Caminharam bastante até chegarem à casa de Nícolas, que era uma construção simples e moderna de dois andares. Na varanda havia uma rede pendurada entre dois pilares, um banco de madeira e vários livros em cima. Ao aproximar-se, Julian pegou o primeiro em mãos e leu o título, com o cenho franzido:

━Anatomia de equinos.

━Não sabe que é falta de educação mexer nas coisas dos outros?

O tom dele foi divertido, mas suas sobrancelhas franzidas indicavam certa curiosidade. Julian largou o livro e levantou as mãos para o alto.

━Desculpe, senhor policial das boas maneiras. -revirou os olhos

Nícolas lhe encarou com tanta intensidade que começou a suar. Engoliu em seco, sentindo-se estranho por estar sendo analisado naquele silêncio constrangedor. Pôs as mãos nos bolsos da bermuda e apontou, com o queixo, para a casa.

━Vai me convidar para entrar?

━Não precisa, você já se convidou para vir.

Julian pensou em replicar, mas respirou fundo e relaxou os ombros. Estava com saudades de fumar...Desde que os pais haviam confiscado a maconha que tinha nunca mais havia fumado. Mas ali, no meio do campo, na tranquilidade e paz da natureza, adoraria ter seu amado cigarro de volta...

Nícolas encarou-o com estranhamento, virou as costas e subiu o lance pequeno de degraus que levava até a entrada. Girou a maçaneta e foi seguido por Julian ao entrar.

O surfista reparou que o interior da casa possuía uma decoração rústica, com vários móveis de madeira e plantas decorando o ambiente. Havia uma televisão pequena e de plasma na parede e, embaixo, um aquário grande com peixes lindos. Aproximou-se e observou os animais nadando de um lado para o outro.

Nícolas largou a chave em cima da mesa e, ao olhar para o outro, viu-o encarando o aquário de perto, como se tivesse a visão limitada. Perguntou-se quantos anos ele teria. Mentalmente uns 12, pensou.

Foi até a cozinha, abriu a geladeira e tirou dela duas cervejas de garrafa. Quando voltou à sala, Julian estava segurando um porta-retrato. Aproximou-se, entregou-lhe a cerveja e espiou a foto. Era uma fotografia de família, de 5 anos atrás.

━Nessa foto eu tinha recém começado a cursar medicina veterinária. -comentou

Julian sorriu enquanto encarava a foto. Ada estava abraçando Nícolas, beijando sua bochecha, e os pais estavam atrás, sorrindo com orgulho para a câmera.

━A família de vocês parece ser maneira.

━Nossos pais são legais, não muito divertidos, mas carinhosos.

━Normais. -Julian sussurrou a palavra, pensando na própria família

Havia sido praticamente criado pela babá. Os pais eram envolvidos demais na política para cuidar do filho menor. Quem havia recebido carinho e atenção haviam sido os irmãos maiores. Mas gostava dos pais, mesmo que eles não gostassem muito de si e fazia tudo para agradá-los. Os irmãos eram exemplos a serem seguidos, pois sempre iam aos comícios e apareciam como filhos perfeitos... Julian tinha feito a faculdade que eles queriam e achava que assim que terminasse seria tratado com um pouco mais de afeto. Mas quando formou-se começou a receber comentários contínuos, dizendo que precisava arranjar um emprego... Mas odiava o curso que tinha feito e seu único desejo era surfar e viver perto da praia.

━Seus pais são legais?

━Não. -respondeu rapidamente e deu um sorrisinho amarelo- Fico surpreso quando conheço famílias como a sua. Mas a Ada é uma princesa, lógico que os pais de vocês seriam ótimos. -começou a divagar

Nícolas arqueou as sobrancelhas, sorveu um gole da cerveja, intrigado com o elogio que ele tinha feito à irmã.

━Ada é uma princesa? -repetiu a pergunta

Julian arregalou os olhos e encarou-o com apreensão. Nícolas tinha um sorrisinho torto no rosto, semblante de quem pedia uma explicação. Ele era tão parecido com Ada... Mas era uma versão irritante dela.

━É, sempre chamei ela assim. -deu de ombros com nervosismo e virou um pouco a garrafa na boca, decidido a não contar sobre o curto namoro que tivera com a loira- Essa cerveja é boa, cara. É artesanal?

━Claro que não, é a mais barata que encontrei. -respondeu como se fosse idiota

Julian fez uma careta e olhou novamente em volta. O lugar era simples, muito diferente da casa principal, onde o grupo maior estava.

━Por que mora aqui? Sua casa é mais simples do que a principal. Não que isso seja um problema.

━Não gosto daquelas frescuras de gente rica. Quando meus pais começaram a ganhar dinheiro continuamos levando uma vida humilde, mas se mudaram para a cidade e eu resolvi ficar aqui. Prefiro a tranquilidade da fazenda e dos bichos, também odeio gente esnobe.

━Maneiro - deu um sorriso nervoso.

Nícolas suspirou e continuou bebendo a cerveja. Reparou mais em Julian, no quanto os olhos verde-olivas combinavam com a pele bronzeada e os cabelos cor de cobre... Seus ombros eram largos e musculosos e podia ver a marca do sol por baixo da regata que usava. Gostou do jeito como os olhos dele eram gentis e brincalhões. Poderia divertir-se com ele. Fazia tempo que não ficava com homens... Julian parecia ser tranquilo e, ao mesmo tempo, atrapalhado. Resolveu começar um assunto qualquer com ele.

━Você fuma?

A pergunta pegou Julian de surpresa. Bebeu mais da cerveja e assentiu rapidamente.

━Sim.

━Que tipo de cigarro você fuma, Julian?

Um sorrisinho travesso espalhou-se pelos lábios de Nícolas. Julian coçou a cabeça, nervoso com o olhar cor de avelã penetrante dele. Os cabelos loiros possuíam ondulações nas pontas e caíam na altura do ombro. Por um momento perdeu-se no semblante dele, até que Nícolas ficou impaciente.

━Você é um pouco lerdo, não?

Julian começou a rir e balançou a cabeça.

━Foi a minha erva preferida que me expulsou de casa.

Nícolas abriu um sorriso ainda mais largo e semicerrou os olhos.

━Então precisa ver minhas plantinhas.

Foi a vez de Julian sorrir largamente. Bebeu o resto da cerveja e, como uma criança, exclamou:

━Vamos ficar chapados!

_____

Minutos depois, após fumarem dois cigarros de maconha, começaram a rir sem parar. Julian secou os olhos, que estavam lacrimejando e tragou pela última vez a erva que Nícolas havia colocado no papel, o qual ele enrolou e lhe entregou. Era boa, talvez a melhor que já houvesse tragado. O irmão de Ada tinha dito que era natural, mas não sabia o que aquilo significava... Será que estava fumando ervas falsas sem saber? Começou a rir ao pensar naquilo.

Nícolas largou o cigarro e soprou para cima a fumaça. Estavam próximos, lado a lado encostados na parede. Não entendeu porque estavam daquele jeito e achou engraçado. Nas paredes viu quadros de cavalos e achou-os estranhos. Um dos cavalos lhe lembrou de Marc.

Nícolas deu uma risadinha e encostou a cabeça na parede, ao seu lado. Estavam em pé, mas queria muito deslizar até o chão.

━Me diga, Julian, o que acha dessa planta?

Ele afastou-se, pegou um vaso com uma planta parecida com a cannabis e Julian fez uma careta ao tocar suas folhas. Eram tão verdes... Fechou os olhos com um sorriso largo, sentindo a textura da planta.

━Qual o nome dela?

━Bernadete.

Gargalharam e suas risadas ecoaram por toda a casa. Quando pararam, ofegantes, tossindo e lacrimejando, houve uma mudança no clima do ambiente.

Nícolas tirou o vaso de suas mãos, encarou-lhe com as sobrancelhas loiras unidas. Os olhos dele eram castanhos... Os de Marc também eram, pensou com surpresa. O coração começou a acelerar e uma alegria estranha espalhava-se cada vez mais por seus pensamentos. Sentia-se quase eufórico.

━Sei que está chapado, mas eu quero te beijar.

Julian arqueou as sobrancelhas com surpresa e começou a rir e a falar coisas desconexas.

━Que estranho, cara. Quando eu estava na faculdade eu senti vontade de...

Foi naquele momento que o coração de Julian acelerou, mesmo que o corpo continuasse letárgico. Arregalou os olhos quando Nícolas segurou sua cintura. Um arrepio eletrizante espalhou-se por sua espinha. Em segundos os lábios dele tocaram os seus.

Eram suaves e nada bruscos como tinha imaginado que seriam. Tinha imaginado-se beijando um homem? As perguntas pipocaram em sua mente e permaneceu estático, sem saber como retribuir ao beijo direito. Onde deveria colocar a mão? No ombro dele? Na cintura? Ele era da mesma altura... Começou a ficar nervoso e não conseguiu curtir direito o beijo, porque, ao olhar para a janela, viu um par de olhos puxados e amendoados lhe encarando com divertimento. Leonard cobriu a boca, rindo, e em seguida afastou-se, balançando a cabeça.

Julian empurrou Nícolas, que lhe xingou.

━Qual o seu problema?

━Leonard nos viu.

━Quem é Leonard?

━Não importa. -relaxou os ombros e pegou o cigarro novamente, tragando-o na esperança de acalmar-se

Será que ele diria algo aos amigos? A Marc? Com certeza seria zoado por ele, pensou. Mas sentia uma atração estranha pelo amigo, que não sabia explicar. Jamais atrapalharia o relacionamento dele com Archie, até porque era impossível, Marc era leal demais... Mas podia ter aproveitado as chances que tivera, na faculdade, pensou com chateação. Estava pensando em coisas sem nexo e distantes por conta da droga, que tinha lhe deixado feliz e que agora lhe traziam uma paranoia estranha.

Nícolas aproximou-se, com o semblante duro e impaciente.

━Quer me beijar de novo?

A pergunta saiu ríspida e indiferente. Julian reparou no rosto bonito dele e desviou o olhar. Ele era um pouco grosso igual ao amigo, pensou e quase começou a rir... Deveria estar muito chapado para fazer aquele tipo de comparação. Mordeu os lábios e surpreendeu-se com o toque dele em sua cintura.

Nícolas gostou de sentir os músculos da barriga dele. Colocou a mão por baixo da regata e apalpou-o com destreza. Julian encolheu-se, com os olhos arregalados. Ao encarar seu semblante, surpreendeu-se ao encontrar choque ali. E inexperiência. O rosto bronzeado estava vermelho e suado.

━Certamente já ficou com homens? -indagou, com choque

━Como assim certamente? -perguntou, ofendido

━Porra. Não acredito que você é virgem.

━Não sou virgem! Só porque nunca fiquei com homens sou virgem?!

Nícolas revirou os olhos com irritação.

━Eu pensei que iria me divertir com você.

━Me chamou para cuidar do cavalo com segundas intenções?!

━Também. Você quer transar comigo ou não, Julian?

Julian olhou-o como se estivesse louco.

━Não! Transar é muito... É demais! Eu acabei de beijar um cara pela primeira vez.

━E você gostou?

━Não prestei atenção.

Nícolas ficou boquiaberto e irritado. Apertou as mãos em punho e empurrou-o para a parede. A boca ficou a centímetros da dele. Segurou seu queixo com firmeza e disse:

━Talvez dessa vez você preste atenção.

Sua boca cobriu a de Julian num beijo bem mais intenso do que o primeiro. O surfista arregalou os olhos, mas fechou-os em seguida, tentando aproveitar o momento. Um arrepio gostoso percorreu sua barriga ao ser tocado novamente no abdômen. RIu em meio ao beijo e teve os lábios mordidos levemente. A língua dele insinuou-se por sua boca e abriu-a para acomodá-lo, deixando-o conduzir o ato.

Quando Nícolas afastou-se, ofegante e vermelho, Julian piscou várias vezes, sorrindo.

━E então?

━Foi bom.

━Só bom?

━Eu estou chapado. Promete que vai me dar um pouco da sua erva depois? É muito boa.

Nícolas afastou-se, incomodado com a mudança de assunto e assentiu. Mas Julian segurou seu pulso e entrelaçou seus dedos. Olhou para as mãos unidas e encarou-o com estranhamento.

━Por acaso você é do tipo romântico?

━Não, eu não sei porque fiz isso. -resmungou e soltou-o, constrangido

━Acho melhor voltar para junto de seus amigos.

━Mas você me ofereceu um emprego antes... -resmungou, sorrindo bobamente

━Quer ser meu assistente? -um sorriso travesso espalhou-se pelo rosto do irmão de Ada

━Sim. Não tenho para onde ir e acabo de descobrir que gosto de homens.

Julian recomeçou a rir e a gesticular. Nícolas suspirou, aproximou-se e tirou o cigarro de seus dedos.

━Começa na segunda-feira de manhã.

━E onde vou dormir? -olhou em volta, sem entender

━Comigo. Ou no chão, você escolhe.

Julian encarou-o, vermelho, e deu um sorrisinho brincalhão. Ele era bonito... Mas estava tímido, não sabia como conversar com ele direito, nem o que podia e o que não podia fazer. Queria tocá-lo, pois nunca tinha tocado um homem... A possibilidade dançou em seus pensamentos. Será que ele malhava? Quis descobrir, mas ele poderia lhe achar idiota e ridículo. Poderia fazer piadas, talvez ele fosse rir das suas idiotices e esquecesse que era inexperiente naquela área masculina.

━Com você. -respondeu, hipnotizado pelos olhos cor de avelã que lhe lembravam outros pares conhecidos

━Logo não será mais virgem então. -Nícolas arqueou as sobrancelhas

Julian deu uma risadinha e, sem perceber, encostou o rosto no ombro ele, que ficou estático, surpreso com o gesto.

━Vai me ensinar essas coisas? Sou um bom aluno.

━Vá tomar um banho, ou voltará com cheiro de maconha. -Nícolas empurrou-o para o pequeno banheiro da casa

Lá dentro, Julian tirou as roupas pensando no beijo que acabara de experimentar. A boca ainda formigava e estava extremamente feliz, com a cabeça rodando. Sabia que quando o efeito passasse suas preocupações voltariam, mas por enquanto estava eufórico com a própria descoberta, que não lhe deixava muito chocado. Nícolas era bonito igual Ada e irritado como Marc.