V - Talento Irritante
"Você vai torcer, e se virar, mas é assim que vai aprender muito sobre a vida, muito sobre o amor. Esse é o lado ruim de crescer" Downside of Growing Up - Maddie & Tae
Na manhã seguinte Alison acordou no horário de costume, obedecendo ao seu próprio relógio biológico que sempre lhe fizera despertar com o raiar do sol, mesmo que não precisasse ir ao colégio.
Desceu as escadarias em passos leves, e caminhou até a cozinha onde preparou o seu café da manhã favorito: Torradas integrais, ovos, suco de laranja e waffles com cobertura de geleia de framboesa.
Talvez pelo cheiro apetitoso da refeição que se exalou pelos corredores da casa, ou pelo barulho que Alison inevitavelmente fez ao abrir e fechar os armários, sua vó surgiu ali um pouco depois.
As duas sentaram-se a mesa e Alison saboreou o café da manhã que ela mesma havia preparado, sem pressa alguma, como já não fazia há muito tempo.
− Eu pensei em começarmos cedo com os serviços– a garota disse entre uma garfada e outra. – Por acaso o John vai aparecer aqui hoje para ajudar? – se arriscou em perguntar, e coçou os cabelos loiros cacheados tentando disfarçar as segundas intenções em sua voz.
Alison havia custado um pouco para pegar no sono na noite anterior, o que não era habitual já que seu corpo havia sido biologicamente programado para dormir e acordar nos horários recomendados pelo médico da família.
Com a cabeça no travesseiro e o corpo cansado do serviço braçal que ela não costumava executar, tudo que ela conseguia enxergar eram os olhos azuis de John Rutherford cada vez que fechava os seus próprios.
Havia algo de errado com aquele garoto, algo que a deixava particularmente intrigada. Um quê de mistério, que fazia o seu lado curioso querer descobrir cada vez mais sobre ele.
Alison Grace tinha sua viagem para Geórgia todinha planejada, assim como o resto dos dias da sua vida, mas assim como não pôde prever a passagem do furacão, ela não podia ter previsto o surgimento de John Rutherford, ou saber o quanto ele estava prestes a mudar sua vida.
− Hoje é sábado, querida – sua vó respondeu com a voz suave enquanto espalhava um pouco de manteiga sobre a torrada em sua mão. – Por que não tiramos o dia para um pouco de lazer?
"Lazer"... Alison refletiu sobre essa palavra enquanto mastigava a comida em sua boca, e seus olhos azuis ficaram um pouco perdidos, vagueando para algum lugar além de sua avó sentada ao lado oposto da mesa.
A coach de carreira que sua mãe contratara para acompanhar sua vida acadêmica sempre lhe recomendara manter sessenta minutos de lazer por dia entre as rotinas de estudo, para repousar a mente e o corpo. Não mais que isso para não perder o foco, não menos para não levar à exaustão.
Alison seguia essa recomendação à risca, como todas as outras. Costumava usar a metade deste tempo para ouvir as suas musicas favoritas, e a outra metade para jogar Scrabble, o seu jogo de tabuleiro favorito. Uma pena que ela sempre precisasse jogar online já que não tinha ninguém para competir ao vivo com ela.
Sábados nunca foram dias livres para Ali, mesmo que não fosse dia letivo em seu colégio. Ela mantinha sua rotina de estudos em casa, e também costumava acompanhar os seus pais em almoços de negócios, onde sempre era apresentada como a futura juíza Alison Jones. Almoços eram ocasiões formais e tediosas em que nunca havia outras pessoas de sua idade, e em que ela nunca tinha um pouco de diversão.
Diversão não era prioridade para Alison Grace, ela precisava cumprir com as suas obrigações. Sua mãe lhe ensinou desde cedo que pelo simples fato de ter nascido mulher ela não receberia o merecido respeito logo de cara, teria que batalhar por ele, e correr atrás de seus objetivos com muito mais garra do que um homem jamais precisaria em seu lugar.
Alison queria ser uma mulher forte e independente como sua mãe, e embora se esforçasse para ser assim (ao menos na fachada), Alison jamais admitiria que, no fundo, às vezes se sentia como uma garotinha amedrontada.
− Que tipo de lazer a senhora está pensando? – perguntou, e torceu para que envolvesse um passeio à beira-mar.
− Aos sábados eu sempre vou a clube dos aposentados para bater um papo com meus velhos amigos – a senhora contou antes de dar uma mordida em sua torrada.
− Eu iria adorar conhecer seus amigos – Alison respondeu sorrindo, embora não houvesse ficado tão empolgada.
Não é que a garota não quisesse conhecer os amigos aposentados de sua avó, até ansiava ouvir mais histórias sobre a juventude de seu pai e sobre a sua misteriosa amizade com o pastor Frederick Rutherford, e sobre quem era a garota que os fez separarem-se para nunca mais voltarem a se falar.
Ainda assim, ela estava ansiosa para ver o azul do mar que, com certeza, faria com que se lembrasse do azul dos olhos do garoto no qual ela não conseguia parar de pensar.
− Não é que você não possa vir comigo – A avó disse coçando os cabelos grisalhos, e sentiu-se um pouco embaraçada por dispensar a neta que viajara de tão distante só para visitá-la. – Mas não costumam ir muitas pessoas da sua idade, talvez possa não ficar muito à vontade. Veja bem, são só um bando de velhos que gostam de jogar cartas e prosa fora.
− Está bem. – A garota sacudiu os ombros. – Então eu fico aqui e espero a senhora voltar, eu preciso mesmo dar conta de alguns estudos.
− Ora, vai ficar aqui sozinha? – A avó disse de uma maneira um pouco zangada e franziu o cenho. – Nada disso! Vá respirar ar fresco, ver o mar, aposto que o John adoraria mostrar os mistérios da cidade para você, ele é o melhor guia turístico que eu conheço.
Alison esboçou um sorriso constrangido, e terminou de mastigar sua refeição enquanto ponderava. John Rutherford não poderia lhe mostrar os mistérios da cidade, afinal, ele era o próprio mistério que Alison queria desvendar.
− Acho que eu consigo me virar – respondeu por fim. – Vou fazer uma caminhada, eu preciso mesmo me exercitar.
As duas conversaram por mais algum tempo, e quando terminaram de tomar o café, Alison retirou a mesa e ajudou a avó com algumas tarefas domésticas. Quando terminou, checou o relógio, já passava das dez, então saiu sozinha e caminhou lentamente pelas ruas arborizadas da pequena cidade.
As residências próximas ao mar eram as maiores e mais luxuosas, mas eram também, as mais atingidas pela passagem do furacão. As marcas de água estampadas nas paredes dessas casas eram ainda mais evidentes, e chegavam a atingir o segundo andar em algumas delas.
A areia da praia estava um pouco suja, repleta de galho de árvores, e de madeiras, telhas, e outras coisas que voaram até lá com a ventania, ainda assim, Alison inspirou fundo enquanto observava a vista infinita do horizonte e sentiu seu espirito se acalmar.
A garota achou que essa vista era a única no mundo que conseguia superar a beleza do visual das luzes da cidade que se tinha do seu apartamento no Tennessee.
Colocou os fones no ouvido e imersa na energia tranquilizante da sua música country favorita, ela deitou-se e deixou que seus cabelos loiros se espalhassem entre os grãos de areia. O azul do céu ensolarado, repleto de nuvens brancas fofas, foi tudo que ela viu antes de fechar os olhos.
Alison Grace sempre fora muito focada, o que lhe favorecia na prática de meditação, poucas coisas conseguiam interferir e despertá-la depois que havia se concentrado. Ainda assim, quando uma sombra ofuscou o calor do sol que aquecia a pele clara de seu rosto, Alison teve a estranha sensação de estar sendo observada.
Abriu os olhos e assustou-se ao se deparar com a figura de John Rutherford em pé bem diante dela, sem camisa, com os braços cruzados na frente do corpo. Ele movia os lábios falando algo que ela não conseguia escutar, então levantou o corpo para se sentar, e arrancou os fones que tapavam a sua audição.
− O que está fazendo aí? – perguntou num reflexo.
O garoto sorriu e deslizou as mãos pelos cabelos loiros, fazendo-os bagunçarem-se um pouco. Alison reparou que sua pele molhada reluzia um pouco a luz do sol, e que ele carregava uma garrafa de água na mão.
A garota se perguntava se John nunca fora ensinado sobre a utilidade de uma camiseta, ela servia pra vestir o corpo, não para ficar pendurada sobre o ombro como ele insistia em deixar.
− Eu estava caminhando – ele respondeu e tomou a liberdade de se sentar ao lado de Alison, encarando o mar. – Isso me ajuda a esquecer dos problemas.
− E quais seriam esses problemas? – questionou curiosa.
A curiosidade de Alison Grace definitivamente era algo que ela deveria aprender a controlar. Se não houvesse nascido para tornar-se uma juíza renomada, pensou que talvez pudesse ser uma boa detetive particular.
− Por que você não começa me contando os seus? – ele atreveu a retrucar.
− Um segredo por outro? – A garota sorriu e cruzou os braços na frente do corpo, lembrando-se que John Rutherford gostava de negociar.
− Um segredo por outro – ele assentiu. – Então me diz, o que é que estava pensando deitada aí?
Toda vez que meditava Alison acabava pensando em tudo e, ao mesmo tempo, não pensando em nada, era difícil explicar. Mas dessa vez foi diferente, ela não admitiria, mas estava pensando em John, mais precisamente em como ela o poderia desvendar.
− Na faculdade – ela mentiu e mordeu os lábios.
Alison Grace sempre foi uma péssima mentirosa, talvez porque nunca houvesse tido o hábito de contar de mentiras.
− Me deixa adivinhar... Medicina? – o garoto palpitou. – Definitivamente não vai ser um curso de moda.
− O que foi que você disse? – ela protestou furiosa e franziu o cenho.
− Foi uma piada – John riu e revirou os olhos. – Por causa das suas botas.
Alison sequer estava vestindo suas botas da sorte hoje, ela houvera optado pelo tênis de caminhada, mas já começava a se arrepender. Se houvesse vestido as botas, com certeza teria evitado o azar de ter John Rutherford interrompendo os seus breves minutos de paz interior.
− Você tem mesmo um problema com as minhas botas não tem?
− Na verdade eu achei bem estilosas – ele confessou sacudindo o ombro e virou-se para encará-la. – Então, qual o lance com a faculdade? Vai cursar o que?
− Direito – ela respondeu sorridente, e estufou o peito com o elogio às suas botas. Ela sabia muito bem que um par de botas como aquele era uma obra de arte a ser admirada, e jamais aceitaria uma ofensa, quer dizer, não uma ofensa vinda do garoto que gostava de andar por aí sem camisa exibindo seu abdome musculoso. Não que Alison houvesse reparado no corpo do rapaz, ela sabia que isso seria uma atitude extremamente indelicada, mas precisava admitir que John Rutherford estivesse em forma e, também, que ele era um pouco atraente. – E você?
− Meu pai sempre sonhou que fizesse direito – ele torceu o nariz. – Ele queria que eu realizasse seu sonho de se formar na faculdade de Vanderbilt, já que fui eu que o interrompi quando nasci.
Alison começava a ligar os pontos, bem que sua avó dissera que o pastor Frederick havia desistido de finalizar o curso, mas jamais imaginaria que fosse por causa do nascimento do filho.
− Vocês não se dão muito bem, não é? – questionou com um pouco de pesar.
Ela houvera percebido desde o primeiro instante quando o viu na igreja que a relação dos dois não era das melhores. Jamais poderia imaginar a sensação de não ter uma boa relação com os pais, por isso sempre se esforçou para agradá-los ao máximo.
− Eu pensei que fosse só um segredo por vez – ele retrucou e Alison revirou os olhos. Ela sabia que um segredo por outro era um regra extremamente justa, por outro lado, não tinha certeza se tinha tantos segredos quanto ele para contar. – Por que não vamos dar uma volta e você me conta mais alguma coisa sobre você?
Como sua curiosidade jamais a deixaria voltar para casa sem saber o final da história, Alison pensou que não tinha outra escolha se não concordar e aceitar o convite daquele loiro misterioso com o talento irritante de tirá-la do sério.
Desculpem o atraso pra postar o capítulo, estou fazendo o meu melhor pra manter o cronograma. Por favor, não esqueçam de comentar o que estão achando da história e deixar o seu votinho, é muito importante pra mim!
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