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Capítulo 27 | A face da verdade

Nós estávamos dentro do carro, esperando, sob o estacionamento subterrâneo de um luxuoso prédio em Manhattan, como eu imaginava que policias faziam. Aqui o teto era rebaixado e a estrutura metálica se fundia ao concreto. Colunas reforçadas sustentavam a gigantesca estrutura e quatro filas de carros seguiam de uma ponta a outra, e de um determinado ponto, não dava para ver nada, já que a iluminação era precária e penosa, transformando metade da luz ambiente em uma densa escuridão.

O silêncio estava desconcertante e inquietante quando eu me movimentei para olhar para Ryan, a minha roupa farfalhando em contato com o material do banco até que eu me ajeitasse.

— Quando você o pegar — disse — o que você vai fazer?

Ryan não respondeu, apenas ficou ali, olhando com ar de distanciamento através do para-brisa. As mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta enquanto aguardava. Não dava para sequer cogitar o que se passava em sua cabeça e talvez até mesmo ele não soubesse o que faria de fato, mas nós não estaríamos ali à toa. Era uma emboscada e Ryan tinha articulado alguma coisa quando pediu a localização do homem à Nádia.

— Por que você não desiste disso e vai embora, procura outra coisa para fazer... — a minha voz soava vacilante, porque eu temia que se Ryan pegasse o Coleman, ele o mataria.

— Você ainda não conseguiu entender? — indagou retoricamente, movimentando-se com brusquidão no banco. — Nós não passamos de bodes expiatórios. Como você consegue não se importar com isso?

— Eu não estou em busca de vingança, Ryan. Só quero me lembrar e viver a minha vida.

— Aquele filho da puta é Diretor do FBI. Não dá para acreditar que um dos informantes do Pellignton é diretor do FBI. — Divagou, olhando para além do vidro, agitando-se segundos depois. — O mundo é mesmo uma grande merda. — Ryan voltou o olhar para frente de relance, mas parou ali por um tempo. — É ele. No Mercedes. — Notificou. — Você não precisa vir. — disse, antes de destravar a porta.

Ryan abriu a porta, e eu hesitei em sair. Ele não pareceu se importar, porque abriu, saiu e bateu a porta. O homem no carro do lado oposto, dois carros à frente, fez o mesmo.

Engoli a seco. Eu não sabia porquê tinha feito aquilo, mas saí do carro e bati a porta atrás de mim, talvez por um impulso, mas eu o segui. Talvez quisesse me certificar de que Ryan não faria nenhuma idiotice.

— As coisas estão sob controle. — Dava para ouvir a voz melodiosa do homem engravatado enquanto andava com uma pasta de couro em direção ao elevador. A outra mão levava o aparelho telefônico ao ouvido. — Não. Isso não vai acontecer.

Ryan girou a cabeça em minha direção e gesticulou indicando o homem.

— Eu já te disse. — O homem reafirmou, segundos antes de Ryan passar os braços ao redor do pescoço do dele e cobrir sua boca com a mão. A outra mão empunhando a pistola na têmpora dele.

Antes que o telefone caísse da mão do Coleman, eu o peguei. O aparelho chiou na palma da minha mão e o olhar do homem tremeluziu alguma coisa como se tentasse me impedir de levar o dispositivo ao ouvido.

— Eu quero o Raymond e a merda do plano de vingança dele fora da jogada. — Em algum lugar dentro de mim, eu tive certeza de conhecer aquela voz grave e penetrante. Era uma mistura de sarcasmo e poderio que vibrava através das minhas lembranças. Coleman resmungou alguma coisa, chamando a minha atenção, mas o homem do outro lado não pareceu se importar com o ruído. — Só que os seus homens não estão facilitando para mim. Era para ser uma coisa simples, entrar e derrubá-lo, mas olha o que aconteceu: O meu chefe de segurança está morto, e o Raymond está vindo com tudo para cima de mim! Mas que droga, Nichols! Aborte a missão. Eu assumo daqui.

Sucessivos bipes ressoaram na ligação daquele momento em diante. Ele tinha desligado, mas o celular ainda estava grudado na minha orelha. Ainda inerte e desacreditada pelo que acabara de acontecer. Encarei Coleman com indagação.

— Quem era? — perguntei, abaixando o telefone na expectativa de encontrar alguma identificação. Mas era um número desconhecido.

Coleman era um homem jovem. Bem vestido, na casa dos Trinta e poucos anos. Cabelos arrumados num topete escuro demais devido ao ambiente empobrecido de iluminação.

— Que merda vocês querem comigo? — indagou num rompante.

— Você não ouviu a garota? — Ryan inquiriu com firmeza. — Quem era no telefone?

O homem não respondeu. Apenas me encarou com os olhos estreitados e fulminantes.

Ryan segurou o pescoço do homem com mais força e começou a andar com mais firmeza em direção ao Mustang.

Ele abriu a porta do carro e empurrou o homem de qualquer jeito lá para dentro.

— Pensa rápido — disse, antes de entrar. Jogando a chave no ar em minha direção.

✦✦✦

Coleman tinha sido amarrado em uma cadeira, no centro da sala de Ryan, mas ao contrário do que havia feito com Travis, seus pulsos e tornozelos estavam atados por braçadeiras plásticas.

— Quem era no telefone? — insisti na pergunta depois de conferir se ele estava bem atado.

Ryan voltou da cozinha com uma xícara fumigante e encostou na parede casualmente, remexendo a caneca em círculos para esfriá-la.

— Não faça isso ser tão difícil. — Ryan pediu com um tom macio e paciente, mas isso não passava de uma armadilha traiçoeira — Apenas diga.

Coleman ficou ali, parado, com as mãos atadas atrás da cadeira, olhando-nos e deixando muito claro o quanto ele estava disposto a abrir a boca.

— Ele não vai falar. — Conclui num suspiro para Ryan.

— Ah, ele vai sim. — Ryan respondeu com uma convicção impressionante, desviando-se de mim e ficando de frente para o homem.

Ele ergueu a caneca que estava em suas mãos e começou a virá-la no ar até que o líquido alcançasse a borda.

O homem gritou quando o líquido quente entrou em contato com suas pernas.

— Se você disser, eu paro. — Ryan fez questão de informar.

— Brandon Pellignton. — Ele urrou entre um grito de dor e outro. — Era ele! — Ryan parou na hora.

— Então, foi você quem entregou a missão para ele... — Ryan estalou — Você quase nos matou.

Coleman fez uma cara de confusão e acenou em negativa com a cabeça.

— Por que você o está ajudando? — indaguei.

A resposta dele foi uma gargalhada exagerada e quase ensandecida. Isso deixou o meu estômago embrulhado e bastante claro o fato de que eu não poderia lidar com essa sessão de tortura.

— Você não precisa ficar aqui. — Ryan disse com compaixão ao se virar para mim, indicando as escadas. — Tome um banho. Descanse. Eu tomo conta do resto.

Eu não queria que Ryan o matasse, porque isso só atrairia mais a atenção da polícia para nós, então, talvez, se ficasse, poderia ajudar a controlar a situação e não permitir que ele perdesse o controle. Mas, pelo visto, ele sabia disso e me encarou com aqueles olhos de quem estava no controle da situação e me disse:

— Eu não vou matá-lo.

Esse foi o gatilho que faltava para movimentar a minha bunda pelas escadas e subir, afastando-me de toda aquela bagunça, direcionando-me para o banheiro.

As taboas de carvalho da escada rangeram sob meus pés. A casa de Ryan era uma velha estrutura vitoriana perdida em algum lugar na periferia de Nova York. A porta larga do banheiro ficava a esquerda no corredor e o cômodo era ainda mais espaçoso. O papel de parede branco e estampado de pequenas folhas verde estava mofado e descascado marrom em algumas regiões era do século passado. A banheira situava-se na parede paralela à porta, a louça visível de onde estava, entre a janela branca, gradeada e um banco tão velho quanto qualquer outra coisa na casa, cuja planta no vaso sobre ele morria um pouco mais a cada dia, letargicamente, compondo ainda mais a podridão do ambiente.

Não era um bom local para se viver. Era escuro. Úmido. O ar era pesado, denso. Ou talvez, fosse coisa da minha cabeça cansada. Mas tinha alguma coisa de errada neste lugar.

Abri a torneira da banheira e a água desceu gelada por ali.

Dentro da banheira, a água me cobriu até a altura da clavícula, e minha cabeça começou a divagar em direção a minha mais recente lembrança no Sigma. Travis estava lá o tempo inteiro e a complexidade da situação me fez afundar numa teia de pensamentos confusos e desconexos.

Esquadrão prata. O que isso queria dizer?

Afundei mais o meu corpo na água e recostei a nuca na borda da louça.

A minha mente se tornou negra. Abrindo-se junto com uma porta grande e dupla. Eu estava encostada em uma parede fria e um corpo a minha frente pressionava mais o meu corpo contra ela.

— Ele está ali. No balcão. — Uma voz ressurgiu na minha mente ao proferir com notas de urgência e agitação, fazendo-me erguer o rosto para me deparar com a familiar mandíbula de Travis. Ele estava tão surpreendentemente perto de mim que o corpo dele friccionava o meu. — Ele está olhando para cá. Nós precisamos... — Ele parou, pegando-me de surpresa ao me beijar.

Alguém gritou.

O que?

Abri meus olhos com exasperação, alarmada. Era Coleman gritando no andar de baixo. Eu não queria escutar.

Afundei a cabeça na água, mas o silêncio em minha cabeça não durou muito.

— Stayce. — A minha voz ecoou desesperada no fundo da mente.

As imagens do acidente na ponte começaram a surgir como flashs na minha mente. E eu tirei a cabeça fora da água no momento em que a sacodia pelos ombros. A cabeça se erguendo com o fluxo da água e os olhos cinzas se abriram.

Resfoleguei em choque.

A minha cabeça estava me matando.

— Arrume-se. Ryan apareceu na porta. — Nós já temos a informação. Pellignton estará em Detroit.

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