Lago Cócite
Inspiro.
Expiro.
Entre as paredes do meu cérebro, uma pergunta continua a reverberar: Por que estou fazendo isso comigo mesma?
Luzes de neon e faróis de carro desafiam o apogeu da noite, queimam como velas romanas, iluminando a robusta ponte que conecta East Elfort e Madison's Place, projetando feixes de luz ondulantes sobre o lago. É impressionante. Vista aqui de baixo a estrutura de metal e concreto é ainda mais imponente.
Depois de descer a encosta íngreme, o cansaço pesa sobre mim, meus joelhos vacilam enquanto os pulmões imploram por um pouco mais de oxigênio. Apesar do desconforto, acompanho minhas amigas. Arya e Meredith estão animadas, diferente delas, eu não me encaixo nesse tipo de ambiente, o cheiro nojento de bebida e cigarro me deixa enjoada. Mamãe uma vez disse que já nasci com cem anos, pode ser que ela esteja certa.
O Lago Hawthorne fica próximo à saída da cidade, aninhado entre colinas e bosques. Vovó Harriet me trouxe aqui algumas vezes quando eu era mais nova. Ela sempre valorizou o contato com a natureza e adora explorar a vida selvagem.
Meus olhos vagam pelo lugar: hordas de adolescentes se aglomeram ao longo da margem, locupletando os trechos de areia e cascalho. Pisco numa tentativa de impedir que meu cérebro colapse no redemoinho de rostos radiantes e corpos em movimento. Não sei o que eu estava pensando quando concordei em vir a uma festa cujo anfitrião é Dom Cassel.
Enquanto a maioria se resigna a dançar ou jogar conversa fora em volta das fogueiras, os mais ousados se arriscam saltando da doca flutuante direto nas águas turvas do lago. Estou estupefata com os idiotas sorridentes que vibram ao som de gritos e assobios. Eles abraçam o agora e uns aos outros. Vivem o momento, deleitando-se no hoje como se não houvesse amanhã — e a julgar pelo comportamento imprudente, talvez não haja mesmo.
É a minha primeira festa, e provavelmente a última. Para ser sincera, eu nem queria estar aqui, não tenho tempo para distrações, estou inteiramente focada na minha iminente candidatura a Cambridge. Ainda assim, permiti que minhas amigas me persuadissem a vir. Arya insistiu tanto e parecia tão desesperada para desfrutar de "uma típica experiência do ensino médio", que acabei cedendo.
— Melhora essa cara. — Meredith dá uma cutucada de leve nas minhas costelas. — É uma festa, não um funeral. Você tem a noite inteira livre da supervisão dos seus pais, aproveita pra se divertir, conhecer gente nova, dar uns beijos. Tem uns caras do Teatro que eu posso te apresentar.
Na verdade, tenho apenas algumas horas, meu toque de recolher é às dez e trinta. Quanto a tentar me enturmar? Bem, não vejo sentido em forçar diálogos insípidos e superficiais com estranhos e idiotas descerebrados, tampouco em beijá-los.
— Não estou interessada — digo, esticando as mangas do casaco até os punhos para impedir que os mosquitos continuem a me picar. — Eu preferiria lamber o chão de um banheiro a beijar um desses imbecis.
No centro da doca flutuante, uma garota da minha idade joga os braços para o alto e remexe os quadris sob o olhar atento de um grupo de garotos. Não dá pra ver bem, mas acho que está sem sutiã. Eu desvio o olhar, em choque. Sou excessivamente sensível quando se trata de ver pessoas se comportando de forma degradante, eu sinto a dor e a vergonha que elas sentiriam, caso não tivessem a consciência cauterizada.
E pensar que eu podia estar em casa lendo um livro. Em vez disso, estou vagando por este buraco análogo a um dos círculos do Inferno de Dante. Mal posso esperar para ir embora daqui.
Arya se inclina para soprar no meu ouvido:
— Será que você pode relaxar?
— Não, não posso. Não dá. — Com um movimento de queixo, eu indico os neandertais do século XXI performando um rito de acasalamento na doca flutuante. — Dá só uma olhada naquilo. Eu sinto como se estivesse em um tour pelo Inferno com destino ao Lago Cócite.
