Cinza - CAPÍTULO DEZ
"O céu já foi azul, mas agora é cinza."
Russo, Renato
CAPÍTULO DEZ
Meu aniversário tinha acabado. Meus pais ficaram para organizar a bagunça que tinha ficado. Eu me ofereci para ajudar, Papai outra vez me enxotou do cômodo e disse que até a meia-noite eu ainda estava em um dia especial e que eu não precisava me preocupar com nada. Se fosse fácil assim, tudo bem.
Encaro os presentes que ganhei de meus pais, de Arthur e de Tadeu. Não quis abri-los perto deles. Qual devo abrir primeiro? Minhas mãos tremiam e ficaram suadas. As enxuguei no meu jeans. Meus batimentos cardíacos aumentaram quando eu olhei para o presente embrulhado com o papel da mesma cor que minha fita. Escolhi ele para ser o primeiro.
Puxei a lateral do papel sem danificar o embrulho. Retirei por completo o papel azul. Era de fato uma caixa. Feita em MDF e no formato de um livro. Abri e encontrei alguns materiais para pintura. Pincéis de vários tamanhos e alguns tubos com tintas de cores que eu nunca usara ou tinha visto antes. Eram tons brilhantes. Não neons, mas com partículas que brilhavam. Tipo glitter, mas não sei se era bem isso. Ah, claro que eu abri os tubos para conferir a cor.
Peguei os pincéis entre meus dedos, testei a maleabilidade. Eram ótimos. Se a varinha escolhe o bruxo, posso dizer que o pincel escolhe o pintor. Apertei os pincéis contra meu peito. Eu jamais vou usá-los. É como se fossem uma extensão de Tadeu e alguma parte de mim dizia que se eu os danificasse poderia estar ferindo ele de algum jeito. Guardei os pincéis e os tubos dentro da caixinha novamente e a coloquei do lado.
Peguei o presente do Arthur. Eu ainda estava convicto de que era uma bola. Vamos torcer para o bem dele que não seja uma. Ao abrir tive de morder a língua. Era uma esfera de plasma e dentro de um invólucro redondo. Com cuidado o coloquei em cima do meu criado mudo. As cores violáceas brilhavam. Sorri por meu colega ter pensado em algo que eu não amaria, mas também não odiaria. Eu até que curti.
Meus pais me deram um livro de arte moderna. Era um que eu estava de olho fazia algum tempo. Nem me lembro se comentei com eles ou se adivinharam sozinhos. Adorei. À noite irei folhear ele com calma. Agora eu preciso pensar sobre o que estou sentindo a cerca de Tadeu. Queria conversar com alguém, mas não sei a quem recorrer. Não falo com ninguém que não seja meus pais e agora Arthur e Tadeu. Esse último eu poderia riscar da lista. Nem pensar que irei falar dele com ele mesmo.
Não agora pelo menos.
Peguei a caixinha que ganhei de Tadeu e coloquei sobre meu colo. A abri mais uma vez e olhei os pincéis e tintas com atenção. Ele se lembrou que eu gosto de pintar e me trouxe algo relacionado a isso. Senti um friozinho em meu estômago. Que dúvida! Abracei a caixinha e fiquei assim um tempo. Não percebi quando foi que eu adormeci.
Lembro que tive um sonho e Tadeu estava lá.
*****
— Pela decisão da Comissão de Jogos Interescolares, ficou decidido que os torneios de vôlei começarão aqui em nossa escola! — Marinho, que era o professor de educação física do ensino médio, gritava no meio da quadra. Sem necessidade, já que ele falava mais alto que o próprio diretor. — E para comemorar a abertura dos Jogos, que venha o nosso time!
Houve uma explosão de palmas dentro da quadra antes dos jogadores entrarem. Arthur e eu estávamos na arquibancada próximo da entrada. Vimos quando os meninos começaram a entrar e bater as mãos dos torcedores mais próximos. Eu torcia para conseguir bater a mão de Tadeu, por motivos que não sei. Ou talvez eu soubesse e de fato quisesse.
Desanimei, em meio a tanta gente provavelmente ele nem fosse me ver. Continuei em pé, só não olhei para os jogadores. Senti uma presença próxima de mim.
— Que bom que veio. — Tadeu bateu em meu ombro e correu para a quadra.
Uma química estranha percorreu meu corpo. Meio que entrei em transe por alguns segundos, pois nem vi quando o time da outra escola entrou para competir com o time da nossa. Em minha cabeça eu via cores cintilantes formando nuvens coloridas e bolhas de sabão que inflavam até explodirem em centelhas brilhantes. Despertei quando Arthur assoviou e o som estridente quase fez meus tímpanos estourarem.
A galera dos dois lados das arquibancadas começou a gritar e ovacionar os garotos. Eu vi quando Sasha corria para o final da quadra e falava alguma coisa para dois meninos que deviam ser do nono ano. Olhei para o lado e vi algumas meninas gritando pelos rapazes. Eles acenavam e mandavam beijos para elas. Tadeu e Rico rebolavam para duas delas que iam à loucura.
Algo dentro de mim desaprovou esse comportamento dele. Era como se o que ele estivesse fazendo para elas deveria ser feito para mim ou não fosse feito.
— Garotos, parem com isso! — berrou o professor Marinho e eles correram rindo.
Pareciam duas crianças. Disso eu achei graça e ri baixinho.
— Vamos! — gritou Arthur ao meu lado. — Vai cara, grita também.
Eu não iria gritar. Falar baixo já era forte demais para mim. Sasha deu alguma ordem para o time. Logo depois eles fizeram um aquecimento e começaram a correr. Passaram por entre os bancos e vieram para o nosso lado. Entendi que iriam dar a volta dentro da quadra. Tadeu passou por mim e piscou. Seu cabelo esvoaçava e ele agitou os braços para cima, pedindo palmas e o agito da galera.
Minha respiração acelerou e não consegui evitar.
— Vai, Araras! — gritei pelo nome do time.
Arthur me olhou assustado. Eu também me olharia assustado. O que estou fazendo? Tadeu se virou para mim, sorriu e balançou a cabeça. Aquilo fez meu coração inflar. Foi impossível eu não sorrir de volta. Não sei explicar direito, mas ele me proporcionava uma sensação boa. O time adversário também deu uma volta ao redor da quadra para se aquecerem. Logo depois deram início à partida.
Fiquei a maior parte do jogo absorto. Eu não conseguia me concentrar depois que Tadeu me mostrou aquele sorriso. Tive alguns vislumbres quando ele marcou alguns pontos, quando sacava ou quando caía na quadra. Não sei se foi exatamente nessa ordem. Ao meu lado Arthur gritava e pulava contra a grade de proteção. Percebi a mudança de quadra uma vez, pois o time adversário levou o primeiro set. O nosso time levou o segundo, só que não prestei atenção.
Comemorei junto com a galera o segundo set vencido. Fui praticamente embalado, pois não tinha visto quase nada. A todo momento que eu tentava me concentrar no jogo o sorriso de Tadeu me vinha à memória e eu me distraía. Em certo momento ele olhou para onde Arthur e eu estávamos e fez um sinal de positivo com o polegar. Nós dois devolvemos o sinal e ele acabou levando uma bolada no peito. No começo ficamos preocupados, porém depois Tadeu levantou com a ajuda de um dos meninos que eu não me lembrava o nome e riu feito um garotinho. Massageou o peito e jogou os cabelos para trás.
A partida terminou quando eles venceram o terceiro set e a nossa escola torceu e gritou tanto em comemoração que muitos ficaram sem voz. Arthur era um deles. O time se exibiu na quadra, cumprimentou o adversário e esperaram pelas nossas palmas. Nem precisava, já estávamos aplaudindo e os poucos que tinham voz ainda gritavam.
Meu coração entrou em colapso quando uma garota correu das arquibancadas e pulou no peito de Tadeu, arrancando um beijo dele. Ver aquela cena fez com que eu me partisse em milhares de pedaços. Por que eu senti isso? Ele abraçar ela e manter o beijo me fez sentir náuseas e eu tive que sair dali.
— Ei cara, onde tu vai? — Arthur indagou com a voz rouca.
— Preciso sair daqui. Vouao banheiro.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro