e ela fazer o que você ia fazer. Todos têm um proveito... – ela se aproximou para que só eu ouvisse. – Eu sei que Seth está te ajudando com um saque novo, então é mais vantajoso para você assim, não é?
Meus ombros cederam e eu olhei para baixo, derrotada.
- Capitã... Eu não sei como você ficou sabendo, mas o saque que eu estou treinando é de uma violência que me assustaria na hora de receber... E eu ainda não consigo controlar devidamente, então eu tenho medo de acabar machucando ela. Eu sei que ela é uma jogadora experiente, mas...
- Eu sei... – ela me interrompeu. – Ela tem uma aparência frágil... – concordei levemente. – Não muda o fato de que ela é uma jogadora e que está aqui para aprender. Ela se propôs a isso. Só... Só tenta evitar acertar a cara dela, por favor – pediu. – Eu não quero outra atleta com o nariz quebrado tendo que ser levada às pressas para o hospital... – confirmei com a cabeça e voltei para perto de Lucy, que nos olhava desconfiada.
- Mudança de planos – falei enquanto a gente andava de encontro à Ayumi. – Eu vou sacar e a Ayumi vai fazer a minha parte no que a gente tinha combinado no vestiário – ela concordou.
Ayumi é uma das garotas da nossa sala e que frequentemente conversa com a gente. Eu a respeito muito como jogadora, pois ela é incrível como levantadora. Ela tem uma aparência frágil, e eu não sei se esse é o motivo, mas ela evita o máximo possível o papel de defesa e de ataque, se mantendo somente com o foco no que está acontecendo a sua volta na quadra, para otimizar nossa defesa e ataque.
Ela acenou para nós duas, entusiasmada. Sorri para ela e acenei de volta.
- Bom dia, garotas – falou. – Desculpa pedir sua ajuda assim do nada, Sam, é só que você é muito melhor do que eu nisso, e a capitã está tão ocupada com as outras garotas que eu não sabia mais o que fazer...
Dei de ombros.
- Nós somos um time. Nós crescemos juntas. Se você precisar e eu puder ajudar, é só me chamar – ela sorriu. – Mas vamos ter uma pequena alteração. Vocês duas ficarão de um lado e eu vou ficar do outro, sozinha. Eu vou mandar a bola com saques e você vai receber. Só você está autorizada a receber saques hoje, entendeu? – falei, séria, e ela concordou. – Como a Lucy tinha me pedido ajuda para uma coisa nova que ela quer tentar, ela vai levantar a bola pra você, e você vai atacar. Eu quero que você tente manter a bola no alto na melhor posição para ela poder fazer o levantamento para você, e eu quero o corte mais limpo que você puder fazer. Eu vou demonstrar algumas vezes como quero que cada uma se posicione e como cada uma vai fazer. Depois disso, quem tem que descobrir o resto são vocês.
Lucy me encarou e arqueou a sobrancelha. Depois que terminamos de nos aquecer, peguei a bola e joguei para Ayumi.
- Faça o saque que você quiser, mas eu preciso que você faça a bola chegar ao fundo da quadra – instruí. – Nada de pegadinha e nem saque na rede, porque nenhum desses vai nos auxiliar hoje – ela concordou e foi para o outro lado, quicando a bola enquanto se preparava.
O saque veio perfeitamente em minha direção. Sorri enquanto olhava a posição de Lucy. Me abaixei um pouco e recebi com uma manchete, levantando a bola da melhor forma para que Lucy levantasse para mim. Ela se precipitou e depois hesitou, mas por fim foi até a bola e a levantou, jogando bem próxima da rede. Pulei e cortei, acertando a linha propositalmente.
Me voltei para ela, que me encarava com uma feição insatisfeita.
- Sem hesitar. O levantamento é seu hoje. Se você travar toda vez que precisar fazer isso, esse passe nunca vai ser nada mais do que uma ideia bacana mal executada – se possível sua expressão ficou ainda mais insatisfeita. Ótimo. Agora que ela está irritada ela vai levar mais a sério. – De novo – falei pra Ayumi, que já estava posicionada ao fundo da quadra.
Dessa vez Lucy conseguiu fazer o que queria, embora ainda não esteja bom.
- Ótimo – falei, me aproximando. – Seu corpo já entendeu o que você quer fazer, agora é só questão de treino – acenei para Ayumi, pedindo para que ela se aproximasse. – Agora você saca. Mesmas regras para você: nada de pegadinha, nada de saque na rede. Bola no fundo da quadra – entreguei a bola para Lucy e ela passou por baixo da rede, para se posicionar para o saque. – Ayumi, você recebe, eu levanto, você corta, ok? – resumi e ela concordou.
O primeiro saque de Lucy foi perfeito, mas Ayumi não conseguiu fazer a bola subir, pelo contrário. Peguei a bola e joguei de volta para que tentássemos novamente. Dessa vez ela recebeu bem. Analisei sua posição e pulei, para ajeitar a bola para seu ataque e sorri quando ela acertou de primeira a bola que eu levantei errado de propósito.
Ótimo. Nem sempre os levantamentos são perfeitos. Em finais de partida, quando todos estão exaustos além da compreensão é onde os erros mais fatais acontecem, o que pode causar a derrota. Conseguir devolver a bola nessas condições e marcar é muito importante.
Lucy voltou para o nosso lado da quadra, me entregando a bola.
- Agora o resto do dia vai ser nessa ordem. Eu quero que vocês mantenham a bola em jogo. O máximo de tempo que puderem – elas concordaram. – E, Ayumi, não tenha medo de atacar.
Girei a bola nas mãos e fui andando até o outro lado vagarosamente. Me afastei a quantidade de passos que eu geralmente dou para poder sacar e adicionei mais alguns, praticamente dobrando a distância. Respirei fundo, me concentrando. Tentei visualizar o ponto na quadra onde eu quero acertar. Contei até três e joguei a bola para o alto e corri. Quando a bola chegou na altura ideal, acertei ela com a maior força que consegui.
A bola voou até o outro lado da quadra e acertou o chão – fazendo um barulho incrível -, poucos centímetros antes da linha e depois desapareceu, quase acertando um dos garotos que treinava a três quadras de distância. Nem Lucy e nem Ayumi tiveram a mínima reação, tudo o que elas fizeram foi me encarar de olhos arregalados. Sorri zombeteira.
Seth assobiou, chamando minha atenção, e depois arremessou a bola de volta para mim, dando uma piscadinha discreta e um sorriso orgulhoso antes de se virar.
- Se vocês continuarem com medo da bola, nós nunca vamos chegar a lugar nenhum – comentei. – Esse não foi o pior que eu posso fazer – ameacei. – Eu não vou ser a única que vai sacar assim, então aconselho a se acostumarem – voltei para o outro lado, contando os passos e parando na mesma distância. – Dessa vez eu vou mirar em você – deixei Ayumi ciente. – Espero que você receba, porque eu não quero que você se machuque.
Ela me encarou, pálida. Sorri um pouquinho mais. Me preparei e logo em seguida saquei, mirando a bola o máximo que eu consegui na direção e na altura mais ou menos do estômago dela, para que ela pudesse receber com mais facilidade.
Dessa vez a bola vez contato, mas ela não conseguiu receber e sua manchete se desfez, a bola varando sua posição e acertando em cheio sua coxa. Fiz uma careta, me sentindo culpada. Ela vai ficar com a marca dessa bolada na perna pelo menos duas semanas...
- É isso que Seth está te ensinando? Como assassinar os outros com um saque? – Lucy perguntou enquanto estendia a mão para ajudar Ayumi a se levantar. Ri e a ajudei também.
- Desculpa – pedi. – Está doendo muito? – perguntei. Ela dobrou a parte do short que cobria sua coxa para a gente poder ver o estrago. Cocei a nuca ao ver a marca. Dá pra distinguir até a costura da bola em sua perna... Sorri sem graça quando as duas me encararam.
- Você precisa sacar que nem uma ogra? – Lucy finalmente reclamou.
- A capitã falou que também era para eu aproveitar esse treino, já que eu estou tentando esse saque novo... Eu só estou fazendo o que ela instruiu – falei inocentemente.
- Mas assim você vai matar a garota. Ela nunca mais vai pedir sua ajuda assim, sua tapada. Se ela não conseguir defender seu saque, de que vai adiantar esse treino? – me olhou sério.
Suspirei.
- Lucy, o fato de eu tê-la machucado é horrível e eu me sinto muito mal por isso. Mas o que eu falei não é uma mentira: eu não vou ser a única pessoa a usar esse tipo de saque, que atravessa a defesa na base da força. Meu saque não tá perfeito ainda, e eu preciso de alguém para treinar comigo que não seja só o Seth. Ele é ótimo pra ensinar, mas eu também preciso tentar isso em outros lugares, com outras pessoas. Eu só vou ficar satisfeita com esse saque quando eu estiver controlando ele com perfeição.
- Sam, eu sei como você se sente em relação ao vôlei, mas traumatizando suas colegas de time não é o melhor jeito de conseguir com quem treinar. Além do mais, você tem uma força diferente da gente – ela deu ênfase à palavra, me dando um aviso sutil para eu pegar leve.
Revirei os olhos.
- Isso é mito. Se possível minha condição me coloca mais em desvantagem com relação a vocês duas do que o contrário... – ela arqueou a sobrancelha, mas não discutiu. Ayumi nos encarava, calada. – Você está bem? Se você não se sentir confortável para segurar esse saque, eu peço para outra pessoa ajudar – dei de ombros.
- Sabe o que eu mais gosto de você? – perguntou. – Você não é condescendente. Eu me sentia muito mal antes, quando eu era mais nova principalmente, quando as pessoas me tratavam assim porque achavam que eu sou incapaz. Você não está fazendo isso comigo. Você está disposta a abrir mão do treino para outra pessoa assumir seu lugar, mas não está disposta a ceder e abrir mão do seu saque para que eu possa receber. Isso porque você confia em mim e no meu potencial. E porque você sabe que essas dificuldades vão nos ajudar e nos fazer crescer.
Olhei para Lucy com a sobrancelha erguida de forma debochada e vitoriosa.
- Então você quer tentar novamente? – concluí e ela concordou. – Ok. Eu vou tentar mirar nessa área – apontei na direção de seu seio e desci, apontando até a altura de seu joelho. – Se você perceber que a bola está fora dessa área que eu te mostrei e não se sentir segura de que não vai se machucar, só desvia, pelo amor de deus – soei um pouco desesperada, fazendo a garota rir.
- Eu confio em você – sorriu. – Mas pode demorar um pouco até eu pegar o jeito do seu saque, ainda mais que eu já sou bem ruim recebendo.
Cocei a cabeça, pensativa.
- Eu vou demonstrar como você tem que se posicionar e a melhor forma de receber esse tipo de saque agressivo – falei, olhando em volta, à procura de Seth. Quando finalmente o avistei, percebi que ele já me olhava e sorri, acenando. – Se você acha que eu sou uma ogra, você vai ver o que é ser ogro agora... – falei pra Lucy enquanto ele se aproximava. Expliquei rapidamente o que a gente estava fazendo e ele concordou em ajudar com alguns saques de demonstração.
- Tem certeza que quer que eu saque com tudo? – perguntou pela milésima vez. – Um saque um pouco mais forte é o suficiente para demonstrar, não é?
- Sim – concordei. – Mas eu quero que elas entendam o que um saque desse tipo pode causar e como lidar com ele – ele assentiu e se posicionou.
- Então se prepara...
- Só... Só não acerta minha cara – falei e Lucy riu. Ele fez uma careta descontente e nem se dignou a me responder.
Me posicionei enquanto analisava cuidadosamente cada mínimo movimento de Seth. Quando ele correu e acertou a bola, estiquei o braço, armando a manchete. O impacto me fez trincar os dentes e meus braços foram praticamente jogados contra as minhas pernas, mas a bola subiu perfeitamente.
- Lucy – gritei, tirando ela de seu transe. Ela olhou em volta e correu até a bola e pulou, levantando-a para mim e eu cortei, acertando exatamente onde Seth estava parado esperando a bola com as mãos em posição para agarrar.
- Vocês são dois monstros – ela falou assombrada enquanto encarava a marca em meus antebraços. Dei de ombros e chamei Ayumi que agora parecia com medo.
- Eu não tenho a metade da força explosiva que ele tem pra esse tipo de coisa – assegurei ela. – Eu não conseguiria causar esse tipo de impacto nem que eu quisesse... – ela assentiu. Dei algumas dicas de como ela teria que fazer e pedi que ela prestasse bastante atenção em mim.
Me posicionei de novo enquanto Seth se preparava para sacar.
Depois do quinto ou sexto saque dele meus braços tremiam e eu mal conseguia dobrá-los, mas disfarcei para ele não se sentir culpado por me machucar.
- Na teoria eu consigo entender o que você tá fazendo – ela falou. – Eu só não sei se na prática eu vou ter o impulso de me jogar na frente desse canhão...
Sorri compreensiva.
- Quando você conseguir devolver ele a primeira vez, o seu medo vai embora – garanti. Seth se aproximou e olhou meu antebraço. Seus olhos brilharam com culpa enquanto ele passava a ponta dos dedos levemente sobre as marcas avermelhadas na minha pele.
- Eu vou te recompensar mais tarde – murmurou em meu ouvido e depois beijou meu pescoço, e voltou para ajudar os rapazes.
Tentei conter o sorriso malicioso que surgia em meus lábios, mas não fui rápida o suficiente para que Lucy e Ayumi não o vissem.
- Estão prontas? – perguntei, ignorando o sorrisinho que elas me direcionavam. Agora tem mais uma para me sacanear?
No terceiro saque ela conseguiu fazer a bola subir, embora não de um jeito bom o suficiente para Lucy, que não tem muita experiência em levantamentos, fazer um passe bom para ela, mas de alguma forma, ela conseguiu cortar.
Sorri quando ela me olhou espantada quando eu pulei, bloqueando a bola, jogando-a no chão de sua quadra.
Ela me encarou, confusa.
- Eu falei que quero a bola no ar – sorri. – Eu nunca disse que só ia sacar... A função do atacante também é lidar com a defesa.
Peguei a bola novamente e saquei, mas dessa vez eu senti meu pulso latejar quando acertei a bola. Grunhi baixinho, segurando ele com a mão esquerda. Ayumi saiu da direção da bola, que foi para fora de quadra pela primeira vez. Fiz um sinal de tempo com as mãos e andei até a sala de armazenamento à procura de uma fita.
Me sentei no chão e prendi o dedo indicador e médio juntos, assim como o mindinho e o anelar juntos com a fita e depois peguei minha munhequeira em meu bolso e vesti. Me levantei, satisfeita, e saí.
Treinamos assim pelo resto do dia, até eu, aos poucos, começar a fazer saques regulares porque simplesmente não tinha mais forças para sacar, e porque meu pulso estava doendo para um caralho.
- Você tá bem? – Lucy perguntou ao perceber que eu estou sacando cada vez mais fraco – fraco a ponto da bola quase não chegar a rede. – A gente devia parar se o seu pulso está sofrendo com isso. Ser teimosa só vai te causar mais dor e uma possível lesão – concordei. – Já tá quase na hora de encerrar de qualquer forma – ela disse. – Vou falar com a Ayumi. Senta sua bunda ali na arquibancada e descansa – me virei e fui andando, sem discutir. Ela não tá errada para eu poder reclamar, de qualquer forma.
Seth se aproximou, me encarando com seriedade. Suspirei.
- Você tinha prometido que não forçaria ao ponto de não aguentar mais jogar – relembrou. Suspirei.
- Eu sei – falei por fim. – Eu não vou fazer de novo... – ele balançou a cabeça negativamente e foi ajudar o pessoal a guardar as coisas para encerrar por hoje. Me levantei para poder ajudar também mas ele e Lucy me olharam no mesmo instante de cara feia, então sentei de novo.
- Você ainda tá chateado? – perguntei, mas ele não me respondeu. Suspirei. Seus olhos não deixavam meu rosto, mas ele também não estava exatamente me respondendo...
Percorri minha mão por seu peito nu e me inclinei para beijar seu pescoço.
Senti sua respiração um pouco mais pesada em meus cabelos e sorri. Ele não está tão bravo assim.
- Eu não estou chateado – respondeu quando me afastei. Ele se virou ficando ajoelhado sobre mim, uma perna de cada lado do meu corpo. Arqueei a sobrancelha. – E eu prometi que eu ia te recompensar, então...
Soltei uma risadinha.
- Ah, isso? Não precisa se preocupar – afirmei. Estiquei o braço, alcançando seu rosto com a mão.
Seth interceptou minha mão, entrelaçando seus dedos aos meus e se inclinou para me beijar, apoiando sua mão livre no colchão.
Sorri sob seus lábios quando sua mão se libertou da minha, seguindo para minha blusa, esgueirando-se vagarosamente sob ela.
Quebramos o beijo apenas tempo o suficiente para que ele conseguisse me livrar da peça. Em seguida suas mãos foram para o fecho do meu sutiã, abrindo-o, mas não o removendo.
Seth se levantou da cama e andou até o closet, voltando com um óleo para massagens.
- Sempre uma surpresa nova, não é mesmo? – comentei sarcasticamente, fazendo ele rir.
- Vamos, deixa de ser chata e se vira logo – revirei os olhos, mas não debati. Me sentei e tirei o sutiã, e pelo canto do olho percebi Seth desviando o olhar.
Ele tá agindo como se nunca tivesse me visto pelada... Suspirei.
- Que namorado mais bonzinho – murmurei, me deitando novamente, de costas para cima.
Ele me fitou, confuso, e eu dei de ombros.
Suas mãos envolveram cuidadosamente meu cabelo solto, amarrando ele. Seth se sentou ao lado da minha cintura, espalhando o óleo por minhas costas.
Fechei os olhos, tentando me concentrar em qualquer coisa que me mantivesse acordada.
Gemi baixinho, tremendo conforme suas mãos deslizaram pelo meu corpo, me trazendo leves arrepios.
- Eu não sabia que você era sensível assim – sussurrou pertinho do meu ouvido, provocativamente.
- Todos têm um ponto fraco – respondi, minha voz quase falhando de tão baixo que ela saiu.
Suas mãos envolveram minha cintura, subindo. Ele se deteve quando a ponta de seus dedos roçaram meu seio, e então desceu novamente.
Abri os olhos a tempo de ver seu sorrisinho satisfeito. Ele está me provocando de propósito... Bom, vamos ver até onde ele chega com isso...
- Vira – pediu. Obedeci, sem contestar, e quase ri quando ele cobriu meus seios com uma toalha. Realmente... que namorado mais bonzinho.
Dessa vez mantive os olhos abertos, prestando atenção em cada leve alteração em seu rosto.
Seu olhar ardeu em mim enquanto suas mãos percorriam vagarosamente meu corpo.
Eu o fitei intensamente e ele não parecia ser capaz de desviar o olhar. Sorri maliciosamente, fazendo seu autocontrole oscilar. Ele se inclinou, capturando meus lábios com os seus em um beijo selvagem, desesperado.
Estremeci quando suas mãos subiram, envolvendo meus seios, também massageando-os. Senti seu sorriso em minha boca, convencido.
Mordi levemente seu lábio quando deixei escapar um gemido baixinho, seus dedos estimulando meus mamilos estavam me excitando muito mais do que deveria e eu definitivamente me recuso a chegar ao limite só com isso!
Eu acho que todo esse tempo sem realmente fazer nada está começando a cobrar o seu preço, me sensibilizando com muito mais facilidade com apenas toques.
Movi meu braço, encontrando sua coxa. Subi a mão vagarosamente até sua barriga, sentindo sua respiração descompassada. Bom, se ele acha que só ele consegue provocar, eu posso mostrar que esse é um jogo de dois.
Trilhei o caminho até o zíper de sua calça, descendo-o cuidadosamente. Quando consegui concluir essa parte, com um dedo estrategicamente posicionado do lado de dentro de sua calça, abri o botão. Seus lábios paralisaram momentaneamente sobre os meus, e antes que eu pudesse fazer mais alguma coisa, sua mão me deteve. Sorri zombeteira quando ele se afastou.
- Eu achei que a parte da recompensa era só sua – frisou. Dei de ombros e coloquei meu braço ao meu lado novamente. Se ele quer assim...
Continuei fitando Seth intensamente, curiosa sobre qual seria seu próximo movimento. Ele sorriu, sapeca, e voltou suas mãos ao meu corpo, mas as manteve longe de meus seios. Fechei os olhos enquanto suas mãos voltavam a me massagear sem malícia. Imagino se ele ficaria chateado se eu dormisse...
Ele se esticou, talvez para pegar mais óleo, e eu rocei minha mão em seu sexo só para provocar, testando sua reação. Soltei uma risadinha com seu grunhido, ainda de olhos fechados.
- Se comporte, ok? – disse. Por algum motivo, eu me senti uma criança que acaba de levar uma bronca...
