Capítulo 13
Resgatei meu celular da minha mochila quando escutei o barulho do toque, assim que cheguei em casa.
Subi para o meu quarto e me joguei na minha cama antes de atender a ligação da Lucy.
Ela sorriu ao ver minha cara pela chamada de vídeo.
- Pelo menos você tá inteira – brincou, mas eu pude ouvir o alívio em sua voz.
- Não é como se eu nunca tivesse feito esse percurso esse horário antes.
- Sim, mas agora as coisas são diferentes.
Dei de ombros. Eu não preciso dizer pra ela que eu quase saí correndo à cada mínimo barulhinho que eu ouvia na rua.
- E então, conseguiu se entender com o Seth? Ele parecia disposto a acampar na porta da sua casa até você ouvir o que ele tinha a dizer – ri. Eu não duvido que ele teria de fato ficado ali se eu tivesse ignorado sua existência e entrado em casa e trancado ele do lado de fora.
- A gente se ajeitou – respondi e mudei o celular de mão enquanto me mexia estrategicamente na cama para que ela não visse que eu estava ficando vermelha.
Me lembrei da sensação do corpo de Seth contra o meu, das minhas mãos traçando vagarosamente sua barriga, suas costas... Se eu fechar os olhos eu ainda consigo sentir sua pele quente em minha língua. Gemi baixinho. Agora que ela trouxe o assunto à tona, está difícil me concentrar em outras coisas que não o sentimento de que algo inacabado ficou para trás. Isso e o incômodo que eu estou sentindo novamente no meu sexo.
- Aconteceu alguma coisa? Vocês brigaram de novo? – ela perguntou.
- Não, por que acha isso? – perguntei da forma mais natural possível, controlando minuciosamente meu tom de voz, minha expressão e até a velocidade com a qual eu respondi. Eu ainda não estou preparada psicologicamente para que a Lucy saiba desse nosso deslize. Tratando-se de Lucy a reação dela pode ser desde uma cara de completo desdém até um plano totalmente detalhado de como a gente vai transar.
- Eu pensei que... – ficou calada por alguns instantes. - Nada. Não foi nada. Foi só imaginação minha – dei de ombros, preferindo não pressionar. – Enfim. Tem algum plano pro fim de semana?
Tenho um para hoje à noite, me peguei pensando, distraída.
- Nenhum. Na verdade a gente ia checar com você – falei.
- Foi mal... Eu vou sair com o cara do time de novo esse sábado... Eu não achei que vocês fossem querer fazer alguma coisa, porque brigaram hoje, então eu acabei confirmando com ele...
Dei de ombros.
- Eu me lembro de você comentando que talvez vocês saíssem final de semana de novo. Eu não vejo problemas em ficar em casa. Divirta-se. E use proteção – ri de sua careta.
- Vou falar com o Seth e ver o que ele quer fazer. Talvez dê para vocês dois irem para algum lugar – sorriu maliciosamente.
- Não acho uma boa ideia – comentei, pensando comigo mesma, mas pela sobrancelha arqueada que ela me lançava, eu tenho certeza que ela me escutou. Suspirei.
- Rolou realmente alguma coisa com vocês, não é? – falou por fim. – Se vocês realmente não brigaram, como você diz que não aconteceu, a única coisa que eu posso imaginar é... – pausou, deixando a frase pairar no ar. Minha reação, seja ela qual fosse, responderia para ela o que aconteceu, e Lucy está tentando usar isso contra mim. Ri.
Neguei com a cabeça.
- Não aconteceu nada. E não, a gente não brigou. Para de ser tão cismada comigo e com o Seth.
- Eu já desisti de vocês. E eu realmente não vou mais implicar contigo, como falei que não iria na escola. Mas essa expressão irritante de quem tá sentindo alguma coisa que não sai do seu rosto está me fazendo duvidar do que você fala.
- Não precisa se preocupar com isso, não foi nada de mais. Como eu falei, nós nos ajeitamos. É o que importa, não é? – ela concordou com a cabeça. – Já sabe para onde vai amanhã?
- Ele sugeriu uma boate que fica não muito longe daqui. Parece interessante, então eu aceitei.
- Vai sossegar? – perguntei. – Você parece mais interessada nele do que o normal – arqueei a sobrancelha, deixando um sorrisinho malicioso tomar conta de meus lábios vagarosamente. Ela riu, mas não negou. – Você tá gostando dele, não é?
- Ele é legal. E me trata direito – ri. Imagino o que ele tem feito para render esse comentário. – Mas eu não quero acelerar nada – suspirou. – Mas ele tá dando alguns sinais e fazendo alguns comentários que me preocupam. Eu não sei se estou pronta para um relacionamento sério – coçou a cabeça, pensativa.
- Você nunca namorou, não é? – perguntei sem malícia. Minha intenção não é ser maldosa com ela.
- Não. Nunca – confirmou. – Eu realmente não sei como é, e nem o que esperar. Não é que eu espero a pessoa certa para isso, mas também ninguém nunca me passou a confiança necessária para tentar.
- É fofo a pessoa que me enche o saco por causa de muitas coisas falar isso – sorri e me sentei na cama, me recostando na parede. – Lucy, a verdade é que você só vai saber se é a pessoa certa ou não quando tentar. Quando você começa a namorar uma pessoa, tudo muda.
- Como foi com você e o Jack? – perguntou, mansa.
- A gente se conhecia há muito tempo. Desde o berço, na verdade. Nós éramos aqueles amigos quase inseparáveis. Aonde um estivesse, era quase certo que o outro estaria. Quando eu comecei a me abrir com ele sobre eu estar sentindo atração por homens e sobre a ideia de malhar que nem alucinada e ser um pegador me enojar, ele falou sobre a possibilidade de eu, na verdade, ser uma mulher trans. Ele me fez quase literalmente sentar e analisar todos os aspectos da minha vida para eu poder responder essa questão. Eu demorei um tempo para aceitar, mas no fim, eu percebi que ele estava certo. Depois disso a gente ficou tanto tempo junto fazendo pesquisa e pensando em formas de contar para a minha família que acabou rolando um beijo – sorri envergonhada. – Se você me perguntar o que me levou a fazer aquilo, eu nunca vou ser capaz de te responder. Quando eu percebi, eu já tinha feito.
- Espera... Foi você quem beijou ele?! – falou, abismada.
- Sim – ri. – Em um segundo eu estava olhando pro computador, com ele sentado bem ao meu lado, no outro, bom... – peguei o controle do ar condicionado e liguei aparelho. – Enfim. Eu fiquei mega nervosa. Eu quase surtei porque achei que ele ia ficar putaço comigo. Eu ainda nem tinha começado a transição. Para todos os efeitos, eu era "homem"¹. E o Jack é hétero. Ele ficou bastante tempo calado, me encarando. Até finalmente cair na gargalhada. E foi aí que eu quase morri mesmo. Ele falou pra deixar o assunto quieto e que estava tudo certo.
- E como isso se reverteu em namoro?
- Acho que depois que eu beijei ele, eu percebi pela primeira vez que eu gostava dele. Talvez eu sempre tenha gostado, na verdade. Eu ignorei isso tudo até que um dia, no último porre da minha vida, eu falar tudo o que eu, teoricamente, não podia e não devia. Ele foi super mente aberta e me ouviu. E admitiu também algumas coisas – sorri. Apesar de tudo, a minha confissão foi praticamente manipulada pelas ações dele na hora... – Ele falou que não se incomodaria de ser taxado de ''viado'' na escola, porque sabia que eu sou mulher, e foi isso.
- Você se arrepende de ter começado a namorar com ele? Afinal, vocês tiveram que se separar quando você foi se mudar, não é?
- Ah... Sobre isso... Não foi bem assim que aconteceu... A gente já tinha terminado há algum tempo antes de eu me mudar pra cá – admiti.
- Sério? Eu sempre achei que vocês tinham terminado no aeroporto, dando um beijo de cinema de despedida e prometendo se reencontrar em breve – ri. Se ela soubesse que a gente realmente se beijou no aeroporto...
- Sinto lhe informar que a realidade foi bem diferente. Eu já falei, a minha vida não é um livro de romance – dei de ombros.
- Então por que vocês terminaram? Se você não se importar em responder, é claro.
- Eu mudei – falei. O que eu posso dizer que simplifique isso? Lucy não falou nada, mas sua expressão dizia claramente que ela não tinha entendido o que eu quis dizer, e que precisaria de mais do que isso.
- Ok... Deixa quieto então – falou depois de algum tempo.
- Não. Não é isso. Eu só não sei como explicar... – ela esperou pacientemente. – Eu já falei antes o quanto as coisas ficaram esquisitas em casa. O lado violento do meu pai me afetou pra caramba. Óbvio. Mas não só fisicamente. Psicologicamente eu também fiquei destruída. Eu vivia num constante estado de estresse, e as coisas começaram a desandar. Eu brigava toda hora, e nada do que ele tentava fazer estava me ajudando, porque eu me sentia totalmente insegura. Eu praticamente virei outra pessoa.
"Quando meu pai finalmente saiu de casa, mesmo que eu tenha sentido que eu tinha me livrado de um peso enorme, eu me senti péssima. Foi aí que meu psicológico desandou de vez. Eu tive algumas crises e vivia fazendo terapia – suspirei. – Quando eu finalmente melhorei um pouco eu percebi o quanto eu estava prejudicando ele. Então eu o chamei para conversar e falei que não dava mais para continuar do jeito que estava – suspirei. – Eu falei que eu preferia tê-lo como amigo ao meu lado do que desgastar a nossa relação a ponto de nenhum dos dois aguentar mais sequer a presença do outro. Para mim foi mais sensato poupar ele do meu declínio do que arrastar ele comigo. Ele me xingou um pouco e falou que não tinha sentido. Ele tentou me convencer do contrário de todas as formas que ele pôde, mas acabou aceitando – sorri tristemente. – Acho que por todos os anos que eu conheci o Jack e dos dois anos de namoro, aquela foi a única vez que eu o magoei."
Lucy permaneceu calada, parecendo sem saber o que dizer.
- Não precisa fazer essa cara – pedi. – Eu sei o que eu passei e pelo o que eu estava fazendo ele passar. Foi normal a gente ter terminado, só isso. Eu não me arrependo de ter namorado com ele, mas me arrependeria se eu tivesse causado algum dano nele por causa disso.
- Vocês ainda mantêm contato? – sorri sem graça.
- Bom, sim. A gente conversa com bastante frequência. Apesar de tudo, ele ainda é meu melhor amigo...
- E o que você acha que eu devo fazer?
- Não sei. Você acha que gosta dele mesmo? Quer dizer... Você se sente diferente quando está com ele? Ou pensa que poderia ser diferente de todas as pessoas que você já ficou?
Ela concordou vagarosamente, distraída.
- Ele já deu a entender que quer algo a mais com você? – ela concordou novamente. – Então tenta, ué. Você só vai saber quando tentar. Nenhum "e se" supera a realidade. Se no final de tudo não der certo, pelo menos vocês tentaram.
- Eu não sabia que você tinha um lado conselheira – ri e revirei os olhos.
- Pode não parecer, mas eu presto atenção nas coisas. Eu sei muito bem aonde eu estou com relação a todos que me cercam. Eu sou muito mais do que eu deixo transparecer.
- Claro – riu. – Então tá...
Bufei.
- Enfim, espero que vocês se divirtam. E pelo amor, conversem! Você não precisa ser sempre tão racional.
Ela arqueou uma sobrancelha.
- Isso não se aplica a você, não é? Ser racional com relação a relacionamento...
- Eu sou racional – falei, sem entender a indireta. – O que isso quis dizer? – perguntei confusa.
- Nada. Quando - e você vai - entender, você vai se lembrar dessas conversas. Preciso ir. Até segunda, Sam.
- Até – falei e depois encerrei a chamada.
------- // -------
Quando acordei vi que tinha uma mensagem de Seth.
Espero que tenha curtido o seu banho gelado tanto quanto eu.
Ri. Que filho da mãe. Mas fico feliz de saber que eu não fui a única que tive uma noite longa...
Então quer dizer que você teve uma noite longa o suficiente para precisar de um banho frio depois?
Ri imaginando o quão sem graça ele ficou lendo a mensagem. Eu quase consigo ver seu rosto corado.
Eu não sei do que você está falando... Minha noite não foi tão longa assim. Eu não precisei realmente de muito...
A que nível de assunto a gente chegou... Intimidade é uma droga.
Enfim. A Lucy me mandou uma mensagem dizendo que ia sair com o Matt hoje. Se você topar, a gente poderia ir ao cinema e depois vim pra cá. Tem um jogo novo que eu comprei e queria que você jogasse, já que eu não tenho coragem o suficiente pra fazer isso, muito menos sozinho.
Ri. Era de se esperar que um marmanjo de quase 1.90 de altura não tivesse medo de jogos ou coisas de terror, mas o Seth simplesmente tem pavor. O que é péssimo, pois eu já sei que o filme de hoje não seria do gênero.
Qual jogo?
Eu só concordo com uma condição: se a gente for assistir ao filme novo de terror que saiu...
Se você quer que eu vá aí pra jogar um jogo de terror, pelo menos você já vai entrando no clima desde o cinema.
Esperei algum tempo pela resposta, enquanto isso comecei a preparar o almoço. Embora minha mãe esteja em casa, e geralmente seja ela quem cozinhe nesses casos, ela ainda está trancada no escritório, então acho que pelo menos isso eu posso fazer pra ajudar.
Quando o celular vibrou com a resposta de Seth eu já estava no quarto novamente.
Fatal Frame 5. O jogo parece ótimo e eu tentei jogar sozinho, mas eu quase morri só no primeiro capítulo.
Sobre o filme... Você vai realmente fazer isso comigo? y.y
Ri. Eu estou com pena, mas não o bastante pra não querer implicar com ele...
Essa é a condição. É pegar ou largar.
Você não é uma pessoa legal, sabia?
Ok, né. Fazer o que...
Pensei em como ele deve estar animado pro cinema. Talvez eu escolha outro filme na hora, só pra não torturar tanto assim o pobre.
Já que você está disposto, então eu te dou a carona. Quer pegar uma sessão mais cedo pra você não ficar com tanto medo?
A primeira sessão deve ser 17h.
Me assustei quando o celular começou a tocar em minhas mãos. A expressão de Seth na chamada de vídeo não parecia feliz.
- Você realmente vai fazer isso comigo? – perguntou, fazendo beicinho.
- Não precisa de tanto drama. O filme nem parece pesado. Você vai gostar – ri.
- Não precisa ser a primeira sessão. Não vai fazer diferença mesmo. Você pode escolher uma mais cedo se não quiser passar a noite lá em casa.
- Eu vou de carro. Qualquer coisa se eu precisar voltar tarde, pelo menos não vai ser perigoso – dei de ombros. – Então eu passo pra te buscar 18h30. Esse horário tá bom pra você?
Concordou com a cabeça.
- Eu estou com tédio e ainda está muito cedo. Quer vim pra cá agora e quando der a hora a gente vai pro cinema? – perguntou, esperançoso. – Você pode se arrumar aqui.
Olhei a hora no canto superior do meu celular. Realmente está bem cedo, e eu não tenho absolutamente nada para fazer. A não ser dormir de novo.
Pensei sobre isso. Nosso pequeno episódio de ontem parece ter ficado para trás. Além do mais, me preocupar em ficar sozinha com ele agora não faria o menor sentido, já que eu vou para a casa dele mais tarde.
Dei de ombros.
- Tudo bem. Vou só avisar para a minha mãe que vou sair e não sei que horas vou voltar – ele sorriu animado.
- Ok. Até daqui a pouco!
- Até.
Ele encerrou a chamada e eu me levantei da cama. Fui ao banheiro e depois desci para ver se minha mãe ainda estava no escritório, mas acabei a encontrando na cozinha.
- Bom dia – falei, depositando um beijo no alto de sua cabeça.
- Bom dia, Sam. Dormiu bem? – parei com a mão esticada enquanto ia abrir a geladeira, estranhando o tom malicioso que ela utilizou. Quando me virei para olhá-la, vi que ela estava sorrindo. Eu esqueci! Puta merda! Fiz a maior cara de paisagem que consegui.
- Sim, obrigada – me fingi de desentendida e peguei a água na geladeira. – A senhora vai precisar de mim para alguma coisa hoje? – perguntei. – Porque se não for precisar e se não tiver problemas, eu vou sair e só volto tarde. Também vou levar o carro...
- Vai se encontrar com o Seth e a Lucy? Pode levar. Eu vou ficar em casa o dia todo – contemplei a possibilidade de ignorar sua pergunta, mas ela simplesmente perguntaria de novo, só para confirmar o que ela provavelmente já sabe...
- Sim, bom, mais ou menos... Parece que a Lucy tem um encontro hoje – arqueei a sobrancelha e cruzei os braços, só esperando...
- Entendi. Então serão só vocês dois... – riu quando eu fiz uma careta.
- A senhora está colocando muita malícia nesses pensamentos. A gente só vai ao cinema. Nada fora do normal.
- Estou? – apoiou o queixo na palma da mão, de forma pensativa. – Então não tem nada entre vocês? Porque não precisa de muito para saber que o que aconteceu ontem não foi um caso isolado... – ela também arqueou a sobrancelha. Mantive o contato visual. Eu me recuso a olhar para outro lugar!
- Na verdade, até que foi... – sorri quando ela pareceu levemente desapontada. – Eu não sei o que a senhora acha que a gente faz, mas não é bem assim que funciona...
- Você está interessada nele? – perguntou, e me lembrei que ela fez a mesma pergunta na primeira vez que ele me trouxe em casa, no dia que a gente ficou até tão tarde treinando no colégio que ele teve que me trazer.
Fiz que não com a cabeça.
- Nós somos amigos.
- Amigos que estavam quase agarrados na cozinha da minha casa... – riu quando finalmente desviei o olhar.
- Detalhes. Foi coisa do momento. Não vai acontecer de novo – afirmei, embora nem eu mesma tenha tanta certeza de que isso seja possível. Eu sei que um dia vai acontecer, e que provavelmente a gente não vai parar somente no beijo. Suspirei pesadamente.
- Sam, eu mantenho o que eu disse aquele dia: gostar de pessoas é normal. Um dia vai acontecer, você queira ou não – ela sorriu e se levantou. – Não seja tão orgulhosa e nem tão teimosa – colocou sua caneca na pia. – Espero que se divirtam – sem mais nenhuma palavra e sem esperar uma resposta, se virou e foi em direção ao escritório, se fechando lá dentro logo em seguida.
Fiquei parada por um bom tempo apenas encarando a porta fechada do escritório. Bom, foi menos pior do que eu achei que seria. Me virei para a pia para poder lavar a caneca que ela tinha deixado ali. Depois de organizar tudo ali embaixo, voltei para o meu quarto para poder escolher minhas roupas e guardar na mochila, para poder me arrumar na casa de Seth. Pouco antes de fechar a mochila, decidi levar roupas para caso eu decida dormir lá, e só então desci.
Pensei em avisar que já estava saindo, mas eu provavelmente só vou atrapalhar minha mãe, então deixei pra lá.
Peguei a chave do carro e saí de casa.
Assim que estacionei o carro em frente à casa de Seth, ele abriu a porta. Sorrindo, esperou que eu o alcançasse e então pegou minha mochila, levando-a para o seu quarto rapidamente e retornando logo em seguida.
Ele foi para a cozinha, saqueando a geladeira.
- Desculpa, eu não tomei café da manhã ainda – falou, enquanto colocava um monte de ingredientes sobre a bancada. – Você quer comer alguma coisa?
- Você vai cozinhar? – perguntei quase com sarcasmo.
- Ei! Eu sei fazer comida – se defendeu. Ri, achando graça. – Ok, é mentira, mas eu sei fazer panqueca – disse, parecendo uma criança.
- Se você me prometer que eu não vou passar mal... – brinquei. – Sim, eu também não comi ainda.
Ficamos conversando enquanto ele preparava a comida e enquanto comíamos. Surpreendentemente, estava muito bom, e ele parecia muito orgulhoso disso.
- Me tira uma dúvida – falei. – Por que você joga jogos de terror se você tem medo?
- Porque eu gosto, ué – respondeu, me fazendo rir.
- Mas você não consegue jogar. Você deve ter medo de Luigi's Mansion...
- Haha! – revirou os olhos. – Não é porque eu sou medroso que eu não curto. Um susto ou sentir medo de vez em quando faz bem pro coração – sorri.
- Vou me lembrar disso mais tarde... – debochei.
- Contanto que você não me assuste...
- Não vou – garanti. – Não preciso disso para te deixar com medo. Além do mais, eu gosto de te perturbar por você ter medo, mas eu não faria isso com você.
- Quer jogar alguma coisa enquanto a gente espera a hora? – dei de ombros, me levantando e levando as louças que eu usei para a pia, para poder lavar.
- Mais tarde eu lavo – falou. Dei de ombros.
- Esquece. Eu não curto sujar alguma coisa e não lavar na hora – peguei a esponja e comecei a passar no prato. Seth se aproximou e encostou o seu corpo em minhas costas, passando seus braços pelo meu corpo e segurando minhas mãos.
- A gente discute isso toda vez que você vem aqui – falou perto do meu ouvido. – Você não veio aqui para lavar louça.
- E eu vim aqui para quê então? – perguntei, desafiadora. Senti sua risada em minhas costas.
- Pra qualquer coisa, menos lavar louça – uma de suas mãos soltou a minha e pegou a esponja, colocando-a em seu devido lugar. – Agora se a senhorita não se importa... – tentou pegar o prato de minha outra mão, mas eu não soltei. – Se você não soltar, eu vou te fazer cócegas – ameaçou. Soltei o prato em sua mão no mesmo segundo, fazendo-o rir. – Boa menina – ele abriu a torneira e lavou nossas mãos que estavam com sabão e depois se afastou. Suspirei, seguindo-o até seu quarto. Ele entrou e pegou o controle da tv e depois ligou o Wii U. – Quer jogar o que? A gente pode terminar de zerar New Super Mario Bros U. Não falta muita coisa.
Me sentei ao seu lado, concordando.
Ficamos horas jogando, até percebemos que já estava ficando tarde e que se a gente não saísse, a gente perderia a última sessão.
Nos arrumamos na velocidade da luz e saímos logo em seguida.
Chegamos ao cinema faltando pouco mais de 20 minutos para o filme começar, então fomos comprar o ingresso e ficamos por perto para quando pudéssemos entrar na sala.
Seth me olhava a cada cinco segundos, parecendo cada vez mais nervoso.
- Foi mal – falei. – A intenção era assistir outro filme, mas esse horário só tem o de terror mesmo – ri de sua expressão.
- Por que não falou antes?
- Eu não imaginei que a gente fosse se entreter tanto jogando...
- Tudo bem. Só não me zoa muito.
- Eu só vou fazer isso se você gritar... – sorri travessa.
- Pode acontecer – admitiu.
- Vou fazer o melhor que eu posso para não implicar contigo, mas não posso garantir nada. Tenha a certeza de que pelo menos rir eu vou...
- Vamos, as pessoas já estão indo para a fila – me arrastou, entrelaçando seus dedos aos meus. Mesmo depois de entrarmos na sala e nos sentarmos, ele não soltou minha mão, e só então percebi que ele estava realmente nervoso.
Saímos da sala, eu rindo e Seth me fuzilando com o olhar. O filme realmente não era pesado. Na verdade, o terror era zero. Pelo menos para mim. Seth, por outro lado, passou a metade do filme com os olhos fechados e a outra olhando para as nossas mãos – que ele não largou nem por um segundo.
- Ah, qual é, o filme nem deu medo – falei, flexionando meus dedos. Eu fiz o possível para não deixar caretas escaparem, mas tiveram vezes que ele se assustou que ele apertou minha mão com bastante força.
- Pra você! – falou, revoltado, e então percebeu o que eu estava fazendo. – Desculpa. Eu te machuquei? – segurou minha mão delicadamente, analisando-a com cuidado. Dei de ombros.
- Eu não me importo. Acho que você aguentou bem porque tinha alguma coisa pra te distrair.
Ele acariciou delicadamente e depois levou minha mão aos seus lábios, depositando um beijo. Desviei o olhar, me sentindo corar aos poucos.
- Tem certeza de que quer que eu jogue aquele jogo? A gente pode fazer outra coisa... – falei, realmente preocupada. Eu não sei até que ponto o jogo é pesado, e muito menos o quanto ele é capaz de aguentar.
- Sim. O combinado era esse, não é?
- Era, mas eu vou me sentir responsável se você nunca mais conseguir dormir de luz apagada... – ri e ele me olhou feio.
- Eu não sinto tanto medo quando não sou eu que estou jogando...
- Então, basicamente, você comprou o jogo pra mim... – ele sorriu amarelo. – Você comprou o jogo pra mim?!
- Você já zerou todos da franquia, não é? É sua franquia de terror favorita, certo?
- Bom, sim – confirmei. – Mas o jogo é praticamente lançamento – ele deu de ombros.
- Eu queria poder fazer isso por você – arqueei a sobrancelha. – E eu queria ver como você é jogando jogos de terror.
- Se você espera que eu leve sustos ou fique com medo, você vai se desapontar um bocado... O máximo que você vai ver vai ser eu me estressando quando acontecer alguma coisa fora do meu controle – sorri. Destravei o carro e entramos.
Chegamos na casa de Seth já era quase uma hora da manhã.
- Você tem certeza de que quer que eu jogue isso? – perguntei pela enésima vez, para ter certeza.
- Sam, relaxa! Eu não vou morrer e nem sair correndo e vou assistir tudo sem gritar ou sem tampar os olhos! – prometeu. – Eu quero que você jogue, e eu quero ver você jogando.
- Ok – sorri, ansiosa.
Seth só cumpriu metade de sua promessa. Ele de fato não saiu correndo e assistiu sem tampar os olhos nenhuma vez... Já com relação aos gritos... Bom...
Desliguei o vídeo game quando cheguei ao final do capítulo 2, e ele pareceu aliviado.
- É um bom jogo – comentou. – Mas não posso dizer que fico triste de você ter parado por agora. Eu preciso me recuperar – se levantou e se jogou na cama, se enfiando embaixo do cobertor. Ri.
- Sim, é um bom jogo. E você se assustou menos do que eu pensei que iria. Talvez você esteja ficando melhor com isso – sorri. Peguei meu celular que estava ao meu lado no chão e olhei as horas. Me levantei. – Bom, não está tão tarde, então eu acho que vou embora – falei, pegando minha mochila. Na verdade já são quase 5h da manhã.
Ele se sentou na cama e segurou a pontinha da minha camisa.
- Fica – pediu. – Amanhã eu te levo – fiquei calada, sem frisar o fato de que eu tinha ido de carro já para isso mesmo. – Fica – pediu novamente, fazendo cara de filhote abandonado. Respirei fundo.
- Eu não avisei pra minha mãe que dormiria fora, só que voltaria tarde.
- Sam, até eu sei que sua mãe não espera que você passe os finais de semana em casa, de tanto que a gente dorme um na casa do outro aos sábados e domingos... – ri, confirmando com a cabeça.
- Ok, eu fico – cedi, e antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ele me puxou para a cama, me enfiando embaixo do cobertor com ele. Ficamos frente a frente. Abri a boca para falar, mas ele foi mais rápido.
- Eu não vou fazer nada. Prometo! Eu não sou insano a esse nível.
Ponderei sobre sua frase. Era tão óbvio o que ele quis dizer... Ele também tem consciência de que se a gente chegasse minimamente perto de repetir o que aconteceu ontem, sozinhos, em seu quarto...
- Eu acho que o Matt tá gostando da Lucy – falou, absolutamente do nada. Ri, achando maravilhoso a forma que ele resolveu mudar de assunto.
- Por que diz isso?
