Capítulo 17 | Combustão
"Eu explodo. O que você vai fazer?
Assim como fogo, queimando,
destruindo o caminho."
Juntei as tiras que agora se pareciam mais com cordas e as larguei na frente de Travis. Ele estava completamente grogue. A droga o deixara em um estágio parecido com o de uma hibernação. Não dormia, mas também não estava acordado. Uma espécie de analgésico dissociativo muito conveniente no momento.
Não tinha a menor ideia de como fazer o que precisava a seguir, mas precisava ser forte o suficiente para passar um braço de Travis pelos meus ombros e suportar o seu peso até o outro canto do quarto.
O treinamento recebido enquanto estava presa, me foram de grande valia naquele momento. Tinha adquiri boa condicionamento, velocidade e força física. Eu conseguiria lidar com os oitenta e tantos quilos dele. Eu daria conta do recado.
Suspirei, numa forma de me preparar, e posicionei o seu corpo na direção da cama, soltando-o depois, de modo que ele caísse deitado. A cama rangeu com o impacto, e eu tratei de agir rápido, capturando as tiras e passando uma por cada membro periférico, me certificando de fazer o serviço bem-feito, de modo que os nós ficassem firmes.
Embora estivesse me sentindo uma grande bastarda irônica, eu não poderia dizer que não ficaria feliz em presenciar aquilo. A presa tinha se tornado uma predadora, e tinha aprendido isso com o melhor.
Quando o corpo de Travis começou a apresentar os primeiros sinais de consciência, comecei a me preparar psicologicamente para o que teria que fazer. Ele já estava drogado e era meu refém.
Essa parecia ser a parte mais difícil do plano. Eu estava no controle agora e precisava aprender a ligar com isso, embora temesse sua reação, depois que se desse conta do que estava acontecendo. Não sabia o que ele diria, como agiria, mas esperava que fosse simples e prático, mesmo sabendo que não havia praticidade em nada que o envolvesse.
Suspirei ao pensar que poderia precisar tomar medidas desesperadas.
Eu não era uma criminosa. Eu não era uma assassina. Eu não era uma chantagista torturadora.
Eu sabia que tinha ido longe demais, que tinha ultrapassado todos os limites das minhas barreiras morais e de todo o meu bom senso. Eu tinha transformado a mim mesma em uma pessoa má e sem escrúpulos.
Eu era como Travis. Tinha me tornado, por vontade própria, tudo o que tanto desprezava, no que tanto julgava ser errado nele.
Merda de hipocrisia.
Eu mentia, manipulava, matava e agora, torturava pessoas, e me odiava tanto por isso, mas chacoalhei a cabeça, dispersando meus pensamentos. Engoli o meu senso moral e levantei da poltrona, me pondo na frente de Travis. Ergui a cabeça dele que pendia para o lado e a apoiei com uma mão. Levei as pontas dos dedos da outra mão até a lateral do seu pescoço e fiz uma análise superficial do seu estado físico. Sua temperatura já estava caindo e voltando a se instabilizar. A frequência cardíaca também parecia estar boa.
A minha garganta se apertou e meus ombros tomaram uma postura tensa. O coração começava a bater exasperado e aflito, quase pulando boca afora. Estava começando a me desesperar. Eu tinha que me manter na linha.
Ele recobraria a consciência a qualquer momento, então se daria conta do que tinha, de fato acontecido. Talvez estivesse cavando a minha própria cova, e eu mesmo estivesse me preparando para fechar comigo dentro. Travis não deixaria aquilo barato, mas eu estava decidida a me preocupar com isso depois.
Tratei de respirar fundo, travando uma batalha interna contra o desespero, que tentava me tomar. Eu tinha começado tudo aquilo, e não dava para simplesmente parar agora. Precisava acabar logo com aquilo. Eu só precisava de respostas. Seria simples, prático, rápido e indolor, se assim ele quisesse.
Suspirei, tomando coragem, colocando meus conflitos de lado. Ergui o meu olhar com determinação para o rosto dele que, tomara uma coloração rosada nas bochechas. A fim de acelerar o processo, ousei deixar dois tapas bem merecidos em seu rosto.
Inclinei um pouco a cabeça enquanto esperava que ele esboçasse alguma reação. Talvez tivesse gostado de fazer aquilo, se ele soubesse por que estava apanhando.
O rosto de Travis se contraiu, em resposta aos tapas. As pálpebras móveis tremelicaram, abrindo-se em seguida, me permitindo ter contato direto com as pupilas dilatadas e as íris esverdeadas com uma pequena pigmentação dourada.
Observei quando seus olhos rolaram de um lado para o outro, trabalhando, sem conseguir conter a confusão que se passava em sua mente, deixou que os repousasse, esverdeados e confusos, sobre mim.
— Que merda está acontecendo? — Ele perguntou, ainda parecendo confuso, assim que tentou mexer os braços e as pernas, mas foi impedido bruscamente.
Travis ergueu o olhar, analisando incrédulo os braços esticados, e as cordas que os mantinham presos, e me fuzilou com os olhos frios e furiosos. Meu instinto protetor me induziu a recuar.
— Escuta, Amy... — rosnou, entre os dentes, se batendo bruscamente, inconformado, tentando afrouxar as cordas. — Eu vou te dar três segundos para me desamarra. Depois você pode sumir em segurança. — Impôs, mantendo a sua voz no mesmo tom, mas eu podia sentir as notas de ameaça em cada palavra proferida.
Me encolhi instintivamente ao sentir a ameaça palpável pairar no ar. Mas que merda eu estava fazendo?
Ele estava amarrado!
Eu estava no comando, e Travis não estava em posição de impor absolutamente nada. E vê-lo pensar que ainda exercia algum poder sobre mim, me deixava em plena combustão.
Rangi os dentes e enviesei o meu olhar em resposta a sua ameaça, sentindo a fúria se alastrar como labaredas perturbadoras dentro de mim. Era como se cada palavra liberada por sua boca servisse como combustível para a minha raiva.
Dizem que quando um animal se sente ameaçado, por instinto, ele se torna perigoso e destrutivo. E eu me sentia como uma felina ameaçada por Travis e estava pronta para atacar, sem pensar nas consequências.
Me aproximei dele novamente, sentando na beira da cama, e me inclinei em sua direção, apoiando-me a cabeceira da cama na qual ele estava amarrado, sem perder, em momento algum, o contato visual. Ficamos tão próximos que por milímetros nossos narizes não se tocaram. A sua expressão se mantinha dura e isso me deixava ainda mais enraivecida.
Naquele momento, eu não sentia medo dele. Na verdade, queria que ele sentisse medo de mim, que me visse tão mortífera quanto realmente era. Desejava que ele visse toda a fúria resplandecida nos meus olhos. O quanto poderia ser perigosa e ameaçadora, se assim eu quisesse. Eu queria matá-lo.
Não me sentia mais como uma pessoa boa. Me tornara má, uma assassina. Uma bomba nociva e autodestrutiva, e queria que ele visse no que tinha me transformado. Finalmente tinha me tornado o que ele tanto me treinou para ser.
Cruel, nociva, destruída e levaria o caos para a sua vida.
— Escute você, Travis. — Rosnei, era possível sentir a raiva contaminar as ondulações da minha voz. — O tabuleiro virou. Você não está em condição de impor nada. Eu não tive todo esse trabalho atoa. Então me responda o que eu perguntar e tudo ficará bem...
— Porra! — Praguejou furiosamente, se remexendo de súbito. Parecia tentar lutar contra as cortas que o limitava.
— De onde nós nos conhecemos? — Interroguei, ignorando o acesso de fúria dele, assim que minha lembrança me veio à mente e me afastei dele, soltando os braços da cadeira.
No momento em que a minha pergunta alcançou os seus ouvidos, Travis estacou, contraindo o rosto e erguendo a defensiva.
— Do que você se lembra? — Ele rebateu, parecendo cauteloso ao se manifestar.
— Dane-se o que eu me lembro! — Retorqui no grito, sentindo a raiva crepitar dentro de mim, destruindo qualquer resquício de racionalidade, piedade e arrependimento que eu sentia por ter feito tudo aquilo a ele. — Eu quero saber o que você sabe! Diga-me, Travis. Agora!
Travis trancou o maxilar e baixou o olhar para as cordas que prendiam seus pulsos e depois, deixou um riso curvar os seus lábios.
— Acha isso engraçado? — Retorqui, impacientemente, cruzando os braços diante do peito.
— Qual é? — Rebateu ele, erguendo a cabeça para me encarar — Não consegue enxergar? — Neguei em resposta, confusamente. — Essa também seria uma atitude que a Amy que eu conhecia teria tomado.
Aquilo foi como um soco no meu estômago. Uma confirmação de que ele realmente sabia mais do que eu, sobre mim mesma.
Cruzei os braços na frente dos seios e erguei as sobrancelhas.
— Eu libertei você, Amy. — Ressaltou, inclinando-se e apoiando as costas no espaldar da cama. — O que mais você quer?
Encarei-o duramente.
— Responda.
Ele apertou os olhos de forma relutante e os ergueu novamente, fixando-se em mim.
— Nós nos conhecemos em uma academia preparatória para as Forças Especiais do Exército.
Não era surpresa para mim que tivesse passado por academias desse gênero, pois o Raymond fez questão de deixar claro quem eu era. Uma agente Especial da CIA. Eu tinha que ter recebido algum treinamento.
— Quanta ironia. — Bufei um riso sem graça, balançando a cabeça em negativa. — Você... foi treinado pelo Governo para defender o país e não passa da merda de um criminoso que se voltou contra tudo o que te foi passado.
Travis arqueou as sobrancelhas, me encarando nos olhos e deglutiu secamente.
— Você não conhece os meus motivos. Aliás, você não sabe de nada!
— Mas você parece saber, não é Travis? — rebati, pronta para despejar um turbilhão de perguntas sobre ele. — Quanto tempo faz isso, a academia? — prossegui com o interrogatório. Deixando o meu interesse transparecer.
Ele retorceu o lábio, pensativo.
— Talvez uns dez anos...
— E quantos anos eu tenho?
— Quando sumiu tinha vinte e seis. Hoje tem vinte e oito...
Dei de ombros e avancei dois passos em sua direção, pronta para expor as minhas conclusões.
— É por isso que você me protegeu do Raymond? Porque treinamos juntos?
— Não seja presunçosa. — Rosnou de volta, me olhando de esguelha.
— Então, em algum momento nós fomos amigos? — Ousei deduzir.
Os olhos dele brilharam e a imagem do sonho dele nu no lago me beijando veio à tona. E me senti forçada a estacar.
— Por que você me olha desse jeito? — Questionei imediatamente, enviesando o olhar com desconfiança.
— Eu não sei. — Ele voltou ao rompante. — De quê jeito? Aliás, você já acabou com esse interrogatório ridículo?
Cruzei os braços, na defensiva.
— Se em algum momento das nossas vidas nós chegamos a ser amigos — quis transparecer todo o rancor que sentia ao pronunciar a última palavra num tom diferente das outras — porque você fez isso comigo? Porque me sequestrou e me jogou no meio dessa merda?
— Nós precisávamos de você... — Ele disse, num suspiro. — Amy Murray foi dada como morta em 2017. A CIA abafou o caso e ninguém nunca mais falou sobre isso. Eu procurei por você e era como se você nunca tivesse existido, mas de repente, eu te encontro viva... pensamos que você estava trabalhando infiltrada.
— Por que precisava de mim?
Ele enrijeceu o maxilar e se manteve resoluto.
A minha expressão se transformou em uma grande interrogação. A minha garganta se apertou, e a confusão veio como náuseas em meu estômago.
— Desembucha, Travis. — Insisti, já sem paciência.
Uma pancada seca irrompeu da porta, e eu dei um pulo para trás com o susto. Arregalei os olhos e encarei Travis que começou a se sacodir na cama.
— Me desculpem — Reconheci a voz do recepcionista do outro lado. — Mas preciso pedir que façam menos barulhos, as pessoas estão ficando assustadas.
— Mas é um motel. — Eu tratei de responder, cobrindo a boca de Travis para que ele não gritasse.
Travis gemeu por baixo da minha mão e se sacodiu na cama.
— Para já com isso! — Lati.
— Me desculpe, o meu marido está indomável. — Aleguei, soltando uma risada forçada, quando Travis parou de se movimentar bruscamente.
Encarei-o por alguns instantes quando percebi que o rapaz havia se afastado da porta e aos poucos fui diminuindo a pressão sobre os lábios dele.
— Continue. — Pedi, exalando profundamente.
— Depois que o Seth roubou as informações do sistema, o Raymond ficou maluco procurando quem era o culpado. — Começou a explicar. — Eu me recusei a investigar e o próprio Raymond encontrou o culpado. Eu sabia o que aconteceria e precisei substituí-lo.
Passei as mãos pelos cabelos ainda úmidos, empurrando-os para trás.
— Eu...
— É! Mas você conseguiu estragar tudo, mais de uma vez. — Acusou, inclinando-se para frente, até onde as amarras permitiam.
— Quem era aquele homem? — Inquiri possessa.
— Por Deus, Amy. — Esbravejou, com olhos ardentes de raiva. — Que homem?
— O que eu matei para salvar o seu maldito rabo.
Travis me encarou por um tempo.
— Patrick Pellignton. Eu já te falei.
Cruzando os braços e me sentei na ponta da cama, próxima aos pés amarrados dele e comecei a raciocinar. Eu não sabia o que deveria fazer, mas sabia que precisava de respostas. Estava começando a me lembrar de coisas muito isoladas e isso não me ajudava.
— Há dois anos ele atirou em mim. — Disparei, erguendo o olhar e fixando-o nos braços nus de Travis esticados pelas amarras no espaldar da cama.
— Foi ele? — A curiosidade pareceu dançar na expressão dele.
— Eu me lembro! — Afirmei. — Ele atirou em mim e depois me deixou para morrer.
Ele afastou o olhar por um instante, os músculos se contraindo ao tentar mexer o corpo delimitado, e depois ele me fulminou com olhar quente.
— Do que mais se lembra?
Isso me fez levantar da cama e me agitar, passando a mão pelos cabelos e emaranhando os dedos, empurrando-os para trás.
— Isso não é da sua conta! — Retorqui, entre dentes.
Ele se calou por um instante, encarando-me mais fixamente. O maxilar duro e os olhos serrados. Ele me mataria agora se pudesse.
— Acabou? — Ele questionou com voz fria.
— Não! — Respondi. — Onde está o meu pai? — Finalmente tinha chegado à pergunta que mais me importava naquele momento. — Minha família.
Ele bufou uma risada sem graça e balançou a cabeça em negativa, voltando a me encarar.
— Você quer mesmo falar disso? — Ele perguntou e eu assenti, estreitando o olhar.
Arqueei as sobrancelhas em resposta para ele e cruzei os braços diante do peito. Ele estava encurralado e não tinha para onde correr. Eu não o machucaria se ele cooperasse, mas não responderia por mim se ele tentasse inverter as peças do jogo.
— O seu pai está morto.
— O quê? — Balbuciei ceticamente ao sentir como se estivessem arrancado a alma do meu corpo e depois, a empurrado de volta.
O meu pai está morto...
— O seu pai era um militar da ativa do Exército — Travis me surpreendeu quando começou a explicar. — Morreu em combate já faz algum tempo. Eu sinto muito... — Ele completou quando ergueu a cabeça e viu a minha expressão perplexa. — Sua mãe morreu quando você ainda era uma criança. Sem irmãos, primos... Essas coisas que talvez ache que tenha.
Passei a mão pela têmpora analisando as suas últimas palavras e o encarei com raiva, incapaz de responder àquilo.
— Mas o Raymond falou...
O peito de Travis contraiu-se e ele soltou uma risada ruidosa e austera.
— O Raymond manipulou você... — Notificou, e eu encarei-o amortizada. — Ele sabe que você não se lembra de nada e se aproveitou disso. Eu sinto muito ter que te contar isso.
— Porque você está do lado dele? — Perguntei.
Ele abaixou o olhar outra vez e ergue-o cheio de si.
— Eu não estou do lado dele. — Rebateu, pegando-me de surpresa.
Levei a mão à cintura e antes que eu pudesse pedir uma explicação plausível ele se adiantou.
— Eu estou do meu lado, Amy. O Raymond tem os interesses dele e eu tenho os meus. Você só está atrapalhando isso.
— Você me meteu nessa roubada. — Rebati com descrença, levando a mão ao quadril e soltando-os depois.
— Eu libertei você, te enviaria para outro lugar em segurança e ...
— Você destruiu a minha vida. — Aleguei, apontando o dedo acusatoriamente.
— Fala sério! — Ele se remexeu com desdém na cama. — Oque você estava fazendo era tudo, menos viver.***
RODADA DUPLAA.
Chegamos numa parte bem tensa e eletrizante da trama. 🤗
Vocês acham que ele está falando a verdade?
Não esquece de deixar a sua estrelinha não, e se você está gostando, deixa um comentário, eu vou adorar interagir com você! 💛
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