- Você tá muito sem graça hoje – comentei, irônica. – Você geralmente não é tão controlado assim – abri os olhos, fitando seu rosto. Seus lábios repuxaram em um sorriso mínimo. – Ahh... – ele riu.
- Você entendeu errado. Minha intenção não é te provocar – se virou, voltando sua atenção agora para as minhas pernas.
- É claro que não – revirei os olhos.
- É esse o motivo da sua decepção? – perguntou, se virando para me olhar. Ri.
- Talvez – admiti. – Mas você tá certo. Hoje foi um dia puxado. Relaxar é a melhor opção.
- Não era para ter virado algo erótico – confessou meio se desculpando. – Eu realmente só queria que você relaxasse – sorri.
- Funcionou em partes – admiti. Ele se virou para mim novamente, confuso. Arqueei a sobrancelha e olhei rapidamente na direção de seu sexo, deixando bem claro o que eu quis dizer.
Ele corou um pouquinho.
- Você não está muito mais sensível ultimamente? – disse por fim.
- E de quem é a culpa?... – ironizei. – Você tem um ótimo jeito de me deixar bem perto do limite... – bufei, me arrependendo instantaneamente assim que a frase saiu da minha boca.
Enrosquei minhas pernas no meio das suas e nos virei, deitando-o sobre a cama e depois sentei em seu colo.
- Não faz diferença – beijei seus lábios, subindo minhas mãos por seu peito até seu pescoço. – E também não é algo difícil de resolver – sorri maliciosamente, metade brincando e metade falando absolutamente sério.
- Eu nunca imaginei que você fosse ser tão direta assim comigo sobre essas coisas – sorriu.
- Eu não devia ser direta? – dei de ombros. – Eu não acho que faz sentido eu esconder esse tipo de coisa de você... Você é meu namorado, Seth, e eu acho que qualquer um consegue ver que eu sinto sim muita atração física e sexual por você – deixei uma risadinha escapar quando ele desviou os olhos, meio envergonhado.
- Mas... – sorri minimamente.
- Mas você também percebeu que quem tá hesitando sou eu – saí de cima dele, me sentando ao seu lado. Peguei minha blusa largada em cima do travesseiro e a vesti.
- Eu não acho que você esteja hesitando. Eu acho que eu que estou dando para trás... – riu. – Eu que impedi, em todas as vezes, que a gente fosse mais longe. Agora há pouco é um bom exemplo disso. Eu sinceramente não consigo te imaginar parando se a gente tivesse começado qualquer coisa...
Suspirei. Ele está meio certo. Eu consigo imaginar muitos motivos que me fariam travar.
- Não é bem assim... – ele se virou e me agarrou, me deitando na cama.
- Se você quiser tentar... – encarei ele sem a menor reação, até ele começar a rir. Eu acabei rindo também, não sei se de nervoso ou de alivio. – Desculpa, mas a sua cara foi impagável...
- Tudo bem. A gente devia dormir.
Seth concordou e se levantou para apagar a luz do quarto.
- Você sabe quando seus pais voltam? – perguntei, quando ele se deitou de frente para mim. – Eu preferia me poupar de ser vista assim – brinquei.
- Não exatamente. Minha mãe comentou que talvez em uma semana, mas não tem confirmação – ele parou de falar e sorriu debochadamente. – Pera, você tá com medo dos meus pais te virem dormindo comigo?
- Bastante – ri. – Imagina que cena maravilhosa?, seus pais entrando no quarto e você seminu, provavelmente dormindo numa posição bem constrangedora comigo?
Ele revirou os olhos.
- Me pouparia o trabalho de explicar que eu estou namorando – sorriu de canto. Arqueei a sobrancelha.
- Você ainda não contou? – tentei não soar apreensiva ou insegura ou até mesmo magoada, mas no fundo, eu sei que minha voz me entregou facilmente, porque sua mão procurou meu rosto. Senti seus dedos deslizarem por minha pele e depois ele me abraçou.
- Desculpa... – pediu baixinho. – Eu tentei, mas não consegui. Eu também não consegui me obrigar a dizer por telefone. Eu queria poder falar olhando para eles, de preferência com você do meu lado...
Suspirei.
