Capítulo 01
Acordei com o som estridente do despertador. Meu corpo todo dói, e eu sinceramente não estou com nenhuma vontade de ir para a escola.
Sentei na cama enquanto coçava o olho, tentando me manter acordada.
Com duas leves batidas na porta mamãe entrou no quarto para me desejar bom dia como sempre.
- Sam, bom dia – sorriu. Sorri de volta enquanto me aproximava para beijar sua bochecha.
- Bom dia, mãe. Dormiu bem? – ela olhou para o quarto que estava uma bagunça total e suspirou, preferindo não começar uma discussão às 6h30 da manhã.
- Dormi sim. Mas você não parece tão bem – completou preocupada. – Aconteceu alguma coisa na escola? – me seguiu até o banheiro enquanto eu me despia para tomar banho.
Neguei levemente com a cabeça. Ela analisou meu corpo à procura de hematomas enquanto eu pegava a escova de dentes no armário. Suspirei, fingindo que aquilo não me incomoda. Sei que sua intenção é boa e que ela está apenas preocupada, mas eu não estou mentindo, caramba!
- Eu estou bem. É sério. Nada aconteceu. É só que as atividades do clube de vôlei começaram, e eu estou toda quebrada. Sabe como é, né?, muito tempo sem praticar esportes dá nisso – sorri. – Ah, eu vou chegar tarde essa semana toda. O pessoal tá pegando pesado com as novatas e eu preciso praticar.
- Isso era uma das coisas que eu gostaria de conversar com você... – se movimentou desconfortavelmente enquanto pensava em como abordar o assunto. – Tem certeza que não tem nenhum problema se juntar ao clube? Sabe como é...
- Não se preocupe – interrompi. – Não vai ter nenhum problema dessa vez. Eu fiz tudo que eu podia fazer para garantir isso. Agora se a senhora me dá licença, vou tomar banho, senão vou me atrasar, e a senhora também.
Ela saiu e fechou a porta atrás de si, e só então tirei as roupas íntimas e me enfiei embaixo do chuveiro.
Pouco depois estava no ônibus a caminho da escola. Sentei na janela para poder observar as ruas movimentadas e os mesmos prédios enquanto escutava música pelos fones de ouvido.
Senti uma leve pressão no banco do meu lado e alguém cutucou meu ombro. Me virei por puro reflexo, dando de cara com um par de olhos esmeralda. Sorri, retirando um dos fones para poder escutar o que ela falava.
- Bom dia, Sam – sorriu.
- Bom dia, Lucy – respondi. – Perdeu sua carona diária?
- Eu discuti com minha mãe e ela disse que não me levaria hoje. Basicamente falou ''se vira'' e foi embora – resmungou.
- Você é muito mimada. Andar de ônibus às vezes faz bem – provoquei.
- Bem pra quem? – arqueou a sobrancelha.
- Pro meio ambiente – me levantei para puxar o sinal para podermos descer. Ela nem se dignou a responder, apenas me encarou com cara feia e me seguiu até a porta de saída.
- Você e esses seus papos hippie.
- Eu não sou hippie. E você sabe que é verdade. Só cego não vê o que está acontecendo com o nosso planeta – quando ela fez questão de retrucar, levantei uma mão encerrando o assunto. – Foi só um comentário. Não precisamos entrar nesse tipo de discussão. Eu não quero te irritar e muito menos bancar a nerd chata.
Deu de ombros, deixando o assunto de lado.
- Você vai participar do treino de hoje?
- Sim, embora eu esteja toda quebrada do treino de ontem.
- Por isso você está andando engraçado? – zombou e eu sorri.
Nos despedimos na porta da sua sala e eu segui para a minha. Eu não estou com muita cabeça para prestar atenção na matéria, então vou apenas sentar e observar os clubes com tempo livre agora cedo fazendo suas atividades.
Me recostei na cadeira, observando o time feminino de futebol fazendo os aquecimentos e começando uma partida.
Da sala onde eu estudo só dá para ver a quadra de futebol e um pedaço da quadra de vôlei. Apesar de eu não ser fã de futebol assisti ao jogo todo atentamente, completamente alheia à aula de matemática. O professor também parecia não ligar para a minha falta de interesse e não mexeu comigo em nenhum momento.
Quando o jogo acabou, em um empate, já era quase hora da troca de sala. O resto do dia passou rápido, apesar do tédio de ter que assistir às aulas quando tudo que eu mais queria era jogar vôlei.
Me encontrei com Lucy de novo enquanto ia para a quadra de vôlei. Ela já vestia o uniforme de educação física, então me apressei para o vestiário para trocar de roupa.
Quando voltei a capitã do time dava instruções e dicas para algumas novatas. Me aproximei e escutei atentamente enquanto ela repetia para mim as partes que eu perdi.
- Em resumo: pelos próximos dias não vamos jogar com rodízio. Vamos fortalecer vocês individualmente em cada posição por semana. O rodízio passará a ser semanal, então quando todas estiverem com um bom desempenho a gente volta a jogar com as regras originais do esporte. E mais uma coisa: nessas duas semanas a gente vai contar com a ajuda do time masculino da escola, assim todo mundo tem o mesmo preparo, troca experiências, essas coisas. Hoje o time vai ser misto, então se dividam em trios e depois se juntem em times de três homens e três mulheres. Discutam entre si quem ficará em cada posição.
O time masculino entrou mais ou menos na metade da explicação, aparentemente já separado em trios, já que provavelmente o capitão deles já havia passado a informação para eles de antemão.
Olhei para Lucy enquanto ela fazia careta para os jogadores masculinos, praticamente impedindo qualquer garoto de se aproximar para oferecer formar o time.
- Não faz assim – sussurrei para que só ela me escutasse.
- Por que diabos a gente tem que jogar com eles? Por que o time feminino tem que treinar junto do time masculino? Não tem sentido!
- Os horários estavam em conflito. Foi só o modo mais fácil de ninguém sair perdendo. Você não vai morrer se formar time por duas semanas com eles.
Ela suspirou. Por mais que se sentisse contrariada, não tem muito que ela possa fazer além de aceitar.
Três rapazes altos se aproximaram de nós para oferecer formar time e eu tomei a frente antes que ela pudesse espantar eles com sua carranca.
- Bom, agora somos 5 – comentou um deles, olhando para Lucy com curiosidade. Ele não parecia se incomodar com as caretas dela. – Não tem mais nenhuma menina sem trio? Não podemos jogar assim.
Olhei em volta, mas parece que faltou bastante gente ao treino de hoje.
- Vou chamar a capitã para completar – falei.
- Nesse caso, pode deixar que eu chamo – comentou. Assobiou e quando ela olhou em nossa direção, ele acenou, chamando-a. – Está faltando uma para poder completar o time – falou quando ela estava perto o bastante para ouvir sem que ele precisasse gritar. – Quer treinar com a gente?
- Dois capitães no mesmo time? Tem certeza que não prefere que eu fique no time adversário?
- Melhor a gente começar pegando pesado com eles – sorriu. – Você disse que praticamente todas aqui hoje são novatas. Os do time masculino também. Só espero que a gente não assuste muito eles logo de cara.
- Ele é o capitão do time masculino? – murmurei no ouvido de Lucy e ela me olhou como se eu fosse uma grandessíssima idiota. – O que?
- Como você não conhece o capitão do time masculino de vôlei? – sussurrou. Nosso time começou a andar para uma das redes para começar uma partida.
- Eu não sabia que tinha a obrigação de saber quem ele é.
- Você é uma tapada – me empurrou levemente. – Sim, ele é o capitão. O nome dele é Seth. Melhor prestar mais atenção nas coisas que estão à sua volta.
Tiramos as posições no pedra, papel ou tesoura, e eu acabei ficando como líbero. Lucy ficou como oposto e a capitã ficou como levantadora. Seth ficou como central e os outros rapazes ficaram como pontas.
Para um time tirado na sorte, as funções foram muito bem distribuídas.
Começamos a primeira partida e não demorou nem 5 minutos de jogo para eu entender o motivo desses dois monstrinhos serem os capitães dos times de vôlei.
Me senti absolutamente grata por estar no mesmo time que eles, já que o massacre de todos os que os enfrentasse era evidente.
Nossa primeira partida terminou rápido demais, então sentamos para descansar enquanto não tinha outro time disponível para poder jogar a segunda partida com um time diferente.
Observei os rapazes do nosso time e como eles seguiam Seth de perto, quase como se eles tivessem medo de se afastar dele.
Seth chamou o time que tinha nos enfrentado para se aproximar e fez uma revisão de todos os pontos positivos e de todas as falhas em suas jogadas. Nossa capitã fez o mesmo com o nosso time.
Ao fim de todas as nossas partidas era separado um período de mais ou menos quinze minutos para essa conversa.
Na quinta partida eu já nem sabia mais o que eu estava fazendo. Era tudo no automático devido ao cansaço. Quando finalmente acabou a partida eu me joguei nos bancos da arquibancada, sem forças sequer para me aproximar para escutar as dicas e os puxões de orelha. Lucy e os outros dois rapazes não estavam em melhor condição que eu. Só quem estava completamente inteiro eram os capitães.
- Você está bem? – olhei para cima e vi Seth se sentando perto, mas não exatamente no banco ao meu lado.
- Vou sobreviver – respondi.
- Não sei não. Você parece que vai ter um troço a qualquer momento. Quer ficar de fora da próxima?
- Não, tudo bem. Sério. É só que já fazia um tempo que eu não jogava, então desacostumei um pouco com o ritmo, mas amanhã ou depois de amanhã eu já vou estar fisicamente mais acostumada com o ritmo.
- Você fazia parte de algum clube antes? – dei de ombros.
- Sim, mas nos últimos três anos não participei de nenhum.
- É mesmo? Por quê? – perguntou com curiosidade. O alerta vermelho soou em minha cabeça e eu sorri meio sem jeito.
- Algumas questões pessoais.
Ele pareceu entender que era um assunto sensível, então deixou para lá.
- Mas você joga muito bem. De todos os alunos que eu joguei hoje você foi a única que não precisou de revisão de erros. É impressionante para alguém que não joga há tanto tempo e está tão cansada assim.
Sorri sem saber como reagir ao elogio.
- Nunca pensou em ser capitã?
- O que? Não! – a ideia parecia absurda, ainda mais se eu me comparar com a minha própria capitã de time, ou com ele. Não tem nem o que comparar. – Não é bem o tipo de responsabilidade que eu gosto de ter – respondi com sinceridade. – Eu só quero jogar. Qualquer coisa mais complicada do que isso para mim já é responsabilidade demais.
Ele riu levemente, parecendo achar minha resposta intrigante.
- Você é a primeira pessoa que me responde dessa maneira. Acho que todos aqui almejam ser capitão, ou algo a mais pro time.
- Cada um tem os seus motivos para se dedicar ao esporte. Eu não pratico vôlei para ser líder ou ensinar pessoas.
- Ah, é? Então por que você joga vôlei?
Virei para olhá-lo de frente pela primeira vez desde que a gente começou a conversar. Seus olhos me fitavam com uma curiosidade genuína. Mas eu não posso ser sincera ao ponto de eu dizer todo o real motivo de eu ter começado a praticar esportes.
- Vamos apenas dizer que eu gosto. Talvez um dia eu te conte o motivo todo – sorri e me levantei. – Estão nos chamando para voltar.
Ele sorriu de volta e se levantou.
Tivemos ainda mais duas partidas antes de finalmente encerrarmos o treino de hoje.
Eu estou exausta. Quase cansada o suficiente pra pensar que é uma boa ideia dormir por aqui mesmo.
Olhei para Lucy que já terminava de se trocar no vestiário. Ela não parecia tão cansada, mas ainda sim resmungava o tempo todo por ter que voltar para casa de ônibus.
Ri pela ironia. O único dia que a mãe dela resolve castigar ela com falta de carona é o dia que eu mais desejaria ter uma carona para voltar para casa.
- Você deveria treinar mais sua resistência. Você joga bem pra caralho, mas se cansa muito fácil – comentou.
- Eu sei. Mas eu tenho motivos para não ter jogado por tanto tempo...
Ela me olhou de rabo de olho. Parecia querer falar alguma coisa, mas não sabia exatamente o que, então preferiu ficar quieta.
- Não faz essa cara – falei por fim. – Faz parte. Eu não estou reclamando, e você não precisa se preocupar com nada disso. Mas se quiser realmente me ajudar, podemos jogar nos fins de semana.
Ela me encarou como se eu fosse louca.
- Como você ainda pode querer jogar no fim de semana depois de todo o treino da semana? Eu não tenho esse fôlego todo. Fora que não tem onde jogarmos.
- A gente poderia jogar na escola – dei de ombros. – Mas você tem razão. Acho que não tem ninguém aqui louco o bastante para treinar duas ou três horas todos os dias e ainda vim treinar final de semana para poder melhorar o condicionamento físico.
- Não é exatamente verdade. Pode ser que os capitães façam isso. Você pode falar com a capitã e confirmar se vai ter alguém aqui pra jogar no final de semana.
Descartei a ideia rapidamente.
- Eu queria alguém conhecido e que eu troquei pelo menos mais de vinte palavras até hoje. Pelo menos alguém que eu tenho o mínimo de intimidade.
- Então chama o capitão do time masculino. Eu vi vocês conversando na arquibancada mais cedo. Parece que pelo menos mais de vinte palavras vocês já trocaram – sorriu amarelo.
Fiz cara feia e a ignorei. Se não tenho a cara de pau de pedir para a capitã do meu próprio time, quanto mais para o capitão do clube masculino, que eu conheci hoje.
- Esquece. Vou treinar como sempre: sozinha.
Ela se virou para me olhar, novamente com aquela expressão de quem quer falar alguma coisa, mas não consegue porque tem medo de falar alguma coisa errada.
- Você não precisa agir como se estivesse pisando em ovos comigo. Eu sei o que você está pensando.
- Ah, sabe? – sorriu com malícia e me parou antes que eu pudesse sair do colégio. – Então observe: SETH! – chamou, alto, fazendo com que os poucos alunos que ainda estavam pelo local olhassem na nossa direção. Senti meu coração ir parar no fundo do estômago, o desespero quase tomando conta de mim.
- Tá doida? – falei, tentando soltar meu braço, mas ela não cedeu. – Por que fez isso? Quer me matar de vergonha?, eu odeio chamar atenção.
Ela me ignorou e acenou para ele, fazendo sinal para que se aproximasse.
Desisti de tentar me soltar quando ele começou a se aproximar.
- Você nem gosta dele – reclamei em tom acusador. – Você olhou feio pro cara o dia todo! Por que essa vibe toda amigável agora?
- Porque você precisa parar de frescura e treinar de forma eficiente. Que mal tem chamar ele pra treinar contigo? Além do mais, eu nunca disse que eu não gosto dele. A gente estuda junto há algum tempo. Esse é só o meu jeitinho de conviver com ele. Ele já está acostumado.
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa ele se aproximou, parando do seu lado.
- E aí? – olhou para a mão de Lucy que obviamente me impedia de ir embora e arqueou uma sobrancelha, curioso.
Fiz força, puxando o braço para trás e me soltei, irritada.
- Sam precisa de alguém para treinar no final de semana. Como ela mudou pra cá há pouco tempo e ainda não conhece muitas pessoas e prefere treinar com pessoas que ela pelo menos interagiu um pouco, pensei em te chamar e ver se você pode ajudar.
- Claro – deu de ombros. – Eu geralmente estou disponível nos finais de semana. Não me importo de vim pra escola pra poder jogar e treinar um pouco – se virou para mim. – Qual horário é melhor para você?
- Qualquer um, mas se você puder de manhã, eu acho que é melhor, assim ainda temos o resto do dia para qualquer outra atividade.
- Então sábado 8h está bom?
- Sim, claro. Obrigada pela ajuda.
Ele sorriu e se afastou, e eu virei para fuzilar Lucy com o olhar.
- Tá doida? Por que fez isso?!
Ela parecia se divertir com toda a situação.
- Porque eu sabia que ele aceitaria. Ele parecia interessado em você. Bom, na sua habilidade, mas não deixa de ser em você. E como você precisa treinar de forma eficiente, apenas juntei o útil ao agradável.
- E tirou o seu da reta no processo, não é? Você tá apenas usando ele pra não precisar vim pro colégio no sábado!
- Detalhes...
A semana passou rápido. Todos os dias no clube a gente disputava no mínimo cinco partidas. Alguns dias a gente disputava sete.
Os alunos acharam melhor manter os times, já que a gente manteria a mesma posição a semana toda, e os capitães concordaram. A partir de segunda vamos decidir os times e as posições novamente e para manter um melhor controle foi feito uma tabela com quem já fez time com quem, e qual a posição semanal da pessoa, assim o aproveitamento seria completo. Ou seja, a partir da semana que vem eu já vou começar a disputar com Seth e a nossa capitã nas partidas, então é melhor eu estar com um aproveitamento físico melhor do que estou agora.
Acordei com o som irritante do despertador. Por que foi que eu deixei que a Lucy praticamente agendasse esse treino extra? Eu estou cansada, com sono, e sem a menor vontade de ir pra escola hoje para treinar. Tudo o que eu mais queria era ficar deitada e dormir o dia todo para me recuperar do cansaço da semana.
Levantei e tomei banho para poder me arrumar na base do ódio. Mandei uma mensagem para o celular da minha mãe antes de sair de casa avisando que já tinha saído e que não tenho horas para voltar.
Cheguei ao colégio e fui direto para o vestiário para poder trocar de roupa e depois fui para a quadra para poder esperar por Seth.
Ao contrário do que eu pensei, não tinha nenhum outro aluno na quadra além de nós dois.
Ele acenou enquanto terminava de ajeitar a rede.
- Você pode pegar uma bola no armazém?
Fiz que sim e fui para o armazém da quadra. Quando voltei ele já tinha terminado e estava sentado no chão me esperando.
Quiquei a bola no chão como se fosse bola de basquete e ele sorriu.
- Não me diga que você também sabe jogar basquete – se levantou e andou para o lado oposto da rede ao qual eu estava.
- Eu sou um prodígio dos esportes – falei brincando enquanto rodava a bola no meu dedo.
Ele riu levemente, achando minha leve exibição interessante.
- Se quiser jogar algumas partidas de basquete depois, para treinar mais ainda sua resistência, eu topo.
- Achei que a ideia era treinar no vôlei – pisquei enquanto jogava a bola por cima da rede para ele sacar.
- Mas ninguém disse que a gente precisava jogar só vôlei – andando até o fundo da quadra, se preparou para sacar.
Me posicionei esquecendo qualquer conversa e me focando somente na bola. Será que eu sou sequer capaz de jogar de igual pra igual com ele? Acho bem difícil...
Ele sacou e a bola veio na minha direção com uma pressão incrível. Senti meu braço queimar ao receber a bola, mas fui capaz de dar um corte perfeito, fazendo o primeiro ponto. Sorri.
O jogo prosseguiu. A gente jogou até quase a exaustão. Chegou um momento que nós não contávamos mais os pontos e nem os sets, a gente só jogava.
Deitei no chão fazendo sinal de ''tempo'' com as mãos. Todo meu corpo queimava de tanto esforço.
Ele se aproximou e se sentou do meu lado no chão.
- Você está bem? Eu peguei muito pesado? – Soltei uma risadinha.
- Já faz tempo que não me canso assim - apesar de estar cansada, eu sentia falta dessa sensação.
Ele se levantou e me ofereceu a mão para poder me ajudar. Aceitei e deixei que ele me puxasse, fazendo pouco esforço por mim mesma.
Olhei as horas no celular e vi que já era quase 17h.
- Puta que pariu! – soltei, abismada. – Como a gente ficou esse tempo todo aqui? Se me perguntasse, eu não chutaria que se passaram nem três horas.
- É porque é mais difícil ter percepção de tempo quando se faz algo que gosta, ou quando está se divertindo.
- Mas a esse ponto?... – eu ainda estou absolutamente chocada.
- Mesmo horário sábado que vem? – perguntou.
Parei por alguns instantes antes de responder. Com todo esse treino da semana e o treino de hoje seria mentira dizer que eu preciso de muito mais treino como eu fiz hoje, mas eu também não posso relaxar. Além do mais, o que ele disse é verdade: hoje foi divertido. Divertido como não era há muito tempo jogar vôlei.
- Você tem algum compromisso? – perguntou, quando eu hesitei em responder.
- Não – neguei com a cabeça. – Eu só estou com medo de me matar de exaustão – sorri. – Mas para mim, 8h sábado que vem, está ótimo – pisquei.
Ele esticou a mão em minha direção e eu a apertei levemente.
- Então temos um trato. Pegue leve comigo na segunda.
Achei graça da frase. Como se eu fosse essa jogadora espetacular a ponto de dar trabalho para ele numa partida.
- Claro, como se não fosse eu quem deveria dizer isso – respondi por fim.
- Por que deveria ser você, se eu que perdi por uns 9 pontos?
- Você estava contando? – será que ele contou errado? Eu tinha certeza que eu tinha perdido pra ele!
