III - Álbum de Fotografias
"Eu sou aquela garota que você acha que sabe de tudo, mas eu ando por aí com a cabeça cheia de dúvidas" Nervous Girls - Lucy Hale
Alison chegou a casa e deparou-se com a sua avó pendurada em uma escada de alumínio encostada sobre a parede, a senhora parecia estar pregando algumas madeiras do revestimento que se envergaram com a tempestade.
A garota assustou-se um pouco com a altura na qual a sua avó se encontrava sem segurança alguma, então usou a ponta do pé para travar a escada.
− Ah, querida, você já voltou? – A senhora perguntou e foi descendo os degraus sem muita cautela.
Antes que a garota pudesse pensar em recomendar cuidado, Judith já estava pisando em segurança sobre o gramado. Alison ergueu a sacola que o pastor lhe entregou e fez questão de mostrar também a pistola desengonçada que havia pegado emprestada com John.
− Nós vamos precisar disso aqui? – perguntou torcendo para que o loiro estivesse errado.
− Da parafusadeira? – A avó riu, e Alison concordou embora ainda não soubesse a diferença entre aquilo e uma furadeira. Ambas pareciam idênticas para ela. – Ora, de que outra forma poderia atarraxar esses parafusos que você me trouxe?
Alison sentiu uma pontada na barriga, como um cutucão, um sentimento de raiva súbita. Ela queria que Rutherford estivesse errado, ela queria não precisar daquele equipamento, se fosse o caso, ela voltaria lá e devolveria imediatamente, e aproveitaria pra dizer algumas verdades na cara dele.
Judith apanhou a sacola que sua neta trouxera e tratou de separar alguns materiais que precisaria para uso imediato, quando ela atravessou o jardim para buscar algumas tábuas de madeira que descansavam do lado oposto do terreno, Alison a seguiu de perto e ajudou-a tentando agarrar boa parte do peso do material.
− O Pastor Frederick me contou sobre a amizade dele com o papai – a garota comentou casualmente enquanto traziam as madeiras de um lado para o outro.
− Ah sim, eu me lembro de Frederick quando ainda era só um moço, assim, da sua idade, até mais novo. – A senhora pareceu perder-se em pensamentos e memórias enquanto falava. – Ele e seu pai sempre foram grandes amigos, faziam tudo juntos, uma pena que tenham se afastado depois da faculdade.
− Eles foram pra universidades diferentes e não se falaram mais? – perguntou curiosa.
− Nada disso os dois foram juntos para Vanderbilt, cursaram direito, era para terem se formado na mesma turma, se Frederick não tivesse precisado trancar o curso no ultimo ano. – Judith apoiou a vigas de volta no chão e Alison fez o mesmo logo em seguida. – Venha cá, eu vou te mostrar umas fotos.
Sua avó foi na frente, entrando na casa pela porta dos fundos. Alison encarou as tábuas deixadas sobre o gramado sem muito cuidado, voltou a encarar a porta e em seguida o próprio relógio.
− Nós não precisamos terminar esse serviço aqui? – perguntou sem entender nada, apressando-se em seguir a avó.
− Não tem pressa, nós podemos continuar amanhã, afinal, você acabou de chegar temos muita conversa para por em dia. Por que você não prepara um chá enquanto eu encontro as velhas fotografias para te mostrar?
Alison assentiu, e tratou de encher a chaleira com um pouco de água e coloca-la para ferver sobre a chama grande do fogão. Caçou a caixinha de chá nos armários altos, e quando sua avó surgiu da escadaria estreita, carregando uma porção de álbuns velhos e empoeirados, o chá já estava na xícara e a mesa posta. Sentiu um alivio por ter concluído sua função no tempo programado, então sentou na cadeira de madeira antiga e a avó se sentou ao seu lado.
Judith bateu com a palma da mão sobre a capa preta fazendo o pó denso se espalhar, então abriu o álbum e começou a mostrar as fotos mais antigas da família. Havia pouquíssimas fotos do seu avô, que falecera antes mesmo de ela nascer, havia algumas fotos de membros distantes da família que ela sequer conhecera, mas as que mais lhe impressionavam eram as do seu pai.
Bennet costumava ser um jovem forte, não tão bem trajado quanto atualmente, mas com um aspecto naturalmente bonito, os óculos ainda não ocupavam espaço no seu rosto quadrado de modo que seu par de olhos azuis destacava-se imediatamente.
Reconheceu em seguida o pastor Frederick, que posava ao seu lado em quase todas as figuras, Alison procurou por traços que a fizessem se lembrar do garoto que conheceu mais cedo, mas não eram tão parecidos, seus cabelos eram um pouco mais escuros, e o corpo um pouco mais magro.
− Por que foi mesmo que eles se afastaram? – perguntou. Alison tinha receio de parecer indelicada, mas não podia evitar a curiosidade que lhe aflorava, ela sabia muito pouco sobre a juventude do seu pai.
Sua avó bebericou um gole antes de começar a contar.
− Ben e Fred sempre foram muito próximos, faziam tudo juntos. Festas, esportes, trabalhos da escola, eu não me surpreendi quando decidiram cursar direito na mesma universidade.
Alison encarou-a com um olhar ávido, e tomou um gole do chá que ela própria havia preparado, deixando que a bebida quente descesse pela garganta acalentando todo o caminho até o seu estômago.
− Eles tinham sonhos em comum – Judith continuou – Gostavam de ir a praia, resgatavam tartarugas marinhas, Fred foi o irmão que Bennet nunca teve. Seu pai já lhe contou o motivo para ter escolhido cursar direito? – perguntou e Alison sacudiu a cabeça em negativa. – Ele queria fazer a diferença no mundo, os dois queriam, eles escolheram cursar direito para defender a comunidade local, nós nunca tivemos muito dinheiro, mas dava pra viver com tranquilidade, não era com isso que seu pai se preocupava.
− O que mudou? – a garota perguntou ansiosa, seus olhos azuis brilhavam como dois faróis iluminando toda a sala de estar. – O que aconteceu entre eles?
− Ah você deve imaginar Alison, dois adolescentes, uma amizade como essa, só existe uma coisa capaz de separar. – Judith sacudiu a cabeça e fechou o álbum de fotografias. Ela pensara que tinha sido suficientemente clara, mas sua neta ainda a encarava como quem perguntava avidamente "O que?", então ela prosseguiu. – Uma garota. Eles se afastaram por causa de uma garota.
Quando a avó concluiu seu chá e levantou-se da mesa, levando os álbuns de volta para o segundo andar, Alison seguiu-a depressa.
− Quem era essa garota? – Ela queria saber. Seria sua mãe? Seria a mãe de John Rutherford? Seria outra pessoa? – E o que ela fez para separá-los?
− É uma longa história – disse tentando desviar-se do assunto. – Por que é que eu não termino de te contar outra hora?
Judith enfiou os álbuns dentro do armário e encarou a janela, arregalou os olhos ao observar uma movimentação do lado de fora.
− Olha só quem chegou – falou esboçando um sorriso.
Alison encarou-a franzindo o cenho, depois olhou o relógio. A conversa havia sido longa e prazerosa, de modo que o tempo passou rapidamente, e já havia passado a hora de providenciar o almoço.
A senhora acelerou os passos descendo a escada, e Alison foi logo atrás dela, parando para dar uma espiada pelo vidro. Deparou-se com uma caminhonete cor de vinho um pouco enferrujada parada em frente ao jardim da casa. Não sabia que estavam esperando alguma visita, mas quem seria indelicado de aparecer assim, de ultima hora? Seria finalmente a equipe de reforma que seu pai mencionara?
Antes que pudesse raciocinar, a porta foi aberta com um rangido e ela viu surgir o mesmo loiro idiota de quem ela prometera mentalmente se vingar um pouco antes, agora com seu peitoral forte escondido sob uma camisa jeans um pouco surrada e rasgada, e ele trazia uma grande travessa nas mãos. O que John Rutherford estava fazendo aqui?
Alison observou com as sobrancelhas arqueadas enquanto ele envolveu a sua avó em um caloroso abraço, assim que esse se desfez, John pareceu notar a presença da garota de cabelos loiros cacheados e botas de cowboy pairando logo atrás.
− Eu trouxe uma lasanha vó – ele disse sorridente.
− Alison, este é o John – Sua vó apresentou sorridente e tomou a travessa de vidro pra si. – Ele é filho de Frederick, é como se fosse um neto pra mim. Ele voltou pra cidade ontem, então eu o convidei para almoçar aqui, não via a hora de vocês se conhecerem.
− Receio que já nos conhecemos hoje mais cedo – constatou, e em seguida cumprimentou a garota com um sorriso no canto dos lábios. – Alison Grace.
− John Rutherford – ela respondeu estreitando os olhos percebendo que houvera sido enganada mais de uma vez por aquele loiro desprezível.
Ele sabia quem ela era aquele tempo todo, sabia que almoçaria aqui e por isso havia se oferecido para ajudá-la mais tarde, mas não mencionou isso em nenhum momento. John Rutherford estava querendo jogar, o que ele não sabia, é que Alison nunca entrava num jogo para perder.
− Eu vou colocar isso aqui pra esquentar – Judith disse caminhando em direção à cozinha. – Vocês crianças sentem no sofá e conversem um pouco.
Alison revirou os olhos assim que sua avó saiu de suas vistas.
− Só pra constar, você não me enganou – disse e cruzou os braços na frente do peito. – Eu sabia sobre as drogas o tempo todo.
− Você sempre sabe de tudo, não é? – perguntou em um tom de deboche e se atirou desajeitadamente sobre o sofá de estampa floral, colocando os pés sobre a mesa de centro, gesto que Alison considerou completamente mal educado e detestável.
− Não tudo – ponderou. – Mas eu sei de um monte de coisas, e eu sei sobre garotos como você.
− Então me diga. – Ele riu. – O que você sabe?
− O seu tipo é tão previsível – ela sacudiu a cabeça. – O seu pai é pastor, e você parece o tipo de garoto desesperado por popularidade e atenção, então usa drogas e pratica crimes pra satisfazer essa necessidade absurda de não se encaixar em um padrão social e parecer descolado.
− Eu nunca pratiquei nenhum crime, se quer saber – John respondeu sem lhe dar muita bola. – Também nunca me importei em parecer "descolado".
Ele fez as aspas com os dedos nas laterais de seu rosto.
− Mas não pode negar o negócio das drogas, não é? – Alison acusou com um sorriso satisfeito erguendo as sobrancelhas.
− Já pensou na possibilidade de nem todas as pessoas serem tão rasas e simples quanto você Alison Grace?
Alison encarou-o boquiaberta. Ela não se achava rasa ou simples, afinal, o que aquele loiro tão bonito quanto mal educado sabia sobre ela pra acusá-la daquela maneira? Alison tinha certeza absoluta de que, grosseiro como era, John Rutherford não havia frequentado as mesmas aulas de etiqueta que ela e, definitivamente, não estava em posição de julgá-la.
− Eu não sou rasa e simples – protestou.
− Mora em Nashville, escuta música country e usa botas de cowboy, só isso já te torna um estereótipo bem previsível. – Ele sorriu, e antes que houvesse tempo para a garota protestar, ele prosseguiu. – Além disso, você mora em uma casa chique, tem muito dinheiro, uma família perfeita, provavelmente tira notas altas e com certeza tem a irritante mania de tentar controlar tudo e todos ao seu redor. Eu mal te conheço e já sei tudo a seu respeito. Talvez eu seja bem menos previsível do que você – concluiu por fim com ar de vitória e se levantou do sofá.
Alison mordeu o lado de dentro das suas bochechas e estreitou os olhos fazendo a expressão em seu rosto parecer furiosa. Ele realmente estava certo sobre as coisas que assumiu sobre ela, mas ela não era só aquilo que ele falava, tinha muitas coisas sobre ela que ele sequer desconfiava.
− Non sai che parlo italiano.
− O quê?
− Você não sabe que eu falo italiano. – Ergueu as sobrancelhas e fitou-o com um olhar de vitória iminente.
− Esse é o seu grande segredo Alison Grace? – Ele riu.
− Também falo alemão e francês. – A garota sacudiu os ombros. – Eu duvido que você tenha um segredo melhor.
John sacudiu a cabeça em negativa e deixou que um riso curto lhe escapasse dos lábios, então se aproximou da garota em passos lentos. Ela sentiu o corpo estremecer quando seus corpos estavam próximos o suficiente para que suas respirações quentes se tocassem, mas ela não recuou, permaneceu encarando-o com seu olhar flamejante.
− Anda Rutherford, fala – ordenou. – Qual o seu grande segredo?
Alison Grace observou atenta quando os lábios finos e bem delineados do garoto se entreabriram para responder, mas antes que pudesse emitir qualquer som, ouviu a voz da avó gritar seus nomes da cozinha.
− O almoço está na mesa – chamou.
− Quer saber – ele disse se afastando e caminhando em direção à cozinha. – Você não ia mesmo entender.
Alison apressou-se em segui-lo. O que ela não ia entender? Ela se achava suficientemente perspicaz para entender qualquer que fosse o grande segredo que ele estava tentando esconder.
Mas será que havia mesmo um grande segredo? Ela pensou que talvez ele estivesse blefando, talvez não houvesse segredo algum para contar. Mas se realmente havia um segredo na vida de John Rutherford, ela ia dar um jeito de descobrir.
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