- Tudo bem – respondi. Eu prefiro encerrar o assunto agora do que adicionar mais insegurança a tudo isso. Me virei de costas para ele. – Tudo bem – repeti, embora eu não tenha certeza se para ele ou para mim.
- Você ficou chateada? – ele perguntou, mas a frase pareceu mais uma afirmação.
- Chateada? – suspirei. – Bom, como você se sentiria se fosse a situação contrária? A sensação que eu tenho é que você tem medo de assumir que namora uma mulher trans – olhei para ele de relance e ele desviou o olhar, parecendo culpado. Engoli o que eu ia falar. Me sentei na cama. – Isso nunca vai dar certo desse jeito – falei, séria. – Eu entendo o seu lado, mas sinceramente não é esse o tipo de atitude que eu espero de você. Eu não quero que você enfrente seus pais e se prejudique por minha causa, mas eu não vou aceitar ser escondida. Não foi algo que eu tolerei no passado e não vai ser algo que eu vou fazer agora.
Ele ficou calado, parecendo não saber exatamente o que dizer.
- Como vocês fizeram? – disse baixinho. Tão baixo que eu custei a acreditar que ele tinha realmente perguntado isso. Cocei a nuca.
- Seguir esse exemplo específico não seria bom no seu caso... – confessei. – Ele passou por muita situação difícil por minha causa... Embora seja difícil dos seus pais aceitarem, pelo menos agora, para qualquer um que me olhar, eu sou incontestavelmente uma mulher – falei vagarosamente. Eu odeio falar esse tipo de coisa, como se identidade de gênero fosse resumida somente às características físicas, mas nesse momento pelo menos é mais fácil falar assim. – Quando nós dois começamos a namorar eu nem sequer tinha iniciado a transição ainda... Os pais dele também não foram muito receptivos, mas eles não implicaram por muito tempo, já que eles já me conheciam desde sempre e nós dois sempre fomos muito grudados. Eles presumiram que era uma atração momentânea e que não duraria...
- Como vocês fizeram? – perguntou de novo. Suspirei.
- Ele me levou até a casa dele e falou "pai, mãe, agora a gente tá junto" e depois a gente foi pro quarto jogar vídeo game... – relembrei a cena e tive que segurar o riso. De acordo com Jack, eles iriam atrás de nós rapidamente, então só pra eles terem a certeza que não era uma piada e pra forçar um pouquinho mais, quando a gente chegou no quarto ele me beijou, e essa foi a primeira coisa que os pais dele viram quando entraram... – Bom, depois ele explicou tudo com mais calma, mas foi isso o que a gente fez.
- Eu acho que realmente não vai fazer diferença se eu fizer isso, já que eu não vou chegar no assunto que você quer que eu chegue... – arqueei a sobrancelha. – Ok, foi mal. No assunto que eu preciso chegar – se corrigiu.
- Esquece, Seth – me deitei novamente. – Boa noite...
- Sam... Eu sei que eu pareço insensível fazendo isso, mas eu estou aprendendo ainda, e se eu disser que não estou com medo da reação deles vai ser mentira. Eu não tenho a menor ideia do que esperar e nem do que vai acontecer quando eu contar pra eles. Eu quero você do meu lado pra me apoiar, mas eu também estou com medo de ter você aqui quando eles ficarem sabendo...
Me virei para ele, seu olhar tristonho me desarmou um pouquinho.
- Desculpa – falei. – Eu sei que não é fácil pra você também, e eu entendo o seu receio. Mas eu te garanto que vai ser muito pior se eles descobrirem de outra maneira... Se você contar, você pode tentar manipular um pouco a reação deles – Seth concordou com a cabeça e me deu um beijo na testa.
- Quando eles voltarem eu conto. Mas eu vou dar uns dois ou três dias para eles descansarem, porque eles geralmente voltam bem pilhados - disse. – E eu acho melhor você não estar aqui... Provavelmente a discussão vai ser feia e eu não quero que você passe por isso...
Confirmei com a cabeça e ele me puxou para deitar em seu peito, me abraçando forte.
Roi, bebês. Capítulo um pouco diferente, mostrando a interação nos treinos e trazendo uns papos mais importantes, que vão dar foco à certas coisas daqui pra frente.
Tirando isso, e a minha incrível enxaqueca, eu não tenho mais nada pra adicionar aqui, então, até o próximo.
Fran
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro