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A despedida

  Porta do meu apartamento. 20:30 do dia em que eu perdi meu pai.

  Ver Josh me deixou abalada por alguns segundos. Não sei se ir embora seria algum tipo de egoísmo meu, mas a necessidade de respirar falava mais alto.

  Eu queria ir embora, precisava ser irreconhecível e para isso teria que me despedir de toda a minha vida aqui. Eu vivi boas memórias aqui, mas essas memórias estão despedaçando e levando partes de mim.

Talvez a Inglaterra fosse uma boa ideia de recomeço, mesmo que eu não faça ideia do que faria para sobreviver lá. Provavelmente  comece como garçonete em um estabelecimento qualquer, o que não dá é para ser assediada todos os dias pelo meus chefe.

 
  — Por que não atendeu? Fiquei preocupado — disse assim que me largou.

  Josh está com cheiro de sabonete de morango, seus cabelos negros caem nos olhos e estão molhados. Deve ter acabado de sair do banho, exatamente como eu.

  — Me desculpe, Josh. Estava tão aflita que eu nem... — O que eu ia dizer? Que nem me lembrei que meu celular ficou apitando por minutos?

  — Eu entendo... Meus pêsames, meu amor. — Ele entra na minha casa antes mesmo que eu convide. — Quer assistir um filme comigo? — Se esforça para parecer empolgado e eu tenho que fazer valer a pena.

  — Só se for aquele que eu adoro! — Finjo uma animação e o empurro para dentro após ele concordar em assistir meu filme favorito.

  — Só você mesmo para me fazer "Como treinar seu dragão" milhares de vezes. Não sei como não enjoa! — Faz careta e eu dou um soquinho em seu ombro.

  Vou em direção à cozinha e ele me segue. Pretendo preparar pipoca e fazer um suco já que precisei parar de tomar refrigerante.

  — Aly... — Josh se aproxima e segura meu pulso suavemente. Eu sei que deveria sentir calafrios, mas não os sinto. Apenas sinto o toque de um amigo, quase um irmão.

  — Diga, Josh. — Encaro meus pés. Estou usando uma pantufa da Minnie e faço uma careta.

  — Não precisa fingir ser forte o tempo todo. Você pode chorar também...

  — Eu não finjo ser forte o tempo todo, eu preciso realmente ser forte o tempo inteiro. E não, eu não gosto disso.

  Não consigo encarar Josh, assim como não consigo encarar o fato de definitivamente ter que falar com ele sobre minha ida.

  — O que você está pensando em fazer, Alice? — Ele me conhece, sabe tão bem que estou com a mente longe. — Não vai fazer nenhuma loucura, certo? Você nunca foi de tomar decisões precipitadas.

  — E é por isso que eu preciso mudar. Eu nunca fiz metade das coisas que eu realmente quero. Eu estou morrendo, Josh! — Grito, me sentindo finalmente melhor após desabafar.

  Jogo-me na cadeira e decido fitar Josh, que me encara com seus lindos olhos azuis arregalados.

  — Você está doente? Também tem câncer? Vamos ao hospital vai ficar tudo bem, Alicia, vai ficar tudo bem... — Ele começa a me retirar da cadeira ainda em estado de pânico e eu demoro a entender o motivo do seu surto.

  — Não esse tipo de morte, Josh. — Por alguns segundos eu solto uma gargalhada verdadeira, mas seus olhos confusos me fazem parar. — Estamos todos morrendo a cada dia que se passa.

  — Ali, eu estou querendo te matar por me fazer passar um susto desses. — Ele ainda está tremendo mesmo após eu explicar para ele.

  Termino o suco de maracujá e entrego para ele que o toma rapidamente. Chegou a hora da verdade.

  — Josh, acho que preciso ser sincera com você.

  Ele coloca o copo na bancada de pedra que tem na cozinha e se senta na cadeira ao meu lado, olhando profundamente dentro dos meus olhos.

  Quando ele faz isso, mal consigo falar algo. Odeio que me olhem nos olhos, me deixa estranhamente confusa e insegura sobre o que quero falar.

  — Pode dizer o que quiser, Ali. — Josh segura minha mão e eu dou um sorriso de canto.

  — Eu quero te agradecer por tudo o que fez por mim durante esses anos... Você foi mais que um namorado, foi um irmão, uma casa confortável...

  — Não precisa agradecer, Ali. Você sabe que fiz tudo isso porque te amo. — Sua voz estava calma e isso foi o que mais apertou meu coração.

  — Eu também te amo, Josh... Mas talvez não desse jeito. — Me embaraço toda e sua expressão vai passando para a pura face da aflição.

  — O que você quer dizer com isso?

  — Que eu te amo, Josh, como um irmão. E que nós precisamos terminar porque eu estou me sentindo sufocada aqui.

  Ele respira fundo diversas vezes e eu faço a mesma coisa. Nunca pensei que fosse tão difícil terminar um relacionamento, porém, aparentemente é sim.

  — Você está mesmo fazendo isso, Ali? Tem certeza do que realmente quer? Acho que você só está confusa por causa de toda a situação...

  Perdido, ele parece perdido. Passa a mão nos cabelos pretos a cada três segundos e isso me deixa nervosa também.

  — Eu vou me mudar, Josh.

  — Para onde?

  — Para onde meu coração mandar. — Ele assente com a cabeça e algumas lágrimas rolam pelo seu rosto.

  — Espero que seu coração lembre o lugar que ele pertence. Eu te amo, Ali e isso não vai mudar. Quando precisar de mim, sabe onde me encontrar.

  — Na sorveteria da esquina comendo uma bola de chocolate e uma de leite ninho? — Arqueio a sobrancelha, era o único lugar que ele ia frequentemente.

  — Isso mesmo. Te aguardo lá! — Se aproximou de mim e segurou suavemente meu rosto. — Prometa que vai se cuidar.

  — Vou dar o meu melhor nisso. — Seu nariz passeia pelo meu rosto me trazendo uma tranquilidade grande.

  — Prometa que vai seguir seu sonho.

  — Algum dia... — Passo a mão nos seus cabelos e ele me fita com a boca entreaberta.

  — Beije-me uma última vez, Ali.

  — Com certeza. — Colo nossos lábios em um beijo suave, mas ele logo transforma isso em algo desesperado. Ele parece já sentir saudades de mim.

  Suas mãos percorrem meu cabelo e eu o sinto suspirar. Pobre Josh... Eu iria sentir tanta falta dele.

  E de Kimberly, minha melhor amiga.
 
  — Adeus, Ali.

  E ele vai embora, me deixando com pipoca e uma jarra de suco de maracujá. Pelo jeito, serei só eu e eu por hoje.

  Mas... O "adeus" é um recomeço.

 

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