38 - o baile de formatura
VAI DAR TUDO errado. Estou entrando em desespero porque juro que não sei o que fazer com meu cabelo, e esse sapato não combina com o meu terno. Eu devo usar salto? Melhor não. Mas eu deveria passar no mínimo um batom, pra não aparecer de cara limpa.
De verdade, não acredito que virei a pessoa que eu mais critiquei nos últimos meses. Julguei tanto toda a galera da escola surtando por causa desse baile, e tô fazendo a mesma coisa agora. Mas não é culpa minha, sabe? É que eu não posso fazer feio, não indo para a festa com Mina Leão. Mas eu também fui um pouco idiota deixando tudo pra última hora.
Falta uma semana, e enquanto todo mundo já tem a roupa, os sapatos, a maquiagem e o cabelo decididos para a festa, eu tô aqui a ponto de soltar um grito.
— Qual o problema? — Mamãe entra no quarto às pressas, logo depois de eu enviar uma mensagem de socorro com muitas exclamações.
— Você vai rir da minha cara — resmungo, cruzando os braços —, mas é que eu não sei como vou pro baile de formatura. Sei que esse problema não é nada eu, mas com certeza a solução dele é muito você, então prefiro engolir o meu orgulho e pedir ajuda.
Dona Regina solta uma risada, abrindo o meu guarda-roupa e dando de cara com o meu terno cor de pêssego que usei no casamento e planejo usar de novo daqui a algumas noites. Ela olha pra mim com uma careta.
— Por que a gente não compra outro terno pra você?
— Mas pra quê? — questiono. — Se eu posso usar esse, por que vou comprar mais um?
Mamãe me lança um olhar de impaciência, soltando um suspiro.
— Não é porque você pode usar esse que signifique que não possa ter outro. Qual é, Eva, é uma noite especial. O que custa querer comprar uma roupa legal, que nem todo mundo? — ela pergunta, gesticulando com a cabeça na direção do quarto do Bruno. — Seu irmão vai com outro terno pra festa, então por que você não pode ir também?
— Tá bem, tá bem — murmuro, me largando na cama e buscando o meu celular. — Porque ó, a Mina vai com isso.
Mostro pra mamãe a foto que recebi mais cedo. Não é a Mina usando o vestido, infelizmente, mas é uma foto do modelo ainda na vitrine. E ela vai estar... linda. Na verdade, eu acho que linda é muito pouco pro que ela vai estar de verdade, com esse vestido preto que tem uma abertura na lateral, deixando boa parte da sua perna esquerda a mostra.
Mal posso esperar pra vê-la com essa roupa.
— O terno do casamento nem combinaria muito com ele, de qualquer jeito — mamãe diz, me devolvendo o celular.
— Eu sei, por isso tô tão nervosa.
— Não precisa de nervosismo, Eva — ela avisa, dando um tapinha na minha perna para que eu levante da cama. — O que você precisa é de um terno novo.
É PRETO, MAS escolhi usar uma gravata roxa. E é loucura o que vou dizer agora, porque eu nunca diria isso em outras circunstâncias, mas eu tô me achando bonita. Até o meu cabelo tá legal, porque se torna meio impossível ele ficar bagunçado estando tão curto.
No começo do ano eu disse pra Mina que garotas cortam o cabelo quando passam por um término, e foi exatamente o que eu fiz. Não terminei um namoro nem nada parecido, mas sinto que essa etapa da minha vida, que agora chega ao fim, também merece um corte de cabelo dedicado somente a ele. Então fui ao salão anteontem, pedi pra cortarem o mais curto possível, e agora tô me encarando no espelho com esse corte Joãozinho que, pra minha surpresa, até que me caiu bem.
Uma pena que o cabelo da Mina não esteja mais tão curto, senão combinaríamos até nisso essa noite.
Calço os sapatos sociais, cobrindo a minha meia com a bandeira lésbica com a barra da calça. Me encaro no espelho uma última vez e, com um suspiro, saio do meu quarto.
O andar de baixo tá animado, e eu escuto a tagarelice na cozinha antes mesmo de chegar no fim da escada. Todos os amigos do Bruno vieram pra cá, porque a gente vai dividir a limusine. Sim, Tales realmente alugou uma, e eu não sei se acho isso engraçado ou um exagero dos grandes.
— Caralho, Eva, tá linda! — elogia Bernardo, eu arrastando uma cadeira pra ficar com eles.
— Valeu — agradeço, apanhando um monte de balinhas que foram colocadas no centro da mesa, devorando uma de cada vez. — Vocês estão, tipo, em grupo?
— Mais ou menos — explica Bruno, apontando pra Bernardo e Nico. — Nós três estamos sem par, então vamos sozinhos. Em suporte ao amor-próprio e essas coisas.
— Mas a Lia e a Olinda vão juntas — Nicholas explica, e eu ergo uma sobrancelha.
— Vocês são um casal e eu tô descobrindo isso só agora, é?
As meninas riem, Olinda abraçando forte a amiga.
— Infelizmente essa garota é hétero demais pra mim, então não — diz, Cecília dando um beijo na sua bochecha. — Mas ela é a que dança melhor entre todos aqui, então convidá-la foi necessário.
Solto uma risada, ouvindo a campainha tocar um segundo depois. Meu coração acelera, porque sei quem está esperando lá fora, e me levando num pulo, ajeitando o tecido do meu paletó.
— Boa noite, Regina — ouço a voz vindo do hall de entrada, eu estática no meio da minha cozinha.
— Boa noite, querida! Você tá linda — elogia mamãe, e eu não evito dar um sorriso.
Quando Mina aparece, eu sinto meu coração parar de bater. Sem exagero, acho que ele entra em colapso no momento em que ponho meus olhos nela. Seu cabelo está com uns cachos bonitos, e ela fez um delineado roxo pra combinar com a minha gravata, o batom preto se destacando na sua boca. E, meu Deus, esse vestido...
Ele é reto, com alça finas e longo, quase cobrindo o sapato baixo que Mina usa. Vê-la vestida assim me traz sensações que eu sei que não deveria estar sentindo, não no começo da noite, pelo menos. Ela parece uma agente secreta, uma espiã disfarçada prestes a ir a uma festa de gala, e eu juro que posso morrer a qualquer instante.
— É a primeira vez que te vejo de terno — ela sussurra pra mim, se aproximando depois de dar boa noite pra todo mundo e me dando um beijo na bochecha. — Por favor, não tira isso nunca mais.
— Poxa, e eu achando que você ia querer me ver fora dele mais tarde — brinco, e ela ri, envergonhada.
— É, talvez você esteja certa. Mas eu tô falando sério, tá? Você tá incrível, Eva. E eu amei o seu cabelo.
— Você já tinha visto meu cabelo antes, boba.
— Já — ela responde, sorrindo mais um pouco. — Mas eu precisava dizer que tô apaixonada por ele mais uma vez.
Mamãe obriga todo mundo a comer antes da limusine chegar. Segundo ela, a gente não vai conseguir sobreviver de ponche e comida ruim de festa a noite toda, e talvez ela esteja certa. Por isso, nós sete nos empanturramos de pizza e refrigerante de laranja enquanto discutimos sobre quem possivelmente ganhará a porra das coroas de Rei e Rainha do baile.
Eu nem lembrava mais disso, pra falar a verdade. Esse ano todo passou como um borrão e tirando as pessoas em volta dessa mesa e o meu grupo de matemática, eu não conheço praticamente ninguém daquele colégio. Por esse motivo eu nem cheguei a votar nos concorrentes, apesar de saber que, bem, três das pessoas nessa mesa estavam concorrendo.
É óbvio que a Olinda estaria na disputa pela coroa, ela é bonita e popular pra caramba, e eu nem me surpreenderia caso realmente ganhasse. Também não me surpreenderia se a escolhida como Rainha fosse a Mina, mesmo que pensar nisso esteja me deixando nervosa. Se ela ganhar, vai ter ainda mais pressão em cima dos meus ombros por ser a sua acompanhante, mesmo que seja eu a única pessoa que vai me pressionar de verdade.
A outra pessoa que pode levar a coroa é o Bruno. E, sendo honesta, não sei por que fiquei tão surpresa com isso, já que coisas do tipo são a cara do meu irmão. Ele é uma batata gratinada afinal de contas, e é popular pra caramba na Escola de Boafortuna. Mas se ele for o Rei do baile eu vou achar bem engraçado, mesmo sabendo que faz todo o sentido.
— Tá bem, crianças, a limusine chega em cinco minutos e a gente ainda não tirou fotos de vocês — reclama mamãe, fazendo a gente sair da cozinha assim que acabamos com a pizza. — Tales, tá com a câmera?
— Acabei de ligar — ele avisa, aparecendo na sala de estar com uma câmera profissional pendurada no pescoço. — Vai tirar as fotos aqui ou lá fora?
Mamãe nos encara, nós sete parados no hall de entrada esperando algum comando. Ela enfim decide que, apesar da iluminação ser melhor dentro de casa, o cenário vai ser mais bonito se a gente tirar as fotos no jardim.
— Nada que uma edição não resolva, né? — Dona Regina diz, empurrando a gente porta afora. — A gente ajeita a luz depois.
Com ordens claras da mamãe e Tales, a gente se amontoa no jardim da frente, de um jeito que todos apareçam na foto. Sorrimos mais quando mamãe pede, nos abraçamos, excluímos os meninos em um momento e tiramos fotos só com as garotas — e eles tiram uma sozinhos logo depois. Quando mamãe pede pra Mina e eu tirarmos uma foto de casal, sinto meu rosto pegar fogo assim que sinto todos se afastarem, sorrindo de um jeito bobo pra nós.
— Como quer a foto, Regina? — minha acompanhante pergunta, parada do meu lado sem saber o que fazer.
— Podem se abraçar, é bem romântico — mamãe sugere, ela conferindo as últimas fotos na câmera do Tales. — Mas sejam naturais, vão ficar fofas de todo jeito.
Mina sorri, dando um passo à frente pra se aproximar mais. Ela me abraça por trás, o que é engraçado porque temos a mesma altura e isso faz parecer que ela está se escondendo. Solto uma risada, ela me apertando mais forte e pousando o seu queixo gentilmente no meu ombro esquerdo.
— Você tá cheirosa — ela sussurra, me fazendo arrepiar por um segundo.
— Você também — respondo, pendendo minha cabeça e a apoiando na sua. — Agora presta atenção na foto, bobona.
Mamãe pede pra gente se mover um pouquinho antes de ouvirmos o click da câmera, Mina e eu sorrindo de um jeito bonito. Não sei se estou soando muito emocionada ao dizer isso, mas acho que nossos sorrisos combinam. Acho que eles ficam lindos juntos.
— Ficou perfeita, meninas — avisa Tales, conferindo a fotografia.
— A gente pode tirar só mais uma? — pergunta Mina, mamãe fazendo um sinal de positivo. A garota separa o nosso abraço, mas caminha até ficar ao meu lado, me fazendo sorrir na mesma hora. — Preciso fazer isso, Eva — ela avisa, dando um passo à frente e segurando o meu rosto, sussurrando antes de finalmente encostar os seus lábios nos meus: — Eu não ia me perdoar se essa noite acabasse sem uma foto minha te beijando.
É COMO ESTAR na Toca da Serpente, só é um pouco mais vazio e não-proibido para menores de dezoito — ainda que isso nunca tenha importado de verdade pra casa noturna. As pessoas muito arrumadas também é novidade, todos de terno ou usando vestidos cheio de brilho, o ginásio da escola sendo consumido pelas cores diversas dos tecidos e das pessoas. E é bonito, apesar de barulhento e um pouco caótico.
O comitê criado pra organizar a festa mandou bem, e apesar de eu ter achado que os balões fossem ficar bregas, até que ficaram bem legais. Tem luzinhas de festa em todo canto, elas perfeitamente sincronizadas fazendo o espaço mudar de cor a cada intervalo curto de tempo. Primeiro azul, depois vermelho, depois verde, depois roxo forte. E de novo e de novo e de novo.
— Quer vir dançar comigo? — Mina chama, andando de costas até a pista de dança, estendendo o braço na minha direção.
— Pensei que não ia me convidar nunca.
Tá tocando alguma música eletrônica, o que me faz pensar na Toca e em todas as vezes que vi Mina Leão dançar. A gente só dançou juntas uma vez, mas quando sinto suas mãos nos meus ombros, me puxando pra mais perto, é como se já tivéssemos feito isso um milhão de vezes antes.
— Você sabe que esse tipo de música não é pra dançar abraçado, né? — pergunto, erguendo uma sobrancelha enquanto ela aperta os olhos, sorrindo.
— Não importa. A gente só tem mais algumas semanas, Aquário, e eu não pretendo desgrudar de você enquanto estivermos juntas.
— Ótimo — digo, pondo as mãos na sua cintura e a puxando pra mais perto. — Porque também não quero que saia de perto de mim.
Dançamos umas duas músicas antes das amigas da Mina aparecerem, abraçando nós duas. Zia veio acompanhada de algum garoto do terceiro ano B, mas aparentemente Natália preferiu vir sozinha. Mas ela não se importa mesmo com isso, se entregando cem por cento à pista de dança e indo dançar com os amigos do Bruno.
— Quer beber alguma coisa? — pergunto para a Mina, nós duas nos afastando um pouco do amontoado de gente. — Posso pegar ponche pra gente, se quiser.
— Quero, sim — diz, se acomodando no primeiro banco vazio que a gente encontra.
A mesa com as comidas da festa está do lado oposto ao palco montado no ginásio, onde, eu imagino, será a coroação do Rei e Rainha do baile. Me aproximo, nenhum doce ou salgado me chamando muito a atenção depois de ter comido quatro fatias de pizza em casa, e vou direto até o ponche. Eu não faço ideia de qual sabor ele é, mas, mesmo assim, busco dois copinhos de plástico e começo a enchê-los.
— Garota, eu amei o seu terno!
Me viro em direção a voz, encontrando uma garota parada ao lado dos salgadinhos de festa, e, pra minha surpresa, ela também tá de terninho, um azul-marinho muito bonito.
— Obrigada! — agradeço, terminando com um dos copos e buscando o outro. — O seu também é muito bonito.
— Valeu, ele é muito mais confortável que um vestido sem graça.
Sorrio, concordando em seguida. Eu não tinha visto outra garota de terno nessa festa, e é bom perceber que não sou a única assim aqui. Me despeço dela, buscando os dois copos e caminhando de volta até onde deixei a Mina. E é nesse caminho de volta, que não passa de uns poucos metros, que noto o quanto eu estava cega.
Não só tem eu e a garota azul-marinho com ternos essa noite. Existem dezenas de garotas como nós. Garotas dançando, bebendo, conversando, algumas até se beijando. E eu sinto meu peito se apertar ao perceber isso, que, cara, eu não sou a única nessa droga de escola. Eu não era a única. E isso me traz uma sensação tão boa que eu nem consigo explicar.
— Ei, você tá bem? — pergunta Mina assim que volto, e eu a entrego um dos copos com o ponche.
— Tô muito — asseguro, sorrindo para ela enquanto me acomodo no banco ao seu lado, estendendo o meu copo na sua direção. — Pronta pra saber qual é o gosto disso aqui?
A gente toca os copos com cautela, um brinde cuidadoso pra não derramar a bebida, antes de darmos o primeiro gole. E não é tão ruim, apesar do gosto ser um pouco estranho no começo. Mas é doce de um jeito exagerado, e é só no final que consigo distinguir o sabor.
— Uva — a gente diz em uníssono, Mina encarando a bebida restante no seu copo.
— Como porra isso é dessa cor? Ponche amarelo de uva. Isso existe?
Dou de ombros, bebendo o resto da coisa no meu copo.
Tá tocando algum pop dos anos 80, e eu assisto meio maravilhada as pessoas dançarem. Nunca pensei que viveria toda essa experiência hollywoodiana no meu último ano do Ensino Médio, mas cá estou eu, surpreendentemente feliz por estar fazendo parte disso. Vejo meus amigos dançarem e sinto meu coração se apertar por perceber que, meu Deus, tudo está oficialmente acabando. Depois da colação de grau, antes do Ano Novo, nossos caminhos serão outros para sempre.
— É tão estranho, pensar que a gente esperou tanto tempo por essa festa e ela tá realmente acontecendo — Mina diz, apoiando as costas na parede e encarando a pista de dança. — Parecia algo tão distante, sabe? E vai acabar tão rápido...
— Muitas coisas são assim, se a gente parar pra pensar. Tudo passa muito depressa, mesmo quando pensamos que não.
— Tá sendo assim agora, não é? — ela pergunta, nossos olhares se encontrando. — Eu passei tanto imaginando como seria quando nós duas estivéssemos juntas, Eva. E agora a gente tá vivendo isso, e tá sendo incrível, mas...
Assinto. Já é dezoito de dezembro, e ela vai embora daqui a poucas semanas. Dia dez de janeiro, tá anotado no meu celular, pra não esquecer, mesmo sabendo que eu não faria isso nem se quisesse. Mina vai embora, mas eu vou ficar, e apesar da certeza que tenho de que muitas coisas vão acontecer pra mim no próximo ano, eu não consigo visualizar nada.
Não tô querendo soar uma adolescente dramática que não vai conseguir viver sem o seu grande amor por perto e essas coisas, porque não é isso, mas tá tudo me parecendo meio bagunçado. Não sei como vão ser as coisas depois que eu me despedir da Mina, e pensar nisso me assusta de verdade.
— Sei que a gente conversou sobre não pôr um nome na nossa relação e tudo o mais — ela começa, encarando os próprios pés —, mas talvez se a gente fizesse isso, eu me sentisse mais confortável. Acho que as coisas pareceriam mais reais.
— Eu concordo, mas também seriam mais dolorosas quando a gente precisasse terminar.
Mina me encara, mordendo os lábios enquanto continua em silêncio. As luzes da festa brilham na lateral do seu rosto, e eu percebo que ela quer me dizer algo, mas não sabe como fazer isso.
— Eva... — ela murmura, levando o olhar até nossas mãos em cima do banco. Gentilmente, arrasta sua palma até encontrar a minha, a apertando de leve. — Eva — repete, mais confiante —, e se a gente não terminasse?
— Acha mesmo que namorar à distância iria dar certo? — pergunto. Mina franze as sobrancelhas, e eu me sinto no dever de esclarecer minhas palavras. — Não tô querendo ser pessimista, tá? Juro. Mas é que eu nunca vi um namoro assim dar certo e... posso ser honesta com você sobre uma coisa?
— Por favor.
— Você vai tá em Velha Laguna, Mina Leão. Uma cidade enorme, cheia de possibilidades e com todo tipo de gente, garotos e garotas que com certeza são bem melhores e mais interessantes do que eu.
Ela solta uma risadinha, erguendo minha mão e a colocando sobre seu colo, nossos dedos se entrelaçando no processo.
— Eu duvido muito disso — diz, deslizando no banco até encostar sua perna na minha, nós duas próximas demais. — Mas tá tudo bem se não quiser tentar, eu entendo, de verdade. Eu só achei que... — Ela dá de ombros, sorrindo um pouquinho. — Tá sendo tudo tão bom, Eva. As últimas semanas foram as melhores da minha vida, e não sei se tô muito disposta a dar um adeus definitivo pra isso.
A encaro, Mina me olhando com os olhos pintados de azul forte, a cor que agora domina a pista de dança. Eu queria que fosse fácil assim, que a gente conseguisse fazer as coisas funcionarem pelos próximos anos. Porque sabe, eu poderia ir pra Velha Laguna depois que terminasse a faculdade, e aí a gente não precisaria mais ter que lidar com a distância.
O problema é que, mesmo eu não querendo pensar nas chances de isso dar errado, eu não consigo me livrar desse pensamento negativo. Mas eu prefiro pensar que tô só sendo realista, porque sei que as chances de tudo dar certo são minúsculas. E eu falei sério quando disse que Mina pode conhecer alguém bem melhor do que eu, porque, qual é, isso não é muito difícil. Sem falar que eu não quero que a gente se machuque. A probabilidade de um namoro à distância terminar tragicamente é enorme, e eu não sei se consigo lidar com isso.
Prefiro passar os próximos anos a tendo como uma amiga, mesmo com nós duas gostando de verdade uma da outra, do que precisar cortar laços porque não conseguimos fazer as coisas funcionarem.
Mas infelizmente a Mina tem razão. Todos os meus dias com ela depois do Dia das Bruxas foram perfeitos, e abrir mão disso seria idiotice. E se há uma garota pelo qual vale a pena tentar um namoro à distância, essa garota é Mina Leão.
— E se a gente deixar pra decidir isso um dia antes de você ir embora?
Mina aperta os olhos, e eu solto uma risada sem querer.
— Não tô fazendo o que acha que tô fazendo. Eu não tô deixando esse problema pra depois só porque não quero lidar com ele agora, tá? Só acho que vai ser mais fácil decidir quando pensarmos melhor sobre o assunto.
— Tá bem, tá bem — ela cede, relaxando a postura e batendo sem querer seu joelho no meu. — Mas isso não impede a gente de fazer aquilo que eu falei, né? De dar um nome, mesmo que isso torne as coisas mais dolorosas e etecetera.
Sorrio, levando minha palma livre até o rosto dela, acariciando sua bochecha com meu polegar. Mina fecha os olhos, sorrindo também, e esse ação mínima faz meu estômago inteiro revirar, o que é assustador e ao mesmo tempo muito fantástico. Meu Deus, eu tô apaixonada pra cacete.
— Não, não impede.
— Ótimo — Mina diz, finalmente se livrando da distância entre nossas bocas e encostando seus lábios nos meus. — Porque, sabe, eu tava doida pra poder dizer que Eva Aquário é a minha namorada.
MEUS PÉS ESTÃO doendo de tanto dançar, mas eu não me importo. Dividindo a pista de dança com Bruno, eu nem acredito que tô tão animada enquanto tento sincronizar os meus passos com os dele, caindo na gargalhada sempre que vou na direção contrária.
— Como você namora uma dançarina e não consegue nem ao menos parar de esbarrar nos próprios pés? — ele reclama, mas rindo também.
Sinto meu rosto pegar fogo, mas disfarço dando um soco no ombro dele, de leve.
— Pois eu não sabia que você dançava — rebato, mudando de assunto. — E dá pra gente dar uma pausa? Esse sapato tá me matando.
— Fraca — ele resmunga, e eu reviro meus olhos.
Antes que eu tenha a chance de sair da pista, a música animada para de tocar nas caixas de som. A atenção de todo mundo vai até o palco, onde Julieta, a garota da minha classe e líder das turmas, se aproxima do microfone, parado lá desde o começo da festa. Vejo nossos amigos se aproximarem, já sabendo o que vai acontecer, e a Mina, voltando do banheiro, vem direto até mim, me abraçando por trás.
— Devem anunciar o Rei a Rainha agora, né?
— Acho que sim — digo, olhando pra ela de soslaio e a dirigindo um sorriso. — Tá nervosa, é, Mina Leão?
— Sendo honesta? — ela pergunta, soltando uma risada cortada. — Um pouquinho.
Julieta faz um discurso bobo sobre como, independente do ganhador, todos aqui são reis e rainhas e blá, blá, blá. Sinto vontade de rir, mas consigo manter o autocontrole, assistindo a garota finalmente abrir um dos envelopes dourados que segurava.
— E o Rei do baile de formatura da Escola de Boafortuna é... — ela se demora de propósito, gritando no microfone longos segundos depois —... Bruno Vinhedo!
Tá, agora eu não consigo segurar o riso mesmo. Caio na gargalhada assistindo meu irmão caminhar até o palco, as pessoas aplaudindo freneticamente como se ele tivesse ganhado um Oscar ou coisa do tipo. Mas pelo menos não sou a única rindo, já que os nossos amigos também não conseguiram aguentar, eles morrendo de rir e apontando para o garoto todo bobo parado feito um idiota no meio do palco.
Alguma garota que eu não conheço, possivelmente do comitê da formatura, põe uma coroa brilhante na cabeça dele. Bruno sorri, diz um obrigado mixuruca no microfone e tenta manter a pose enquanto Julieta começa a abrir o outro envelope.
— E finalmente o que todos esperavam. A Rainha do baile de formatura da Escola de Boafortuna é...
Sinto o coração da Mina bater forte, e eu aperto nosso abraço numa tentativa de acalmá-la. E por mais que eu ache isso uma grande baboseira sem importância, não consigo deixar de me sentir nervosa por ela também.
— Mina Leão! — Julieta grita no microfone, e de repente, é como se o ginásio inteiro fosse colocado no mudo.
Não acontece como nos filmes adolescentes sem graça. Um holofote não surge do nada e faz uma busca incrivelmente rápida até achar Mina na multidão. Isso não acontece. Ainda assim, o olhar de todos param em nós, em busca de uma ação da garota, que ainda me abraça forte.
— Ei, eu acho que... — começo a dizer, e ela finalmente parece recobrar os sentidos.
— Meu Deus, Eva...
— Vai lá! — exclamo, a dando um beijo na bochecha quando soltamos o abraço. — Vai buscar sua coroa, Rainha do baile.
A assisto caminhar até o palco, os alunos abrindo espaço para que ela chegue até lá sem obstáculos. Eu me aproximo da Nathalia e Zia, que surgiram em algum momento gritando palavras de incentivo para a amiga, e vislumbramos juntas a garota mais bonita do mundo inteiro receber a sua coroa.
— Meu Deus, gente, muito obrigada, eu... não sei nem o que dizer.
Todo mundo murmura um own para as palavras de Mina, todos concordando que sim, ela tá a coisa mais fofa naquele palco. Além de deslumbrante. E gata pra caralho.
Meus olhos cinematográficos já foram uma maldição, mas nesse momento eles nunca me pareceram mais necessários. Preciso agradecer por sua existência, porque enquanto encaro Mina Leão parada lá como um anjo, eu consigo eternizar todo esse momento na minha cabeça. As luzes, os sons, até esse cheiro estranho formado pela mistura de perfumes e o ponche da festa. Por um segundo, tudo me parece perfeito, como se minha vida inteira tivesse acontecido só pra esse momento existir.
Acho que nunca me senti tão eterna. Se é que isso faz sentido.
— E aí? Vai ter um beijo do Rei e da Rainha do baile? — Julieta pergunta no microfone, e os alunos soltam gritos de incentivo.
Sinto meu maxilar se contrair na mesma hora, sem querer, e mesmo daqui de tão longe, consigo ver que o rosto deles tá vermelho pra caramba.
— A gente não... — Bruno tenta dizer, gaguejando sem jeito.
— Eu tenho namorada — Mina esclarece, sorrindo. — Mas...
Ela segura o rosto do meu irmão, dando um beijo gentil na sua bochecha. Vejo Bruninho sorrir, a abraçando e a dando um beijo na testa.
— Dois beijos entre o Rei e a Rainha, pra ficar pra história! — exclama a líder das turmas, tentando não demonstrar que ficou desconcertada. — Vamos aplaudi-los uma última vez, gente. Por favor, é isso aí! — Ela vibra enquanto as pessoas aplaudem, animadas. — Agora, aproveitem o resto da nossa noite.
Assim que Bruno e Mina saem do palco, uma música lenta começa a tocar. Acho que é a primeira da noite, e imediatamente os pares se formam, os jovens abraçando a cintura de seus acompanhantes por toda a pista de dança. Quando meu irmão e minha namorada me alcançam, Mina busca minha mão, me fazendo rodopiar.
— Posso ter o prazer de dançar essa música lenta com você, Eva Aquário?
Sorrio, revirando os olhos. Seguro mais forte a sua mão, a puxando pra perto.
— Antes das moças irem se divertir — interrompe Bruno, fazendo nós duas pararmos. — Acho que a Mina merece dançar com o Rei da festa, não acha?
Estou prestes a rebater, mas então vejo meu irmão tirar a coroa da cabeça, colocando-a sobre a minha. Apesar de um pouco grande, ela consegue não cobrir os meus olhos, ficando só um pouco acima das minhas sobrancelhas.
— Ou melhor, com a outra Rainha.
— Obrigada — agradeço sorrindo, e ele sorri de volta antes de se afastar.
Mina apoia os cotovelos nos meus ombros, alisando os fios recém-raspados da minha nuca. Ainda não me acostumei a ter um cabelo tão curto, mas gosto da sensação que dá quando ela faz carinho nele, meu corpo respondendo todas as vezes como se estivesse levando uma carga elétrica.
— Duas rainhas, hein? — ela comenta, me guiando na dança. — Acho que eu gostei bastante disso.
— Uma pena que só estou nessa posição temporariamente — reclamo, soando chateada de propósito. — Mas não me importaria em permanecer ao seu lado como uma servente real ou coisa parecida.
Ela ri, levando as mãos até o meu rosto.
— Besta — murmura, antes de me beijar.
Revolucionário. Toda santa vez.
— Poxa, nenhum respeito com os mais velhos, Mina Leão? — brinco, a fazendo erguer uma sobrancelha.
— Precisa superar isso, Aquário. Você é mais velha que eu só algumas semanas.
— Não importa — insisto, dessa vez eu a fazendo girar pela pista de dança. — Faz cinco dias que tenho dezoito, e vou continuar em uma posição superior à sua pelos próximos... — me demoro um pouco no cálculo, fechando os olhos por um segundo enquanto conto —... cinquenta e dois dias.
Mina solta uma risada, mordendo os lábios de leve.
— Posição superior, é?
Sinto meu rosto ruborizar na mesma hora.
— Besta — repito suas palavras, imitando a entonação da sua voz.
— Mas, falando no seu aniversário — ela insiste no assunto, de repente parecendo empolgada —, eu tenho uma surpresa pra você.
— Outra? — pergunto, fazendo uma careta sem querer. — Não bastou a festinha que você planejou com os Vinhedo? Ou os vários livros sáficos que me deu de presente?
Ela balança a cabeça em negação, sorrindo de um jeito provocativo. Parece uma criança se vangloriando por saber de algo que eu não sei.
— Qual é a surpresa, então? — questiono, porque infelizmente eu já tô curiosa demais.
Mas tudo o que Mina faz é se aproximar, levando a sua boca até meu ouvido e sussurrando baixinho. A onda elétrica percorre todo o meu corpo novamente.
— Amanhã à noite. Veste algo legal. Te busco na sua casa. — Ela se afasta, sorrindo pra mim com as sobrancelhas arqueadas. — Aposto todas as minhas fichas que você vai adorar.
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