O
3 anos depois
Tokyo fitou seu reflexo no espelho próximo à saída, deslizou o batom cor de carmim nos lábios e ajeitou o cabelo mantido no corte de sempre. Passou os braços pelo sobretudo vermelho, e após juntar os botões na frente do corpo, amarrou o cinto, marcando a cintura. Calçou as botas pretas de salto, logo depois.
Antes de sair, apoiou a alça da bolsa no ombro e olhou de relance para a planta que tinha seu lugar fixo sobre o getabako durante todos aqueles anos.
Batendo as botas no piso, fechou a porta após sair do apartamento.
🌸
Segurando o copo térmico de café com uma mão, e o cartão de ponto com a outra, Tokyo cumprimentou um dos seguranças enquanto passava pela catraca de acesso à empresa em que trabalhava. Apressou o passo ao ver o grupo de pessoas à frente do elevador se dirigirem para dentro dele, e inclinou a cabeça mais uma vez, agradecendo ao rapaz que apertou o botão para que desse tempo dela entrar também.
Enquanto o transporte se movia, torceu para que as outras pessoas não percebessem o som do celular vibrando incansavelmente na bolsa. Sendo àquela hora, tinha certeza que era Saori e ficou preocupada pela insistência da amiga. Tokyo até tentou alcançar o aparelho sem esbarrar em alguém, mas mal conseguia se mover dentro daquele cubículo lotado de executivos e empresários.
Saiu, após desviar das pessoas que ainda seguiriam para os andares mais altos. Enquanto caminhava pelo corredor, rumo a sala de sua equipe, até conseguiu abrir a bolsa, mas antes mesmo que pudesse segurar o celular, teve sua presença notada pelos colegas que correram até ela para pedir orientação. Tokyo levou pelo menos uns 20 minutos os cumprimentando e andando de uma mesa à outra, na grande e moderna sala em conceito aberto. Depois, seguiu até sua própria sala, equilibrando as pastas com as propostas que precisavam ser avaliadas por ela.
Tokyo respirou fundo, depositando os documentos sobre a mesa e se jogando na cadeira de escritório. Enquanto esperava o computador ligar, checou o planner para ver o que mais tinha planejado resolver naquele dia.
Abriu a versão web do aplicativo de mensagens, e viu a notificação da amiga, além das 6 tentativas de ligações feitas por ela. A mulher suspirou, já cansada, e decidiu olhar o que ela queria antes de começar o dia de trabalho. Levou o ponteiro do mouse até o chat de Saori e deu um gole no café.
Talvez não tenha sido uma boa ideia.
Nem abrir a mensagem de Saori, nem beber do café. Tokyo sentiu a bebida descer de forma errada na garganta e se viu tossindo desesperada, engasgando ao ponto dos olhos encherem d'água.
Dando batidinhas no peito e ainda se recuperando do susto, piscou algumas vezes avaliando se era uma boa ideia continuar a loucura e clicar no link enviado por ela.
"Foda-se", Tokyo pensou antes de levar o mouse sobre ele e o abrir.
🌸
— Como assim o Namjoon está no Japão? — ela perguntou, após empurrar a porta da sala da amiga, sem cerimônias, e entrar. A outra, vestida com camisa branca de botões, blazer rosa por cima e calças jeans justas, estava sentada à frente do computador, e apenas a olhou sobre os óculos e sorriu, colocando parte do cabelo curto e escuro atrás da orelha — Saori?! — a chamou, quando esta voltou a digitar no teclado.
— Oi — olhou para a amiga que a encarava de sobrancelhas arqueadas e, pacientemente apontou para a cadeira à sua frente. Tokyo bufou e se aproximou, obedecendo ao sinal de se sentar. — Achei que vocês se falassem e que você soubesse que ele viria.
— Sim, nós nos falamos. O Joon comentou sobre publicar mais um livro, mas não que o lançaria aqui e hoje! — Tokyo exclamou, nem um pouco preparada para aquela situação.
— Tá, ok. E por que está agindo desta forma? — Saori a encarou, a careta mostrando parte dos dentes — Daquela vez tudo bem, vocês tinham terminado, mas agora pensei que fosse ficar feliz dele estar de volta. Vocês vão poder ficar juntos de novo.
— Eu estou feliz, Saori, mas... arg — Tokyo jogou o corpo para trás, chocando as costas no encosto da cadeira, e fechou os olhos, bufando. Ela não sabia como explicar.
— E na tarde de autógrafos... você vai?
— Não — Tokyo respondeu, abrindo os olhos para a encarar. Ele nem tinha se dado ao trabalho de falar sobre aquilo com ela, não tinha porquê ela aparecer de surpresa.
— Que? Como não? — Saori subiu as duas sobrancelhas, arregalando os olhos.
— Eu tenho um monte de coisas para resolver aqui, não posso sair assim, do nada. — Tokyo deu a desculpa que achou ser a mais aceitável.
— Claro que pode?! Meu Deus, garota. Você é a chefe, agora! E eu nem lembro quando foi sua última folga, você tem todo o direito de sair a hora que quiser!
— Eu não posso deixar o pessoal na mão, tenho várias pastas para checar, várias ligações para fazer, vários documentos para aprovar. Isso aqui é muito importante, Saori.
— Ok. Você quem sabe — a de rosa a interrompeu, empurrando os óculos para perto dos olhos. — Se quer se importar só com o trabalho e bater o pé que só isso é importante, vai em frente. Se quer ser uma workaholic e ignorar todos os outros espaços da sua vida, fica a vontade, não vou tentar te impedir mais.
Tokyo encarou a amiga com os olhos meio arregalados. Não estava esperando uma reação daquelas. Ela a viu voltar a se concentrar no computador, ignorando por completo sua presença ali, e respirou fundo.
Workaholic. A mesma palavra que ela usou para justificar ao cara que era apaixonada, a separação deles. Ali, Tokyo entendeu o que Namjoon quis dizer ao retrucá-la que o termo também cabia a ela.
Namjoon voltou para a Coreia, como eles já imaginavam que iria acontecer. Mais uma vez, não porque ele quis, e sim porque a família exigia sua presença lá. Eram questões jurídicas e que envolviam a vida de milhares de pessoas, não só a deles, e naquela época, ele não poderia ignorar aquela questão e fixar moradia em Tóquio, apenas porque queria. Não era assim que a vida funcionava.
Enquanto Tokyo se esforçou mais ainda para conquistar sua tão sonhada posição naquela empresa, a conseguindo, ele passou aqueles últimos anos tentando entrar em um acordo com a família Kim para que pudesse seguir sua carreira sem a pressão e expectativa vinda deles.
Daquela vez, os dois mantiveram contato, e sabiam como estavam seguindo suas vidas. Tokyo sabia sobre sua irmã mais nova, por livre e espontânea vontade, ter aceitado assumir a empresa em seu lugar. Ele acreditava que nas mãos dela, que gostava e entendia do assunto, a empresa cresceria muito mais. E era o que realmente estava acontecendo.
Do outro lado, Namjoon sabia que Tokyo tinha conquistado completamente a confiança dos sócios e agora era gestora de marketing da empresa, como ela sempre quis. Todos os anos de dedicação e estudos estavam resultando em algo, e ela agora colhia o que plantou. Nada mais justo para alguém tão determinado quanto Tokyo.
Mas em meio à aquelas situações, Namjoon não a informou sobre ter decidido fazer o lançamento de seu novo livro ali, em Minato. Ele em momento algum a falou que não estavam mais em países diferentes, e sim há alguns metros um do outro.
"Filho da puta", ela pensou, passando a mão no rosto, sentindo que talvez não estivesse preparada para o ver de novo de forma tão repentina.
A história se repetia.
Bateram na porta da sala, e aquilo a fez piscar os olhos repetidas vezes, parecendo acordar. Era uma das novas funcionárias passando para deixar alguns papéis com Saori. Tokyo se levantou, ainda meio atordoada com as informações, e passou pela estagiária que curvou o corpo, em respeito à sua posição na empresa. Ela sorriu educada para a garota e seguiu rumo à sua sala.
🌸
Dizer que ela conseguiu trabalhar naquele dia, seria mentira.
Tokyo passou parte da manhã intercalando sua atenção em tentar ler as propostas sobre sua mesa, e as frases do link enviado por Saori.
"Kim Namjoon, escritor sul-coreano que se destacou e nos encantou nos últimos anos com suas palavras nobres e bem trabalhadas, decide lançar seu mais novo livro, em Minato, na metrópole de Tóquio, Japão. Depois do sucesso de seu último trabalho e de alguns anos em hiatus, resolvendo questões pessoais, o homem de 31 anos resolve voltar com o que pode ser a maior obra de sua carreira.
Com ele guardando segredo, os fãs precisaram esperar até hoje para descobrir o nome, enredo e capa do livro que tanto ocupou suas mentes e corações nesse tempo de espera. Estaremos hoje na sessão de autógrafos para conferir, mas vindo de Namjoon, não é de se surpreender que algo magnífico virá até nós. Aguardamos as cenas dos próximos capítulos... literalmente."
A entrevista ela já sabia de cor, mas os parágrafos dos documentos, mesmo os lendo cada um 3 ou 4 vezes, continuava sem entender as informações contidas neles.
Com o cotovelo apoiado na mesa, Tokyo deslizou os dedos por entre os cabelos, sabendo não conseguiria resolver nada do trabalho enquanto estivesse daquele jeito. Sua mente só conseguia martelar na ideia de que ele estava de volta.
Sem mais pensar, juntou os papéis em uma pilha e desligou o computador. Pegou a bolsa sobre a mesa e saiu de sua sala, dando de cara com Saori prestes a bater em sua porta.
— Vim te chamar para almoçar — a outra comentou, fitando a amiga.
— Vou sair mais cedo — Tokyo explicou, e a mulher de rosa sorriu — Não é isso, Saori.
— "Não é isso", o quê? Não falei nada. — deu de ombros e Tokyo rolou os olhos.
— Mas pensou — ela respondeu, já de costas, e seguindo pelo corredor.
— Otsukaresama deshita* — Saori falou mais alto, e Tokyo apenas mostrou o polegar para a amiga, antes de virar em direção ao elevador.
🌸
Eram por volta de 13h quando Tokyo destrancou a porta de casa e entrou. Largou a bolsa em um dos cantos do hall, e expirou, estressada, porque odiava quando não conseguia se concentrar nas coisas que achava importante.
Se abaixou para tirar os sapatos dos pés, mas interrompeu o gesto ao ver algumas flores do bonsai de Namjoon, caídas sobre o piso de madeira. Se aproximou e as pegou com cuidado, deixando sobre a palma da mão aberta.
Já de pé, mudou o olhar das flores recém caídas, para a cerejeira em plena floração. Depois da planta, para o próprio reflexo no espelho.
Tokyo rolou os olhos.
— Já entendi, Naomi. — pegou a bolsa e destrancou a porta, saindo de casa mais uma vez.
🌸
Tokyo entrou às pressas no shopping, desviando das pessoas que andavam calmamente por ali. O trânsito estava um caos, o que a fez descer do táxi bem antes do que deveria, e correr pelas calçadas de Minato como louca, na tentativa de chegar ao local antes que o encontro se encerrasse.
Andava a passos acelerados em direção à pequena livraria do térreo, ao mesmo tempo, que tentava conferir no celular se estava no endereço certo. Ao chegar, passou o olhar pelo local de estantes altas, em busca do que poderia ser alguma sessão de autógrafos, mas não encontrou nada.
— Seja bem-vinda! Como posso ajudar? — Tokyo piscou surpresa, ao notar o atendente ao seu lado. Ela inclinou a cabeça em educação, assim como o rapaz. — Procurando algum livro em específico?
— Na verdade, eu pensei que teria uma sessão de autógrafos aqui... — ela disse envergonhada, e ele sorriu de volta.
— Ah, você não é a primeira a confundir. Os livros estão aqui, mas a sessão é em outro andar. — ele explicou, e passou o olhar pela livraria antes de continuar — Preciso buscar no estoque, os que tinham aqui acabaram. Pode esperar um minuto? Se quiser pode ir pagando no caixa para não te atrasar mais — Tokyo apenas assentiu. Ainda respirava com dificuldade e o coração ainda batia atrapalhado após a corrida até ali.
Após fazer o pagamento, o rapaz que a atendeu se aproximou do balcão, perguntou e anotou seu nome em um post-it colorido, o colando no retângulo que trouxera com ele. Colocou o livro em uma sacola de papel e a entregou.
— É no 6º andar. — ele explicou, sorrindo, e ela se curvou em educação, antes de ultrapassar a porta da loja e voltar a correr em direção as escadas rolantes.
Tokyo ainda conseguiu ver o ar de riso dele e dos outros vendedores da loja, provavelmente a viam como mais uma das várias fãs que passaram ali, desesperadas para encontrar o grande escritor sul-coreano, Kim Namjoon.
De qualquer maneira, ela não poderia dizer que não era sua fã e que não estava desesperada para o encontrar.
Não que tenha adiantado se apressar e correr tanto, porque assim que saiu das escadas e seguiu em direção à loja, Tokyo deixou os ombros caírem. Ao chegar na porta da livraria, ficou boquiaberta ao ver a quantidade de pessoas que haviam ali.
— Ah não. Caralho, Namjoon — ela resmungou, se sentindo meio tola, ao andar por mais um bom tempo e ainda virar dois corredores, em busca do final da fila.
Ela respirou cansada e suada, e ignorou os olhares em sua direção, parando atrás de dois amigos que conversava animadamente sobre o quanto dariam tudo para saber se a história que Namjoon contava naquele livro, era real.
Ao ver que ficaria ali por horas, e que sequer sabia do que se tratava o livro, ela ignorou qualquer etiqueta para alguém que ocupava o cargo que agora era dela, e se sentou no chão, colocando os airpods nas orelhas e dando play em alguma música.
Quando Tokyo abriu a sacola e retirou o livro dali, automaticamente abriu mais os olhos e os sentiu marejarem. Namjoon não estava em silêncio sobre o que sentia. Ele só escolheu outra maneira de o falar.
🌸
Depois de algumas horas naquela fila que mais parecia se arrastar do que andar, Tokyo fechou o livro pela quarta vez e o pressionou próximo ao peito, onde o coração martelava desesperado por saber que estava, novamente, há poucos metros do cara que era o responsável por o deixar daquela maneira. O impacto de ler e viver aquelas situações novamente, e do ponto de vista de Namjoon, a fazia ter seus olhos transbordando a cada parágrafo lido.
Já estava dentro da livraria, e enquanto esperava, mordia os lábios, mal conseguindo pensar o que falaria quando desse de frente com ele mais uma vez. Se eles estivessem sozinhos, ela o xingaria, mas não era o que estava acontecendo, então não poderia se expor daquela maneira na frente de fotógrafos e jornalistas. Ela tinha uma carreira a zelar.
De onde estava, apenas ouvia as vozes das várias pessoas presentes, todas parecendo animadas demais por estarem próximas à aquele cara que escrevia tão bem. Mesmo ainda não o vendo ou ouvindo, Tokyo também se sentiu ansiosa, mas não por enfim ter um autógrafo do tal escritor, mas por saber que depois de anos, Namjoon, enfim estava de volta.
Ela só percebeu que sua vez estava próxima, no momento que uma das funcionárias da livraria chamou os próximos fãs para receberem seu autógrafo. Eles seguiram a mulher, e então à frente de Tokyo, não havia nada além de um grande espaço, que caso ela se inclinasse um pouquinho para ver atrás da esquina formada pela estante de livros, ela o veria.
Se sentiu nervosa apenas com a ideia de olhar na direção de Namjoon.
Foi como se o tempo tivesse retrocedido e estivessem de volta à aquela noite de sábado, onde ele apareceu de surpresa, na porta de casa, a deixando sem ação. Se perguntou se Namjoon se sentia daquela forma naquela noite. Como se suas pernas fossem ter vontade própria e o obrigassem a sair correndo para longe de onde estava.
Tokyo fitou o livro em suas mãos e, apesar do desespero, sorriu sozinha ao ver que o adesivo com seu nome, o civil, escrito em letras de forma, ainda estava ali. Tirou o papel colorido e o amassou, enfiando em um dos bolsos do sobretudo vermelho. Ela não precisava daquilo para que ele soubesse quem ela era.
Para Namjoon, ela sempre seria, Tokyo.
If I could choose my dream
I just wanna stay right next to you
"Se eu pudesse escolher meu sonho
Só gostaria de ficar bem perto de você"
🌸
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro