Ambição
Ouçam! Ouçam! Leiam! Leiam!
Há algo errado com todos os roteiros do mundo. Esses críticos literários usam seus óculos estranhos e bigodes chiques e acham que podem falar alguma coisa.
O que houve?
Sim, eu tenho um problema com críticos, que bom que percebeu.
"Mas narrador, como um fracassado como você, poderia ter problemas com críticos?"
Fico feliz que tenha perguntado, pequeno e inconveniente, leitor. Imagine só se milhares de pessoas lessem essas palavras e vissem o quão horrível André é como protagonista.
Elas ficariam horrorizadas! Ficariam paralisadas de escárnio absoluto ao observarem o comportamento abominável de André.
Mas o que André fez de tão horrível?
Vocês não vão acreditar no que André decidiu fazer! André está lendo um livro!
E você podem pensar:
"Uau, narrador, isso é maravilhoso!"
Não é maravilhoso, leitor, é apavorante. Pessoas burras estão lendo! Pessoas burras estão escrevendo!
E sim, talvez eu não possa sair chamando as pessoas de burras, porque isso pode sim ou não se encaixar como difamação, apesar da falta de especificação ou citação de nomes, mas ainda assim... Advogados são tão assustadores quanto críticos literários.
Depois de sua rotineira alegre chegada em casa, almoço sufocante, observação de sua pobre mãe e lições de casa comidas pelo próprio André (porque ele não tem um cachorro para fazer isso por ele). André me surpreendeu ao pegar um livro.
Isso mesmo, um, L - I - V... Estou com preguiça de soletrar, mas vocês entenderam porque eu não pude acreditar no que estava vendo. André estava lendo!
André começou a ler um desses livros horríveis infanto-juvenil, cujo enredo sempre tem uma escola, um garoto comum, seus amigos menos bonitos, um triângulo amoroso pouco desafiador e um vilão de aparência caricata.
É horrível, eu sei. Imagina se um crítico literário ler essa história e pensar que estou fazendo meu personagem, André, ler romance juvenil de massa. Que horror!
Sabem o que mais me irrita nesses malditos romances? Eles estão sendo publicados para toooooda uma geração de jovens escritores e leitores, que vão crescer achando que literatura é Cinquenta Tons de Cinza, After e 365 Dias.
Eu sei! É apavorante.
Quem leria essas coisas por vontade própria?
No entanto, sábios leitores, confesso que não tenho estado muito melhor. Minha literatura pouco melhorou desde que decidi narrar a história de André, na verdade, a cada minuto que passo com o garoto posso sentir minha vitalidade indo embora.
Eu sei, eu sei, só fazem algumas semanas, mas André tem esse dom peculiar de sugar a alma das pessoas aos poucos.
Já sinto minhas memórias sendo esquecidas. E o que eu deixo ao mundo além de um punhado de textos incompletos?
Eu tinha ambições maiores do que terminar minha vida narrando um adolescente esquisito do interior.
E sabem o que é pior?
André parece estar se divertindo com sua leitura ruim! Ele ri e chora e esconde a cara de vergonha. André está entoando mantras, empunhando uma espada imaginário enquanto corre os olhos pelas páginas e cavalga para a batalha junto desses personagens imaginários.
Romance clichê adolescente ou não, André ama essa coisa.
Oh pobre de mim, que meus leitores nunca poderiam ter a mesma reação de André. Eles jamais poderiam comemorar com tanto afinco as vitórias de Sortido e Agente Campari em A Laranja Que Campari Achou ou chorar com a história de superação de Tia Mimil e seu filho Arthur.
Meus leitores não estão empunhando escudos ao lerem sobre a evolução da incrível Garota-Sensação. Não estão segurando lenços ao declamar os poemas de O Florescer do Ipê Amarelo porque minha poesia jamais levaria lágrimas aos seus olhos cansados de pessoas depressivas que sofrem de insônia.
E não, não há nada que salve minhas obras, os roteiros continuam tão ruins quanto nunca estiveram. Esses dias resolvi contar a história de Manuel, garoto bacana, de vinte anos e que usa um chapéu, mas não existem rimas o suficiente e tudo me deixou tão irritado que eu quis matar o Manuel.
E agora André esfrega sua felicidade ao ler esse livro terrível na minha cara metafórica, como quem diz, olha o que esse péssimo romance consegue fazer e você não.
Mas assim como André tem esperanças de terminar seu romance um dia (eu já disse que ele nunca consegue sair da página 8) eu tenho sonhos! Ambições!
Um dia, um dia escreverei cenas tão belas que os leitores lerão repetidas vezes. E meus roteiros serão tão bem elaborados que nem mesmo o melhor dos detetives poderá decifrar os meus mistérios.
E as pessoas vão amar o meu trabalho pedante e vão pensar nele como um clássico subestimado. Eu vou estar nas escolas e nas bibliotecas.
É claro que isso só vai acontecer daqui há muito tempo e as pessoas jamais vão saber quem é André. Ou todos os meus fracassos, as pessoas vão fechar os olhos para todos aqueles livros incompletos, personagens infantis e roteiros previsíveis.
Mas aqui está o grande X da questão, quando André releu pela milésima vez a página 8 do seu livro, ele se sente inspirado para escrever.
Quem poderia pensar nessa ideia insana... André, um escritor. Praticamente posso ouvir risos.
André criou uma história sobre uma menina, de roupas cor-de-rosa e tranças no cabelo, chamada Framboesa.
André faz Framboesa cantar canções de amores para ele, canções que ele mesmo compõe para a personagem cantar para ele no caso.
Eu faria Framboesa compor canções de ódio e ela vestiria preto e diria a André: Mete o pé, seu mané.
E André ficaria deprimido com o fora que levou. Talvez tomasse jeito, consertasse esse cabelo e parasse de juntar caco de vidro no quintal.
Se Framboesa fosse minha eu chamaria de Amora. Ela seria uma dessas personagens de contos de fadas.
André é burro demais para desenvolver uma história com alguém chamada Framboesa. André tem a cabeça nas nuvens, cantando para Framboesa, desenhada numa folha de papel com um sorriso tosco, porque André não sabe desenhar. Patético, eu sei.
Eu sou patético, eu sei.
Somos todos um pouco patéticos, sabemos.
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