XV - O Resto da Vida
"Eles dizem que simplesmente não veem isso, mas eu vi isso à primeira vista, e eu estou implacavelmente apaixonada" Unapologetically - Kelsea Ballerini
capítulo atualizado porque na correria da vida eu tinha deixado sem música e sem banner
A noite em claro houvera ajudado Alison a clarear as ideias, e a bolar um plano que ela jurava ser infalível. Então, tão logo tomou uma ducha revigorante e alisou os cabelos, ela pôs no corpo seu vestido preto favorito, acompanhado de um terninho social que a fazia parecer um pouco madura de mais para sua idade.
Tinha uma causa para defender e, dessa vez, tinha uma aliada ainda mais poderosa que o par de botas da sorte calçado em seus pés.
Ela sabia que sua estrela cadente não iria falhar.
Bennet chegaria a qualquer instante, e Alison sabia que o único motivo pelo qual ele viera buscá-la pessoalmente, fora por causa da sua insistência em que ele viesse ver o resultado do trabalho que havia lhe tomado as duas semanas de sua curta temporada de férias.
As paredes de madeira da casa houveram sido pintadas em um tom de rosa bebê, contrastando com as janelas e portas pintadas de azul turquesa, e ainda alguns detalhes no branco tradicional.
O jardim houvera sido ornamentado com pequenas flores coloridas, e eles haviam refeito e decorado a caixa de correios.
Olhando de fora, Alison achava que a casa de sua vó agora parecia uma delicada casa de bonecas em tamanho real, ou, talvez, uma construção saída de algum desenho animado. Ela estava orgulhosa de seu trabalho, mas exibi-lo não era o único motivo pelo qual queria que seu pai viesse à cidade.
Fazia parte do plano.
Ela sabia que não teria chance alguma de convencê-lo sobre a importância de ficar na Geórgia por mais algum tempo por telefone, até mesmo porque isso implicava perder os primeiros dias de aula, talvez semanas.
Ela nunca houvera faltado a uma aula antes. Estava ciente do risco que estava correndo.
Ela achava que John Rutherford era um risco que valia a pena correr.
Assim que o Sedan preto de luxo parou na porta, Alison não precisou ver através dos vidros excessivamente escuros para saber que era o seu pai quem estava lá dentro. Ela respirou profundamente e espiou pela janela esperando ele descer, sentia a ansiedade percorrer o seu corpo inteiro.
Era domingo, mesmo assim Bennet vestia um terno social e gravata, pois estava vindo direto de uma reunião com um de seus clientes mais importantes. Assim que saltou para fora do veículo, sentiu o ar quente da Geórgia absorver seu corpo, e sentiu o cheiro da maré invadir seus pulmões.
Aquela era a casa onde ele houvera sido criado. Conhecia aquela vizinhança como a palma de sua mão, ainda assim, sentia-se completamente perdido e deslocado naquele ambiente.
Fazia muito tempo desde a última vez que ele houvera pisado naquele gramado, o mesmo onde houvera travado tantas batalhas com pistolas d'água na infância, onde houvera montado barracas para vender limonada no verão de 1989, e sobre o qual estacionara o seu primeiro carro próprio na primavera de 94.
Ainda se lembrava da sensação de dirigir aquele Corvette velho a primeira vez: O ronco alto do motor, cabelos ao vento, jaqueta de couro, e o seu primeiro amor no banco do carona. Grace fazia ondas com os braços na janela enquanto o carro cortava o vento, e vez ou outra Bennet tinha que desviar os olhos da estrada para apenas encarar a sua beleza.
Essa lembrança conseguiu arrancar-lhe um breve sorriso. Breve porque a mesma lembrança que o fez sorrir, o fez fechar o sorriso logo a seguir.
Já fazia dezenove anos desde que ele houvera pisado a última vez. Dezenove anos desde que aquelas deixaram de ser memórias felizes, para se tornarem momentos que ele tentava arduamente esquecer.
Quase duas décadas já haviam se passado, mas seria mentira dizer que já não sentia falta das coisas que viveu ali. Principalmente da amizade que ele próprio houvera construído e depois destruído. Sentia falta de Frederick e de Grace.
Grace. Bennet achava que aquele nome encaixava perfeitamente na mulher que ela era.
Grace. Graça. Graciosa. Perfeita.
Parecia um pouco estranho dar o nome de uma mulher que havia amado para a própria filha, entretanto, olhando o par de olhos azuis daquele bebê que ele próprio houvera concebido, ele não conseguia pensar em chamá-la de outra maneira.
Christina discordava. Ela queria chamar a filha de Alison, de modo que o nome composto tornou-se o único consenso.
Christina era uma mulher forte, independente, batalhadora, sempre fora.
Enquanto Grace era uma rosa delicada e sem espinhos, exuberante, invejável, o sonho de qualquer jardim. Christina era um cacto do tipo que nasce em condições extremas, e sobrevive à seca do deserto, e ainda assim, era magnifica.
Tinha um motivo pelo qual ela escolhera o nome Alison para a filha.
Àquela época, Christina era uma jovem mulher iniciando a carreira na magistratura, sentia na pele o preconceito dos homens que a cercavam. Eles não achavam que uma mulher seria capaz, por vezes dispensaram o seu currículo sem nem sequer analisá-lo pelo simples fato de ler o nome e constatar tratar-se de uma garota.
Ela não admitiria que a filha passasse pelo mesmo e, por esse motivo, optou por batizar sua filha com um nome unissex.
Ela sempre houvera criado Alison para ser forte, mesmo que pra isso precisasse ser firme. Sabia que às vezes poderia parecer dura de mais, mas sabia também que o mundo tinha maneiras muito piores de ser cruel.
Ela queria que Alison Grace estivesse preparada.
Alison estava. Teve certeza disso quando ajeitou a gola de seu terninho cor de rosa, e pigarreou encarando o próprio pai com seriedade.
– Eu não posso voltar para o Tennessee – disse sem titubear.
Bennet tinha acabado de entrar na casa, sequer tinha tido tempo de assimilar as memórias, tirar o casaco ou respirar.
– Desculpe Grace, o que? – Ele arqueou a sobrancelha.
– Eu preciso ficar um tempo a mais aqui – ela reafirmou convicta, não estava trêmula ou amedrontada. Ela tinha se preparado para aquilo. – Acontece que a vovó não é a única pessoa que passou maus bocados por conta do furacão.
Ele sorriu. Quando a garota agia de maneira tão teimosa e impulsiva, ele achava que ela o fazia se lembrar da outra Grace, aquela que conhecera na infância, e de quem fora muito próximo durante toda a adolescência.
– Eu entendo, mas, querida, você não pode resolver todos os problemas do mundo, e amanhã você tem que voltar para a escola.
– Eu estive pesquisando e o serviço voluntário é um dos quesitos que mais pontua nos créditos na universidade, então acho que seja realmente importante eu ficar mais um pouco.
– Imagino que sim. – Ele riu. Alison não entendia o porquê da risada. E a deixava furiosa o fato de seu pai não entender a seriedade que a situação implicava. – Querida, não adianta pontuar créditos para a Universidade se você não se formar no colégio, então porque não deixa pra fazer serviços voluntários no ano que vem. Hein?
– Não é como se eu fosse reprovar no colégio. – Ela revirou os olhos. Aquela houvera sido uma ação completamente instintiva, sabia que não era educado ou profissional revirar os olhos daquela maneira. – Eu tenho 100% de presença em classe, pelo menos o dobro de horas de atividades extracurriculares do que a maior parte da turma, e nota o suficiente pra passar o último semestre com folga.
– Você não pode passar um semestre fora, Alison, sabe muito bem disso.
– Não estou falando do semestre, pai. Só mais alguns dias, pra eu ajudar na reforma da igreja.
– Igreja? – Ele pareceu subitamente intrigado, arqueando as sobrancelhas e cruzando os braços na frente do peito.
– É. A Igreja que a vovó frequenta. O pastor Frederick me disse que eu poderia ajudar lá também.
– Frederick? – Ele pigarreou. – Mãe, você apresentou Alison para o Rutherford?
Ele agora se dirigia para a senhora parada ao lado de Alison, que, mesmo que não visse há vários meses, não o envolveu num abraço apertado de mãe e filho, pois era tudo demasiadamente estranho desde que ambos se afastaram.
Às vezes Judith sentia que seu verdadeiro filho era Frederick, pois este era muito mais presente em sua vida do que Bennet, cuja única presença se dava através do dinheiro que ele enviava mensalmente. Ela, por sua vez, se recusava a aceitar.
– Qual o problema com John? – Alison perguntou antes que a avó pudesse responder.
– Ele não está perguntando sobre o John, Ali, querida. Ele está falando sobre Frederick. – A senhora deu um sorriso complacente para a neta, e em seguida dirigiu-se para o filho. – É claro que eu apresentei, Bennet. Os Rutherford são da família. Se existe um motivo pelo qual eu não devia apresentá-la então você deveria me dizer qual é.
– Eu já disse! – Ele vociferou. – Não quero saber da Alison em contato com essas pessoas.
– Essas pessoas, Ben? – Judith rebateu. – Essas pessoas com quem você cresceu e foi criado? Essas pessoas que te apoiaram nos piores momentos da sua vida? Essas pessoas que amaram a sua família como se fosse a deles própria?
– Alison vá já para o carro! – Ele disse num tom firme e apontou para a porta de madeira da entrada.
– Eu não vou! – Ela protestou. – Eu não sei qual o seu problema com o Frederick, pai, mas não é o meu problema. Eu gosto dele. E eu gosto do John. Você não pode me obrigar!
– Eu posso sim, mocinha. Porque, advinha só, você é menor de idade, e eu sou o seu pai, então eu vou dizer uma última vez: Já para o carro!
– Eu não vou! – Ela voltou a protestar batendo o pé. – Eu não vou a lugar nenhum sem antes passar na igreja pra falar com o John.
– Espera aí! – Ele pareceu ter um lampejo. – Essa sua teimosia e falta de educação. Eu já estou entendendo tudo! Você não vai me dizer que...
Ele deslizou as mãos pelos próprios cabelos lambuzados de gel, parecendo ainda mais nervoso do que antes. Alison sabia que não devia se envolver com alguém enquanto ainda estivesse no ensino médio, seu único compromisso havia de ser com os estudos, mas isso não mudava o que ela sentia por John, e não tinha vergonha de dizer em voz alta.
– Eu amo ele.
– Você sabia disso? – Bennet perguntou para Judith, abismado. A senhora apenas sacudiu os ombros. Era perceptível a conexão que tinham os dois desde o primeiro dia que se conheceram. – Não fez nada para impedi-los?
– O que eu poderia fazer? A vida é deles. Não foi você que me disse isso uma vez? Ou por acaso eu pude te impedir quando enfiou na cabeça que se casaria com Christina Rose?
– Não é a mesma coisa! John é... – Ele próprio se interrompeu, parecendo engolir a própria fala.
– O que pai? – Alison indagou. Ela sabia o que seu pai estava prestes a dizer, e sabia que ele estava errado. John não era só um garoto problemático e sem futuro, como diziam pela cidade. Ele não era louco ou solitário, apenas incompreendido. Mas Alison o compreendia, pois se sentia por diversas vezes exatamente da mesma maneira. – O que o John é?
– Um caipira, pobre, e com uma família desestruturada – foi só o que ele respondeu.
– Por acaso você era mais do que isso quando Christina te conheceu, Bennet? – Judith intercedeu.
– A Alison merece mais do que isso.
– O John é um bom garoto – ela continuou. – Ele perdeu a mãe no ano passado, é claro que ele está sofrendo. Mas ele é bom, Bennet. Às vezes eu acho que ele me lembra de você quando era jovem.
Embora pensasse que tal afirmação fosse apaziguá-lo, apenas fez o deixar ainda mais nervoso.
– Eu não vou ter essa discussão – ele disse firme. – Eu vou te esperar no carro, Alison Grace. E se você não estiver lá em cinco minutos então pode dizer adeus à faculdade dos seus sonhos, e jogar fora todos os seus anos de dedicação na escola, porque você vai passar o resto da vida nesse fim de mundo.
Ao dizer isso, saiu da casa batendo a porta com excessiva força.
Muitas tretas a caminho. Não esqueçam de deixar uma estrelinha.
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