- Sim. Eu queria ter certeza da sua capacidade. Eu só não esperava que eu fosse ser humilhado assim – riu. – Tem algum compromisso agora?
- Não, não. Não tenho nada planejado. Talvez só dormir pelo resto do final de semana... – ele sorriu, achando graça do comentário.
- Quer sair para algum lugar? Comer alguma coisa, descansar um pouco, sei lá. Você não mora tão perto do colégio, não é? Pelo menos para relaxar um pouco antes de ter que voltar pra casa.
Fiquei sem saber o que responder. A ideia parece interessante, e confesso que a ideia de ir para o ponto de ônibus e ainda voltar para casa no transporte público nesse exato momento não está nem um pouco atrativa. Ponderei se teria dinheiro o suficiente para não passar vergonha, mas acho que dá para comprar alguma coisa e ainda voltar para casa em segurança.
- A ideia de entrar em um ônibus agora realmente não me alegra... – disse, cabisbaixa. – Mas você também não precisa gastar mais tempo do seu sábado comigo. Eu já tomei o seu dia todo.
- Besteira – falou enquanto ia em direção ao vestiário. – Preciso apenas de um banho para me sentir novo. Se eu sair antes, eu te espero aqui fora mesmo.
Concordei e entrei no vestiário feminino. Tomei um banho rápido e troquei de roupas, jogando as de educação física na mochila, e saí. Ele já me esperava do lado de fora, então apenas começamos a andar.
- Tem algum lugar em mente? – perguntei quando começamos a andar aparentemente sem rumo.
- Ah, desculpa, eu estava te levando sem sequer saber se você se importaria. Eu pensei em uma sorveteria, ou algo do gênero. Tem uma parte comercial por aqui, e eu geralmente vou à essa sorveteria depois dos treinos para dar uma espairecida e descansar antes de voltar para casa.
Observei melhor sua figura alta e tudo o que eu consegui pensar foi que ele combina com qualquer imagem, menos com a de alguém que vai à uma sorveteria por vontade própria para espairecer e descansar, ainda mais com frequência.
Dei de ombros.
- Por mim sem problemas. Acho que é uma boa oportunidade para poder conhecer alguns lugares novos também...
- Você se mudou há pouco tempo para cá, não é? É raro alguém trocar de escola no terceiro ano. Alguns garotos do time masculino de vôlei estavam comentando sobre você. Parece que alguns deles têm amigas em comum do time feminino, então elas falaram para eles. Todos ficaram bem surpresos com suas habilidades também.
- Sério? Eu sempre achei que sou uma jogadora normal. No máximo mediana.
- Talvez você devesse se enxergar com outros olhos então. Você está longe de ser mediana.
Me enxergar com outros olhos... Eu já venho fazendo isso há alguns anos.
- Eu te fiz sentir desconfortável sobre o assunto da mudança? Eu percebi que sua reação foi similar à que você teve quando perguntei sobre seu hiato com relação ao vôlei no nosso primeiro jogo na terça.
- É um assunto sensível, e poucas pessoas sabem sobre ele. Não é nenhum segredo, mas...
Ele esperou que eu fosse continuar, mas eu não sabia exatamente mais o que eu poderia dizer, então deixei a frase no ar.
- Entendo. Não se preocupe com isso. Se você achar que eu estou sendo inconveniente, apenas me diga. Eu sou meio curioso às vezes, mas juro que não é com más intenções – fez um joinha e sorriu, tentando amenizar o clima. – Ah, já estamos quase chegando – apontou para frente e eu pude ver uma iluminação diferente.
O lugar não era longe do colégio, mas eu não conhecia mesmo nada por aqui, o que deixou Seth bem surpreso.
- Eu não tenho muito espírito aventureiro. Geralmente eu saio do colégio e vou para casa. É bem raro eu ir para outro lugar.
- Acho que a gente precisa te apresentar mais coisas sobre o mundo – nos sentamos em uma das cadeiras e começamos a analisar o menu.
Estou tão exausta que estou com preguiça até de ter que segurar uma colher...
Pedi um milk-shake e ele sorvete de flocos.
Conversamos e falamos sobre assuntos totalmente aleatórios, mas não falamos sobre vôlei nenhuma vez, e eu me senti um pouco grata.
Eu observei o lugar com atenção, e a parte comercial externa pela vidraça do estabelecimento. Parecia ser um local amplamente frequentado por casais, o que me deixou um pouco desconfortável. Não era cedo tão cedo, mas não havia nenhuma família com crianças. Apenas casais.
Dois rapazes entraram na sorveteria de mãos dadas e se sentaram em uma mesa do outro lado. Observei como eles pareciam se dar bem, achando a interação deles tão perfeita que dava inveja nos outros casais por aqui. Não consegui conter um leve sorriso, até perceber um movimento pela visão periférica.
Seth parecia incomodado, se mexendo de forma estranha no banco.
- Aconteceu alguma coisa? – perguntei.
- Não é nada, é só que... Isso... Isso não te incomoda? – perguntou e inclinou a cabeça disfarçadamente na direção dos namorados que acabaram de entrar.
Senti um frio na barriga, mas resolvi tentar agir como se não tivesse entendido sobre o que ele estava falando.
- Não? Por que me incomodaria?
- Porque é... errado... – murmurou.
- Por que seria? – contei mentalmente até dez para não me levantar e ir embora e evitar uma situação desagradável na segunda feira quando o reencontrar no treino. Bom, será uma situação desagradável de qualquer forma dependendo da resposta dele, mas provavelmente vai ser só para mim.
- Esse povo LGBT só quer atenção. Com tanta mulher para eles escolherem, e eles escolheram... isso? – ele pareceu cuspir a palavra, com nojo.
- Seth... Eles estão na deles. Por que você não fica na tua também? – encarei ele de forma séria, perdendo boa parte da compostura que eu estava tentando manter. – Não é querer chamar atenção lutar para ser reconhecido por quem você é. Para que as pessoas entendam e te respeitem pela pessoa que você é.
Ele me olhou, surpreso.
- Desculpe, eu preciso ir. Está ficando tarde – falei por fim. Peguei minha mochila na cadeira ao meu lado e fui para o caixa para poder pagar, sem sequer esperar para saber sua resposta ou ver a sua reação.
Ele me alcançou quando eu estava atravessando a rua em direção à escola.
- Sam? Sam, desculpa – ele me segurou levemente pela mochila, só o suficiente para me fazer parar.
- Desculpar por que? Por ser homofóbico? – dei de ombros.
- Eu não imaginei que isso fosse te chatear. Foi um comentário infeliz.
Suspirei.
- Não foi só um comentário infeliz. Ele diz muita coisa sobre muita coisa...
- Você apoia a causa. Eu entendo. É uma questão de opinião. Mas eu não quero que fique esse clima pesado entre nós dois, ainda mais depois de hoje.
- Eu não apoio a causa. E nem sou contra. Eu simplesmente acho que as pessoas merecem ser felizes sendo quem elas são. Não é difícil se colocar no lugar das pessoas, é só ter um pouco de empatia para entender e poder aprender.
- Mas por que isso te incomoda tanto? – perguntou, parecendo levemente contrariado.
- Porque eu ta... – parei de falar quando percebi a merda que eu estava prestes a fazer. Respirei fundo para me recompor. Brigar não vai adiantar de nada. – Não importa. O dia foi incrível, e eu preciso agradecer de novo pela sua ajuda com o treino. Você me ajudou bastante. Te vejo segunda na quadra, capitão – acenei e fui embora sem olhar para trás.
Notas Finais:
Olá, tudo bem? Se você chegou até aqui, saiba que é um(a) guerreira(o), e eu te agradeço.
Seguinte, a fic surgiu de um sonho que eu tive, mas quando eu decidi colocar no papel, ela tomou outro rumo.
Essa fic se trata de coisas como amizade, preconceito, superação pessoal, mudanças, etc. Se tiver QUALQUER coisa que possa ser/soar/ ou você achar que é ofensivo, ME AVISE! Tem muita coisa aqui que não é meu lugar de fala (mulher cis, bi), então eu posso acabar deslizando e falando alguma coisa que para mim não tem problema, mas que é um absurdo enorme.
No mais, espero que gostem, e a fic será atualizada bimensalmente.
OBS.: Eu ainda estou aprendendo a mexer no Wattpad, então me dá um desconto.
OBS2.: Depois eu resolvo o que fazer com a capa da fic. No momento, vai ficar somente no card dos capítulos mesmo.
OBS3.: Se quiserem saber como eles realmente são (minha visão dos personagens), me avisem que eu posto um cap extra de cast com a img de cada um dos principais.
Fran
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