XXX - Futuro Brilhante
"Eu te amo como um diamante, e diamantes duram para sempre." Diamonds - Morgan Evans
♥
John esperou do lado de fora até que toda a família tivesse a oportunidade de conversar com Alison. Queria vê-la, precisava daquilo, mas foi paciente, e acabou sendo o último a entrar no quarto.
Teve tempo.
Três longos dias e algumas horas extras para planejar tudo que diria. Como lhe explicaria os últimos acontecimentos, e a maneira como tudo havia mudado desde o acidente.
Ainda assim, quando a viu ali, finalmente acordada e consciente, sua mente tornou-se um branco e tudo o que conseguiu dizer foi:
— Você está bem.
Não fora uma pergunta, mas sim uma afirmação. Ele segurou a mão da garota e sorriu. Ela sorriu de volta. Seu sorriso era abatido e fraco, ela estava pálida e sem energia, mas estava ali. Ainda que o universo houvesse dado a John Rutherford um milhão de motivos ao longo da vida para nunca acreditar no melhor, naquele momento ele acreditou.
— Eu estou bem — ela concordou, ainda que não fosse a maior das verdades.
Estava desperta há não mais do que trinta minutos. E, com a cabeça confusa e o corpo débil, ela já houvera vomitado mais de uma vez.
Se fosse sincera, diria que nunca esteve pior, mas disse o que John precisava escutar: Ficaria bem.
Seus dedos finos deslizaram pelo antebraço do jovem, até tocar a gaze recobrindo o seu ferimento. Ele se encolheu um pouco ao sentir a pele queimada arder com o toque suave.
— Como você está? — ela perguntou.
— Melhor agora — ele confessou com sinceridade.
Sorriram.
Enquanto se encaravam, os seus olhares diziam uma centena de coisas um para o outro, mesmo que estivessem ambos calados.
— Meus pais contaram o que você fez — Alison fora a primeira a quebrar o silêncio. — Eles estão muito orgulhosos e agradecidos. Acho que isso é bom.
Descobriu que rir fazia o seu corpo doer bastante, então precisou se conter. Vinha respirando com ajuda de aparelhos há alguns dias, e as sequelas do impacto não desapareceriam de uma hora para a outra.
Nos três dias em que praticamente acamparam naquela recepção —esperando por notícias de Alison —, John e a família tiveram muito tempo para conversar. É incrível como momentos de desespero tendem a catalisar laços de união que jamais se criariam de outra maneira.
Às vezes todas as mágoas e desentendimentos passados, podem ser resolvidos com uma simples e honesta conversa. E era uma porção de mágoa para ser processada.
Judith, por exemplo, ressentia-se da nora. Pensava que era ela a culpada pelo afastamento do filho e da neta.
Christina, por sua vez, ressentia-se de Judith também. Sabia que, para a sogra e para Ben, ela nunca viria a ser tão amada e especial quanto fora Grace. Ressentia-se do marido também. Fazia muito tempo que aquele casamento já não funcionava.
Ben ressentia-se da mãe, que acolhera Frederick e Grace como seus próprios filhos, sem se importar com a maneira como lhe doía ver a união do seu melhor amigo com a mulher que amava.
John ressentia-se de ambos. De Christina e de Ben, porque sabia que não aprovavam sua união com a filha. O ressentimento, entretanto, era maior em relação à Bennet, dada a conversa que tiveram em seu escritório.
Odiava que ele houvesse se atrevido a dizer que era ele o seu pai. Odiava ainda mais que ele houvesse demorado tanto para revelar esse fato.
Se é que aquela era mesmo a verdade, coisa da qual John já não duvidava como duvidou no começo, ele tinha o direito de saber desde o principio, e seus pais tinham esse direito também.
Ou talvez já soubessem. Talvez ambos houvessem guardado aquele segredo do filho por todo esse tempo. Ou, então, Grace houvesse o levado sozinha para o caixão. Ou não. Talvez nunca houvesse desconfiado. Corpos enterrados não contam a sua versão de uma história, não contam nada.
Os mortos às vezes vão em paz. Outra vezes, vão cedo demais, e deixam assuntos pendentes na terra.
Seria um consenso dizer que Grace Rutherford se encaixava mais no segundo caso. Deixou assuntos inacabados pra trás.
E, para os menos céticos, eu diria que, após a sua morte, ela moveu os pauzinhos do destino no céu, e colocou Alison Grace no caminho do filho.
Se é que fez isso, provavelmente sabia como essa história iria acabar.
O fato é que Bennet houvera mantido aquele segredo por anos, e era muito ressentimento a ser perdoado. Mesmos assim, as 72 horas imersas naquele pesadelo, presos àquele hospital, ouvindo as preces de Judith pela cura da neta, foram o suficiente para pegar todo o ressentimento e transformá-lo em algo maior: Esperança.