Ela torce o nariz, confusa. Há essa lacuna na nossa amizade, que poderia ser facilmente preenchida caso Arya se dispusesse a ler algo além de folhetos e revistas de moda, o fato de ela nunca entender as minhas referências é frustrante.
— Escuta. — Interrompendo a caminhada, Meredith apoia as palmas nos meus ombros, me encarando com sua lendária "expressão de vaca má". — Só há uma rainha do drama nesta cidade, e sou eu. É melhor parar de bancar a velha dos gatos e começar a agir como uma adolescente normal e fazer coisas que adolescentes normais fazem, como beijar na boca, encher a cara e curtir a vida.
— Eu curto a vida — protesto.
Minhas amigas se entreolham.
— Sério? Eu poderia jurar que está apenas desperdiçando seus melhores anos enfiada no quarto com a cara nos livros.
Nem me dou o trabalho de retrucar, uma vez que minha ideia do que significa "aproveitar a vida" não corresponde a dela, apenas respiro fundo e giro o anel que ganhei da vovó no dedo, a fim de me acalmar. Não é sempre, mas às vezes o truque funciona.
Dou graças a Deus quando o celular de Meredith soa no bolso da jaqueta e ela desiste de me afrontar para checar a mensagem.
— Tenho que ir. — Sua "expressão de vaca má" dá lugar a um sorriso bobo.
— Ir para onde? A gente acabou de chegar, ainda nem vi o Dom.
Gemo baixinho. Arya e sua patética queda por Dominic Cassel.
— Tem alguém me esperando.
— Quem? — exige.
— Não importa. — Ela estala dois beijos no ar. — Au revoir. Vejo vocês mais tarde.
Rindo, Meredith emerge no mar de adolescentes.
— Ela não estava saindo com o Luke Davis?
— Isso foi na semana passada. — Arya me arrasta pelo braço, sob a sola dos meus sapatos, o cascalho crepita. — Talvez devêssemos fazer o mesmo, sabe: sair mais, beijar alguns caras.
Faço uma careta desolada. Só porque Meredith sai com vários caras e age como se a vida fosse só festa, sexo e beijo na boca, não significa que eu também precise.
Conforme avançamos pela margem, tento capturar um relance de Tristan na multidão.
A brisa sopra sobre nós trazendo o odor nauseante de cigarro e alguma bebida forte. Prendo a respiração e me impeço de retornar correndo para o carro de Meredith. Arya por sua vez, não parece se incomodar, o tempo inteiro rindo e acenando para completos desconhecidos.
— Olha! Eles estão ali — gesticula, no momento exato que o brilho de um refletor rompe a escuridão, lançando raios âmbar sobre a faixa de areia.
Eu o vejo perto de uma fogueira. Minha alma gêmea — embora ele ainda não saiba disso. Sei que romances adolescentes são fadados ao fracasso, mas talvez, assim como os meus avós, Tristan e eu estejamos destinados. Eu presumi que ele perceberia o quão certos somos um para o outro. Eu estava enganada. Tenho quase dezesseis anos e continuo esperando, sonhando com o primeiro beijo perfeito e uma declaração de amor digna dos mais célebres romances vitorianos.
Okay. Talvez eu esteja sonhando alto demais, afinal Tristan é apenas um aluno do ensino médio, não um cavalheiro do século XIX.
Ele acena, sorridente.
O sorriso de Tristan sempre faz meu coração descompassar. É incrível. Tristan é incrível. Atlético, alto, divertido e doce. Ele passa a mão pelo cabelo loiro perfeitamente alinhado. Está vestindo bermuda de alfaiataria e camisa polo branca. Dizer que está perfeito seria mera redundância.
Quando pequenos, nós costumávamos passar muito tempo juntos. Em certas tardes, após a escola, saíamos para pedalar pela cidade, tomar sorvete de flocos ou observar os transeuntes no parque da cidade. Algumas vezes eu apenas coletava palavras ditas por desconhecidos, em outras, inventava histórias para eles, construía mundos alternativos, vidas inteiras. Tristan, em contrapartida, nunca foi muito imaginativo, mas compensava sendo um bom ouvinte. Éramos como estrelas binárias, as duas partes de um mesmo sistema, éramos inseparáveis, até que Dom entrou na história e deixamos de ser.
Sem fugir a regra, Dom está ao lado dele, tocando violão e cantando para as pessoas em volta da fogueira.
Arya e eu nos juntamos ao pequeno grupo. As duas garotas e o cara com moicano, cujo nome eu nunca lembro, nos cumprimentam com um movimento de cabeça e voltam a mexer nos smartphones.
— Oi, Dom! — Arya acena.
Ele levanta a cabeça, fazendo sinal para que ela se aproxime.
— Uau! — Tristan sorri bem-humorado, como se estivesse feliz em me ver. — Você veio.
Ele faz aquela coisa fofa de coçar o queixo e me impeço de suspirar. Quero dizer algo, mas sinto como se meu cérebro estivesse congelado. Então, apenas retribuo o sorriso.
— Pirrip! — Dom exclama. — Que surpresa você por aqui, por acaso errou o caminho da missa?
— Não enche, Dom. — Tristan olha feio para ele.
— O quê? Foi uma piada — se defende, e põe o violão de lado para falar com Arya.
Dominic Cassel é um idiota. Não sei o que Arya viu nele.
— Quer uma bebida? — Antes que eu tenha a chance de recusar, Tristan abandona sua cerveja e pega uma latinha de refrigerante no cooler.
Coca-Cola. Péssima escolha.
Dou um gole, embora deteste a bebida. Honestamente, esperava que ele se lembrasse disso, afinal não sou uma completa estranha, sou sua melhor amiga — ou pelo menos costumava ser.
— Está gostando da festa?
— É cedo para formular uma opinião. — Omito minhas verdadeiras impressões, odiaria que ele me achasse infantil ou ranzinza por reclamar de algo que todo mundo considera legal. — Acabei de chegar.
— Você vai gostar. O Dom pode ser um filho da mãe, mas sabe dar uma festa como ninguém.
— É, parece que sim.
Finjo dar outro gole na Coca-Cola.
Estou devolvendo a latinha para Tristan, quando a brisa sopra uma mecha de cabelo sobre meu rosto, ele estica o braço como se fosse colocá-la de volta no lugar, mas muda da ideia e pega a latinha em vez disso.
— Estou feliz que tenha vindo, tenho te visto tão pouco. O que fez durante as férias?
— Nada muito emocionante ou que valha a pena ser mencionado.
Ele me dirige um olhar de compreensão.
— A gente podia sair pra tomar um sorvete um dia desses, o que me diz?
Abro um sorriso, maravilhada com a ideia de passarmos algum tempo juntos.
— Claro. Seria ótimo.
— Lembra quando a gente comprava um monte de sorvetes e misturava os sabores pra tentar inventar um novo?
Concordo com a cabeça.
— Ficava horrível e sempre acabávamos jogando tudo fora depois.
Ele dá um passo à frente.
— Eu sinto falta disso.
— De tentar inventar novos sabores de sorvete? — Eu rio. — Ou das reclamações da sua mãe por estarmos desperdiçando alimento?
Hesitante, ele pega a minha mão. Seu toque é familiar.
— Da gente. — Meu coração dispara. — De como costumávamos ser.
Oh meu Deus, está acontecendo!
A última vez que Tristan me olhou assim, quase nos beijamos. Estávamos na sala da casa dele, aninhados no sofá de frente para a lareira, ele havia fraturado o braço durante uma partida de polo aquático e estava morto de medo de nunca mais voltar a jogar. Naquela tarde, ele segurou a minha mão e aproximou seu rosto do meu como se realmente quisesse me beijar. Contudo, eu recuei.
Tínhamos só treze anos, àquela altura eu não estava interessada em beijos ou garotos. E ele era o meu melhor amigo, eu receava que as coisas entre nós ficassem estranhas caso nos beijássemos. No fim, enterramos o episódio e não voltamos a tocar no assunto.
Deixo o momento se estender enquanto a música fica mais alta e a noite menos tediosa. Como em um filme, somos apenas nós e a voz de Kanye West. Eu mudaria a trilha sonora se pudesse.