- Primeiro porque ele não para de encher o saco e de falar sobre ela – riu. – Depois porque eu nunca vi ele dessa forma. Ele parece tão feliz com tão pouco. Se envolve ela, ele quase sai saltitando por aí. E também, parece que ele está dando indiretas para ela, sobre querer algo a mais...
- Fico feliz por ele – disse.
- E ele me pediu conselhos – riu nervoso.
- Ele te pediu conselhos? De relacionamento? – ele sorriu e confirmou com a cabeça. – Por quê?
- Eu acho que você ainda não percebeu o quanto você chama a atenção na escola – comentou. – E o fato de todo mundo achar que a gente namora rende situações como essa. Muitos caras vêm me perguntar como eu fiz para te conquistar.
- E por que você não desmente? – arqueei a sobrancelha, levemente incomodada.
- Eu já desisti de tentar. Todos eles acham que eu estou sendo apenas discreto, então agora eu resolvi entrar na brincadeira. Mas os caras que fazem comentários sem noção ou perguntam sobre nossa suposta vida sexual eu sequer me dou ao trabalho de falar novamente.
- Eu não vou perguntar que tipo de comentários, porque eu sei muito bem o que você quis dizer com isso... – suspirei. – A Lucy falou que várias garotas da escola a abordam para perguntar se a gente está ficando ou namorando. Ninguém nunca me perguntou diretamente.
- E eu duvido que façam isso...
- Acho que os nossos finais de semana vão mudar um pouco se eles começarem a namorar... Vamos ser dois velas se eles decidirem fazer alguma coisa juntos.
Ele deixou escapar uma careta.
- Eu espero que não. Quer dizer, não que eles não fiquem juntos ou namorem – se corrigiu, percebendo que a frase tinha ficado estranha. – Eu quis dizer que espero que a gente não fique de vela. Deixa eles saírem pra onde eles quiserem – ri. – Ou... – deu um sorriso cheio de significado.
- Ou?... – perguntei, me fingindo de desentendida. Eu sei exatamente o que ele quis dizer. Eu só quero ver se ele tem a coragem de dizer isso com todas as palavras. Sorri maliciosamente.
- Ou a gente podia sair também – deu de ombros e depois sorriu novamente, travesso.
- Claro, Seth – revirei os olhos. – Por que não?
- Eu não estou totalmente brincando, sabe... – falou. – Mas eu vou te esperar – completou com a voz baixinha. Levei minha mão ao seu rosto, acariciando-o vagarosamente.
- E se esse dia nunca chegar? – perguntei por fim, quando ele segurou minha mão e entrelaçou seus dedos aos meus.
- Eu não penso nisso... – respondeu espirituoso.
- Seth...
- Eu gosto de você, Sam – me cortou. Fiquei calada. Tudo o que eu menos esperava nesse momento era uma declaração. – Eu não vou pedir para que você me dê uma resposta, e eu sei que eu estou sendo egoísta ao te falar isso agora, mas eu queria que você tivesse essa certeza. Eu sei que você já sabia. Não é difícil perceber. Mas eu queria falar mesmo assim.
Concordei com a cabeça, sem saber mais o que fazer.
- Foi mal. Eu não queria que ficasse esse clima estranho. Você realmente não tem que dizer nada. Quando você estiver pronta para isso, eu vou te ouvir. Seja para o sim ou para o não – beijou minha testa e depois minha bochecha, e me abraçou, forte, enterrando seu rosto em meu pescoço. Senti sua respiração trêmula em minha pele. Eu acho que ele pensou que eu iria rejeitar ele instantaneamente.
- Ok. Quando eu estiver pronta, eu vou te dar a sua resposta – prometi e o apertei contra mim, sentindo seu corpo, pouco a pouco, relaxar.
1: Idêntidade de gênero NADA TEM A VER com o físico! Não tem correlação se a pessoa tem aparência, genitália ou corpo de mulher/homem, o que importa é como ela se identifica. Aqui a Sam se expressa dessa maneira por questão de praticidade, mas mesmo assim é utilizado aspas pra poder especificar que é um pensamento ERRADO.
Favor, respeitar a forma como o coleguinha se enxerga!
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