Esperança era o que os mantinha ali, acordados e unidos.
Nunca houvera acontecido um pedido de desculpas formal, mas se perdoaram. Todos estavam conectados por um sentimento em comum: Amor.
Todos eram unidos por um único laço de amor chamado Alison Grace Jones. Todos a amavam.
John, entretanto, de uma maneira diferente dos demais. Sabia disso. Não era um amor fraternal, e nada ou ninguém mudaria aquilo. Alison sentia o mesmo que ele, mas a verdade precisava ser dita:
— Eles contaram sobre o sangue?
Ela assentiu silenciosa.
— O que isso significa? — perguntou.
— Não precisa significar nada — ele respondeu. — Quer dizer... É normal... As pessoas tem o mesmo tipo sanguíneo. Eu doei sangue pro meu pai durante a cirurgia dele também.
E, mesmo que ele não estivesse mentindo, também não estava sendo completamente sincero.
Frederick Rutherford tinha sangue B+. Talvez John se lembrasse disso, talvez houvesse simplesmente preferido esquecer. De uma maneira ou de outra, esse detalhe foi deixado de lado.
— Então a gente não... — a garota se interrompeu. Um pouco porque estava fraca e sentiu o corpo doer, outro pouco porque não queria falar a palavra "irmãos".
— Eu não sei, Ali — ele respondeu com sinceridade. Não teria como saber.
Alguns mistérios não foram feitos para serem desvendados, e o posicionamento de John era firme. Era uma das poucas coisas que não houveram mudado nos últimos dias. Não faria o exame. Frederick Rutherford sempre seria o único pai em seu coração.
— E o que nós vamos fazer? — ela quis saber.
Naquele momento, sequer notou a intenção da sua frase. Nós. Não ela. Não ele. Por algum motivo ambos sabiam que, qualquer que fosse o caminho, caminhariam de mãos dadas.
— Primeiro você vai descansar — ele disse, e deixou um beijo na testa da garota, sabendo que o tempo de visita era escasso e se aproximava do fim. — Vai se curar. E depois nós vamos voltar para a sua casa.
— E a Geórgia? — Ela quis saber. Doía quando dava risada, mas não pôde se conter.
— A Geórgia não vai sair do lugar — ele respondeu sacodindo os ombros. — Então quem sabe a gente volta pra lá um dia desses, mas vamos focar em você primeiro. Você precisa se cuidar, melhorar e então voltar pra faculdade.
Isso era algo sobre o qual falaram muito durante o tempo em que Alison esteve desacordada. Falaram tanto, que John houvera decorado cada um dos lamentos.
Grace, como seu pai preferia lhe chamar, não era apenas jovem demais, era também dona de um futuro brilhante. Um verdadeiro diamante a ser lapidado.
Durante cada uma das setenta e duas horas intermináveis, John culpou-se. Sentia-se responsável por apagar todo esse brilho que o futuro reservava à Alison Grace.
O único brilho que ela via, entretanto, era aquele que emanava dele próprio.
A verdade é que estavam ambos tão cegos pela urgência de se amarem que John sequer notou o quanto era egoísta e até cruel deixa que Ali abrisse mão de tudo por conta dele.
Via isso agora. Não deixaria que ela fizesse essa decisão outra vez.
Ela tinha muito a perder, ele, por outro lado, não tinha nada. Exceto ela, e quase a perdeu.
— E você?
— Bom... Eu dou um jeito — ele falou como quem tinha traçado um grande e perfeito plano, mas não fazia a menor ideia do que faria dali pra frente. — Seu pai disse que eu posso voltar para o estágio, desde que a gente não... Hãn...
Interrompeu-se, mas Alison entendeu a mensagem. Bennet não queria ver os dois filhos juntos romanticamente. Era até compreensível. Se Rutherford fosse pai talvez pudesse ter se colocado no lugar dele.
Sentiu os dedos de Alison acariciarem sua mão em um gesto de apoio, e sabia o que isso significava. Nenhum abriria mão do outro.
— Eu não preciso do estágio — ele disse por fim. — Não vou terminar a faculdade mesmo. Eu arrumo um emprego de garçom, ou sei lá... Espero que quando você for uma juíza não tenha vergonha de mim.
— Eu jamais teria vergonha de você, John Rutherford. — Sua voz encontrou forças para soar com a convicção necessária.
— Eu fiquei com medo de te perder — ele confessou.
— Eu não vou a lugar nenhum — respondeu com um sorriso abatido.
Ele sorriu também e concordou, sem falar nada. Acreditou naquelas palavras. Foram instantes antes de a enfermeira avisar que o tempo de visita houvera acabado.
Mas o final de uma coisa sempre conspira para o inicio de outra. E aquele não era o fim, era só o começo.
Não viveriam felizes para sempre.
A recuperação demorou algumas semanas, e John passou cada um dos dias no hospital, esperando por Ali. Em meio às paredes claras e o cheiro de álcool, conversaram sobre todas as coisas que fariam juntos quando estivessem fora dali.
Mas a volta pra casa não fora o conto de fadas que imaginaram.
Alison voltou a frequentar as aulas, e John até conseguiu um emprego, mas o salário que ganhava mal dava pra pagar o aluguel de uma espelunca para viver.
Brigaram, como qualquer casal teria brigado. Às vezes por coisas estúpidas, outras vezes porque Alison não suportava ver a pessoa que amava destruindo a si própria como ele insistia em fazer.
O amor, ao contrário do que pode parecer, não era o remédio para todas as doenças. Não curou a depressão de John, por exemplo. E ele se recusava a voltar para terapia.
Quando foi demitido, alguns meses depois, chegou ao fundo do poço. Sem dinheiro, sem vontade, e sem futuro, teria voltado para Geórgia, mas teve uma ajuda imprevisível.
Christina, aos poucos, houvera aprendido a gostar do rapaz que fazia os dias de Alison Grace mais coloridos. Havia sido exposta a uma nova faceta do amor que ela própria nunca pôde experimentar.
Não deixaria que a filha perdesse aquilo que pra si ela sempre quis, e nunca encontrou. Um amor real e recíproco.
Queria que a filha fosse feliz.
Os filhos, já que, com o tempo, criara tanto carinho pelo genro que era como se fosse sangue do seu sangue também. Christina e Alison se tornaram a família de John.
Bennet, por outro lado, nunca aprovou a união. Esse foi o estopim dos desentendimentos que culminaram para o divórcio. Aquilo devia ter acontecido há muito tempo. Chris descobriu que era mais feliz sozinha do que implorando por um amor que não recebia.
Alison se formou primeiro. John alguns anos depois, com a ajuda financeira da sogra e o apoio da namorada. Acabou cedendo aos pedidos da família e procurou ajuda psicológica.
As longas sessões de terapia ajudaram-no a lidar com a dor da perda que até diminuiu, mas nunca foi embora completamente. Nunca iria. Ninguém esperava que fosse.
Demorou muito tempo, mas, eventualmente, ele aprendeu a conviver com ela. Foi feliz. Ambos foram.
Casaram-se na Geórgia dez anos depois, na mesma igreja em que se conheceram. Naquela tarde ensolarada, John sentiu como se seus pais o estivessem assistindo de algum lugar, orgulhosos do homem que ele houvera se tornado.
John voltou a falar com deus aos poucos. Não sabia se acreditava, mas precisava daquilo. Alison o apoiava, embora não seguisse a mesma vertente religiosa.
As experiências extracorpóreas que viveu nos dias em que esteve em coma, alguns céticos chamavam de alucinação, outros religiosos chamavam "projeção astral". Não importava o nome, mas ela sabia que tinha sido real.
Tentou procurar respostas, mas, no final, decidiu que John estava certo: Certas coisas não precisavam de explicação, apenas de fé.
Alison teve a tutoria do pai, e se tornou uma das advogadas mais respeitadas de toda a América. John também seguiu o caminho do direito, mas ao invés de trabalhar para empresários ricos, virou promotor de justiça.
Eram irmãos sim, descobriram isso eventualmente. John só concordara em fazer o teste alguns anos após se casarem, porque planejavam ter o primeiro filho.
O resultado do exame, entretanto, não mudou nada.
Se o sentimento que os unia era tão puro e tão intenso, nada mais justo do que estar impresso até mesmo em seu DNA. Seu laço de amor era imutável, era físico, era ciência e estava lá. Tudo neles se conectava: As vidas, as almas, o sangue, a eternidade.
Afinal, por que é que a conexão de sangue tinha que ser vista como algo errado e não bonito?
Acontece que num mundo movido a guerras e a ódio, as pessoas tendem a chamar o amor que não compreendem de "Pecado". Mas se era proibido pela lei de deus, ou a lei dos homens, não importava. Eles se amavam do mesmo modo.
O filho deles, entretanto, por recomendação médica, fora adotado.
FIM
♥
Não removam o livro da biblioteca, talvez eu poste um bônus um pouco mais pra frente, quero mostrar pra vocês um pouco mais sobre Frederick, Grace e Ben.
Obrigada a todxs que fizeram parte dessa jornada. Não esqueçam de clicar na estrelinha, e, se possível, deixar um comentáriozinho me contando o que acharam do final e da história.
Em breve vou postar os agradecimentos com a devida decência, mas, por enquanto, fiquem com esse videozinho de agradecimento que eu gravei no dia que escrevi esse capítulo.
https://youtu.be/u3Cylzu4lPE
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro