Capítulo 8
NINGUÉM REALMENTE entendia o clima de Fotocópolis, a cidade onde todos estes personagens viviam. Era como se fosse um lugarzinho com vida própria, onde todas as coisas decidiam ser ruins ou malucas. Por exemplo, Fotocópolis era considerada a cidade das pessoas com os nomes mais feios do Brasil.
Na questão do clima... por mais que durante o dia em que este capítulo se passa, tenha feito muito calor e o sol ameaçou cozinhar todos os moradores, durante a tardezinha, começou a chover outra vez. Isso deixava Aguinaldo com uma certa agonia, já que os outros chegariam com os pés sujos de lama e iria dar trabalho para limpar o chão. Por essa razão, estava muito preocupado.
O primeiro a chegar foi Beltassamo. E como odiava se sentir sujo, usava uma capa de chuva, galochas e um guarda chuva. Antes de entrar na casa de Aguinaldo, ele tirou toda a roupagem anti-chuva.
— São quatro horas, achei que tivéssemos combinado que todos chegariam depois das sete — Aguinaldo comentou. E sim, ele estava guardando toda a sua mágoa para o momento mais oportuno.
Só de olhar para o rosto despreocupado de Beltassamo, ele sentia vontade de pular em seu pescoço, ou talvez soltá-lo de um prédio bem alto, quem sabe amarrá-lo na frente de um carro. Todo o tipo de ideias violentas.
— Bom, eu pensei que provavelmente mais tarde vou ficar com preguiça de ir embora, então decidi ficar para dormir — Beltassamo respondeu com a maior cara de pau.
Apesar de serem amigos a mais tempo do que eram capazes de contar, Aguinaldo não sabia se Beltassamo estava desconversando ou se realmente acreditava que tinha respondido a pergunta.
— E o que isso tem a ver com o que eu te perguntei?
Beltassamo ficou parado uns dez segundos olhando para Aguinaldo, refletindo.
— Bom... eu não sei.
Aguinaldo suspirou e pensou em ele mesmo ir embora da sua própria casa. A noite seria muito longa, muito... Falando em noite...
— E que história é essa de dormir aqui, na minha casa? Quem te convidou? — Aguinaldo cruzou os braços e Beltassamo apenas deu de ombros.
— Ué, já que a gente é amigo a tanto tempo, eu me sinto como se fosse da família. — E sorriu como se estivesse se sentindo envergonhado.
— Mas eu não te convidei!
— Ah, para de ser chato Aguinaldo, — Beltassamo bateu no ar — eu vou ficar de qualquer jeito.
Nesse momento, Aguinaldo se surpreendeu com todo o autocontrole que encontrou dentro de si mesmo. Já que ele não expulsou Beltassamo e nem fez nada do que planejava desde que descobriu que a culpa de todo o seu sofrimento dos últimos dias eram daquele idiota!
Beltassamo tirou uma mochila que estava em suas costas e a colocou em cima do sofá, antes de se sentar ao lado de Aguinaldo.
— Fiquei sabendo que você desmaiou nos braços da Emê de Martnália hoje — Beltassamo falou e sorriu maliciosamente. — Me conta, como foi, princesa?
Por mais que realmente quisesse matar Beltassamo, ele era o único para quem podia contar o que sentiu naquele momento. Mesmo que soubesse que seria muito zoado. O que não quer dizer que entregaria o jogo tão facilmente.
— Não aconteceu nada, eu estava desmaiado. — E se afastou o máximo possível de Beltassamo no sofá. — O que você deveria estar perguntando é se eu estou bem.
— Eu tô vendo que você tá bem.
— Mas você deveria perguntar mesmo assim, até porque foi tudo culpa sua.
Beltassamo franziu o cenho. Seu cérebro tendo um pequeno curto circuito enquanto se esforçava para tentar entender.
— Você tá me culpando por ter desmaiado nos braços da Emê de Martnália? — Perguntou. — Isso é bom ou ruim?
— Isso é péssimo Beltassamo, péssimo! — Aguinaldo quase rosnou.
— Oxi, que agressividade é essa?
O rosto de Beltassamo era de tamanha inocência que Aguinaldo quis muito estrangular ele. E foi o que fez. Jogou as mãos para cima de Beltassamo e agarrou o pescoço dele, o chacoalhando como se fosse um boneco de pano.
— Qee...que...quuiss...Ag...agna... — Beltassamo tentava dizer: "que é isso Aguinaldo?" Mas infelizmente não conseguia.
— Você! Você seu maldito! Falou pra todo mundo que eu era seu namorado! — Aguinaldo gritava.
— Qee...quisss...voc...mim... — O estrangulamento continuava.
