Capítulo 24 | Fantasmas também falam
Ergui o meu olhar, atordoada com o fluxo de informação que me atingia como uma pedrada na cabeça. O pulsar acelerado do meu coração poderia ser ouvido com facilidade se o caos cessasse. Na verdade, o ambiente estava em silêncio e carregava uma apreensão palpável. A gritaria acontecia dentro de mim.
— O-o que? — rebati perplexa e muito assustada.
Minha boca secou quando o homem deu dois passos para mim e deixou um pequeno chute na minha bota.
— Levante-se! — Ralhou, permanecendo firme em sua ordem.
Droga!
Apavorava, chacoalhei a cabeça em negativa e apertei os olhos com força ao tentar controlar os meus nervos, mas parecia ser impossível.
— Você está surda? — refutou ele, com uma revolta aparente em seu timbre que me fez encolher mais. — Qual parte está difícil de entender. Eu mandei você levantar! — bramiu, mantendo o rompante e a postura arrogante. Em seguida puxou a arma do coldre e apontou-a em minha direção. Minha mente tonteou, confusa e nervosa ao encarar o cano da pistola perto de mim. Sentia que perdia o fôlego e a capacidade de controlar as ações do meu corpo. Pensei em lhe perguntar qual o objetivo daquilo, eu era o menor dos seus problemas, mas meu cérebro não me correspondia.
Desesperada, hesitei, virando furtivamente meu rosto ao encarar Ernest em busca de alguma solução. Talvez algum conforto, mas ele apenas virou a cabeça e gesticulou, inclinando a cabeça, indicando que eu deveria levantar.
— O que você está fazendo? — meus ouvidos capturam a voz rude da invasora. Então, ergui o meu rosto em sua direção, encontrando-a ainda com a arma firmemente e apontada em direção à cabeça de Travis. — A garota fica fora disso.
A ideia foi reforçada ainda mais em minha mente ao ver que todos nós estávamos sob ameaça. Desejei me virar para Travis e perguntar que merda era aquela, e em que tipo de confusão ele tinha se enfiado agora. Quem era aquela gente, e principalmente, o que elas queriam, mas eu também queria presar pelas nossas vidas, então me limitei a basicamente observar.
Tomara que não seja tarde demais!
O invasor ignorou a mulher, mantendo o seu olhar empedrado e apavorante sobre mim com a arma ainda sobre minha testa, como se aguardasse o momento em que eu fosse finalmente cumprir a ordem que me fora designada.
— Isso não faz parte do plano... — a invasora interpelou, confrontando-o nos olhos com a voz resoluta e inalterável. Ela não parecia ter medo dele.
— Porra! — praguejou o invasor estarrecido, balançando a arma no ar. O que fez com que eu me encolhesse mais ainda entre os ombros. — Você não se cansa de ser sempre a merda da cadela intrometida? — esbravejou, sem a menor decência, e ela recuou, voltando a sua atenção para Travis.
— E você... — Ele se voltou com mais fúria ainda para mim.
Tratei de engolir, de uma vez por todas, o medo que estava sentindo e tentei bloquear todos os pensamentos ruins que me vinham à mente, assentindo com um gesto de cabeça.
Eu ficaria de pé para ele.
Sem saber exatamente como agir, ergui as mãos para demonstrar rendição e me arrastei no chão ao me apoiar, ficando de pé. O invasor segurou firme no meu antebraço e me arrastou com brusquidão em direção a porta de saída.
O cenário era desastroso. Um dos invasores caíra sentado ao lado da porta, antes de morrer, e deixara uma trilha de sangue pela parede. A mobília estava arruinada. A espuma do sofá havia se espalhado em pequenos pedaços pelo cômodo. A porta estava destruída e os vidros das janelas não passavam de meros cacos.
Quando estava prestes a passar pela comparsa e Travis, fui surpreendida assim que Travis se arriscou inesperadamente, pulando diante de mim e bloqueando a passagem.
Não havia medo ali, na verdade, o brilho que via em seus olhos era insano e justificava a atitude de afrontá-los.
— O que você pensa que está fazendo? — Travis perguntou em um tom ameaçador, encarando o homem por cima do meu ombro.
Travei com receio da atitude dele e o repreendi com um gesto de cabeça. Minha garganta se apertou e eu me senti pequena demais entre os dois. A mão do invasor puxou meu braço e me girou para ficar de frente para ele.
— Você é prisioneira aqui? — inquiriu, olhando invasivamente nos meus olhos.
Um misto de agitação e hesitação me dominou e eu não fui capaz de respondê-lo.
— Certo. — O homem pareceu interpretar o meu silêncio como resposta, segurando-me pelo braço novamente com mais suavidade desta vez antes de fixar seus olhos sobre os de Travis.
— Eu vou fazer isso do jeito fácil ou do jeito difícil. Não faz muita diferença — ele sacou a arma e a apontou para Travis — mas, isso não é sobre você, não é mesmo? — os olhos de Ryan relancearam um brilho astuto e Travis rangeu os dentes. — Você está se arriscando por ela, mas a garota aqui... — ele mudou de alvo, ao apontá-la para a minha têmpora. Estremeci ao sentir o toque metálico e frio na pele. Travis abaixou olhar e me encarou rapidamente. — É o menor dos seus problemas. Ela vai estar mais segura comigo do que com você.
— Eu vou acabar com você se machucá-la. — Advertiu Travis, e o invasor entendeu como uma espécie de provocação.
— Mas acho que não vai ser agora. — O invasor revidou com nítida satisfação na voz. — Agora, saia do meu caminho.
Travis cerrou os dentes e balançou a cabeça em desaprovação, e um estalido metálico ecoou pelos meus ouvidos quando ele se manteve relutante em abrir caminho. Ele tinha engatilhado a arma, e eu fechei os olhos com força.
O que?
— Você não dá a mínima se precisar levar um tiro por ela, mas pelo visto, não quer que ela se machuque. Muito previsível. — O invasor desdenhou, deslizando a arma da minha têmpora para o pescoço num movimento que fez as minhas pernas vacilarem. — Se você se importa tanto assim com ela, sai do caminho.
Eles travaram uma batalha silenciosa através dos olhos, mas Travis cedeu, recuando uma passada ao deixar a passagem livre.
— O que você pensa que está fazendo? Nós precisamos pegar o Harmon — era a mulher novamente. A revolta e a oposição se fizeram presentes em cada nota proferida. — Ela não faz parte disso.
— Você não é tão fodona? — Devolveu o homem, com uma voz ríspida, sem se dar ao menos o trabalho de encará-la. — Eu tenho uma pendência para resolver. Lide com o resto.
Um frio se propagou por toda a minha espinha e um nó se formou na garganta, enquanto pensava em que tipo de pendência poderia ter com esse homem. As minhas pernas funcionaram quando o homem me guiou para fora da casa de Travis.
— Ajoelhe-se e ponha as mãos na cabeça. — Ainda pude ouvir a voz áspera da invasora irromper e ecoar de dentro da casa.
O homem não abaixou a arma e continuou a me conduzir pelo gramado.
— Eu não sei quem é você — esclareci de uma vez mesmo que a minha voz soasse trêmula e insegura, assim que alcançamos um Mustang preto estacionado a uns trinta metros após a casa de Travis.
Ele não disse absolutamente nada, simplesmente abriu a porta do passageiro e levou a mão as minhas costas, me conduzindo para dentro. Não queria que ele me levasse, então não entrei no carro e apenas o encarei.
— Acho que você vai querer me ouvir. — Atestou, guardando a arma na parte de trás da calça Levi's. — Mas nós não podemos ficar aqui.
Ele varreu a rua com um olhar temeroso e depois me deu um empurrão, me forçando a entrar no carro. Cai sentada na poltrona do veículo e mantive o meu olhar fixo sobre ele.
Não recuei, apenas ajeitei a postura, assim que vi o homem me encarar de cima, do outro lado da porta. Um arrepio incômodo trilhou por minha espinha com seus olhos azuis puros sobre mim. Então, ele agarrou a porta, fechando-a num baque surdo, e fez a volta pelo carro, abrindo a outra e se jogou no banco ao lado.
Encolhi instintivamente, tentando ficar o mais longe possível, enquanto ele me pegou completamente de surpresa ao erguer a mão e puxar a touca que lhe cobria o rosto, tirando-a toda de uma vez.
Um rosto jovem e bonito se fez revelar. Ele deviria ter aproximadamente uns vinte e sete anos. O maxilar era arredondado num formato triangular no queixo. As narinas estavam dilatadas pela respiração pesada, e o nariz despontava suavemente, proporcional ao rosto. Os lábios eram finos e bem traçados, suavizando um rosto marcante. Os olhos eram de um tom azul profundo, quase acinzentado, amendoados e finos, um pouco fundos — talvez algumas noites sem dormir adequadamente tenha provocado isso. Os fios de cabelos bagunçados e para cima eram loiros, não tão grandes, nem tão pequenos, talvez uns dois tons mais claros que os de Travis. Ele era surpreendentemente bonito, e eu pude ver familiaridade em seus traços, mesmo que não soubesse distingui-lo em uma lembrança. Eu sentia que o conhecia de algum lugar. Era como se algum instinto primitivo tentasse aflorar, mas fosse impedido toda vez que se manifestasse.
— Meu Deus, Amy. — Ele suspirou, afundando a cabeça na poltrona de couro, parecendo incrédulo ao esfregar os olhos. — Achei que estivesse morta...
Sem a máscara, ele não se fazia mais tão assustador quanto eu esperava que fosse. Na verdade, ele parecia tão assustado quanto eu, mas a forma com que ele se aproximou, inclinando-se bruscamente em minha direção, me pegou completamente de surpresa.
Mas o quê...
O meu coração palpitou descompassado. Não soube o que fazer no momento em que a boca dele revogou a minha, cobrindo-a de repente. A mão fria e ansiosa dele tomou o meu pescoço com fome e sede, e pude sentir seus lábios úmidos roçarem enquanto o calor afobado da sua língua buscava uma entrada.
Era o meu primeiro beijo depois de perder a memória e isso só podia ser uma tremenda confusão. Por isso, agi instintivamente e balancei a cabeça, tentando me esquivar com urgência, mas não adiantou, porque ele segurou os meus braços, puxando-me com mais vontade para ele.
— Afaste-se de mim! — Exigi rispidamente ao empurrá-lo para trás.
Arquejei, tentando recuperar o fôlego, passando o torso da mão sobre meus lábios e encarando-o com assombro.
— Quem é você? — perguntei, deixando boas notas de desespero no ar.
As sobrancelhas dele franziram e esboçaram confusão.
— Você não está me reconhecendo? — ele deixou escapar um meio sorriso nervoso, para depois começar a ajeitar os cabelos, como se aquilo fosse capaz de me fazer reconhecê-lo. — Sou eu... Ryan...
— O que? — perguntei num fio de voz.
— Russell... Ryan Russell. Você não se lembra de mim?
Encarei-o por um tempo com estranheza. Ele não passava de mais um desconhecido para mim. Então, balancei a cabeça em negativa.
— Tem certeza? — Ele avançou com o rosto. — Eu não vou machucar você. — Garantiu, parecendo sentir o medo ao esticar a mão em minha direção, tentando se aproximar com mais cautela dessa uma vez, e eu recuei, receando o contato.
É claro que ele não iria me machucar. Tentei segurar uma bufada de ironia. Todos falam isso de primeira.
— Não me toque. — Ralhei, sem tirar os olhos dele.
Ele tinha invadido a casa de Travis, atirando para todos os lados sem a menor ressalva ou pretensão de ferir alguém. Eu era desmemoriada, mas não burra.
— Você não confia em mim, não é? — indagou, quando virou a chave na ignição.
Continuei a encará-lo com o sentimento de estranheza.
Em resposta, o homem se remexeu desconfortavelmente, e esboçou uma expressão mais dura ao travar o maxilar e enviesar o olhar, encarando-me com uma confusão notória.
— Não, eu não confio — aleguei, num suspiro. — Não faço ideia de quem seja você — esclareci — mas pelo visto, você sabe quem eu sou.
Ele ligou o carro e começou a entrar em movimento.
— Por que você fez isso? — inquiri, me referindo a invasão. Inclinei pelo banco, quando a casa de Travis começou a se tornar pequena e distante. — Para onde você está indo?
Vi de esguelha, quando ele balançou a cabeça em repreensão e me empurrou novamente contra a poltrona.
— Me agradeça depois. Estou tirando você dessa merda. — Ele se limitou a dizer.
Algumas coisas na vida acontecem quando você menos espera, e eu já tinha noção disso. Mas por mais que tenha passado os últimos dias desejando estar fora disso, já me sentia emaranhada nessa rede de conspiração. Muita coisa não fazia sentido. Minha vida não fazia sentido, mas todos os meus instintos estavam apontando para uma única direção.
Travis.
Travis parecia ser uma peça fundamental nesse quebra-cabeça que eram as minhas memórias, entretanto ele insistia em esconder o jogo de mim. Ele não era confiável, e mesmo assim, não eu conseguia me afastar dele, porque alguma coisa me atraia para perto novamente. Era como empurrar e puxar. Eu não sabia o que era, mas parecia ser uma espécie de ligação que senti desde a primeira vez que o vi. Ele sempre soou tão perigosamente familiar e em quase todas as minhas lembranças, ele estava lá. Parecia ser um gatilho. Ele desencadeava as minhas memórias e Ryan também despertava essa sensação em mim, porque não fazia a menor ideia de quem era ele, mas mesmo assim, soava familiar.
Não podia ser uma coincidência.
— Por que eu deveria me lembrar de você? — interroguei, ignorando sua pergunta ao desviar o olhar da janela para ele, encarando-o com atenção.
— Eu não faço ideia do que aconteceu com você durante esses últimos anos, mas eu esperava qualquer coisa, menos te encontrar viva.
— O que aconteceu? — interroguei, assim que as palavras foram processadas pelo meu cérebro.
Eu deveria estar morta, mas não estava. Não precisava ser um gênio para desconfiar disso.
Ryan travou o maxilar e passou a mão pela manopla de câmbio, trocando a marcha para elevar a rotação do motor.
— Nós fomos parceiros de trabalho na CIA até... — ele me encarou antes de concluir — até você desaparecer.
O choque surgiu como um anestésico, e o meu cérebro parecia ter recebido uma carga pesada, porque eu paralisei ao assimilar a informação.
— Você trabalha na CIA? — indaguei.
Ele assentiu com a cabeça, focado na estrada.
— O que aconteceu com você? — perguntou, quando percebeu que eu não diria nada.
Engoli a seco, desviando a minha atenção para a janela, tentando com pouco sucesso observar a paisagem noturna que passava rapidamente e não era nada mais que borrões através do vidro.
— O que aconteceu comigo... — tropecei aturdida nas palavras ao me lembrar da forma como acordara debilitada no hospital. Eu não gostava de me lembrar daqueles dias, e falar disso agora me dava a sensação de ter areia na garganta — antes de receber aquele tiro na cabeça? — Ele concordou, erguendo a cabeça e balançando-a, estimulando-me a falar mais a respeito. — Eu perdi a memória e não tinha ninguém lá quando acordei.
Ryan encarou a estrada e mordeu o lábio internamente, desviando o olhar para mim com surpresa ao mantendo-se em silêncio por algum tempo. Ele parecia selecionar o que me diria a seguir.
— E pelo visto, ainda não voltou, não é?
Assenti em concordância.
— Os médicos que trataram você, eles disseram se poderia ser um efeito colateral temporário? — perguntou. — ou afetou alguma parte importante do cérebro?
— Não — respondi. — Deveria ser temporário. Eu tenho alguns flashs de memória, mas é tudo muito confuso.
— Do que você se lembra? — Ryan parecia sondar como um tubarão rodeando a presa, fazendo voltas cada vez mais curtas.
— Nada é muito concreto. — Limitei-me a responder.
Ele balançou a cabeça, assentindo com hesitação e depois tudo ficou em silêncio.
— Trabalhávamos para a CIA — comentou, rompendo o silêncio com uma voz mais sutil. — Estávamos infiltrados em uma Organização Criminosa barra pesada daqui de Nova York. Na noite em que iriamos embora com as cópias de todos os registros da Organização, alguém nos entregou e nós fomos pegos. Eu fui pego, na verdade — Ryan fez questão de ressaltar aquela parte — e era para você ter ido embora. Tínhamos um trato, não tínhamos reforços, e mesmo assim, você voltou para bancar a heroína — ele revirou os olhos e deixou uma risada sem graça escapar ao sacodir a cabeça, com o olhar voltado para a estrada. — Patrick Pellignton te acertou em cheio e depois disso, nunca mais tive notícias suas.
Precisei de alguns instantes para processar as informações. Talvez, Ryan não estivesse mentindo, mas eu não depositaria toda a minha confiança nele.
Olhei através da janela, a distância entre mim e a casa de Travis se tornava cada vez maior com o passar do tempo, devido à alta velocidade com que Ryan dirigia o carro.
— Por que ninguém me procurou depois disso? — Quis saber, o meu tom de voz carregado com um nítido ressentimento.
Ele voltou a encarar a estrada, desviando-se de mim.
— Nós tínhamos assinado um acordo de sigilo quando aceitamos fazer parte da Operação — informou. — Sabíamos dos riscos e a CIA nunca fez um esclarecimento formal. Pellignton tinha informante dentro da Agência e mesmo sendo uma Operação Fantasma, ele conseguiu sacar tudo cedo demais.
Então, a minha mente começou a encaixar as peças desse grande quebra-cabeça.
— Então, sabíamos que se acontecesse alguma coisa, ninguém procuraria a gente? — o meu cérebro não estava aceitando bem a ideia. — Que tipo de pessoa eu deveria ser? — o pensamento extravasou por meus lábios.
— Uma sem senso nenhum de autopreservação. — Ryan pontuou. — Mas não era para ter acontecido do jeito que aconteceu. A Agência era responsável pela nossa segurança, e tudo estava indo bem até aquele momento, depois alguém apagou os seus registros do sistema. Eu te procurei por um bom tempo, mas provavelmente, eles queriam limpar você do mapa para que a merda não respingasse neles, por isso ninguém te achou.
Errado. Travis havia me encontrado.
— Você acha que alguém pode ter sabotado a missão? — inquiri, analisando a situação.
Ryan deu de ombros, e eu engoli a seco. A resposta era lógica, mas a ideia foi absurda. Alguém tinha dado as nossas cabeças para os lobos e eu passei dois anos pagando por isso. A minha saliva se tornou ácida.
— Você falou que era uma Operação Fantasma — comentei, analisando todo o teor da conversa. — Quem sabia dela?
— Eu não sei, tá legal. — Ryan respondeu mais rispidamente. — Ninguém investigou o caso, porque era uma Operação sigilosa e se eu começasse a mexer na merda, com certeza foderia com tudo.
Assenti com um gesto desconfiado de cabeça.
— Mas... e você? — inquiri, enviesando o olhar. As peças ainda não se encaixavam completamente.
— Eu? — ele suspirou e um vinco se formou entre as sobrancelhas finas dele.
— Eles tentaram me matar, e eu teria morrido se não fosse a minha maldita sorte, e você? Como você conseguiu sobreviver?
Ryan assumiu uma postura resoluta.
— Foi um golpe de sorte. — Ele respondeu evasivamente.
— Aquela mulher, ela vai mata-lo? — Um calafrio se estendeu por todo o meu corpo ao pensar na morte dele. Eu balancei a cabeça imediatamente, enxotando os pensamentos medonhos que insistiam em ocupar minha mente.
Meu estômago se revirou ao pensar que neste momento, ele já poderia estar morto. Contraí o rosto quando uma revolta começou a borbulhar dentro de mim. Eu me detestava por não ser capaz de odiá-lo a ponto de não desejar morte a ele, pois, com toda a certeza, ele merecia isso depois de tudo o que fez, mas ainda assim, a ideia me incomodava de um jeito estranho.
Ryan chamou minha atenção, tirando-me dos meus pensamentos pavorosos ao balançar a cabeça e suspirar uma risada pesarosa.
— Ela com certeza adoraria fazer isso, mas eles precisam do Harmon vivo.
O carro começou a tomar um caminho estranho. Escuro e deserto e eu me inclinei mais no banco, analisando a estrada.
— Quem são eles? — rebati, mas Ryan permaneceu em silêncio. — Para onde você está me levando? — perguntei, assim que meu cérebro não identificou o local.
Os faróis do Mustang nos livravam da cegueira da escuridão noturna e iluminavam um bom raio a nossa frente. Ryan estacionou em alguma rua mal iluminada e aparentemente isolada de Nova York. O poste aceso mais próximo ficava a uns bons metros a nossa frente. A brisa noturna soprou pela janela e uma onda de calafrios percorreu a minha espinha. Não sabia se era ocasionado pelo frio ou pelo mau pressentimento.
Ryan puxou bruscamente a porta do carro ao meu lado e abriu caminho para que eu passasse.
— Vamos? — disse, e eu balancei a cabeça em resposta, negando.
Ele permaneceu com a mão na porta.
— Eu não vou com você. — Aleguei, permanecendo no carro.
— Nós já chagamos — informou persistente, segurando a porta.
Neguei com mais um gesto relutante de cabeça, e ele engoliu a seco com o olhar duro e a mandíbula cerrada. Ryan avançou com as mãos, e eu me arrastei no banco quando ele começou a me puxar para fora.
Meu organismo começou a injetar adrenalina em meu sangue e meu coração trabalhou num ritmo frenético.
— Depois que você sumiu, muita coisa aconteceu. Eu fiz coisas imperdoáveis e não me orgulho disso, mas agora eu preciso manter algumas pontas soltas escondidas. Eu não vou machucar você se você cooperar.
— O que você está fazendo? — vociferei no impulso, tentando empurrá-lo para longe de mim com um chute. — Pare com isso! — cuspi relutante, tombando por cima da manopla da marcha, tentando escapar dele, esticando o braço para me agarrar ao volante, a fim de que tentasse evitar que ele me arrastasse para fora do carro pela perna.
— Deixe de ser teimosa — orientou, enquanto fazia força contra mim.
Ergui a perna e o chutei, tentando afastá-lo para alcançar a tranca da outra porta, mas ele me agarrou novamente pela perna e berrei de dor, retorcendo o rosto quando a mão dele segurou na altura do machucado recém-tratado.
— Não tente lutar contra mim, Amy. Eu só quero proteger você. — Ele dizia de uma forma calmamente doentia ao agarrar a minha cintura e me puxar num tranco para fora do carro.
— Você está maluco! — gritei, me debatendo, enquanto ele me arrastava, fazendo a volta pelo carro ao me obrigar a ir a algum lugar desconhecido. — O que você está fazendo?
Ele parou, agarrou mais firme em meu ombro e sacodiu, erguendo o meu queixo e me forçou a encará-lo. Eu parei de resistir. Em algum lugar na minha mente, podia reconhecer aquele olhar frio e insano, e aquilo me causava arrepios na coluna e revirava o estômago.
Ele parecia doentio. Eu não queria encará-lo outra vez, mas ele me segurava com muita força.
— Escute! — pediu com mais dureza na voz. Seus olhos fixos nos meus, relanceavam um brilho sombrio e descontrolado. — Eu estou tentando ser legal com você, não me obrigue a fazer o que eu não quero.
Os meus dentes cerraram e as minhas mãos fecharam-se em punhos nervosos. Um sentimento corrosivo começou a queimar nas minhas entranhas.
— Desgraçado! — Rosnei entre os dentes, sentindo a raiva impregnar os meus ossos.
Um calor percorreu o meu rosto, e eu podia sentir as minhas narinas se dilatando numa respiração pesada e furiosa.
— Você ainda vai me agradecer por isso... — comentou, e a voz dele agiu como um gatilho para a minha raiva.
Embora ele fosse grande e bem mais pesado também, não era tão maior a ponto de me intimidar e mesmo que ele estivesse me segurando, armei o punho e planejei um jeito de afastá-lo. Icei minha cabeça para frente, dando-lhe uma cabeçada abrupta. As mãos dele afrouxaram-se em torno dos meus ombros e eu aproveitei a oportunidade para me livrar dele.
Ergui meus punhos e armei um soco em sua mandíbula, Ryan movimentou o queixo de um lado para o outro, levando a mão até a contusão, como se tentasse encaixá-lo de volta ao corpo em meio à dor.
Todo o acidente na ponte veio à tona com força e uma risada irônica escapou da minha garganta. Estava mais do que evidente que Ryan não estava tentando me ajudar. Ele queria me matar. Ele parecia completamente fora de si, um verdadeiro louco, desajustado.
Precisava dar um jeito de me livrar dele.
Agindo impulsivamente e no calor da raiva que começava a borbulhar ácida dentro de mim, empurrei-o para trás. Armei outro soco que lhe acertasse a cabeça, e ele desviou, inclinando-se para trás. Ryan pulou e agarrou o meu braço, girando de súbito o corpo de costas para mim, atingindo uma cotovelada no meu ombro, num contra ataque, estiquei o braço e o disparei no estômago dele. Ryan chiou e depois, tentou me atacar com um soco. Esquivei no impulso e revidei com outra arremetida, atingindo-lhe a mandíbula. Em resposta, Ryan franziu a testa e eu o assisti balançar a cabeça em desaprovação. O sangue começou a verter pela fenda no lábio.
— Ah, Amy... — disse, encarando-me de olhos semicerrados — você vai desejar não ter feito isso...
— Eu não vou, não, Ryan. — Aleguei desafiadoramente, atacando-o com mais um soco, mas dessa vez, meu punho viajou no ar, pois ele se esquivou a tempo, avançando contra mim com apenas um impulso, atingindo em cheio o meu rosto com o punho.
Tentei contra atacar, mas ele me deu uma rasteira, cambaleando para trás. Senti a pressão se propagar do maxilar até o chegar ao crânio. A minha mente rodou em um espiral embaralhado. O meu corpo desorientado, não estava preparado para receber o impacto daquele golpe, então vacilei para trás, caindo e batendo bruscamente de costas contra o chão.
Filho da puta!
O impacto da colisão em minha cabeça foi forte, causando confusão em meu cérebro. A dor cresceu no mesmo instante em que meu corpo colidiu contra a superfície maciça, se alojando em cada osso e se propagando pelos músculos.
A figura do rosto anguloso de Ryan preencheu o meu campo de visão, sob o céu escuro e estrelado. Minhas pálpebras tremelicaram, mesmo forçando-as a se manterem abertas. Minha cabeça pendeu fraca para o lado, e eu vi, de uma forma confusa e embaralhada. As botas dele se arrastaram no chão, aproximando-se da minha cabeça. Vi quando ele se abaixou ao meu lado e segurou o meu maxilar com a mão, forçando-me a ficar cara a cara com ele.
Encarei os olhos dele, e soltei um gemido engasgado, agarrando o pulso dele com força, completamente frustrada.
— Não se preocupe. Amy... Eu vou cuidar bem de você!
A sua voz não passava de um ecoar distante em meu cérebro.
— Eu vou matar você. — disse, com a voz fraca.
Desprezo queimou como ácido em meu estômago. Eu queria evitar o contato, mas estava impossibilitada de sequer erguer os braços. Fiz força para levantar, mas os meus músculos doloridos e cansados me impediram de realizar qualquer movimento.
A minha fúria tinha ganhado um novo alvo.
Ryan Russell.
Eu só conseguia pensar em como me levantaria dali e acabaria com ele, mas isso parecia ser algo impossível.
Ryan se levantou e caminhou para longe, depois, arrastou um grande portão de madeira sucedendo um barulhão estrondoso. A minha mente não registrava tudo, mas fui capaz de lembrar o medo e a raiva, de ter o meu corpo arrastado para algum lugar desconhecido e depois, escuridão, não houve nada.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro