XXVI - Almas e Irmãos
Dedico esse capítulo à talinymede151
"O candelabro ainda está oscilando aqui porque não consigo fingir que está tudo bem, quando não está. É a morte por milhares de cortes." - Death by a Thousand Cuts, Taylor Swift
♥Almas e Irmãos♥
John Rutherford sentiu os dedos finos e gelados deslizarem pelas cicatrizes em seu antebraço. Macios, lentos, delicados. Sentia-se exposto num nível tão íntimo, que era quase visceral. Muito pior do que estar completamente nu.
O rapaz jamais houvera mostrado aquilo pra ninguém e, agora que ela estava tocando, tudo que ele conseguia fazer era olhar para o lado oposto. O que ele sentia era desconforto, não chegava a ser remorso, pelo contrário, passava longe. Não tinha remorso, mas sabia que aquilo não era aceitável, então não conseguia encará-la.
— John, isso é...
Ele recolheu o braço antes mesmo que ela pudesse continuar. Ajeitou a camisa, voltando a cobrir aquela região. Não queria ouvir o que ela tinha a dizer. E, claro, não queria que ela soubesse daquilo.
Mas, embora houvesse deixado de acreditar em deus há algum tempo, talvez, e apenas talvez, ainda acreditasse em anjos, e, talvez, Alison Grace fosse o anjo dele.
O que ele não desconfiava é que, nesse caso, ele eventualmente seria o anjo de Alison Grace também, porque é isso que anjos da guarda fazem, tomam conta um do outro.
Amam um ao outro.
E ambos se amavam.
Muito mais profundamente do que seria possível apenas descrever. Existem vínculos que desafiam a lógica, almas que já nascem conectadas, e esse, definitivamente, era o caso deles.
— Por quê? — ela precisou perguntar.
— Sinceramente, Ali...
Ele cruzou os braços sobre o peito, sentindo a brisa invernal fazer seus cabelos loiros esvoaçarem. Mordeu o próprio lábio, se impedindo de continuar, mas ela assentiu. Queria que ele prosseguisse.
— Você tentou...?
Ela não precisou concluir a sentença, John apenas negou em um movimento silencioso. Entendera a pergunta. Não tinha tentado. Nunca houvera pensado em tirar a própria vida, porque, pra ele, aquilo seria entregar a toalha. John Rutherford não deixaria o universo lhe derrotar tão facilmente.
A verdade é que, numa guerra, quanto mais ferido o soldado, mais ele tem o desejo de sobreviver. John desejava. Não admitiria em voz alta, claro, mas ainda esperava encontrar o sentido de todas as coisas ruins que vivenciara. Não fosse assim, não teria voltado para o Tennessee atrás da única garota que amava.
O cético Rutherford ainda acreditava na vida e no amor.
— Então por quê? — Ela insistiu. — Por que se machucar ainda mais?
— Eu espero que você nunca na vida entenda o que eu vou te dizer, mas, às vezes, o corte não dói, ele alivia a dor.
E quando ele confessara aquilo, sua voz não soou triste, tampouco feliz. Soou apenas vazia e sem significado, que era como ele próprio se sentia a maior parte do tempo.
Naquele momento, John era o vácuo. A escuridão. O silêncio. A ausência.
Alison era a fartura. A luz. O barulho. Não qualquer barulho, o som da sua música country favorita tocando em alto e bom tom.
E, como dois opostos que precisavam desesperadamente se completar, ela lançou os dois braços sobre o seu ombro e puxou-o para um abraço apertado.
Até tentou, mas não pôde impedir os olhos de se encherem de lágrimas.
Não. Ela não entendia o alívio. Provavelmente, jamais entenderia. Nunca houvera precisado daquilo. Mas a dor, isso sim ela entendia, aliás, sentia. Queimava. Ardia em seu interior como se fosse em sua própria pele o ferimento.
— Você faria isso comigo?
A pergunta fez John encará-la com espanto.
A palma de sua mão deslizou lenta contornando o rosto macio da garota, e ele fez questão de olhar profundamente em seus olhos azuis piscina quando disse:
— Eu jamais deixaria a mim, ou qualquer outra pessoa nesse mundo sequer pensar em te ferir, Alison.
— Então me deixa te ajudar! — Sua voz soou quase como um suplício. — Porque quando você se fere, John, também dói em mim.
E a verdade é que doera tanto, que ela não aguentou, desmoronou. Chorou as lágrimas que houvera estancado desde o instante em que entendeu o que estava acontecendo. As mesmas lágrimas que estancou quando estavam no escritório do seu pai, e em todo o caminho até o campus da universidade.
Ela deveria ter entrada na aula, ela nunca se atrasava, mas, naquele dia, precisava. Não pôde entrar. Não naquele estado. Ela ficou, e, persistente que era, John sabia que a jovem aspirante a advogada jamais iria embora sem que sua única exigência fosse cumprida. Ela queria ver os machucados.
Ela pensou que daria conta, porque, afinal, ela era Alison Grace, pensara que pudesse resolver tudo, ou quase tudo. Não podia. Não aquilo.
Alison era forte. Sua mãe a havia criado para ser desse jeito. Uma fortaleza.
Mas, se por um lado ela deveria ter herdado da família de advogados a frieza, por outro, a garota era quente. Como o sol do meio-dia no inverno, derretendo a neve sobre o topo das árvores.
E, se é que existia algum pedaço do seu coração que ainda fosse gelado, derreteu naquele exato momento, e evadiu seu corpo em forma de lágrimas. Transbordou.
Dedos grossos deslizaram pelas maçãs do seu rosto, estacando o choro que insistia em não secar. Que lutava fervorosamente para escapar.
Mas Alison Grace não queria chorar.
Aquela dor não era dela. Pelo contrário, ela estava ali para tentar ajudar, e não para arrumar um jeito de piorar tudo ainda mais. Mas isso não incomodava John. Não piorava nada. Não estragava nada. Ele não houvera viajado até lá porque precisava de ajuda, fizera isso porque precisava dela e apenas dela.
Então, envolveu seu corpo em um abraço tão carregado de força e de amor, que poderia ter simplesmente a quebrado no meio. E ela correspondeu com semelhante intensidade.
Sentiu a respiração de John na sua nuca, e os batimentos cardíacos de ambos os lados desacelerando quando os corações estavam colados um ao outro.
Naquele instante, Alison se deu conta de uma verdade básica: A palavra "Gêmeas" nascera exclusivamente para definir duas coisas — almas e irmãos.
E, ainda que "almas gêmeas" fosse um bom termo para definir o casal, a segunda premissa era a mais verdadeira: Eles eram irmãos.
E a única mentira presente naquela sentença era a que ela continuava contando — ou não contando — para ele.
Gostaria de poder manter as coisas mascaradas para sempre, mas, o problema de toda mentira é que a verdade insiste em aparecer, e John, como principal envolvido, tinha mesmo o direito de saber.
Mas Alison queria que ele soubesse da verdade pela boca dela. Não pela de seu pai. Não de qualquer outra maneira improvável.
Entretanto, aquele momento não era o mais propício para a verdade finalmente aparecer.
Mas, afinal, quando era?
Qual era o momento adequado pra revelar a um garoto órfão que a sua falecida mãe houvera traído o seu pai, e lhe omitido um segredo durante a vida inteira?
Qual era o momento para dizer que o seu falecido pai, não era seu pai verdadeiro?
Qual era o momento para contar que a garota que amava jamais poderia lhe pertencer totalmente, porque era, na verdade, sua meia-irmã?
Não existia momento adequado, e Alison era inteligente o suficiente pra ser capaz de entender esse fato.
Era inteligente o suficiente para perceber que, se nunca seria o momento adequado, o momento adequado era aquele.
— John! — ela ganhou distância para raciocinar o que, cedo ou tarde, precisava ser dito. Ele assentiu, esperou que ela prosseguisse, mas, talvez pela primeira vez em sua vida, Alison Grace fraquejou. — Não é nada.
Ela enxugou as lágrimas e fungou.
— Fala.
— O que você pretende fazer daqui em diante?
Mas, ao contrário de Alison Grace, John não tinha um plano para todas as coisas. Aliás, tinha desistido de planos logo da primeira vez que o universo destruiu todos eles. Ele não tinha planos para a noite, ou para o resto da vida dele. No momento, o seu único plano era ficar com ela, mesmo que não fizesse ideia de como.
— O meu plano por enquanto é viver — foi sua resposta. — Porque, cedo ou tarde, todo mundo vai morrer mesmo.
E isso soava quase como humor ácido vindo de alguém que houvera perdido o pai há algumas semanas.
— Você podia ficar na minha casa — ela falou. — Só até as coisas se ajeitarem. Nós temos um quarto de hóspedes.
Ele riu. Um riso sincero. Não tinha rido muito nos últimos tempos. Não desde o velório. Sacodiu a cabeça negando o convite.
— Bennet não gostaria muito da ideia — admitiu.
— O meu pai falou alguma coisa pra você?
A garota sentiu o coração acelerar. Bennet jamais revelou à filha qual fora o tom da sua conversa com John no dia do velório, e então, naquele instante, o cérebro de Alison Grace começou a processar uma centena de probabilidades diferentes, como um computador de alto desempenho.
E se Bennet tivesse contado?
E se John soubesse a verdade e também estivesse omitindo dela?
E se ele a houvesse beijado daquela maneira, mesmo sabendo do laço de sangue entre eles?
Bom, ela o houvera beijado mesmo sabendo daquele laço. O que isso significava?
Mas, enquanto a sua cabeça descia em uma espiral de pensamentos, a verdade era muito mais simples e direta, então John confessou sem rodeios:
— Ele me pediu pra ficar longe de você. E me deu um cheque de cem mil dólares pra não tocar nesse assunto.
Foi como se o queixo de Alison houvesse caído. Ela demorou alguns instantes para processar a informação.
— Qual assunto? — perguntou vacilante.
— Nesse. — John franziu o cenho. — De que ele me mandou me afastar de você.
— E ele não falou o motivo? — Ela escorregou um cacho loiro para detrás da orelha, cada centímetro do seu rosto expressava a culpa que sentia.
— E precisava? — John ergueu os ombros. — Olha pra você e olha pra mim.
E com isso, tudo que ele queria apontar eram as diferenças entre dois mundos conflitantes. A garota perfeita, e o garoto quebrado. Entretanto, tudo que Alison conseguia ver ao comparar-se com ele eram as semelhanças.
As mesmas peles claras. Os mesmos olhos azuis. Os mesmo cabelos loiros.
Tudo que ela via era a própria verdade: John Rutherford era seu irmão.
Tudo que ele via era a versão da verdade dele: Alison Grace não se encaixava no seu mundo medíocre.
Mas ambos os lados preferiram se agarrar à mentira mais fácil: A de que dariam um jeito em tudo.
— John, o meu pai... Ele não odeia você — tentou explicar.
— Eu sei. — Assentiu. — Ele só não acha que eu seja bom o suficiente pra você, e ele não está errado.
— Não é isso também... — tentou outra vez.
Mas foi aí que percebeu, que, ainda que houvesse se envolvido demais, aquele segredo não era dela. Era de seu pai. Era Bennet Jones quem precisava contar.
E contaria.
Porque, quando a veia jurídica de Alison Grace decidia arrancar a verdade de alguém, ela transformaria até o inferno em seu tribunal, mas não pararia até conseguir o que quer.
Afinal, ela herdara sim um pouco da dureza dos pais.
♥
I'm back.
Primeiramente queria aproveitar que estamos no mês Setembro Amarelo pra lembrar que, para muito além do romance, esse livro aborda problemas psicológicos sérios, e John Rutherford lida com a depressão desde a morte da mãe.
Nenhuma cena relacionada a doença foi escrita com a intenção de ser romantizada e vocês não devem romantizar quando lerem também, por favor.
Não sei da vida particular de cada um que lê esse livro. Mas, se estiverem passando por problemas e ficar difícil demais e vocês sentirem que precisam se ferir, ou algo pior, por favor procurem ajuda. Uma vez que você se abre fica mais fácil, eu prometo. Se precisarem desabafar o número 188 sempre vai poder te ajudar, e o meu PV sempre estará aberto para vocês, ok?
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Agora, sobre o livro, pelos meus cálculos teremos 30 capítulos o que significa que estamos na reta final, sim!
Obrigada a todas que estão acompanhando!!
Amo vocês, não esqueçam de votar!
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