Marie
O casal esperou a chegada de Marie com muita ansiedade. Ajeitaram a casa para recebê-la e checaram várias vezes se todas as tomadas possuíam proteção. Whiskey seguiu ambos com um olhar curioso e, após cansar-se de apenas observá-los, começou a correr atrás dos donos. O gato atirou-se aos pés deles, fazendo-os quase tropeçarem seguidamente.
Marc tinha lido, em segredo, matérias sobre como preparar a casa para receber um recém-nascido, por isso estava bastante preocupado com tudo. Durante as leituras tinha aprendido que a irmã provavelmente estaria sofrendo com o nascimento dos dentes e, por isso, teria vontade de morder tudo o que pegasse em mãos. Pensando nisso havia escondido todos os isqueiros e brinquedos do gato.
Nos momentos em que estava lendo, Archie observava de longe com um sorrisinho bobo. Também tinha feito a própria pesquisa sobre bebês, o que fez sua vontade de ter um filho crescer mais. Tinha desistido de tocar no assunto, visto que da última vez obtivera uma reação negativa. Marc não parecia querer uma criança e não iria tentar fazê-lo mudar de opinião para agradar aos seus desejos.
Estava feliz com o prospecto de Marie visitá-los quase todos os finais de semana. A ansiedade para ter um bebê em casa pela primeira vez era animadora.
O mais novo tinha planejado um roteiro do que poderiam fazer e, surpreendentemente, Marc havia ajudado. Mas a contribuição deste foi bastante óbvia: idas à lojas de grife especializadas em roupas de bebês. Archie, entretanto, tinha planejado um passeio no zoológico. Mesmo que Marie fosse muito pequena e não fosse lembrar daquilo, era um programa simples e divertido para fazerem com ela.
Quando Whiskey atirou-se aos pés de Archie, esperando um carinho na barriga, este suspirou e pegou-o no colo. Beijou-o entre as orelhas e abraçou-o com amor, fazendo sons baixinhos e chamando-o pelo apelido, o nome do gato no diminutivo.
Do corredor, Marc arqueou as sobrancelhas e deu um sorriso incrédulo e debochado. Para quem havia achado o novo membro da família "feio", Archie estava bastante apegado a ele.
A campainha tocou e ambos empertigaram-se com ansiedade. Marie tinha chegado.
_____
O centro da enorme sala de estar estava cheio de brinquedos jogados pelo chão. Marie engatinhou no meio deles, jogando um ou outro para cima, parecendo entediada com as várias opções que tinha em volta. Subitamente ela ficou séria, a boca pequena curvou-se para baixo e os olhos castanhos fixaram-se no irmão, que estava sentado no sofá, observando-a.
Archie veio da cozinha com uma mamadeira recém-preparada e colocou um pouco do leite na mão para sentir a temperatura. Quando chegou na sala, quase gargalhou com a cena que viu.
A garotinha estava tentando escalar as pernas de Marc, com as pernas e braços gordinhos agarrados à calça jeans preta. Frustrada por não conseguir subir no colo do irmão, ela começou a choramingar.
Marc estendeu o braço e Marie abraçou-se nele como um macaquinho. Ele levantou-a com cuidado até o peito e ali ela ajeitou-se. Pôs as mãozinhas nos cabelos castanhos do irmão e puxou algumas mexas, curiosa com a textura dos fios.
━Ei! -Marc protestou ao perceber que ela tinha bastante força
A bebê riu e bateu palminhas. Archie sentou-se ao lado deles no sofá e comentou:
━Ela adorou os seus cabelos.
━Ela tem bastante força, - Marc resmungou
Archie apoiou um braço no encosto do sofá e ficou admirando-os juntos. Possuíam a mesma cor de cabelo e de olhos, tinham inclusive as mesmas pintinhas espalhadas pelo corpo. Estendeu a mão direita e tocou a bochecha dela, apertando-a com pouca força. Mordeu os lábios e quis inclinar-se para abraçá-la e dar beijinhos em sua testa, mas controlou-se. Não podia mostrar aquele lado paternal para Marc, até porque estava surpreso com as próprias vontades. Mas talvez ele estivesse escondendo o próprio lado fraternal.
Se pudesse, Archie ficaria o dia inteiro com a irmãzinha de Marc no colo, conhecendo-a e aprendendo com ela. Ficava triste só de saber que teriam apenas mais um dia com Marie. Era pouco, mas sabia que, se continuassem vendo-a todos os finais de semana criariam um vínculo com ela e estava ansioso para que isso acontecesse. Como ela lhe chamaria? De tio? De Arch? Eram tantas possibilidades...
━Quer dar a mamadeira? -sugeriu, esperando uma resposta negativa de Marc
Para sua surpresa e decepção, Marc assentiu com um resmungo, sem olhá-lo. Mordeu os lábios e encostou-se no ombro dele, observando-o ajeitar a irmã no colo de modo que ela ficasse com a cabeça apoiada em seu braço.
Archie estendeu-lhe a mamadeira e abraçou-o pelo pescoço.
Eram um trio diferente, cercado de ansiedade e nervosismo, mas também repleto de muito amor. Archie já amava Marie como se fosse uma filha e estar tão próximo dela e de Marc deixava-o emocionado, porque sentia-se feliz como nunca tinha estado antes.
Marc segurou a mamadeira com cuidado e, quando encostou o bico na boca da irmã, ela segurou sua mão e começou a sugar o líquido. Franziu o cenho, incrédulo com a rapidez com a qual ela havia aprendido a fazer aquilo. Por fim, chegou à conclusão de que bebês eram fascinantes e estranhos.
Observou-a beber todo o leite e, quando ela terminou, Marie bocejou e os olhos ficaram semicerrados de tão sonolenta. Archie sussurrou:
━Hora de dormir?
━Sim.
O mais novo ia levá-la ao quarto, mas assim que levantou-se, Marc passou na sua frente em direção às escadas. Naquele momento Whiskey espreguiçou-se e esfregou-se nas suas pernas. Com um suspiro triste. sentindo-se deixado de lado, inclinou-se e acariciou-o na cabeça. Os olhos verdes do gato refletiram o amor que sentia pelo dono e Archie sorriu para ele ao dizer:
━Parece que fomos deixados de lado.
Não estava realmente chateado, mas queria participar de tudo também. Entretanto, talvez devesse dar mais espaço para Marc explorar seu lado fraterno, afinal, ele nunca havia lidado com crianças e há anos não tinha mais a irmã.
____
No quarto de Marie, Marc sentou-se na poltrona rosa recém-comprada, pegou um dos livros que havia comprado e começou a lê-lo para a irmã. Leu tudo devagar, mas havia algo faltando... O problema era que a narração precisava de emoção para cativá-la.
Aos ouvidos de Marie, aquela leitura parecia estranha. Não que fosse entender, pelo contrário, mas ela aprendia com as expressões faciais e entonações, como qualquer outro bebê.
Digamos que o irmão mais velho não era a pessoa mais expressiva do mundo.
Archie, que observou tudo do batente da porta, mordeu os lábios e relutou antes de intrometer-se. Mas logo que a pequena viu-o, começou a bater palminhas. Então entrou no quarto com certa vergonha, pois Marc não gostava de ser pego naqueles momentos... vulneráveis.
O engenheiro fechou o livro, suspirou e, após meia hora de leitura, resmungou:
━Ela não dorme nunca.
Marie olhou com confusão para o irmão.
O problema era que Marc era pragmático, meticuloso e rígido demais. Archie não falaria aquilo para ele, mas poderia ajudá-lo a perceber as melhorias que deveria fazer de maneira sutil. Apontou para o livro e sugeriu:
━Posso tentar?
Marc assentiu. Archie pegou o livro de suas mãos e sentou-se no meio das pernas dele, na poltrona grande e confortável. Quando começou a ler, inclinado para frente, Marie percebeu a diferença de entonação e de expressões faciais, portanto, reagiu conforme a voz mudava.
━A bruxa malvada disse que jamais iria deixar os meninos irem embora! -Archie franziu o cenho e fez uma voz fina
O semblante de Marie ficou surpreso e os olhinhos amendoados focaram-se apenas em Archie, atenta às palavras e reagindo às mesmas.
Enquanto isso, Marc abraçou o outro pela cintura e descansou o rosto nas costas magras. Pela barriga de Archie tocou músculos novos, que haviam aparecido após muitos dias de treino intenso ao seu lado na academia. Ele estava dedicando-se ao bem-estar corporal...
Prestou atenção ao modo como o rosto delicado do marido movia-se conforme lia. Ele era capaz de cativar a todos, quem quer que fosse, e percebia isso sempre que saíam. Em restaurantes, em parques... Todos rendiam-se ao jeito doce e gentil de Archie. Amava-o por ser daquele jeito e no fundo desejava poder ser mais parecido com ele, mas talvez aquilo não estivesse no seu DNA.
Vê-lo ler com tamanha dedicação, esforçando-se para fazer caras e bocas... Teria que treinar sozinho como um idiota para poder fazer Marie prestar atenção daquela maneira. Não estava acostumado a... retorcer o rosto daquele jeito. Ou melhor, a fazer tantas expressões faciais. Já haviam lhe dito que tinha um ar desinteressado, rude e arrongante. Perguntou-se se a irmã lhe veria daquele jeito no futuro. Não queria que ela pensasse daquela maneira.
Marie começou a dormir em poucos minutos. Antes de saírem do quarto, ligaram a babá-eletrônica, cobriram-na com um cobertor fino e colocaram uma pelúcia em formato de cupcake ao lado dela. Desligaram as luzes e, no corredor, suspiraram de alívio.
Archie abraçou Marc ao perceber certo ar pensativo no semblante do mais velho e beijou-o no pescoço antes de perguntar:
━Está tudo bem?
Notou certa relutância no semblante fechado dele, mas com um suspiro e sem olhá-lo, este disse:
━Como faz aquilo?
━Aquilo o quê? -arqueou as sobrancelhas sem entender
━Ler daquele jeito.
Marc ainda possuía aquela trava interna para falar, mas tinha progredido muito ultimamente. Archie fez um carinho nos cabelos castanhos dele, perto da nuca. Ficou na ponta dos pés e beijou-o na ponta do nariz.
━É só exagerar as palavras e expressões faciais.
Como se fosse fácil. Marc suspirou e resolveu não insistir. Pelo jeito teria que praticar sozinho, em segredo também, pois seria humilhante ser pego fazendo aquilo.
O mais velho abraçou-o pela cintura e beijou-o nos lábios. O beijo intensificou-se e beliscou-o no quadril.
━Você anda malhando muito, -resmungou entre o beijo.
━Não tanto quando você, -Archie rebateu, rindo.
Segurou os braços musculosos de Marc, apertando-os no bíceps. Estava envolto neles e sentia-se protegido ali, no peito largo do marido.
━Não pode ficar mais musculoso do que eu, -Marc sussurrou em seu ouvido e beijou-o na testa em seguida.
Archie mordeu os lábios e deu um beliscão de brincadeira na barriga dele.
━Por quê? Tem medo que eu fique mais forte do que você, sr. Berlusse?
Nunca havia sido chamado daquele jeito... Gostou do jeito como um arrepio gostoso percorreu os ombros. Abriu um sorriso torto e charmoso, o que sabia ser capaz de deixar Archie com as pernas bambas, e guiou-o até o quarto enquanto beijava-o no pescoço. No meio do caminho, disse:
━Me chame assim novamente.
_____
No dia seguinte, antes de irem ao zoológico foram à uma loja elegante e enorme que ficava num bairro de classe alta, próximo do condomínio onde moravam.
Archie estava se acostumando, aos poucos, à nova vida na alta sociedade, mas ainda sentia-se desconfortável quando ia a lugares como aquele. Era como se, no fundo, soubesse que não pertencia.
Havia levado a sério as dicas de moda do livro que ganhara de Natalie e sempre escolhia suas roupas com mais atenção antes de sair de casa. Por isso, havia desenvolvido um estilo mais leve e casual, usando roupas claras, simples e peças que não tinha antigamente, como blazers, jaquetas e sobretudos.
Às vezes mandava as fotos para Ada julgar e dizia que ela podia mandar para Natalie. O feedback vinha em forma de áudio e muitas vezes ria dos comentários sarcásticos da engenheira, que elogiava suas escolhas com bastante... peculiaridade.
Será que algum dia ela daria o braço a torcer e pararia de odiá-lo? Não que fizesse questão, mas... Havia algo em Natalie que era meio hipnotizante. Ela emanava um poder estranho e fazia todos quererem ser seus amigos. O problema era que ela não gostava de ninguém além de Ada.
As roupas não preocupavam-no tanto, pois já havia tornado-se menos... orgulhoso, como Marc desejava. Graças ao curso de administração havia aprendido técnicas de marketing e finanças suficientes para lucrar ainda mais com a floricultura e a cafeteria. Graças à Ada o Café das Flores era um sucesso na cidade e pessoas de diferentes classes sociais frequentavam o lugar.
Mesmo que já estivesse familiarizado com aquela vida mais luxuosa, ainda achava esquisita aquele gosto de Marc pelas boutiques. Eram marcas únicas com designs exclusivos, geralmente assinadas por algum estilista famoso e excêntrico. As roupas possuíam bordados em ouro, eram feitas de tecidos sofisticados e tinham tons pastéis.
A loja onde estavam era especializada em roupas para bebês. Archie perguntou-se quanto tempo Marc ficou procurando aquele lugar no mapa, pois ele só comprava roupas em lojas específicas que agradassem ao seu gosto (gosto por gastar dinheiro, Archie pensava, mas não podia negar que ele tinha estilo, um estilo fechado e escuro, mas mesmo assim, estilo).
Fez uma carícia em Marie e tentou alongar as costas, que doíam por estar segurando a pequena, enrolada em seu peito como um canguru.
Ela estava presa por um acessório que facilitava as saídas com bebês, o "canguru ergonômico". Era uma cadeirinha de tecido que pendia como uma mochila dos ombros de Archie.
Queria entregá-la para Marc e, assim, descansar um pouco, mas ele já estava entretido com algumas araras de roupas, pegando um conjunto atrás do outro e colocando-os na sacola rosa da loja.
O cheiro de morangos da loja combinava com o mármore rosa-claro do piso. Era uma fragrância adocicada que aumentou sua vontade de comer um doce.
Aquele era o poder do design olfativo do qual Ada havia falado para Archie. Sempre lembraria daquele cheiro como o odor característico daquela loja. Era uma forma inteligente de criar lembranças e conectá-las a um lugar específico.
━Com licença, o senhor precisa de ajuda?
Archie virou-se e encontrou um rapaz jovem que vestia um uniforme bonito, uma camisa branca com uma gravata rosa-bebê e calças pretas. Cumprimentou-o com um sorriso e perguntou:
━Há alguma roupa que combine com essa mocinha?
Archie beijou Marie na testa e segurou uma das mãozinhas dela, que bocejou. O rapaz riu e assentiu antes de dizer:
━Claro, temos muitas roupas lindas para ela. A nova coleção acabou de chegar.
━É mesmo?
Seguiu o funcionário pela loja e foi levado até uma arara dourada e centralizada. Todas as peças da mesma possuíam etiquetas douradas e com glitter. As roupas eram variadas: vestidinhos, macacões, shorts, blusas... Todas eram coloridas e cheiravam a morangos.
━Esse vestido, por exemplo, veio com um selo de exclusividade. Só há uma peça no mundo inteiro.
━Uau, -Archie ficou boquiaberto, pegou o cabide para o qual o rapaz estava apontando e analisou a roupa
Era um vestido com babados delineados por um fio dourado. A gola possuía algumas pedras bordadas e uma renda dourada delineava a saia da roupinha.
Por força do hábito, Archie olhou para a etiqueta. Os olhos quase saltaram do rosto.
O valor estava na casa dos milhares. Muitos milhares.
O atendente, ao perceber a reação do cliente, comentou:
━É uma peça cujo valor é alto por conta dos cristais bordados na gola e dos fios de ouro da saia. Entendemos que alguns clientes não queiram colocar tanto valor na roupa dos seus filhos, mas o senhor não acha que a sua filha merece?
Archie recuperou-se do choque, engoliu em seco e deu um sorriso amarelo. Então percebeu que o rapaz havia achado que Marie era sua filha.
Um sentimento estranho invadiu-o. Imaginou-se cuidando de um bebê ao lado do marido, levando-o para passear, esperando Marc com ele no colo... As cenas eram bastante fantasiosas e precisou balançar a cabeça para afastá-las.
O rapaz apontou para Marie e disse:
━Ela é muito bonitinha, se quiser ficar mais à vontade temos um espaço para bebês e...
━Archie.
Marc aproximou-se, carregando uma sacola tão cheia que estava quase transbordando com tantas roupas. Pela expressão facial, ele não parecia nada feliz com o jeito simpático do funcionário. Este, um pouco aterrorizado ao ver aquela carranca em um cliente, disse:
━Senhor, boa tarde. Posso ajudá-lo?
━Sim.
Marc arqueou uma sobrancelha, apontou para o vestido que Archie segurava e disse:
━Vou levá-lo.
━Marc, -Archie segurou o braço do marido, deu um sorriso forçado e sussurrou: é muito caro.
━Eu achei bonito.
━Mas...
━Vamos levá-lo, -decidiu.
Quando foram ao caixa, Archie tomou coragem antes de olhar para o total das compras. Ao encarar a tela, ficou boquiaberto. O valor era... exorbitante! Involuntariamente começou a pensar nas coisas que poderia comprar com aquele dinheiro, se fosse pobre.
Marc tirou o cartão da carteira com uma expressão facial neutra. Ele parecia calmo, decidido e nem um pouco abalado pelo dinheiro que gastaria ali. Mas era de se esperar, Archie pensou, pois ele não tinha nenhuma noção de gastos.
Não fazia sentido para Marc economizar e o mais novo pensou em quantas pessoas gostariam de serem tão privilegiadas como o marido...
Não gostava quando ele gastava tanto, sendo que não havia necessidade de fazê-lo. Ainda mais ao comprar um vestido com cristais para um bebê!
Assim que saíram da loja, Archie olhou para Marc, que espreguiçou-se e observou Marie de cima com um semblante sério.
━Marc, você gastou o equivalente ao preço do seu carro nessa loja. Não precisava ter comprado tantas roupas, sua irmã vai crescer rápido.
O outro gesticulou vagamente e revirou os olhos.
━Foi um gasto desnecessário, Marc! -o mais novo insistiu- Um vestido com cristais é um absurdo. Não faça mais loucuras como essa.
━Archie, sabe que pode comprar o que quiser com o cartão que eu te dei. Por que não me deixa fazer o mesmo com o meu cartão?
Archie sentiu o rosto ficar quente e uma irritação cresceu em seu interior. Olhou para o outro com surpresa, raiva e incredulidade no semblante. Marc não pareceu entender a gravidade do que havia falado.
━Você não tem noção de que comprou coisas desnecessárias? Justamente porque é o seu dinheiro eu não compro nada tão exorbitante assim no cartão que me deu.
━Dinheiro é para ser gasto, -Marc disse com impaciência, tentando controlar a voz e uma possível briga.
━Dinheiro é para ser gasto com inteligência. Muita gente não ganha sequer o mínimo para sobreviver.
Aquela ostentação várias vezes fazia Archie sentir-se culpado consigo mesmo, justamente por saber que haviam pessoas que não possuíam nada.
━E o que você quer que eu faça? Quer que eu distribua dinheiro à domicílio?
O tom cortante da voz do mais velho deixou Archie ainda mais irritado. Sem pensar direito, tirou o acessório "canguru" dos ombros e entregou Marie para o irmão.
Marc foi obrigado a pegá-la rapidamente, de olhos arregalados e, quando encarou Archie, viu-o caminhando em direção ao carro. A irmã começou a chorar em seus braços.
━Merda, -sussurrou o palavrão.
Olhou para a irmã com pavor. Lágrimas escorriam do rostinho pequeno e rosado. Balançou-a nos braços sem nenhum jeito e alguns transeuntes encararam a cena com estranhamento. Ele parecia desesperado com a situação. E irritado, claro.
Ela estendeu os bracinhos em direção ao rosto do irmão enquanto emitia um choro alto e agudo. Marc franziu o cenho e abaixou a cabeça. Rapidamente Marie agarrou-se aos seus cabelos, enrolando-os nos dedos. Imediatamente ela parou de chorar e começou a rir.
Marc suspirou, semicerrou os olhos e murmurou:
━Não vou poder cortar meus cabelos pelo jeito.
Começou a caminhar até o carro de maneira desajeitada, com a cabeça inclinada para baixo. Se tentava afastar-se, Marie recomeçava a chorar.
Ainda tinham um passeio para fazer, ao zoológico. E precisava lidar com Archie e os assuntos sobre os quais não entendia. Por que ele ficava tão irritado? Era só dinheiro!
_____
O percurso de carro até o zoológico ocorreu em silêncio. Não ousaram falar um com o outro, mesmo que o clima entre ambos fosse pesado e quisessem resolver aquele conflito logo.
As sacolas da loja empilhavam-se no banco de trás, ao lado da cadeirinha de Marie.
Estacionou dentro do lugar e, quando saíram do automóvel, percebeu que Archie estava emburrado. Este carregou Marie até um carrinho de sorvetes e Marc precisou correr para alcançá-los. Pagou pelos sorvetes que Archie escolheu e pegou um de limão para si.
O mais novo não parecia querer conversar. Marc caminhou ao lado dele enquanto tomava o sorvete. Era azedo, mas gostou. Archie deu uma colherada do próprio doce para Marie.
━Ela pode comer isso? -Marc perguntou
━Não sei, por que não pesquisa na internet?
O tom irritado deixou o engenheiro boquiaberto. Geralmente era o contrário, era ele quem ficava irritadiço e falava coisas rudes. Engoliu em seco e resmungou baixinho, chutando algumas pedras do caminho.
Caminharam até o aquário, que era uma interseção de túneis escuros iluminados apenas pela água límpida e cheia de peixes coloridos.
Os olhos de Marie se arregalaram assim que ela chegou perto do vidro. Havia surpresa e curiosidade em seus olhos pequenos. Observou os peixes nadando para lá e para cá, movendo a cabeça conforme moviam-se. Bateu palmas quando um peixe vermelho encostou-se no vidro.
Marc pigarreou e pôs as mãos nos bolsos do casaco Chesterfield preto que usava. Archie encarou-o, sabendo que ele iria falar algo.
━Eu não entendo por que você fica preocupado com dinheiro.
━É porque eu já fui pobre. Ver você gastar tanto em coisas desnecessárias me faz pensar em tudo o que eu poderia ter comprado com aquele dinheiro, quando eu não tinha muita coisa.
Archie suspirou e fechou os olhos. Respirou fundo e ponderou por alguns instantes sobre o que havia dito ao outro na saída da loja. Então percebeu que havia reagido de maneira exagerada e olhou para o marido com arrependimento. Finalmente, disse:
━Eu tenho essa tendência de comparar as situações e de me colocar no lugar dos outros.
━Se eu não gastar com vocês dois, com quem eu vou gastar? É para isso que eu trabalho.
Marc disse aquilo com impaciência e Archie sorriu, inclinou-se e beijou-o rapidamente nos lábios.
━Acho que você tem razão. O dinheiro é seu, desculpe, -deu um sorriso desconfortável.
O outro franziu o cenho e corrigiu-o:
━O dinheiro é nosso.
━Eu acho que... -Archie mordeu os lábios e ficou vermelho- Poderíamos ajudar uma instituição todos os meses. Eu gosto de ajudar os outros. Teria ficado muito feliz se alguém tivesse pagado as contas para mim antigamente.
Marc permaneceu com a boca aberta e o cenho franzido, então perguntou:
━Você quer que eu ofereça um empréstimo para quem não tem dinheiro?
Archie ficou encarando-o com perplexidade e balançou a cabeça. Ele não entendia mesmo o que era passar necessidades e não sabia se conseguiria fazê-lo entender. Além do mais, o dinheiro não era seu para decidir o que fazer com ele.
Prestar ajuda era algo que precisava partir do coração, sem exigir nada em troca. Era doar com o único propósito de ser solidário e diminuir o sofrimento de alguém. Mas Marc não era uma pessoa tão empática assim.
O mais novo suspirou, segurou a mão do marido e disse, com certo cansaço:
━Vamos ver as girafas.
Marie bateu palmas, como se soubesse o que estava prestes a ver.
_____
Enquanto Marie estava sentada na cadeirinha brincando com um pedaço de massa de bolo, Archie cuidava dos cupcakes no forno. A casa estava muito silenciosa e olhou com estranhamento para o segundo andar.
No dia anterior haviam tido uma discussão estranha por dinheiro, mas tinham se resolvido. Na noite anterior Marc havia ficado mais silencioso e tinha passado horas no escritório recém-decorado. Agora ele havia subido há tempos e não tinha retornado. Eram quase 7 da noite...
Pegou Marie no colo e subiu os degraus silenciosamente. Ouviu uma voz estranha vinda do banheiro. Sem fazer barulhos, espiou pelo vão da porta, que estava entreaberta.
Em frente ao espelho do banheiro, Marc estava lendo um livro numa voz que não combinavam em nada com a personalidade dele, pois era forçada, animada e extrovertida.
Archie precisou pôr uma mão na boca para conter as risadas. Foi Marie quem entregou seu esconderijo, pois ela riu ao ver o irmão arregalar os olhos para si mesmo no espelho.
Aquela foi a primeira vez que Archie viu Marc completamente vermelho e sem reação. Fechou a porta e falou alto:
━Não vimos nada, continue!
_____
Após comerem uma massa de um restaurante próximo e provarem um pedaço de bolo quentinho, foi a hora de colocar Marie para dormir. Colocaram-na no berço e sentaram-se na poltrona do quarto dela.
Whiskey entrou no quarto e sentou-se, encarando os donos com certo ciúmes daquela criança nova. Marc chamou-o com a mão e o gato deitou-se aos seus pés de barriga para cima para receber carinho.
Archie pegou o livro. Marc respirou fundo e cruzou os braços.
━Quer ler? -o mais novo perguntou.
Marc negou.
━Já sei! Por que não lê as narrações e eu faço os diálogos?
O outro ponderou e assentiu com a expressão neutra. Archie beijou-o na bochecha e começaram a ler a história. A leitura fluiu bem, pois estavam confortáveis com seus papéis de narrador e personagem.
Marie escutou tudo em silêncio, com atenção redobrada. Mas, como recém havia comido, logo ela dormiu.
Do lado de fora, Archie abraçou o marido pela cintura. Não havia adiantado de nada ter treinado no espelho e Marc sentiu-se patético por ter sido pego, horas atrás, fazendo aquilo.
━Amo você. Amo ver você junto da sua irmãzinha, cuidando tão bem dela.
━Não confio nos meus pais para cuidarem bem dela.
Marc suspirou e tirou um envelope do bolso. Estendeu-o para Archie, que arqueou as sobrancelhas, sem entender.
━Pensei sobre o que você disse. Abra.
Ele abriu o envelope e, ao ler o conteúdo do papel, ficou boquiaberto.
━Você vai doar tudo isso para...
━Para essa instituição que ajuda pessoas a pagarem moradias, aluguéis e comida.
Marc olhou para cima de maneira desconfortável e Archie abraçou-o pela cintura.
━Isso é incrível, Marc. O que você acha de ajudarmos pessoalmente também?
━Isso não é suficiente? -ele pareceu constrangido e Archie deu um sorriso.
━Não estou dizendo que não é, só acho interessante você conhecer outras realidades.
━Eu conheço outras realidades, eu assisto televisão;
━Mentiroso! Você só joga videogames chatos na TV. E assiste programas de qualidades duvidosa.
━Quais? -provocou-o com uma sobrancelha erguida
Archie estreitou os olhos, tentando lembrar-se, e disse:
━Fórmula 1. E reality shows sobre desfiles de moda!
━Esses programas têm qualidade duvidosa? -Marc deu um sorrisinho irônico
━Sim!
━Quem disse que eu vejo por causa da qualidade?
━É pelos carros e pelas modelos então? -Archie arqueou tanto as sobrancelhas que Marc começou a suar
━Talvez.
Recebeu um beliscão no braço. Marc segurou-o pelos pulsos e beijou-o com força na boca, sem dar-lhe chances de espcapar.
Archie começou a rir em meio ao ato e o outro aproveitou para pegá-lo pela cintura. Então sussurrou:
━Se você quiser ajudar pessoalmente eu irei. Mas não espere muito de mim.
Aquela última parte saiu quase num grunhido e Archie abraçou-o pelo pescoço, colando o corpo ao dele, que já estava quente e pronto para lhe fazer feliz.
━Você sempre me surpreende positivamente.
━Eu... -Marc afastou-se, olhou-o diretamente e, sem piscar, seriamente, disse: Amo você. Eu faria qualquer coisa por você.
Archie engoliu em seco, surpreso com a declaração, e abriu o sorriso mais largo que conseguiu, para expressar todo o amor que sentia pelo marido. Por fim resolveu provocá-lo.
━Qualquer coisa? -sugeriu sugestivamente e desceu as mãos pelo traseiro de Marc, que franziu o cenho e revirou os olhos.
━Qualquer coisa, menos isso.
━Por quê? -fez um biquinho ao olhá-lo e adorou vê-lo perder a compostura ao encarar seus lábios.
━Não sou tão fácil assim, Archie.
O mais novo quase gargalhou. Ele era bastante fácil...
Abraçados e atentos à babá eletrônica, foram para a cama sabendo que no dia seguinte Marie iria embora e provavelmente sentiriam falta dela. A casa ficaria vazia sem a pequena, que já fazia parte de suas vidas. Entretanto, Whiskey sabia ser uma criança também, então alternariam os dias sendo babás do gato para, aos finais de semana, serem babás de Marie. Era uma rotina agitada e empolgante para o casal jovem.
_____
Archie acordou tarde e, quando desceu para tomar café de manhã, encontrou Marie usando o vestido de cristais e fios de ouro. Ela engatinhou em sua direção e abraçou suas pernas. Pegou-a nos braços e girou pela sala até Marc, que estava na cozinha.
Em cima do balcão havia uma bandeja com um omelete, torradas, frutas e suco.
Marc tinha desenvolvido aquele estranho hábito romântico de levar café da manhã na cama para Archie aos domingos. Estranho porque era Marc e romantismo não combinava muito consigo, mas ele se esforçava.
━Meu mordomo se atrasou hoje? -Archie brincou, rindo
━Você acordou tarde. Pode comer.
Archie pegou um garfo, segurando Marie com uma das mãos, e provou o omelete. Ele sempre esquecia de colocar sal, mas nunca dizia nada. Assentiu e comentou:
━Está muito bom.
Marc fez uma expressão cética, bebeu um pouco do próprio café e disse:
━Ela adorou o vestido.
Marie estendeu os braços em direção ao irmão, que largou a xícara no balcão e segurou-a. A pequena, para surpresa dos dois, inclinou-se e puxou a xícara para si, querendo beber e imitar Marc.
O café derramou-se pelo vestido, manchando-o quase completamente. Archie ficou boquiaberto e o único comentário de Marc foi:
━Ainda bem que não estava quente.
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