Capítulo 30 | Situações extremas
Apreensiva, engoli a seco ao encarar mais uma vez os fios partidos na mão de Ryan. Não havia mais dúvidas. Alguém tinha sabotado o carro. Alguém tinha cortado os fios. Mas por quê?
Não conhecíamos ninguém nessa cidade.
— Isso é um sinal, Ryan — disse, fixando o meu olhar nos dois homens do outro lado da rua. — Ir para Detroit é suicídio. Pellington vai acabar com a gente. Até o carro sabe disso.
Ele me encarou e depois arqueou as sobrancelhas.
— Não seja ridícula. Isso é coisa daqueles malditos! — praguejou ao socar o volante no impulso e suspirou, apoiando os cotovelos ali, em seguida, respirando ruidosamente em meio à fúria, apertando os olhos. — Eles vão me pagar por terem feito isso com meu carro.
Franzi as sobrancelhas, denunciando a minha confusão.
— Será que realmente foram eles? — questionei. Não fazia o menor sentido, o xerife o acompanhou o tempo todo, mas não importava.
O fato de estarmos presos no meio do caminho me pareceu reconfortante.
Ryan deu de ombros.
— Eu não sei. — disse — A menos que você tenha criado caso com mais alguma pessoa neste lugar, a minha maior aposta ainda está sendo essa...
— E o que vamos fazer, então? Voltar para Nova York.
— Nem pensar. Nós vamos dar um jeito nisso... — respondeu, mas eu sabia que ele não tinha nada em mente.
— Que jeito, Ryan? — Rebati, cruzando os braços. — Não me diga que você tem mais uma cartada na manga?
Eu estava irritada, muito irritada. A forma com que ele estava lidando com aquilo, estava acabando com os meus nervos. Ryan parecia ter um plano A, B, C, se bobear, o alfabeto inteiro para tudo, mas no final das contas, nada parecia seguir conforme o planejado. Ele estava afundando e me levava junto. Eu estava agradecendo internamente pela sabotagem do carro, mas estava receando pelo que ele seria capaz de fazer para continuar com essa ideia estapafúrdia.
— É claro, babe. — disse, passando rapidamente a mão pelo meu queixo, estalando a língua e abrindo um sorriso convencido demais, para mim. — Eu sempre tenho uma carta na manga. — Ele fez questão de ressaltar e eu me revirei por dentro, revoltada, mas antes que pudéssemos iniciar outra discussão, nossa atenção fora tomada por outra coisa.
— Ei. — Ouvir a voz do xerife novamente me causou calafrios por todo o corpo. Eu não tinha reparado quando ele finalizou a conversa com o motoqueiro selvagem e começou a vir em nossa direção.
Não, não, não... Ele não podia vir para cá.
— O que aconteceu aqui? — ele perguntou, encarando o motor exposto pelo capô aberto do Mustang.
Encarei Ryan, esperando que ele não fizesse nenhuma besteira e nós saímos do carro.
— Tivemos um imprevisto com o carro — Percebi que Ryan também não parecia contente com a presença do policial — mas nada que eu não possa dar um jeito.
Por que ele não está contando ao xerife que o carro tinha sido sabotado? Uma raiva começou a queimar em meu rosto. Por que Ryan não estava tentando simplificar as coisas?
— Uma pena... — O xerife lamentou, fitando o relógio em seu pulso. — Já são oito horas. Acho que a oficina já está fechada a essa hora.
— Não tem problema. — Ryan apressou em cortá-lo, forçando um sorriso amistoso, que me incomodou quando o xerife pareceu não corresponder. — Nós vamos dar um jeito...
— Isso. — Eu concordei de bate-pronto. Talvez eu mesma devesse tomar a atitude de contar.
— Encontraremos um bom lugar para passar essa noite e amanhã bem cedo vamos procurar uma oficina. — Ryan completou, passando o braço pelo meu ombro, parecendo tentar ser educado ao me puxar mais para ele. Nossos corpos colidiram de lado, e eu tentei tirar seu braço do meu entorno, mas ele insistiu no gesto e forçou-o para baixo, impedindo que pudesse me livrar dele. — Richel e eu estamos ótimos. — Ele completou, entre os dentes, apertando-me com mais intensidade dessa vez. — Não é, querida?
Fuzilei-o com o olhar e tomei uma postura mais tensa quando encarei o xerife, que fincou seus olhos questionadores em mim e isso me deixou incomodada.
— É claro, querido. — Confirmei com um gesto de cabeça veemente e um sorriso forçado, incomodada com a proximidade de Ryan.
— Tudo bem. — O xerife se pronunciou depois de um segundo, desviando seu olhar para Ryan e puxou a beira da jaqueta, enfiando a mão na parte de dentro do tecido. Ryan e eu nos alertamos imediatamente. O que ele estava pretendendo fazer? — Este é meu cartão, vocês podem me ligar se precisarem de alguma coisa. Informação ou um endereço...
Encarei o papel branco estendido na mão do xerife e Ryan o pegou sem hesitação.
— Certo, xerife! — Ele abriu um sorriso que pareceu realmente estar agradecido. — Minha noiva e eu, ficamos realmente muito gratos, não é? Rachel?
Rachel? Sequer tinha me dado conta. Ainda não tinha me acostumado com essa ideia.
— Rachel? — Ryan insistiu, pigarreando, afagando o meu braço, muito receoso pela minha falta de atenção.
Claro! Idiota! Eu era Rachel.
— Oh! — Murmurei constrangida, receando que o xerife tivesse notado o meu desentendimento. — Claro, amor! — Concordei de imediato. — Obrigada.
— Ótimo. — Respondeu o xerife, depois de um segundo que pareceu uma eternidade de tortura. — Passar bem! — Ele forçou a aba do chapéu para baixo em um gesto de cordialidade e saiu, dirigindo-se para o seu carro de polícia.
Ryan e eu respiramos fundo, quando ganhamos uma distância favorável.
— Ele já foi... — comentei — e quanto a nós... — questionei encarando Ryan, esperando que ele afrouxasse o aperto e expusesse o seu plano mirabolante de salvação.
Abaixei o olhar para a mão dele, encarando com censura o contato excessivo.
— Ah... — Ryan soltou num estalo, como se meu corpo tivesse dado um choque em sua mão e ele a levou ao bolso.
— Não deveríamos ter contado a ele sobre isso? — Indaguei. — Tem alguém tentando nos prejudicar... talvez ele pudesse nos ajudar...
— Você viu mais alguém aqui fora? — Ele interrogou.
Franzi o cenho e ponderei.
— Não... — respondi, balançando a cabeça.
— Será que isso responde a sua pergunta? — rebateu, áspero. — Eu não vou me arriscar e confiar nesses caras. Talvez ele esteja ciente do que aconteceu com o carro... talvez o seu amigo motoqueiro fantasma consiga comprar à vista grossa do xerife.
— Ele não é meu amigo... — fiz questão de contestar, cruzando os braços.
Ryan sorriu e balançou a cabeça em negativa para a minha birra.
— Ótimo. Agora vamos entrar... — disse, dando dois tapinhas no meu braço.
— O que? — inquiri, incrédula. — Nem pensar! — Declarei. — Você quer voltar para onde toda essa loucura começou?
— Não, Amy. — Ele revirou os olhos, buscando paciência. — Essa loucura toda começou faz dois anos. O que aconteceu agora não é nada se comparado com o tamanho dos problemas que teremos que enfrentar. — A garganta dele se contraiu antes de prosseguir. — Eu não queria isso tanto quanto você, mas está na hora de parar de fugir. Brandon está atrás de mim e se eu deixar que me encontre primeiro, tudo isso não vai adiantar de nada.
Cruzei os braços em resposta.
— Belo discurso, mas essa briga não é minha! — fiz questão de ressaltar com a voz firme.
— E porque você acha que ela é minha? — ele se aproximou. — Pois também não é, mas eu estou aqui, não estou?
Aquilo realmente me incomodou. Por que ele estava se referindo a mim com todo aquele ar de autoridade? Ele não tinha motivos para pensar que era melhor do que eu, porque estava bancando o herói. Ele só queria se livrar do Brandon por estava correndo perigo com ele vivo. Ryan não passava de um egoísta prepotente.
— Se eu estou aqui, em uma cidade no meio do nada, com um carro quebrado e um babaca que eu mal conheço, acredite: não é por uma escolha minha! Você não me deu escolha. — A minha voz era firme e muito ríspida. Ryan coçou a cabeça, parecendo tentar se situar.
— Tá legal. Você pode ficar aqui fora — disse, finalmente — no frio, sozinha e correndo perigo, eu não dou a mínima — ele deu de ombros, ressentido. — mas se quiser me acompanhar, eu não vou deixar que nada de ruim aconteça com você.
— Talvez você esteja fazendo o que eles querem.
— Ok, mas eu também tenho um plano e ele não vai funcionar aqui fora. — Limitou-se a dizer, ao me dar as costas.
A brisa fria da noite irrompeu num vento insistente, levando os meus cabelos com a corrente. Meus olhos percorreram as motocicletas grandes que estavam estacionadas a poucos metros da entrada, e através do vidro deu para observar o grupo de bárbaros sentados de frente para o balcão, e por mais que me recusasse a assumir, percebi que Ryan tinha levado consigo um pouco do sentimento de segurança que havia em mim. Comecei a relancear ao redor, neurótica, procurando mais algum integrante da trupe Barbara, mas a minha cabeça trabalhou em suposições que deixaram os meus nervos à flor da pele.
E se tudo não passasse de um plano? O que ganhariam nos prendendo nessa cidade? Se morrêssemos aqui, nunca descobriam o nosso paradeiro. Pensar nisso foi crucial para a minha decisão, mas hesitei e repensei, talvez seja mais seguro ficar aqui fora, ou talvez seja mais sensato estar com Ryan. Ele parecia sincero ao dizer que me protegeria, mesmo sabendo que não deveria confiar nele, porque realmente não deveria.
Talvez devesse enumerar as coisas que não devesse fazer, assim, talvez, só talvez, eu consiga me organizar e fazer menos besteiras, mas mesmo com todas essas considerações, engoli o orgulho a seco e olhei uma última vez para acompanhá-lo antes que ultrapassasse a porta.
— Que bom que você mudou de ideia — disse. — Eu vou precisar da sua colaboração. — Ryan observou ao me ver do seu lado.
Arqueei a sobrancelha e cruzei os braços, interrogando-o silenciosamente.
De volta ao bar, em meio ao som alto e a fumaça de cigarro, observei a mesa em que nos encontrávamos antes, ainda vazia, e parecendo ler os meus pensamentos, Ryan seguiu em direção a ela e eu fiz questão de me manter perto dele, sentando-me de costas para não ter que observar a gangue sentada de frente para o balcão.
— Acho melhor se você não souber — concluiu, dando de ombros ao puxar a cadeira para se sentar. — Eu vou pedir algo para comermos.
Os meus olhos se estreitaram e encarando-o com descrença. Ele tinha um plano e não me contaria. Balancei a cabeça para isso.
— Por que não? — indaguei, me inclinando mais sobre a mesa circular. Ryan estava na minha frente.
— É meio complicado — ele informou, erguendo o dedo para que alguém pudesse atendê-lo. — Mas aja naturalmente — instruiu olhando para algum lugar sobre meu ombro — e vamos ver o que a sorte nos reserva. — Os olhos dele cintilaram e eu me atrevi a olhar por cima do ombro, acompanhando-o. Ele estava encarando O'Brian, e eu esfreguei o braço ao me lembrar do aperto do homem.
Dois copos de cerveja chegaram repentinamente à nossa mesa. Ryan ainda não tinha feito o pedido e eu olhei outra vez por cima do ombro a tempo de encontrar o maldito sorriso do O'Brian, gesticulando com o dedo indicador para mim. Não era um sinal de trégua. Ele estava nos provocando.
Mordi o lábio com raiva, me mexendo na cadeira, prestes a levantar com toda a minha revolta, mas Ryan agarrou o meu braço antes que pudesse fazer isso, e virou o copo, tomando o líquido todo de uma vez.
Ele aceitou a provocação e O'Brian se sentiu convidado a levantar da banqueta e caminhar até a mesa. Ryan cerrou a mandíbula e encarou-o fixamente, ele estava desafiando o homem.
— Que espécie de maluco você é? — indaguei, inclinando-me mais sobre a mesa, ainda descrente de que chamar a atenção daquele homem novamente poderia ser o plano dele. — É esse o seu plano? — insisti, sacodindo o braço dele.
— Fique boazinha aqui... — orientou, com um sorriso presunçoso. — E apenas observe enquanto a sorte sorrir para nós.
O que?
— Achei que você tivesse levado a sua gata selvagem para longe de mim... — O motoqueiro soltou, quando se aproximou da mesa.
Eu borbulhei de raiva, fuzilando O'Brian com o olhar. Que tipo de merda esse maldito tinha na cabeça?
— Você sabotou o nosso carro! Eu acho melhor você dar o fo-... — disparei, completamente estarrecida.
— Ei. — Ryan me interrompeu de repente, me encarando com repreensão, descruzando os braços. — Não dê muita bola para ela, meu camarada... — "Meu camarada", isso foi o cúmulo do absurdo, e eu bufei para aquilo. — Aquela picape estacionada lá fora é sua? — Ryan continuou, parecendo mais sutil do que o normal.
— Ela é uma beleza, não é? — O'Brian respondeu, esboçando um sorriso orgulhoso.
— Uma beleza é isso aqui... — Ryan passou as mãos pelos meus cabelos e segurou o meu queixo. — Não me odeie, por favor. — Pediu, num sussurro, plantando, em seguida, um beijo rápido e firme em minha boca.
O meu estômago se revirou e eu tratei de empurrá-lo para trás, sem muita brusquidão.
— Não é todo dia que vemos uma mulher como essa em Clarion.
— Ótimo. — Ryan concluiu, batendo na mesa e levantando-se da cadeira de repente. — Eu te proponho um jogo.
Que diabos isso significava? Que jogo Ryan estava disposto a jogar?
— Que tipo de jogo? — Ele murmurou uma risada que denunciava o seu interesse. Eu também queria saber que jogo era esse. Então, mordi o lábio, muito apreensiva. Porque eu não estava com um bom pressentimento.
— Uma partida de bilhar. — Estalou, simplesmente. — Se eu ganhar, fico com a picape... — Ryan propôs.
— Isso está começando a parecer interessante. — Ele abriu um riso maníaco, mas o fechou em seguida — Mas e se eu ganhar? O que levo em troca?
Ryan coçou a cabeça, parecendo pensar um pouco mais.
— Você pode ficar com o meu Mustang. — Sugeriu, finalmente.
O homem gargalhou exageradamente, jogando a cabeça para trás, mas quando se deparou com a expressão sóbria de Ryan, parou e seu rosto se retorceu numa careta de desagrado.
— E porque diabos você acha que eu iria querer aquela lata velha que você chama de carro? — O seu tom estava notoriamente elevado. A proposta parecia ter lhe soado como um insulto e ele não ficou menos do que ofendido, mas os seus olhos brilharam de um jeito sujo ao se fixarem sobre mim. — Eu só aposto a minha picape em troca da garota. — Ofertou. — É o mínimo.
O meu queixo caiu nos joelhos ao ouvir a proposta.
— Isso é ridículo. — Declarei, balançando a cabeça negativamente com o insulto.
Inacreditável. O meu coração palpitou dentro do peito. Aquele cara era realmente muito louco, mas eu tinha certeza de que Ryan não cairia nessa, onde já seu viu? Uma picape em troca de uma pessoa. Eu deixei outra bufada escapar.
— Fechado! — Ryan decretou, se levantando da cadeira. — Uma partida! — ressaltou. — Se eu ganhar, fico com a picape... se você ganhar, ela é sua.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro