Triplo C
Ao longe, o sinal tilinta. Fico esperando que o menino novo se junte às outras crianças na corrida para ver quem chega primeiro à sala da srta. Mildred, porém, ele permanece onde está.
— Posso te acompanhar até a classe? — a pergunta me pega de surpresa.
Concordo com a cabeça.
— Ei, espera! — Tobias chama, vindo atrás de nós.
Estou a um passo de me virar e mostrar a língua para ele, mas sei que fazê-lo apenas o instigaria a me atormentar ainda mais.
Sem diminuir o ritmo, o menino o encara por cima do ombro.
— Por que não procura outra pessoa para perturbar e deixa a... — Voltando-se novamente para mim, ele murmura: — Ainda não sei o seu nome.
— Claro que sabe, eu te falei — Tobias retruca.
O menino o ignora.
— Então, como você se chama?
— Frini. Frini Prunella Pirrip.
Ele inclina a cabeça para o lado, um sorriso lento se desenhando no rosto bonito.
— É um pouco diferente.
— É o nome de uma flor, a minha avó que escolheu.
— É nome de passarinho — Tobias assobia, imitando o canto de um pássaro.
Dou a ele um olhar irritado.
— Não é nada.
— É sim.
— Por que você precisa ser tão chato, hein? — o menino pergunta.
— Melhor ser chato do que ser um bobão.
— Acontece que você é os dois. ─ Para a minha surpresa, Tobias não retruca, embora na primeira oportunidade chute uma caixinha de suco vazia contra a panturrilha do menino, que respira fundo, tentando manter a calma. — A minha avó também tem nome de flor, ela se chama Poppy, o meu avô encheu o jardim de papoulas por causa dela.
─ Ele deve amar muito a sua avó.
─ Desse tantão. ─ Seu sorriso se agiganta conforme seus braços se abrem para os lados, por pouco não acertando meu nariz. ─ O vovô é a pessoa mais legal de todas. A vovó também é bacana, ela prometeu me dar um bionic booper no meu aniversário.
Não tenho ideia do que seja um bionic booper, mas sorrio como se soubesse, não quero que ele pense que sou uma boboca.
— E quando é o seu aniversário? — pergunto.
— Em dezembro, uma semana antes do Natal.
— O meu é no próximo sábado.
— Sério? — Seus olhos se iluminam. — Eu adoro aniversários.
─ Eu também. Ano passado papai colocou um balanço no jardim para mim, e mamãe me comprou montes de canetinhas coloridas, depois fomos ao parque e nos sentamos ao ar livre para cantar os parabéns e comer o bolo. Foi tão legal. Este ano a mamãe está planejando algo maior, até contratou um mágico de verdade.
— Mágico, é? Aproveita e pede a ele pra fazer esse bobão desaparecer. — Tobias dispara à nossa frente, pulando e dando cambalhotas no corredor.
— Qual é o problema do Caradoc?
— A Meredith Spencer acha que ele pode ter caído do berço quando criança e batido a cabeça — explico. — Mas não sei se acredito nisso, algumas crianças são naturalmente perturbadas.
Ele assente.
Do corredor, vejo Tobias subir na mesa da professora e enrolar uma folha de cartolina, que usa como megafone.
— Ei! Prestem atenção aqui! — brada. Como num truque de mágica, a classe inteira se vira para olhar para ele, até Meredith desistiu da sua abelha de papel machê para ouvi-lo. — É o seguinte, a nossa amiga Frini Prunella vai dar um festão de aniversário no sábado que vem, como ela é muito tímida pediu pra eu avisar que está todo mundo convidado. Cheguem cedo e não se esqueçam dos presentes, ela gosta de lagartixas e sapos, de preferência vivos. — Girando a cartolina como uma espada, ele aponta para o vão da porta, onde estou imóvel.
Sinto meu coração encolhendo.
Dezenas de pares de olhos me espreitam ansiosos por uma confirmação. Não sei o que fazer, a maioria dessas crianças sequer fala comigo, a menos que seja para rir e zombar da minha aparência, eu não as quero na minha festa.
— Que legal! Vou usar o meu vestido rosa de princesa! — vibra uma menina ruiva, que adora me pôr apelidos. — Obrigada pelo convite, Pernas de Palito.
Pressiono os lábios.
É estúpido sentir tanta raiva, mas não posso evitar, eu o detesto, tanto que desejo arremessar meu caderno contra ele, ou acertá-lo com a própria cartolina bem no meio da testa.
Tobias observa enquanto vou até a minha mesa e desabo na cadeira. Sem me importar se parecerei fraca ou boba, cubro o rosto com as mãos e choro baixinho, apenas o suficiente para desafogar o coração.
Não estou habituada a ter colegas de classe vindo espontaneamente até a minha mesa, por essa razão, me assusto ao sentir alguém se aproximar e ocupar a cadeira vaga ao meu lado.
— Não chora não. — O menino novo coloca a mão na minha. — Vai ficar tudo bem, eu expliquei pra eles que o Caradoc é um mentiroso, que ele inventou essa história de festa.
— Fez mesmo isso?
Ele sorri.
— É o que os amigos fazem, ajudam um ao outro.
Amigos? A ideia de ter um amigo faz meu peito borbulhar de alegria. Embora Arya e Meredith sejam boas amigas, às vezes elas me evitam e, quando ficam bravas por algum motivo, o que acontece com certa frequência, não hesitam em me dizer palavras feias e caçoar das minhas pernas.
Eu me acalmo um pouco.
Enquanto o menino me aconselha a ignorar valentões como o Tobias, uma vez que estes são como monstros que se alimentam do medo, tristeza e atenção alheias, eu pego um lencinho no bolso da mochila e seco o rosto.
Para minha infelicidade, Tobias ocupa a mesa adjacente à minha desde a primeira semana de aula, estou certa de que a escolheu apenas pelo prazer de me azucrinar. Ele se reclina na cadeira, atento à nossa conversa.
─ Você quer ir à minha festa? — pergunto ao menino.
O rosto dele se ilumina como o sol.
─ Eu ia adorar!
─ Que bom! A mamãe me deu alguns convites, ela falou que posso convidar quem eu quiser. — Abro o bolso da mochila depressa, os convites estão exatamente onde mamãe os colocou há quatro dias, intocados. Eu não pude dizer a ela que não tinha nenhum amigo a quem convidar, além de Arya e Meredith, porque isso a deixaria triste. — Foi mesmo uma sorte conhecer você.
— Sua mãe parece bem legal.
— Ela é a melhor mãe do mundo, e cheira a pêssego.
— Já reparou que todas as mães têm cheiro bom? A minha cheira a sabonete de limão. — Pegando uma caneta colorida, ele começa a desenhar na capa do meu caderno. Normalmente, eu ficaria irritada com alguém riscando as minhas coisas, mas estou empolgada demais com a ideia de ter um amigo para me importar com algo tão pequeno. — Do que você gosta, Frini Pirrip? Se vou à sua festa, preciso levar algum presente.
Penso um pouco.
─ Livros, canetinhas coloridas e bonecas, menos aquelas de porcelana, elas me dão medo.
─ Livros, canetas e bonecas. Não vou esquecer.
─ Preciso do seu nome para pôr no convite.
─ Ah, claro. É Tristan Humphrey II.
─ Parece nome de príncipe. — Enquanto escrevo seu nome no convite, minha mente pinta vívidas imagens de Tristan galopando por charnecas e florestas encantadas em um cavalo de crina esvoaçante. — Quando tiver um filho, pode chamá-lo de Tristan III.
─ Eu não vou ter filhos.
─ Por que não?
─ Não gosto de crianças.
─ Mas você é uma.
Ele torce o nariz.
─ Sou uma criança grande, não um bebê que só serve para chorar e sujar fraldas. Detesto bebês, eles nunca fazem nada de interessante e são esquisitos, parecem anões mudos e desdentados. Para que eu vou querer anões mudos e desdentados?
─ Eu acho que bebês são legais, quando crescer vou engolir um monte de sementes, assim terei meus próprios bebês, e todos eles terão nomes de personagens de contos de fadas.
Tristan faz mais um traço na capa do caderno.
─ Que tipo de sementes você vai querer?
Apoio o queixo na mão, piscando depressa.
─ Como assim que tipo de sementes eu vou querer?
─ Se pretende ter bebês um dia, precisará de boas sementes.
Eu nunca parei para pensar sobre isso, papai e mamãe dizem que sou jovem demais para me preocupar com essas coisas.
Após um instante, eu digo:
─ Quero sementes que sejam fáceis de engolir.
Ele deixa a caneta de lado e dá um leve puxão na minha maria-chiquinha.
Se debruçando sobre a mesa, Tobias Caradoc aproxima o cone de cartolina da boca e pergunta:
─ Você não é muito esperta, é?
— Está vendo aquele quadro? — Indico o quadro de avisos todo decorado com purpurina e trabalhos artísticos em papel machê, onde a foto de uma menininha sorridente está fixada em destaque. — Aquela sou eu, não você.
— Grande cocô, tão grande que deve ter saído da bunda de um elefante. Ninguém liga pra essa porcaria.
— A "Criança da Semana" não é uma porcaria, só está falando isso porque nunca, nunca mesmo, nem em mil anos, será a criança da semana — retruco, irritada. — Está com inveja.
Ele estufa as bochechas.
— Não estou coisa nenhuma! Todo mundo sabe que apenas as crianças mais chatas são escolhidas como a criança da semana, é por isso que a sua foto está sempre lá. Pensando bem, vou fazer uma petição pra senhorita Mildred mudar o nome desse cocô para "A Criança Mais Chata da Semana", ela pode aproveitar e deixar a sua foto lá até o ensino médio.
— Eu não sou chata.
— É sim. Você é um triplo C: chata, chorona e covarde.
Aperto os punhos,
— Por que não deixa a gente em paz? - Tristan intervém. — Ninguém chamou você na conversa.
— Pode traduzir o que o seu novo amigo disse? Eu não falo idiotez.
— Posso sim, ele disse que você tem cara de pombo.
Tristan ri.
— Podia ser pior, eu podia ter cara de Prunella.
Suspiro.
— Não liga para o Caradoc, ele só está tentando te deixar irritada. — Tristan toca meu ombro e me viro para olhar para ele. ─ Você ainda não respondeu que tipo de bebê espera que as suas sementes produzam.
— Bem, eu gosto de todos os tipos de bebês.
— Você não entendeu. — Tristan sacode a cabeça, desenhando um círculo sorridente no papel, acho que era para ser um bebê, mas seu talento artístico deixa um pouco a desejar. — Pensa comigo, se existem bebês de todos os tipos, logo as sementes também devem ser diversificadas. É meio óbvio que o tipo de semente interfere na formação dos bebês: boas sementes, bons bebês.
─ Não se preocupe, meus pais me ajudarão a escolher as sementes certas quando for a hora. — Volto ao convite, esperando pôr fim ao assunto.
─ Se não escolher boas sementes, pode acabar tendo um bebê especial.
─ Como assim?
─ O que estou tentando dizer é que se não escolher boas sementes, corre o risco de ter um bebê igual a você.
Pisco depressa, confusa.
— Igual a mim?
— Sim, especial. ─ Estou perplexa. Ouvir isso é bem pior que cair do balanço. De repente, me sinto triste e nublada, como se todas as bolhas de felicidade no peito estivessem se dissolvendo. ─ Se os seus pais tivessem escolhido boas sementes, talvez você não fosse como o Cientista da Cadeira de Rodas.
Na mesa ao lado, Tobias tosse, quase engasga. Pelo canto do olho, vejo suas sobrancelhas escuras arqueadas, os lábios convertidos num perfeito O.
─ Eu não sou nada como o Cientista da Cadeira de Rodas.
─ Então você não é especial? ─ Tristan parece desapontado.
─ É claro que eu sou especial, todo mundo é especial, só não possuo necessidades especiais.
─ Mas você é toda pequena e seus olhos nunca olham na mesma direção. E você nunca conversa com ninguém e fica rindo sozinha, como as pessoas especiais. — Ele abaixa o olhar para as minhas canelas, está visivelmente desconfortável. — E você manca um pouco.
Encolho os ombros, envergonhada.
Não foi nada legal da parte dele falar essas coisas. A vovó tem toda razão quando diz que as crianças devem ser ensinadas desde cedo sobre o poder das palavras.
─ Desculpa. Eu não queria te deixar triste.
─ Não importa ─ minto. ─ A minha mãe disse que eu sou um milagre.
─ Importa para mim, amigos não fazem amigos chorar.
Puxo a minha caneta da mão dele e coloco de volta no estojo.
─ Não somos amigos, acabamos de nos conhecer.
Não era para eu ter dito isso, agora Tristan também está triste, e duas pessoas tristes é sempre pior do que uma. No mais, nem foi por mal que ele me comparou ao Cientista da Cadeira de Rodas.
─ Isso significa que não estou mais convidado para a sua festa?
Embora ele tenha me magoado, ainda quero ser sua amiga.
─ Você está. Mas terá que me dar dois presentes.
Ele sorri.
Faço um esforço para retribuir o sorriso. Então, desvio o olhar para a casinha torta que ele desenhou na capa do meu caderno, não ficou bonita, mas se perguntar, vou fingir que gostei.
─ Eu também estou convidado? ─ Tobias Caradoc pergunta.
Tenho duas opções: revidar, ou ser gentil.
Escolho ser gentil. Qualquer covarde pode pagar o mal com o mal, mas ser gentil mesmo quando seu coração está partido exige um bocado de coragem.
Na saída da aula, Tobias me entrega um aviãozinho de papel.
— Pra você, é uma carta — ele diz, e dispara para o portão.
Não desdobro o avião até estar em segurança no interior do carro da mamãe.
"você ficou tão irritada por eu ter convidado o pessoal pra sua festa que nem se ligou que eles não poderiam aparecer se não tivessem o seu endereço.
precisa chorar menos e pensar mais.
sei que não somos amigos, mas sou uma pessoa boa o suficiente para ajudar até mesmo uma não amiga. eu vou resolver as coisas do melhor jeito possível, se eles insistirem, vou dar um endereço errado, o que acha do Parque Maiden? dizem que é assombrado. tem fantasmas de verdade vagando por lá, meu vizinho viu um uma vez, uma mulher vestida de púrpura, com peônias florescendo no peito e um colar de glóbulos oculares em estágio de putrefação pendendo dos ombros. em uma mão ela carregava a própria cabeça, na outra, um machado de bronze, com o qual golpeava as árvores ao redor e tudo mais que se interpunha no caminho. dia e noite, noite e dia, golpeando sem parar.
poft! decepa um galho.
poft! decepa uma peônia.
poft! decepa a própria mão.
imagina o pessoal da escola chegando lá e dando de cara com o fantasma. eu não me importaria de arriscar minha cabeça só para ver a cara deles.
se quiser, posso te levar lá algum dia. sei de um lugar seguro onde a gente pode se sentar e esperar pela Dama do Machado. prometo não deixar ela te machucar, a menos que você chore. odeio quando você chora, fico tão irritado que mal consigo respirar, é a pior sensação do mundo, como se tudo em mim derretesse no seu mar de lágrimas, órgãos, pele, músculos, tudo mesmo, eu derreto até os ossos.
mas tanto faz, você não parece mesmo ser o tipo de menina que se divertiria com a visão de um fantasma, você é mais o tipo que cairia dura.
se eu me desculpar por ter lido o seu caderno idiota posso ganhar uma fatia extra de bolo? se sim, estou me desculpando; caso contrário, retiro o pedido.
atenciosamente,
seu não amigo."
Olá, criaturas fantasmagóricas
Não consegui postar na semana passada como pretendia, mas ao menos não atrasei tanto.
Obrigada a todo mundo que comentou e votou no capítulo passado, o feedback de vocês significa muito pra mim. É tão bom ver que tanta gente que acompanhou a primeira versão ainda continua por aqui.
Gostaram do capítulo?
O que me dizem do novo amigo de Prunella, curtiram ou nem tanto?
E do não amigo?
Frini merece ser a Criança da Semana ou a Criança Mais Chata da Semana?
Ela tem motivos para detestar o Tobias ou está exagerado?
No lugar dela, teriam o convidado para a festinha ou nem em sonho?
Prunella é tanto o nome de uma flor quanto de um pássaro, vou deixar imagens de ambos abaixo.
O que acharam da cartinha de Tobias?
Parece que alguém tem uma imaginação bem fértil.
Topariam esperar pela Dama do Machado ou nem ferrando?
Se divertiriam com a visão do fantasma ou cairiam duros?
Os não amigos de vocês também escrevem cartinhas para vocês em aviões de papel?
Queijos!
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