Capítulo 38 | Amor bruto
Olhei pelo retrovisor e nós tínhamos ganhado distância o bastante para nos mantermos em segurança. Um suspiro de alívio e culpa me escapuliu naquele instante.
Travis resfolegou de súbito ao meu lado, capturando a minha atenção. Ele puxou a jaqueta, afastando-a do corpo e eu congelei, engolindo a seco quando mirei a mancha de sangue que enxovalhava a camiseta branca, na altura do ombro.
— Mas que droga... — Ele resmungou, jogando a cabeça contra a poltrona novamente.
— Essa não... — deixei escapar.
Ele estava ferido. Franzi o rosto em decepção, compartilhando do sentimento de frustração.
— Como está isso? — Ernest perguntou, olhando do espelho central e pisando mais fundo no acelerador ao ver a mancha de sangue ficar maior a cada instante. — Precisa estancar, Amy.
Estancar.
— Foi de raspão... — Comentou Travis num suspiro, sem me encarar.
Arqueei as sobrancelhas e voltei minha atenção para a estrada.
— Ryan estava com vocês? — Perguntei, olhando através do para-brisas.
— Ele sumiu, talvez o Brandon o tenha pego. — Travis esclareceu.
Balancei a cabeça em negativa para àquilo. Eu tinha atirado no Brandon e a Blake estava ferida.
— Eles estavam prontos para fugir. Tinha um heliponto, Travis. — Fiz questão de deixar isso claro. — Brandon quer você... no caso, a sua cabeça. A gente matou o primo dele e ele não gostou disso. Ele sabia que você viria atrás de mim! O que está acontecendo?
Ele se remexeu na poltrona em resposta, fazendo pressão no machucado enquanto me encarava.
— Ryan vai dar um jeito de sair de lá. Na verdade, ele já deve estar bem longe daquele lugar e Brandon... É briga de cachorro grande. Você não vai quer entrar nessa.
— Eu já estou nessa, Travis. Me diga.
Travis estreitou os olhos e encarou-me por algum tempo, mas não disse nada. Apenas abaixou o olhar e focou no seu ferimento.
— E para onde devemos ir? — Ernest perguntou quando ele levou a mão sobre o ferimento à bala.
— Vamos para casa... — Travis respondeu. — Preciso cuidar disso.
Ele se remexeu no assento, franzindo o rosto em uma careta ao apertar a lesão, de modo que contivesse o sangramento e suspirou em seguida.
— Temos problemas maiores agora... — Apontei para o seu ferimento.
— Eu posso cuidar disso sozinho. Não é nada demais...
Revirei os olhos em resposta. É claro, Travis sempre podia cuidar de tudo.
O revestimento da poltrona de couro do jipe ficou com uma grande mancha de sangue quando Travis se arrastou para fora. Ele tinha perdido uma grande quantidade de sangue durante o trajeto. A barra da camisa dele foi rasgada e o pedaço de pano foi usava sobre o ferimento. Mas agora encontrava-se encharcado.
— Tem certeza que vir para cá foi uma boa ideia? — Perguntei, passando o braço bom dele sobre o meu. — Você está perdendo muito sangue e olha em volta... O hospital teria sido uma melhor alternativa.
Ainda revivia os momentos desastrosos do dia anterior em minha cabeça. Brandon passara horas me torturando a fim de conseguir o paradeiro de um pen drive e depois disso, ainda queria usar a mim como isca para capturar a Travis.
A possibilidade de ser pega novamente me deixava aflita.
— Ninguém vai nos achar aqui. — ele garantiu.
Olhei para o outro lado da rua, por cima do teto do jipe, observando a casa alta com paredes de cor escura e telhado curvado, levando a mão ao cabelo.
— Sem hospitais! — declarou quando andou apoiado a mim pelo caminho de pedra que levava para a escada, seguindo até a porta de entrada.
— Você está sendo procurado, Travis. — Pontuei, simplesmente.
Ele suspirou e inseriu a chave na fechadura, empurrando a porta pela maçaneta, abrindo-a e avançando rápido para dentro.
— A polícia não tem nada além de provas frágeis e... — ele avançou depois de tirar o braço dos meus ombros para depois me encarar — não se faz um omelete sem quebrar alguns ovos...
Eu não pensei muito no que ele havia dito. Na verdade, foquei no fato de que ele poderia andar sozinho e mesmo assim, veio apoiado a mim.
— Se você consegue andar sozinho, porque se apoiou... — perguntei, mas me arrependi porque Ernest acabara de atravessar a porta.
Travis pegou uma garrafa de Whisky e virou-a na boca.
— Você me pareceu muito disposta a ajudar. — Ele se jogou na poltrona chiando de dor. — Aliás, belo vestido e cabelo...
Assenti com a cabeça, mesmo sentindo o olhar dele arder sobre mim e embora Travis estivesse com dor abriu um sorriso.
As botas de Ernest se arrastaram pelo linóleo e ele tomou à dianteira ao passar por uma sala grande, seguindo pelo corredor e entrando num cômodo, voltando de lá com uma maleta branca, robusta.
— Que gracinha. — Ernest comentou. — Uma pena que eu vou precisar fazer um bordado.
Segui-o quando ele passou para a sala e soltou a maleta sobre a mesa de centro, sentando-se ao lado dela e analisando as proporções do ferimento.
— Eu cuido disso. — Travis afirmou, voltando-se para a maleta de primeiros-socorros.
— Que bom. Porque eu espero que você consiga dar um jeito no restante da situação também.
— Estou pensando... — Travis respondeu com firmeza.
Ernest pareceu ponderar, mas a levar em consideração a forma como os músculos das costas dele estavam tensos, somente aquilo não seria o bastante.
— Brandon está atrás da gente e Raymond já está desconfiado. Perdemos o apoio do FBI... Você foi sus...
— Porra, Ernest. Me deixe em paz. Estou tentando pensar... — Travis exclamou com rispidez na voz.
— Espero que você consiga fazer isso antes que o pior aconteça. — Ernest revidou e se levantou, saindo do cômodo.
Travis chiou antes de prestar atenção no seu maior problema em questão e eu me encostei no batente da porta e passei a observá-lo de longe, com braços cruzados, enquanto ele esboçava uma careta involuntária de dor ao erguer os braços para tirar a camiseta que vestia por baixo da jaqueta.
Analisei-o dali por algum tempo. O rosto tenso carregava uma camada de sangue seco que escorreu pela fenda aberta no supercilio. Desci o olhar involuntariamente e observei o corpo forte e definido nu diante de mim. Ele tinha o quite completo para ser aqueles caras problemáticos que arruínam a vida de qualquer mulher. Bonito, sarado. Cérebro inteligente. Delinquente.
Belo pacote de problema e mesmo sabendo de tudo isso, não conseguia parar de olhar.
Travis se inclinou para pegar alguma coisa na maleta e pelo torso de trás de suas costas, deu para ver uma tatuagem, menor que um palmo. Um pássaro de asas abertas.
Um sentimento estranho começou a me incomodar, mas sacodi a cabeça e tentei ignorar aquilo quando ele pegou de dentro da maleta um frasco de um líquido incolor e o despejou sobre a ferida, apertando os lábios quando o conteúdo entrou em contato com a pele. Realmente deveria estar doendo.
— Me diga que você não está gostando disso... — Provocou, enquanto tarraxava a tampa do frasco.
Demorei um pouco para processar o que ele estava dizendo.
— Um pouco... — eu não quis me dar ao trabalho de esconder a satisfação que a cena me ocasionava, e mesmo assim avancei em sua direção, sentando na mesa de centro diante dele. Ergui a mão, pedindo-lhe as gazes e Travis ficou ali, me encarando com surpresa.
— De que apoio do FBI vocês estavam falando e o que você vai fazer com o Brandon? — Perguntei de repente, abaixando o olhar para a maleta para ver o que havia ali.
Travis não respondeu, apenas ergueu o olhar e arqueou as sobrancelhas. É claro que não sabia, mas também não parecia se importar muito. Suspirei revirando os olhos.
— Por sorte a bala passou direto... — comentei, mudando de assunto novamente, dessa vez com a voz mais vacilante.
Travis não pareceu afetado pela informação.
— Se eu tivesse tido sorte, não seria baleado. — Contra argumentou com amargura.
— Então, o que te fez ir até lá? — decidi ignorar o seu humor e mudar de assunto, mas toquei em outro tão delicado quanto.
Ele suspirou e me encarou fixamente nos olhos.
— Eu sei que o que fiz com você foi errado, Amy. Eu fui egoísta e imprudente, mas eu não sabia que você tinha perdido a memória, eu deveria ter imaginado, é claro... você sequer esboçou qualquer estranheza na boate, mas eu achei que você estivesse infiltrada... se tudo isso não tivesse acontecido, talvez você não me olhasse desse jeito agora... — disse e os músculos da minha garganta se contraíram.
— Infiltrada... — balbuciei apurando os ouvidos. — Você...
Existiam várias partes dessa história que não se encaixavam, mas isso... Isso me pegou de surpresa, não tinha como ele saber.
Eu desviei o olhar dos seus, voltando a minha atenção para o curativo quase finalizado. O projétil havia atravessado um pouco mais acima de sua clavícula. Não fora uma lesão perigosa, a não ser pela perda de sangue.
Ele segurou o meu pulso em resposta, eu virei o rosto para não encará-lo.
— Eu sabia que se não fizesse nada, Pellignton mataria você... — Assumiu com aparente franqueza.
Senti meu coração tomar um ritmo diferente e os meus músculos se tencionaram quando alguma coisa dentro do meu estômago se remexeu. Eu achei que estivesse começando a lidando bem com isso. Esperava que isso finalmente não me afetasse tanto e que essa guerra de gato e rato tivesse chegando ao fim. Pensei que tivesse superado toda a raiva que sentia por ele, mas não... A raiva começou a aflorar como lava de um vulcão que acaba de entrar em erupção, ardendo e contaminando as minhas terminações nervosas novamente.
Era decepcionante sentir tudo isso, quanto não sentir nada.
— Então, depois de tudo o que fez, você decidiu ter uma crise de consciência e bancar a droga do super-herói. — A minha voz subia à medida que as minhas emoções aumentavam.
Ele expirou pesadamente e dava para sentia o olhar dele queimar sobre minha pele.
— Eu não preciso de redimissão. O que fiz foi errado... eu sei, mas ainda assim, foi necessário. Não estou te pedindo perdão por nada do que aconteceu. Eu só queria que você se lembrasse...
Franzi o cenho.
— Me lembrar? — Rebati confusamente no mesmo momento. — Do que exatamente eu deveria me lembrar?
Travis me encarou por um bom tempo. Os seus olhos oscilando conflituosamente entre meus olhos e meus lábios.
Aquela aproximação de novo não.
— Que teria feito o mesmo se fosse com você e... disso... — disse hesitante, num sussurro e antes mesmo que pudesse me dar conta, os seus lábios estavam sobre os meus.
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