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II - Garota do Tennessee

Alison caminhou lentamente pelas duas quadras que separavam a casa de sua avó da pequena capela construída em tijolos, ela sentia-se fascinada tanto com a beleza da arquitetura litorânea da cidade, com suas ruas arborizadas e calçadas largas, quanto com o cheiro do oceano que lhe invadia os pulmões. Ainda assim, sentiu seu coração apertar, pois por onde olhava ela avistava pessoas consertando telhados, e marcas d'agua encobrindo fachadas.

Ela ainda estava inquieta com o que sua avó lhe dissera, por que não queria aceitar o dinheiro eu seu pai lhe mandara? Por que cuidar com as próprias mãos de toda a reforma? Alison estava aqui para ajudar, não para passear, sabia disso, e não se importava de ter de colocar a mão na massa para fazê-lo, mas não conseguia entender.

Ouviu o som de batidas de pregos contra madeiras, e de máquinas furando a parede quando se aproximou da igreja. Deslizou os olhos pela longa escada de madeira apoiada sobre a parede e avistou um rapaz loiro sem camisa fazendo algum tipo de conserto no telhado. Ele não pareceu perceber sua presença, e ela notou imediatamente pela sua aparência jovem e robusta que aquele não poderia ser o pastor Frederick, então enganchou os dedos na maçaneta e fez abrir a grande porta de madeira branca com um rangido.

O homem de terno e gravata sobre o púlpito virou-se para encara-la por de trás dos óculos

− Posso ajuda-la? – Ele perguntou imediatamente.

− O senhor é o Pastor Frederick? – Alison questionou educadamente, aproximou-se dele e estendeu a mão em um cumprimento.

− O próprio. – disse e apertou a mão fina da garota entre as suas, seus olhos demoraram-se nos dela, analisando suas feições por alguns instantes. – Você deve ser a senhorita Jones.

− Me chame apenas de Alison. – respondeu com um sorriso. – Você já estava a minha espera?

− Não exatamente – confessou. – Mas eu reconheceria este sorriso e esses olhos em qualquer lugar.

Alison sentiu o rosto corar um pouco ao perceber que o pastor parecia conhecê-la já de outra ocasião, enquanto ela, não se lembrava de já tê-lo conhecido.

− Desculpe. – pediu um pouco embaraçada. – Nós já nos encontramos antes?

− Ah... Faz muitos anos. – O homem disse sacudindo a cabeça em negação. – Você não iria se lembrar. Mas e como está Bennet?

− O senhor conhece o meu pai?

− Se eu o conheço? – Um riso escapou de seus lábios finos por baixo do espesso bigode. – Bennet e eu éramos grandes amigos na época da escola, costumávamos jogar vôlei juntos na praia. – contou enquanto seus olhos vaguearam-se pelo teto alto da igreja. – Bons tempos...

Alison tentara imaginar seu pai como um jovem atlético, correndo de bermuda pela orla da praia, mas só o que conseguia ver em sua mente era o homem de postura séria que ele então se tornou, correndo atrás de uma bola vestido em seus trajes sociais. Chegava a ser uma imagem cômica, então ela esboçou um riso discreto.

− Eu nunca joguei vôlei na praia. – confessou.

Alison tinha o hábito de praticar exercícios físicos, ela seguia a risca cada uma de suas recomendações médicas. Assim, eram ao menos sessenta minutos diários, os quais ela costumava gastar com corridas e caminhadas, brincadeiras e jogos nunca fizeram parte de seu cronograma, até mesmo porque ela não tinha amigos com quem jogar.

− Pois hoje está um dia ensolarado, se quiser eu posso te ensinar.

− Hoje? – perguntou abismada, que tipo de pessoa ele havia pensado que ela fosse pra mudar um compromisso assim, em cima da hora? Alison pensou que ele tivesse feito o convite apenas por educação, era mais provável. – Seria impossível. – Sacudiu a cabeça. – Mas, de qualquer maneira, obrigada por convidar.

O pastor riu um pouco, mas logo fechou a cara quando a porta da frente voltou a ranger. Alison virou e deparou-se com o garoto loiro do telhado adentrando o espaço, ele e o pastor se encararam por alguns longos instantes e ela achou que ambos pareciam um tanto quanto mal humorados. O garoto atravessou a igreja em silêncio e pôs-se a executar algum tipo de serviço ao redor da janela.

− Desculpe. – A voz doce de Alison interrompeu o longo silêncio e o pastor voltou a encará-la. – A conversa está maravilhosa, mas eu já estou prestes a me atrasar. – constatou encarando o relógio de pulso. – O que mesmo minha vó pediu para eu vir buscar?

− Ah, claro. – Ele disse, e então caminhou até o fundo da igreja, para onde Alison seguiu-o de perto. – Sabe que eu sempre quis conhecer o Tennessee. – comentou enquanto revirava a caixa de madeira separando algumas ferramentas.

Os olhos azuis de Alison escaparam furtivamente para o rapaz sem camisa que consertava a janela, algo nele era estranhamente misterioso, e Alison sempre fora uma garota extremamente curiosa. Quando o loiro virou-se e seus olhos encontraram-se por breves instantes, Alison Grace sentiu seu coração acelerar, e desviou-os rapidamente, para encarar o pastor agachado ao seu lado.

− Desculpe. – Pediu gaguejando um pouco. – O que foi mesmo que disse?

O pastor riu, e entregou em sua mão uma pequena sacola.

− Judith me disse que você é do Tennessee. – Ele observou. – É tão perto, mas ao mesmo tempo, nunca tive a oportunidade de conhecer.

− Ah, o Tennessee é maravilhoso. – Alison confessou com um sorriso sincero, ela nunca negara sua admiração pela terra natal. – O senhor iria adorar.

− Aposto que sim. – disse e tocou a mão sobre o seu ombro. – Olha aqui estão todas as ferramentas que a sua avó me pediu emprestado, e, também, alguns parafusos e isolantes que eu acredito que ela vá precisar ao longo da reforma. Diga a ela que não precisa ter pressa em me devolver, eu tenho mais de onde vieram essas. E se precisar de mais alguma coisa, sabe onde me encontrar.

− Muito obrigada pastor. – agradeceu e encarou o relógio de pulso outra vez. – Bom, eu preciso ir lá.

− Espero encontra-la aqui no culto domingo.

Alison ponderou a ideia, apesar de vir de uma família católica, seus pais e ela própria não costumavam praticar a religião. Ela já houvera rejeitado um convite do pastor ainda há pouco, então decidiu que não seria educado voltar a rejeitar.

− É claro, seria um prazer.

Atravessou a igreja até o lado de fora, e caminhou rapidamente apressando-se em voltar para casa, não queria se atrasar ou preocupar a avó que ainda a aguardava.

Já se aproximava da esquina quando ouviu uma voz grave e rouca lhe chamar.

− Ei garota do Tennessee.

            Alison espiou por cima do ombro e se deparou com o mesmo loiro que vira consertando a janela, seus olhos demoraram um pouco em seu peitoral descoberto, e assim que ela conseguiu raciocinar, virou-se para encará-lo.

− Acho que você vai precisar disso se tiver a intenção de usar esses parafusos que está carregando. – Ele disse com um riso curto e esticou o braço para entregar-lhe algo que parecia uma grande pistola elétrica, daquele tipo que ela já viu usarem nos programas de reformas na televisão.

Alison vasculhou a pequena sacola que o pastor lhe entregara, e contatou que os parafusos estavam de fato lá. Ela ponderou por alguns instantes, e achou mais prudente recusar a oferta.

− Eu acho que já tenho uma dessa. – mentiu com um sorriso curto. Alison não se considerava uma garota inocente, ela sabia reconhecer um problema quando ficava de frente pra ele, e o garoto deslizando a mão sobre os cabelos loiros e bagunçados definitivamente era um. – Mas obrigada de qualquer forma.

Ele mordeu os lábios enquanto a encarava de cima a baixo. Alison considerou seu gesto extremamente indelicado e repudiável, já estava virando as costas para ir embora quando ele voltou a falar com ela.

− Eu estava me perguntando que tipo de coisa uma garota com botas de cowboy teria aprontado pra acabar vindo parar nesse fim de mundo.

− Me desculpa. – Alison pediu usando um tom de ironia que de maneira alguma era seu habitual. – Foi só impressão minha ou você tem algum tipo de problema com a minha bota?

− Eu? – Ele perguntou levando a mão ao peito. – De forma alguma, aposto que elas são a ultima moda lá de onde você veio.

Então um riso curto escapou de seus lábios finos e bem delineados, e a covinha que se formou em seu queixo quadrado deixou a garota ainda mais furiosa.

− São sim. – concordou sorrindo. – Mas aposto que calça rasgada e caindo até a metade da bunda não é moda em lugar nenhum. – ela rebateu analisando os trajes do garoto que com certeza não estava em condição de julgar seu gosto pra moda. – Você já ouviu falar de cinto? A gente costuma usar lá no Tennessee.

O garoto riu e esticou a mão em um cumprimento, e mesmo que a fina educação que recebeu de seus pais a mandasse que apertasse de volta, ela recusou-se e apenas ficou o encarando com seus olhos azuis repletos de fúria. Ela não entendia qual era o problema desse garoto, e como ele havia conseguido tirá-la do sério.

− John Rutherford. – Ele se apresentou quando percebeu que ela não o cumprimentaria de volta. – E você é?

− Alison Grace. – Ela respondeu revirando os olhos mesmo sabendo que seu gesto não seria educado. – Jones para os menos íntimos.

Ele arregalou os olhos parecendo surpreso ao ouvir o seu sobrenome, mas logo sua expressão de surpresa converteu-se em um sorriso.

− Foi um prazer conhece-la Alison. – O loiro provocou-a descaradamente e riu sozinho. – Você ainda não me disse como veio parar aqui?

− Estou passando uma temporada com a minha vó. – respondeu. – Mas eu não vou perguntar de você Rutherford, porque já percebi que sua ajuda na reforma da igreja não passa de serviço comunitário obrigatório, então estou na dúvida: Drogas ou destruição do patrimônio público? 

− Você quase acertou. – Ele sorriu. – Eu sou o filho do pastor. – disse, e Alison sentiu o rosto ruborizar, pensou que talvez houvesse feito um julgamento equivocado do rapaz. Equívocos como esse não eram algo aceitável, não para Alison Grace, então ela tentou consertar.

− Talvez eu vá precisar dessa furadeira afinal. – confessou constrangida, e ele lhe entregou o objeto.

− Na verdade isso é uma parafusadeira. –riu. – É melhor não tentar fazer nenhum furo com isso ou vai acabar se machucando.

− Eu sabia. – mentiu odiando-se por cometer outro erro e encolheu os ombros. – Te devolvo isso amanhã. – apertou os lábios.

− Eu posso te ajudar com isso mais tarde se você precisar.

− Tudo bem, eu sei me virar. – disse apertando os lábios em um sorriso fechado, e já se preparando para ir embora. – Até amanhã John Rutherford.

− Até amanhã Alison Grace.

Ela riu sem conseguir entender bem o que sentia, ela mal conhecia e já odiava John Rutherford, e ainda assim, ela gostava um pouco dele. Então se virou para ir embora.

− Me chame de Jones. – Gritou encarando-o por cima do ombro quando já estava um pouco longe.

  − Claro Jones. – Ele gritou de volta. – E só pra você saber, foi o lance com as drogas.

Seu riso imediatamente fechou-se quando sentiu a raiva crescer em seu corpo. Não, ela não gostava um pouco de John, só o que ela sentia por ele era ódio. Alison levou as mãos a própria cabeça e mordeu os lábios, sentindo raiva não só dele, mas também de si mesma. Como pôde ter sido tão facilmente enganada?

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