Parte VIII (Final)
Fazia muito tempo que eu não via o sol nascer, mas naquela manhã, quando ele começou a despontar atrás das árvores do parque St. James, eu e Clarissa já o esperávamos. Tínhamos passado a noite toda dentro do meu quarto conversando, chorando, trocando sonhos e decepções. E estávamos para dormir jogadas na minha cama, quando ela percebeu que estava quase na hora de ele nascer. Nós praticamente fizemos um forte na minha varanda, várias cobertas, chá e café, tocas e luvas, tudo que podíamos carregar. Só para não perdemos um segundo daquele acontecimento que, para mim, era histórico.
Era estranho pensar que aquele dia já tinha significado completamente o oposto para mim. Pensar que eu já o tinha esperado, contado os segundos para que ele chegasse, que até mesmo no dia anterior eu tinha marcado na minha cabeça quanto tempo faltava para chegar o momento do meu casamento. Parecia ser algo tão incrível e inalcançável, que só viveria em meus sonhos. E agora ali, enquanto eu abraçava minha caneca de café e assistia o sol mudar quase nada no céu de inverno, sabia que aquele dia era que tinha me esperado chegar até ele.
Eu não conseguiria explicar, mas era como se sentisse mesmo o dia amanhecendo. Mesmo que me escondesse embaixo de cobertas, podia senti-lo na minha pele, nas palmas das minhas mãos, acordando todos os meus sentidos. Sabia que o parque, o céu e tudo que eu via estava praticamente do mesmo jeito que tinha estado durante a noite toda em que nós tínhamos passado no meu quarto. A única diferença era que o sol tinha nascido.
Mas, para mim, tudo estava acordando diferente. Parecia que uma enchente tinha passado enquanto estava escuro e limpado tudo de ruim para longe de mim. De onde eu estava, o mundo parecia incrivelmente claro. E eu respirava devagar, precisando de pouco oxigênio para assistir aquele espetáculo tão grande e simples.
Ainda tinha milhares de coisas que eu precisava entender. Mesmo depois de horas de conversa, de litros de lágrimas, parecia que não tinha chegado nem um pouco perto de conseguir entender o que tinha acontecido, porque tinha acontecido, ou porque comigo. Era até estranho como eu podia saber de algo e mesmo assim não o compreender, quase duvidar da minha própria certeza de que aquilo era mesmo real.
Mas eu estava bem. Poderia voltar a chorar e soluçar a qualquer segundo, mas naquele momento eu estava bem. Naquele momento, a brisa gelada e o calor tímido em todos os lugares que o sol conseguia alcançar eram o suficiente para mim. Naquele momento, eu só precisava respirar.
Mais tarde, quando descia as escadas em direção às portas principais, resolvi pensar em tudo que eu tinha de bom. Vários exemplos estavam bem à minha volta. Como os guardas que dedicavam suas vidas para garantir a segurança da minha. As criadas que acordavam às cinco da manhã todos os dias para se certificarem de que cada cômodo daquele imenso palácio estava em perfeito estado. Os cozinheiros que nunca negaram um só desejo meu, mesmo que fosse por puro capricho.
E Liev, pensei, assim que a avistei no pé da escada. Ela tinha se desdobrado para conseguir fazer aquele evento ser tudo que eu queria que fosse e ainda mais para cancelar tudo depois. E Stan, que me olhava com toda a compaixão do mundo, só esperando para abrir as portas para mim.
E até Kyle, que me fez questão de dizer que eu era mesmo boa demais para Reid.
Até mesmo as pessoas que ainda estavam do outro lado do portão ou em suas casas, com a televisão ligada, esperando que eu aparecesse no pódio e explicasse o que tinha tentado me derrubar. E como não tinham conseguido. Aquilo era realmente algo do qual eu não podia me esquecer. As milhares de pessoas que torciam por mim, que talvez fossem me olhar diferente depois daquele dia, mas que nunca parariam de me apoiar.
E, é claro, meu pai, que tinha feito praticamente de tudo para conseguir que Reid permanecesse preso. E, mesmo sem ele conseguir encontrar provas o suficiente que conseguissem condená-lo sem uma confissão, eu ainda guardaria aquele seu esforço em meu coração. Porque, se tinha uma coisa que eu tinha aprendido naquela noite, era que coisas ruins aconteciam. Tragédias aconteciam, pequenas ou graves. Mas o quanto ficávamos indignados, o quanto lutávamos contra elas era o que importava. Porque elas estavam fora do nosso controle, mas nossa reação não. E eu precisava me lembrar de dizer ao meu pai que ele podia se esquecer de Reid, parar de tentar procurar uma explicação ou um sentido. Aquela batalha era minha. E que só de ele estar do meu lado já era o suficiente.
Cheguei ao final da escada e olhei à minha direita, na direção de Clarissa, que tinha vindo logo atrás de mim. Ela me fez um aceno com a cabeça, como se me incentivasse a continuar.
A coisa da qual eu mais precisava me lembrar era dela. Era por causa dela que eu ainda estava ali, de pé. Era por ela que eu ainda conseguia pensar no lado bom de tudo aquilo.
O lado ruim ainda vivia dentro de mim. E eu tinha a impressão de que estava prestes a embarcar em uma montanha-russa de confusões e decepções enquanto tivesse que relembrar o quanto Reid tinha significado para mim e o quão profundamente ele tinha me traído. Toda a tristeza do mundo, toda a sensação de que eu tinha sido roubada daquilo que tinha escolhido para o resto da minha vida ainda vivia dentro de mim. Eu conhecia muito bem o lado ruim de tudo aquilo. Sabia muito bem qual era a tragédia.
Mas, por pior que fosse, por mais horrível que tudo tivesse sido, tinha tido a chance de descobrir aqueles que realmente se importavam comigo. E principalmente Clarissa. Agora eu sabia, do fundo do meu coração, que ela não estava ao meu lado porque tinha que estar. E que continuaria lá enquanto eu precisasse.
Meu pai me deu um abraço e perguntou se eu não queria que ele fosse no meu lugar. Mas lhe garanti que era algo que eu precisava fazer sozinha. Liev me prometeu que, mesmo Reid estando livre da lei, ela faria de tudo para que ele nunca mais nem conseguisse comprar um café em Knighton. Trevor e Kyle me disseram que tinha um quarto me esperando em Holfburg para onde eu poderia fugir. E até Penelope sugeriu que ela começasse um rumor de que Reid tinha alguma doença infecciosa.
Estava tudo ali, bem na minha frente, tudo aquilo que eu podia contar e guardar para mim como razões para nunca deixar que uma pessoa como ele me destruísse.
Mas foi só quando eu olhei para Clarissa e vi sua boca formar a palavra 'respire' que eu senti do fundo do meu coração que tinha sorte. E, se me atrevia pensar na palavra, que era amada.
Quando olhei de volta para as portas e Liev me perguntou se eu estava pronta, assenti. E, enquanto as via abrindo e caminhava em sua direção, sentia um arrepio começar na minha nuca e se espalhar até as pontas dos meus dedos. Eu pensava no que ia falar, no que tudo significaria, percebendo devagar a magnitude daquilo. O casamento já estava cancelado, Reid já tinha desaparecido, eu já nunca mais seria a mesma. Mas falar as palavras em voz alta, as espalhar para o mundo todo era bem maior que isso. Era mais do que admitir que uma tragédia daquelas tinha acontecido comigo. Era declarar que eu tinha decidido lidar com ela, superá-la e crescer a partir dela.
E assim que vi o povo do outro lado do portão e a fila enorme da mídia entre nós esperando por mim, eu soube. Eu simplesmente soube.
Eu era adulta.
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