Amarelo - CAPÍTULO CINCO
O Festival de Primavera tinha sido um sucesso. Pelo menos para quem tinha ido. Eu mesmo não fui, depois de três dias consecutivos de pessoas me agradecendo por ter pintado uma obra de arte — palavras deles — não tive forças suficientes para sair de casa. Arthur ficou me perturbando todos os dias para eu ir com ele, que iria ser legal. Sem eu dizer uma palavra, ele se tocara que eu não estava com vontade. Não que isso tivesse feito alguma diferença para o garoto, que ainda tentou me convencer nos últimos minutos do segundo tempo.
Lembro das palavras dele perfeitamente. Eu podia ouvir sua voz em minha cabeça enquanto eu folheava uma revista em quadrinhos da Turma da Mônica Jovem.
"Cara, qual é? Vai ficar mofando em casa mesmo?", a discussão unilateral tinha sido pessoalmente, já que eu não tinha passado meu celular a ninguém. Eu o usava apenas para ligações com meus pais. Antero havia me dado ordens específicas de que eu deveria ligar a eles se algo acontecesse comigo. Luiz, era o pai que me estragava, e me dizia que eu poderia utilizar para outros fins, como redes sociais e tudo mais. Só que eu não me ligava muito nisso, se eu não curtia socializar ao vivo com as pessoas, pior ainda pelo meio virtual.
***
O sábado estava morno. Tinha passado pouco das três horas da tarde e eu estava vendo o sorvete de morango com chocolate desmoronando na minha taça de vidro. Um casal se aproximou da mesa em que eu estava, falavam sobre o Festival que tinha acontecido na escola. De certa forma me senti incomodado, eu meio que fazia parte daquilo, mas não quis ir para lá. Não era a minha praia. Só que algo dentro de mim dizia o contrário, como se eu precisasse estar lá por alguma outra razão.
Me debrucei sobre a mesa. Lembrando de como foi ver todos olhando para mim, contentes por algo que eu tinha feito. A sensação que senti foi o máximo! Um sorriso entre todos aqueles que estavam voltados para mim despontou entre todos e eu senti o meu coração acelerar. Que droga, o que está havendo?
— Então o seu nome é Jorge? — A pessoa em que eu estava pensando surgiu do nada.
Me levantei depressa e dei de cara com Tadeu, que me olhava fixamente. Não sei se ele se sentou naquele instante ou se realmente tinha se materializado do nada. Acenei afirmativamente. Tadeu usava uma regata amarela e bermuda verde, em sua cabeça um boné branco virado para trás. Segurava o celular em uma mão e na outra a colher do meu sorvete. O que ele está pensando?
— Esse sorvete está muito bom — apreciou outra colherada. — Se bem que tá mais pra um milk-shake. Por que você não toma ele?
Seria porque é você quem está tomando?, pensei comigo. Dei de ombros e olhei pela janela. Crianças corriam próximo da sorveteria, segundos depois entraram feito uma manada de elefantes. Passaram por nós e se alocaram no fundo fazendo uma barulheira sem fim.
— É, dá pra ver que tu fala muito — riu Tadeu. Eu não conseguia olhar dentro dos olhos dele. Senti algumas pequenas explosões dentro do meu estômago. — Você mora perto daquela praça que te vi no outro dia?
Respondi que sim. Vi quando Tadeu enfiou a colher dentro do meu sorvete e a levou até a boca. Sorria divertido. Olha, o que aconteceu a seguir foi uma coisa foi capaz de assustar a mim mesmo.
— Moro na casa ao lado da praça — falei e observei ele me roubar outra colherada de sorvete.
Sim, eu já tinha falado na frente dele, só que foi diferente. Eu tinha agido por impulso e num reflexo espontâneo quando ouvi Tadeu falar sobre pintura. Era algo que eu adorava, então acabei não me controlando. Mas me ouvir articulando uma frase completa perto dele novamente era muito estranho. Muito estranho mesmo!
— Hã... eu não reparei bem, mas de boa — comentou. Tadeu colocou a colher na taça e olhou alguma coisa no celular. Talvez tenha lido uma mensagem que estivesse esperando. — Vou me mandar, passei aqui na frente e tinha te visto, parabéns pela arte. Ficou show.
Tadeu olhou pela janela e sorriu, acabei olhando também. Uma garota de cabelos cacheados e castanhos acenava animadamente para ele. Ele sorriu e acenou rapidamente.
— Vou ficar com ela agora, foi bom te ver. — Ele saiu e deu uma rápida piscadela para mim.
"Legal.", pensei comigo mesmo. Pelo vidro vi quando Tadeu passou o braço ao redor da garota e foram embora conversando animados. As explosões dentro do meu estômago tinham parado e agora começavam a doer. Uma sensação estranha tomou conta de mim. Ter visto ele conversar comigo foi estranho, e ter visto ele ir embora também. Ambas as sensações eram diferentes, uma me fazia querer flutuar e a outra me fazia querer afundar. Não faz sentido. Um gosto amargo chegou até minha boca. Me senti nauseado e achei melhor ir embora. Fui até o rapaz que estava no caixa e entreguei minha comanda.
Observei a taça de sorvete derretido, alguma coisa parecia ter despertado. Eu só não sabia bem o quê. Dei as costas para a mesa e fui embora.
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