André é egocêntrico demais para admitir que seu livro da Framboesa é uma bosta. O editor não o respondeu.

  Eu ainda não resolvi meu conflito. As críticas sobre meu romance não estão chegando. Eu acho que meu email está quebrado...

  Já André está passando por um período de negação agora. O que é estúpido se me perguntar, por que ele não pode apenas aceitar que o editor deve ter corrido os olhos por aquele monte de palavras emboladas e ignorado toda a história de Framboesa, seu triângulo amoroso e sua escola cheia de magia e segredos.

  No mundo existem muitas pessoas se achando mais importantes do que realmente são. Todos se acham um bolinho fofo, único e especial, mas adivinhe só, há milhares de outros bolinhos mais fofinhos, mais únicos e mais especiais do que você. A vida é cruel, se acostuma. 

  Então talvez as críticas do meu livro estejam demorando para chegar porque escrever resenhas demanda tempo. Uma hora ou outra dezenas de opiniões vão chegar e eu vou voltar a minha depressão, temeroso demais para saber o que estão me dizendo.

  Oh certo, como ia dizendo... Você não é especial. Você não é protagonista. Provavelmente não é antagonista também. São poucas as pessoas no mundo que vivem história que vão virar livros.

  A menos que você seja alguém bastante peculiar e alguém te ache interessante o suficiente para escrever cinco ou dez capítulos sobre você. Como é o caso do André.

  O que nem sempre é algo bom, considerando o quanto TODO MUNDO ODEIA o André.

  Então sim, as vezes você vai fracassar. E não, não vai aparecer uma solução mágica e conveniente para consertar suas decisões erradas. A vida vai colocar um monte de pedras no seu caminho, você vai tropeçar nas pedras e cair em cima de uma poça, a frente da sua calça vai ficar molhada e todos vão rir de você. Vão tirar uma foto, gravar um vídeo e todos no mundo vão ver sua calça molhada e então seu apelido vai ser Chorão Calça De Xixi e você vai precisar pagar uma psicóloga anos depois porque ficou traumatizado e até hoje tem sonhos sobre isso. Essa vida, leitor.

  O que André deveria fazer é largar os lápis, esquecer Framboesa e essa história de escrever. Eu não sei narrar, por que André saberia?

  Talvez as pessoas que tenham comprado meu livro estejam procurando um jeito de me enviarem suas resenhas cheias de críticas e xingamentos de forma particular. Eu deveria divulgar meu email?

  A coisa estranha é que André, mesmo sendo o bolinho menos fofo, menos único e menos especial, mesmo depois de sua clara rejeição, não desistiu de Framboesa. André sentou no sofá e voltou a escrever, o mesmo livro, a mesma história. Que esquisito... Quem continua insistindo numa história, mesmo quando ela não dá certo?

  André é o cara com a calça molhada, mas ele é o cara que não se importa. Não importa que as pessoas estão rindo dele e falando que ele é um Mijão, André não se importa com as pessoas.

  Desde o começo na verdade, André nunca se importou... Tão estranho. Quantas histórias horríveis eu não teria escrito se não me importasse com a opinião das pessoas?

  André está indo contra todas as críticas, reescrevendo seu trabalho mesmo quando tudo diz para que ele abandone a escrita e siga carreira como boleiro.

  Eu quero pular dentro da sala do garoto e mandá-lo parar com isso. André não sabe narrar! Não faz ideia do que está fazendo quando continua escrevendo sobre Framboesa e suas aventuras sem qualquer tipo de plot twist ou arenque vermelho intrigante. Por que ele não me escuta e desiste de tudo?

  O que seria de mim se tivesse insistido mais um pouco em contar a história de Elizabeth Labelle. Quão diferente não seria minha visão de mundo se As Amigas terminasse de ser escrito, mesmo quando claramente não tinha qualquer futuro. Talvez as coisas tivessem sido diferentes se eu tivesse concluído Meu Diário Secreto e acreditado no potencial de Emilly Blossom.

  Eu fiz a escolha certa em largar mão de projetos inúteis. Qualquer um poderia ver que eu não tinha talento algum.

  Mas aqui está André, ainda escrevendo.

  E é tão irritante! Eu odeio o André! Odeio ele e seu otimismo estranho. Sua sinceridade desmedida e os trejeitos de garoto esquisito que me fazem questionar como diabos sua mãe ainda não o levou ao hospital.

  Sim, talvez todas as pessoas que odiaram meu livro estejam no hospital e por isso não podem me mandar suas críticas cruéis ao meu trabalho.

  Está tarde e a mãe de André está preocupada, temendo que o filho esteja obcecado de novo pela tia da cantina. Mas André está escrevendo, evoluindo a história de Framboesa um pouco a cada linha. E a mãe de André torce a boca para esse hábito inexplicável do seu filho.

  Onde estão as opiniões de todos sobre meu trabalho? Estou esperando. Críticas... Elogios? 

  André tem orelhas debaixo do olhos, o roxo combinando com a vermelhidão da acne cobrindo boa parte do seu rosto. André tem os dentes amarelos e alguns fios que chama de bigode. André está usando a mesma camisa há várias semanas, André está fedendo, André sente fome. André ainda está escrevendo.

  A negação é algo tão triste, pobre do garoto, achando que pode ser um escritor. André acha que tem algum talento, que pode fazer algo grande no tempo curto de sua insignificante existência. Deprimente, se me perguntarem.

  E sério, quando as pessoas vão começar a falar do meu livro? Gente, eu publiquei, eu sou tipo... Um escritor agora.

  E eu nunca me senti mais fracassado.