Então, do nada, Tristan solta a minha mão. Recua, olhando para além de mim.
Eu viro a cabeça em um giro calculado.
Uma garota está vindo na nossa direção, parece uma modelo russa, longilínea e bronzeada, seus longos cabelos ruivos esvoaçando na brisa. Levo apenas uma fração de segundo para reconhecê-la: Lana Bosworth, a ex-namorada dele.
Ela passa por mim feito uma tempestade.
O chão se inclina sob meus pés.
Isso não pode estar acontecendo.
— Ei, Lana — Tristan diz com um sorriso tenso. — O que está fazendo aqui? Achei que não viria.
— Eu mandei mensagem avisando que tinha mudado de ideia, você não viu?
— Devo ter desligado o celular.
— É mesmo? — Ela pesca o aparelho no bolso dele, a tela acende. — Parece bem ligado pra mim.
Fico boquiaberta.
Tristan engendra uma desculpa esfarrapada e pega o celular da mão dela. Com isso, o olhar de Lana recai sobre mim.
Devo dizer que Lana e eu nunca nos demos muito bem, e isso não tem a ver especificamente com o fato de ela estar sempre entrando e saindo da vida de Tristan, mas com sua postura em relação a mim. As coisas entre nós começaram a desandar no jardim de infância, quando ela passou a me apelidar de Pernas de Palito, Bebê Coruja e Salamandra Sem Rabo, entre outros termos igualmente lisonjeiros.
— Ora, veja! Se não é a Rainha dos Tombos. Estou impressionada que tenha conseguido chegar até aqui sem quebrar nenhum osso no percurso.
— Não começa, tá legal — Tristan a repreende.
— Oi pra você também, Lana — digo, apesar do tremor na minha garganta. — Não sabia que estava de volta.
— Como é? — Ela estreita os olhos para Tristan. — Quer dizer que não contou a ela?
Ele engole em seco.
— Não temos nos falado muito ultimamente — explico, antes que a situação se torne ainda mais constrangedora.
— Que bom! Porque eu odiaria saber que o meu namorado anda falando com outra garota pelas minhas costas.
— A Frini é minha amiga.
— E daí? Ela ainda tem peitos.
O comentário faz minhas bochechas queimarem. Abaixo a cabeça, lutando contra o constrangimento e a vontade de chorar.
— Já chega, Lana — Tristan suspira, irritado. — Estou de saco cheio disso.
— Eu não dou a mínima!
Olho para o lado, Arya continua imersa em uma conversa com Dom próximo a um arbusto, a poucos metros daqui. Me impeço de correr até lá.
Isso parece um pesadelo.
Eu nunca teria imaginado que Tristan e Lana reatariam. Depois que ela se mudara para ficar com o pai, no verão passado, o término parecia definitivo. Mas advinha só, ela tinha que voltar. Lana Bosworth sempre volta, eu já devia saber.
Depois de um tempo, os dois finalmente desistem de trocar farpas.
Essa é a minha deixa, digo que preciso ir encontrar Meredith — obviamente é mentira, só estou desesperada para sair daqui o mais rápido possível, antes que eles voltem a se digladiar.
— Mas e a Arya? — Dá pra ver pela cara dele que está drenado.
— Acho que ela prefere ficar — digo, indicando o lugar onde Arya e Dom estão conversando.
— Beleza, então. Mas vai com cuidado.
— Ela não tem mais oito anos, Tristan — Lana dispara.
Ele ignora o comentário e me dá um meio sorriso. E embora com o coração em pedaços, não posso deixar de sorrir de volta.
Olá, gafanhotos!
Obrigada a todos que comentaram, votaram e continuam por aqui.
Nossas crianças finalmente cresceram.
#tôemocionada
O que acharam do capítulo?
Quem leu a primeira versão deve ter percebido as mudanças, espero que não tenham estranhado tanto. Eu mesma costumo estranhar quando uma história muda muito de uma
versão para outra, mas neste caso as mudanças foram necessárias.
O que acharam de Tristan?
E de Lana?
Frini continua super legal e nem um pouco ranzinza - deve ser de família.
Mas me contem, gostariam de ir a uma das festas do Dom ou nem?
Isso é tudo por enquanto.
сыр!
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