— E nem pra você me contar! Eu me declarei pra Martnália por culpa sua! Conheci a Elcione por culpa sua! Passei vergonha na frente de todo mundo por culpa sua! Desmaiei por culpa sua! — Ele balançou mais umas duas vezes o pescoço de Beltassamo até soltar.
Se sentia um tantinho mais leve. E isso era muito bom.
— Que merda... — Foram as primeiras palavras de Beltassamo.
— Você não me contou que todo mundo pensava que a gente era um casal e quando eu soube pela Martnália, você não me falou que a culpa era sua!
— Aí foi mal... foi mal... espera um pouco. — Beltassamo pediu enquanto massageava seu pescoço.
Mas quando olhou para Aguinaldo, percebeu o quanto aquilo estava magoando seu amigo. Então coçou a garganta e decidiu se explicar.
— Olha, me desculpe por não ter te contado nada, é que eu achava que você sabia. Quer dizer, todo mundo sabia. — E riu com essa afirmação, mas parou ao ver o olhar mortal de Aguinaldo. — Me desculpa mesmo, eu esqueci.
— Como você pôde esquecer uma coisa dessas Beltassamo?
— Ué, sei lá. É que pra mim foi uma coisa tão simples, tipo, as meninas queriam sair comigo mas eu nem tava afim, então falei que a gente estava junto. Eu não achei que elas fossem realmente acreditar.
— Mas acreditaram...
— É, e espalharam pra escola inteira. Um monte de gente veio me perguntar, mas eu nem falei mais nada. Então achei que tinha acontecido a mesma coisa com você, aí nem te falei nada.
— Você podia pelo menos ter desmentido...
Aguinaldo suspirou e jogou seu corpo para trás no sofá. Nunca tinha passado por sua mente que Beltassamo tivesse feito aquilo por mal, ele não era tão inteligente assim para planejar algo desse tipo. Na verdade, ele só queria descontar um pouquinho da sua raiva nele. Só isso. Já estava satisfeito
— Me desculpa mesmo...
— Por que você mentiu pra essas garotas? — Aguinaldo olhou para Beltassamo e percebeu que ele não esperava por essa pergunta.
— Porque a minha irmã me disse uma vez que a pior coisa que pode acontecer com uma garota é ela ser rejeitada pelo cara que ela gosta. — Beltassamo de repente ficou cabisbaixo.
— A sua irmã de seis anos?
— É! — E olhou bravo para Aguinaldo. — Não é só porque ela tem seis anos que não sabe das coisas.
— Tá bom, tá bom...
E de repente, era Aguinaldo quem estava consolando Beltassamo. Enquanto o outro contava como foi triste ver que sua irmãzinha já tinha tido o coração partido, Aguinaldo começava a refletir que talvez, só talvez, toda essa história não tenha sido de todo o mal.
•••
A chuva já tinha passado e o céu já havia escurecido quando Emê de Martnália chegou junto de Elcione. E foi só ao ver as duas juntas que Aguinaldo se lembrou de que não tinha nenhum show do Abba para assistirem. O pânico meio que bateu.
— Olha Aguinaldo, tenho duas coisas pra te dizer — Elcione anunciou assim que pisou o pé dentro da casa de Aguinaldo. — Primeiro que eu nunca mais vou te chamar de Guizinho, certas pessoas me avisaram que é muito feio. Segundo, que minha avó disse que enterrou o CD da minha mãe com o show do Abba no túmulo dela.
Todos ficaram em silêncio. Elcione arqueou as sobrancelhas e refletiu por alguns instantes se tinha dito algo errado.
— Que foi?
— Sua mãe... ela morreu? — Aguinaldo perguntou.
— Ah, sim! Morreu num acidente de carro junto com o meu pai.
Os outros três ficaram ainda mais chocados. Emê de Martnália nem tanto, já que sabia da história. Mas toda vez que Elcione falava do assunto nesse tom de brincadeira, ela se surpreendia.
— Eu sinto muito... — Aguinaldo não sabia muito bem o que dizer.
— Tudo bem... isso foi quando eu era pequena, nem lembro muito deles.
Os outros não sabiam se teria como a história ficar mais triste. Por isso, graças ao dom do discernimento, Aguinaldo decidiu mudar de assunto.
— Enfim, tudo bem não ter trago o show que você disse que ia trazer. — Não estava nada bem. — Eu acho que tenho o filme Mamma Mia aqui, a gente pode assistir.
— Ótima ideia! — Martnália se apressou em dizer, já que era cúmplice da mentira.
— Ué, mas você disse que ia assistir um show com a Martnália aquele dia... — Elcione murmurou.
Beltassamo apenas riu dela com deboche.
— Minha cara, você é muito inocente — Disse e passou o braço por cima do ombro de Elcione.
— Ei, o que você quis dizer com isso?
Ao ver que os outros dois estavam distraídos, Aguinaldo aproveitou para se aproximar sorrateiramente de Emê de Martnália.
— Obrigada por vir — ele sussurrou.
Ela sorriu e concordou com a cabeça.
— Eu deveria ter inventado alguma desculpa pra Elcione, foi mal ter te metido nessa — ela cochichou de volta.
— Não se preocupe.
— Ei! O que vocês estão cochichando aí, ein? — Elcione perguntou muito alto e eles se afastaram imediatamente.
— Nada que seja da sua conta — Aguinaldo respondeu com desânimo por Elcione sempre atrapalhar tudo.
Depois de muito tempo na cozinha, todos conseguiram sentar no sofá. Elcione havia mexido em todos os armários da casa de Aguinaldo e reclamado bastante sobre como não encontrava quase nada ali; Beltassamo que de anjo só tinha a cara, acompanhou Elcione em todas as suas críticas; já Emê de Martnália ficou o tempo todo sentada no sofá da sala sozinha.
— Por que a gente não assiste o filme da Era do Gelo? — Beltassamo perguntou.
— Porque combinamos de assistir um show do Abba! — Aguinaldo estava quase estrangulando alguém de novo.
— Mas não tem show nenhum aqui Aguinaldo — Elcione entrou na conversa.
— Ainda bem que eu tenho o filme, é tipo um show.
Enquanto isso, Emê de Martnália apenas observava a confusão que estava prestes a se formar, e ela mesma já estava perdendo a paciência. Admirava muito Aguinaldo por ter aguentado tanto aqueles dois.
— Não é a mesma coisa, eles mudam as músicas — Elcione choramingou — e eu já assisti esse filme um zilhão de vezes. Vai ser chato.
— Se você quiser, pode ir embora — Martnália falou de repente, o tom de voz extremamente calculado.
Os outros dois se calaram e observaram a cena com fascinação. O tom de voz dela não era de brincadeira, nem o olhar sério na direção de Elcione.
— Você sabe que não suporto gente reclamando, então se não quiser vai embora, ou se não, só cala a boca.
Por mais que fossem levemente parecidos, a paciência de Emê de Martnália era muito mais curta que a de Aguinaldo. E Martnália estava falando muito sério com Elcione, tanto que ela engoliu em seco e realmente ficou mais quieta. Como um cãozinho repreendido.
— Tudo bem, me desculpa — Elcione murmurou.
Depois de alguns minutos desconfortáveis, acabaram colocando o filme. Até mesmo Beltassamo ficou mais quieto depois do que Martnália falou, não que concordasse com ela, mas estava muito surpreso com o tom de voz controlador que ela havia usado. Não pensava que ela era daquela forma, já que geralmente estava calada.
Logo o humor de Elcione já estava de volta a ativa e ela cantava junto com os personagens todas as músicas, deixando os outros quase surdos. Aguinaldo dançava discretamente com o pé, e se surpreendeu quando Emê também se levantou e começou a dançar e cantar em voz alta com Elcione. Ela não era tão boa, mas parecia estar se divertindo muito. Beltassamo acabou se juntando às outras duas e após muita insistência, Aguinaldo também se levantou. E juntos quase perderam a voz de tanto cantar.
Eles se divertiram, os quatro. E quando Emê de Martnália olhou para Aguinaldo, e ele a olhou de volta, e ambos sorriram, eles não faziam a menor ideia do que aconteceria sete anos depois, em um velório. Toda aquela alegria, toda a amizade que surgiu entre eles da maneira mais estranha possível, nada disso existiria mais. Só o vazio de que um deles não estaria mais ali.
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Oiê! Tudo bem? 🤠
Primeiro, quero desmentir a "eu" do passado que disse que postaria todos os dias 🤡, pessoa ingênua ela...
Não estou tendo tempo pra revisar capítulos todos os dias, então não vai dar.
Mas seguirei postando nas segundas e sextas, que são os dias que estou mais tranquila 😌
Ok, agora...
Eu sei que já agradeci nos capítulos passados, mas... Muito obrigada por cada comentário de vocês! Sério! Eu fico olhando chocada para o tanto de comentários nos capítulos, e isso me incentiva muito a continuar postando!
Obrigada novamente ♥️
Como já disse pra algumas pessoas por aqui 👀
Sem os seus comentários e a sua leitura, essa história não teria nenhum valor! ♥️♥️
E gente... Me contem o que vocês acharam dessa "bronca"(?) que a Martnália deu na Elcione? Desnecessária? Bem feito? Diz pra mim!
Enfim,
Até o próximo capítulo 😘
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