Capítulo 25: Final.
"Viveu, enquanto esteve vivo"
Era o que estava no epitáfio de Aguinaldo Pereira da Silva.
Emê de Martnália considerou que fez jus à pessoa que ele foi. Pois desde que o conheceu, apesar de ser tímido e diferente de qualquer outro garoto, Aguinaldo sempre foi ele mesmo, e essa é uma forma de viver.
Quando ela chegou ao velório já tinha parado de chorar. Uma sensação esquisita tinha se instalado em seu peito, por algum motivo ela sentia... animação?
Sim, depois que tinha lido a carta de Aguinaldo, Emê de Martnália se sentia animada, mesmo estando no velório dele.
As palavras dele na última carta a tinham surpreendido e mesmo sabendo que provavelmente Aguinaldo nunca saberia, ela se pegou querendo ser a pessoa que ele queria ser: uma pessoa simplesmente viva.
Durante toda a sua vida Emê só conseguia lembrar de si mesma fugindo dos sentimentos ruins. Ela sempre foi o tipo de pessoa que não conseguia lidar com seus próprios sentimentos e não queria enfrentar as dificuldades da vida, por isso fugia.
E Aguinaldo estava certo, ela nunca o amou. Ela gostava da sensação de ter toda a atenção dele, porque sentia uma imensa falta disso em casa. Como ele soube, era um mistério. É impossível desvendar os rumos dos pensamentos de outra pessoa.
Por isso, quando chegou ao velório, Martnália não estava chorando. Porém, seu coração voltou a se apertar quando encontrou Elcione, Beltassamo, seu Juvenal e outros colegas em comum que tinham.
Outras duas pessoas chamaram especialmente a atenção de Emê, duas mulheres: uma mais velha, com seus quarenta e tantos, e outra mais jovem, que estavam debruçadas sobre o caixão chorando como mais ninguém.
Martnália se isolou em um canto e ficou surpresa ao reparar na aproximação de Elcione.
— Então você veio — a mais alta falou quando ficou ao lado de Emê.
Martnália apenas concordou com a cabeça.
— Você continua do mesmo jeitinho de quando foi embora — Elcione comentou.
Emê olhou para si mesma e concordou internamente. Nem seu corte de cabelo tinha mudado muito, porque seus fios não eram bons para crescer.
— Obrigada, eu acho — Martnália soltou um sorriso sem querer.
Elcione ficou em silêncio por um tempo, o que foi uma grande surpresa. E tomando coragem, Martnália decidiu perguntar:
— Quem é aquela senhora perto do caixão?
A outra olhou para o rumo do caixão e respondeu:
— É a mãe do Aguinaldo.
Novamente, Martnália se surpreendeu. Durante todos os anos em que morou em Fotocopólis, nunca tinha visto a mãe de Aguinaldo. Só sabia que ela tinha ido embora há muito tempo, quando ele era uma criança.
— Uns três meses atrás ela veio para Fotocopólis ver o Aguinaldo, dizendo que estava disposta a ter uma relação melhor com o filho — Elcione contou.
— Ah. — Foi o que Emê conseguiu expressar.
E como mais nada foi dito entre as duas, Elcione continuou falando:
— O Aguinaldo concordou que ainda não era tarde demais e perdoou ela, eu fiquei muito indignada. Essa mulher devia estar querendo alguma coisa dele. Bom, nunca vamos saber.
Martnália apenas concordou com a cabeça e notou que se continuasse em silêncio Elcione soltaria as informações por conta própria.
— E aquela outra mulher chorando pra caramba era a namorada dele.
Com isso, Emê olhou espantada para Elcione, que abriu um sorrisinho malicioso.
— Desculpa, eu precisava ver a sua reação quando soubesse disso.
Martnália ficou sem graça. Se perguntou internamente se era esse o motivo de tanta felicidade para Aguinaldo na última carta.
— Eles já estavam juntos há um tempo, ela é muito legal, mas não somos próximas porque é muito ocupada. Coitada.
De alguma forma, o diálogo acabou. Emê estava se sentindo extremamente desconfortável por estar ali, e ao mesmo tempo, acreditava que precisava daquilo, precisava tocar o caixão. Por isso, se afastou de Elcione e se aproximou do caixão onde estava o corpo de Aguinaldo.
Como foi um acidente de carro, o caixão estava fechado. Mesmo assim, era o símbolo de que o corpo de Aguinaldo ainda estava ali.
As outras duas mulheres olharam com estranheza para Martnália quando ela chegou perto, mas não protestaram quando ela apenas encostou uma das mãos no caixão.
E foi quando sua pele encostou na madeira fria que Emê de Martnália finalmente compreendeu a grandeza do que acontecia ali: nunca mais veria Aguinaldo. E ele nunca mais viveria, nunca mais poderia fazer nada, falar nada, sorrir ou chorar.
E ao refletir nisso, voltou a chorar. Dessa vez, chorou mesmo, sem esconder sua dor. Soltou grunhidos esganicados e chamou atenção sem se preocupar com o incômodo alheio.
Aguinaldo estava morto, e ali estava ela outra vez pensando em si mesma. Mas não se sentia culpada por isso, não mesmo. No caso dele, infelizmente, nada mais podia ser feito, porém, ela ainda estava viva, ainda respirava.
Emê de Martnália tinha tudo para recomeçar.
Passou cinco minutos chorando, se lamentando por nunca ter ligado ou mandado uma mensagem sequer para se desculpar por seus erros idiotas. Todavia, não ficou mais tempo do que isso se arrependendo. Entendeu que não podia mudar o que já estava feito.
Porque viver não é fácil, e todos estamos propensos a cometer erros. E Emê estava cansada de se esconder em Dulce Fields, cansada de não pedir desculpas, cansada de fugir, cansada de não mudar.
Toda vez que fugia de seus problemas, perdia uma oportunidade de aprender com seus erros. E ela ainda era tão jovem! Ainda erraria tanto, aprenderia tanto, viveria tanto!
Puxou sua mão de volta e abraçou seu próprio corpo, e continou assim até estar do lado de fora. Sentiu o vento frio da noite que se aproximava batendo em sua pele, olhou para o céu, viu os diferentes tons de azul e decidiu que daquele segundo em diante faria diferente.
Daquele segundo em diante, Emê de Martnália viveria como nunca viveu antes. Estaria consigo mesma nos momentos bons e nos ruins.
Afinal, a única pessoa que podia fazer isso por ela, era ela mesma.
Todos nós que estamos vivos ainda temos a chance de viver muitas coisas: de entender nossos limites, de errar, de aprender, de cair e levantar, de ajudar e ser ajudados, de conhecer lugares e pessoas e comidas, de nos esforçar e enfrentar nossos medos, de desistir de algo e depois nos arrepender e voltar atrás, de começar e recomeçar quantas vezes for preciso e de criar memórias e dar o nosso máximo em cada um desses momentos.
Repito: apenas nós que estamos vivos temos a chance de viver. Percebe a grandeza disso?
E se você tem muita dificuldade de entender isso, se sente que estou errada, que nada disso funcionaria, perceba que esse é um sinal claro de que você precisa de ajuda. E pedir ajuda é uma das maiores demonstrações de coragem. Você não precisa ser um caso perdido, pode escolher melhorar a qualquer custo.
Então, Emê de Martnália respirou fundo e foi para casa listando todas as coisas que queria fazer antes de morrer e planejando cada detalhe com uma nova chama de esperança. Se lembrou das palavras de Aguinaldo e sorriu para o desconhecido.
Emoção! Só quero vida e emoção!
Fim.
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"Sei que está triste agora.
Sinta a dor, mas não se agarre a ela.
A dor sufoca a vida.
Deixe que passe.
Se lembre de mim e fique feliz.
Você tem uma vida incrível pela frente.
Aproveite ao máximo cada segundo."
— Algum livro que li e não encontrei o nome.
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