13 - você gosta de azeitonas?
não precisa me buscar na entrada, acho que já decorei o caminho ;)
Recebo essa mensagem de Mina logo depois das três da tarde. Saio da cama, penteio meus cabelos da melhor forma que posso e espero no andar de baixo a portaria do condomínio ligar pedindo a liberação da garota na entrada. Em menos dez minutos, ouço minha aluna tocar a campainha da casa dos Vinhedo.
— Pronta para duas horas de aula de análise combinatória?
— Me mate de uma vez, eu imploro!
Mamãe levou Lola para tomar sorvete, então Mina e eu estamos sozinhas. Enquanto subimos as escadas em direção ao meu quarto, percebo que algo está acontecendo. Diferente de todas as outras vezes em que estivemos juntas, ela não parece muito animada nessa tarde.
Hm. Curioso.
— Você tá legal? — pergunto enquanto fecho a minha porta, ela largando a mochila no chão e se jogando em minha cama.
— Mais ou menos. — Mina se apoia nos cotovelos, me encarando ainda em pé. Me lança um sorriso de lábios cerrados enquanto permaneço com as mãos atrás do corpo. — Quer me ouvir desabafar sobre meus problemas enquanto me ensina matemática?
Droga, Mina, você nem faz ideia do quanto.
— Sou toda ouvidos — digo, lhe dirigindo um sorriso enquanto encontro espaço na cama e me sento a seu lado.
OBSERVO MINA RESOLVER a lista de questões que preparei mais cedo enquanto penso em tudo o que ela me contou. Se fosse eu em seu lugar, tenho certeza que nunca teria a paciência que essa garota tem, e com certeza estaria agora com o meu punho manchado de sangue. Juro que não sou tão violenta a esse ponto, mas porra, aquele garoto bem que merece um belo de um soco no meio do rosto.
— Você não acha que sou idiota, não é? — pergunta Mina, me entregando a folha com os cálculos resolvidos.
— Eu não julgo pessoas por não se darem bem em Matemática — brinco, mesmo sabendo que não é disso que ela está falando.
Mina ri.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
— Entendi. — Começo a corrigir as questões, tentando encontrar uma resposta adequada para dar a ela. — E não, não acho. Só acho que ele merecia mais.
— Merda.
Eu sei que existem garotos bons no mundo. Poucos, mas existem. Mas também sei, e sei bem, que há um número absurdo de meninos babacas por aí. Lucas Macedo é um deles. Como alguém que terminou o namoro há quase um ano ainda insiste em tentar resolver as coisas com uma ex que não quer mais nada? Santa paciência a da Mina. Eu não aguentaria metade.
— Sabe, ele já está bem errado em te perseguir pela escola, mas ir parar na Toca da Serpente pra te perturbar passou ainda mais dos limites. — Suspiro. — Acho de verdade que você precisa adotar outros meios de lidar com ele.
— Tipo o quê?
Poderia sugerir o soco no rosto, talvez?
— Não sei, mas... — Largo a folha com os cálculos sobre a cama, agora concentrando o meu foco cem por cento nessa conversa. — Talvez você precise mostrar de uma vez por todas que superou esse cara. — Ela olha para mim, mordendo os lábios. Ah, não. — Por favor, Mina Leão, me diga que superou esse cara.
— Eu superei! Acredite. Mas como já te falei, eu ainda gosto dele como amigo, e isso me desconcerta. — Ela cobre o rosto com as mãos. — Não sei o que fazer.
Encaro Mina por um tempo, seus cabelos longos e lisos se espalhando pela minha cama. Eu não compreendo muito bem todo o seu dilema, e não sei se é porque não consigo entender a atração que garotas sentem por garotos ou porque, bem, eu nunca namorei. Talvez as duas coisas. Mas de alguma forma eu sinto que é meu dever tentar ajudá-la. Não faz sentido, eu sei que não, mas...
— Acho que sei do que você precisa. — Mina tira as mãos do rosto, me encarando com um olhar esperançoso. — Qual foi a última vez que cortou os cabelos?
— Uns quatro anos atrás... — ela diz, receosa.
Sorrio.
— Pois bem, já está na hora de você ter um corte de término.
— O quê?
— Você sabe. Garotas cortam o cabelo às vezes quando terminam o namoro.
Ela fica em silêncio por uns bons segundos, se erguendo na cama e me encarando nos olhos. Mina tem cara de ser uma daquelas garotas que passam horas hidratando o cabelo, gastando com produtos que nunca ouvi falar e marcando horário em salões de beleza. Aposto que ela está pensando em como essa ideia é ridícula e está prestes a me dar um belo de um não.
— Tá bem — Mina sussurra, parecendo se carregar de uma nova onda de confiança. — Vamos fazer isso.
TUDO ACONTECE MUITO rápido. Em questão de minutos, nós largamos os cadernos sobre a cama e caminhamos juntas até o banheiro social mais próximo, e antes que eu perceba, Mina Leão está com os cabelos molhados e soltos, sentada em um banco alto à minha frente. Não sei exatamente como tudo aconteceu, mas cá estou eu, encarando suas costas com uma tesoura afiada na mão, prestes a fazer um estrago.
— Você tem certeza que quer fazer isso? — pergunto, desejando desesperadamente que ela volte atrás. — Eu nunca cortei o cabelo de ninguém, Mina.
— Tá tudo bem! — ela me garante, animada demais para o meu gosto. — Eu confio em você de olhos fechados, Aquário.
Respirando fundo, posiciono a tesoura na altura que Mina indica, e assisto as minhas mãos trêmulas cortarem alguns fios. Minha nossa minha nossa minha nossa.
— Mina...
— Cala a boca e corta, Eva!
Engulo em seco, tomando a coragem necessária para cortar mais um pouco. Meu Deus, eu tenho zero talentos com a tesoura — pelo menos com essa aqui. E tenho certeza que quando eu terminar esse corte e Mina se olhar no espelho, ela vai me odiar para sempre.
O que me conforta é lembrar que a ideia foi dela. Quero dizer, teoricamente foi minha, mas foi a dona dos cabelos quem insistiu em continuar com isso. Então não posso fazer muita coisa, não é? Uma pena.
— Parando pra pensar agora, não sei se isso tudo faz muito sentido.
— Como assim?
— Por que um corte de cabelo impediria o Lucas de continuar correndo atrás de você? — Faço uma careta. — Se bem que eu vou fazer um estrago tão grande que vai ser difícil conseguir olhar para você depois disso.
Mina ri.
— Acha mesmo que um corte de cabelo me deixaria tão feia assim?
Nem em um milhão de anos.
— Pra você ver o quanto sou talentosa como cabeleireira.
Depois de longos minutos e uma onda de desespero por não conseguir igualar os fios de jeito nenhum, eu encaro os cabelos recém cortados com um aperto no coração. Ficou mais curto do que deveria, e eu tenho quase certeza que tem algumas pontas tortas. Puta merda, Mina vai me matar.
— Olha — digo, a segurando pelos ombros e a arrastando até o espelho —, eu te aconselho a ir em um salão de verdade logo depois que sair daqui. Não tá ruim, mas tá bem...
— Eva...
— Me desculpa!
Ela se encara no espelho acima da pia, eu ao seu lado com uma careta no rosto. Não consigo evitar. Não é que tenha ficado tão ruim assim, mas de verdade, eu cortei muito mais do que o esperado. Mina pediu para que os cabelos ficassem na altura do queixo e, bem...
— Estão passando das suas orelhas, Mina! — exclamo, cobrindo o meu rosto com as mãos. Nem quero olhar na cara dela.
— Eva, eu adorei...
Afasto os meus dedos, encarando o espelho pelas brechas entre eles. Mina analisa os fios, os penteando com as mãos, visualizando o corte por todos os ângulos. Ela está sorrindo radiante.
— De verdade. Ficou perfeito, Eva.
Na altura das orelhas, os seus cabelos lisos estão parecendo agora uma espécie de corte Joãozinho meio torto ou, melhor dizendo, moderno. Ainda assim, ela continua bonita. Não sei como, mas mesmo tendo sido eu a responsável por esse novo visual, Mina Leão parece ter ficado ainda mais, sei lá, extraordinária.
— Sério mesmo... Não acredito que você me fez fazer isso — sussurro, ela me encarando no espelho.
— Eu não te disse, Aquário? — Ela se volta em minha direção, olhando para mim de frente com um sorriso provocante no rosto. — Confio em você de olhos fechados.
DEPOIS DE VOLTARMOS para o quarto e tentarmos por dez minutos voltar a estudar, nós desistimos e partimos até a cozinha à procura de algo para comer. Mamãe mandou uma mensagem avisando que decidiu ir ao cinema com Lola, já que minha irmãzinha estava louca para ver um filme sobre unicórnios detetives que combatem o crime. Que Deus tenha piedade da minha mãe.
Abro a geladeira e passo uns bons quinze segundos parada no meio da cozinha com a mão na porta do refrigerador.
Eu nem mesmo sei cozinhar.
— Não quer pedir comida? — sugiro, e Mina ri.
— Vem cá. — Ela caminha até mim, me puxando pelo braço de volta para onde estava antes, atrás do balcão. — Me dá permissão para usar o seu fogão?
Assinto, me acomodando em um dos bancos altos. Daqui, ajudo Mina a encontrar os pães de forma no armário de cima, o queijo e a manteiga na geladeira e uma frigideira na bancada próxima aos fornos.
— Você sabe que temos uma torradeira, não é? — questiono, minhas sobrancelhas erguidas e meus braços dobrados sobre o balcão.
— É óbvio que vocês têm — ela resmunga. — Estamos ou não estamos em uma casa no Condomínio Falsa Escócia? Vocês devem ter tudo! — Mina revira os olhos, sorrindo. — Mas acredite, Aquário, uma torrada de frigideira é incontáveis vezes melhor.
Assisto Mina colocar o queijo nos pães e espalhar a manteiga na frigideira, preparando as torradas no fogão de cinco bocas dos Vinhedo. Ela veio hoje com uma roupa larga e mais casual, muito diferente do vestido de alcinha com que veio na segunda passada. Sorri para mim quando tira os pães da frigideira e os põe em um prato, os deslizando pelo balcão até mim.
— Te apresento as torradas mais gostosas do mundo. — Ela põe as mãos na cintura, parecendo orgulhosa. — Se tivesse um café pra acompanhar ficaria ainda mais perfeito...
Faço uma careta, me levantando do banco.
— Eca, eu odeio café. — Caminho até a cafeteira, a plugando na tomada. — Mas posso esquentar o que tem para você.
— Não acredito que não gosta de café, Eva. — Ela cruza os braços, indignada. — Eu bebo, tipo, umas cinco ou seis canecas por dia!
— E ainda reclama dos meus biscoitos sabor limão?! — Balanço a cabeça em negação, sorrindo um pouquinho. — Pelo visto não sou eu quem vai morrer antes dos trinta.
Despejo a bebida quente em uma caneca e entrego para Mina, que a segura com as duas mãos. Sorte dela que a casa dos Vinhedo tem sistema de ar-condicionado em todos os andares, porque não sei como ela consegue beber café essa hora da tarde com o calor de Boafortuna nos batendo à porta.
Volto para meu lugar no assento do balcão e Mina, em pé à minha frente, espera que eu dê a primeira mordida na minha torrada antes de buscar a sua. E ela tem razão. Minha nossa, quando eu sinto o queijo derretido e o pão perfeitamente tostado, eu decido que aposentarei a torradeira para sempre.
— E então, o que achou? — Mina pergunta, a boca ainda cheia.
— É, o pão de frigideira é incontáveis vezes melhor.
Mina solta uma risada e merda. Contra minha vontade, meus olhos cinematográficos são ativados novamente, transformando essa garota em um ser místico ou sei lá o quê. Enquanto ela se move, é como se todo o seu corpo brilhasse, e inferno, o seu cabelo ficou realmente incrível, não sei como. Ela move a cabeça, fazendo os fios agora curtos balançarem o pouco que conseguem, e sinto o meu peito se apertar um pouquinho. Ela é muito bonita, mas isso eu já sabia. Mas nesse momento, meus olhos veem Mina Leão de um jeito que...
— E aí, garotas?
Me assusto com a voz de Bruno, esse parado no meio da cozinha sei lá por quanto tempo. Ele deve ter acabo de chegar do abrigo municipal porque ainda está com a mochila do colégio nas costas, mesmo já tendo passado das cinco horas da tarde.
— Mina, o seu cabelo tá incrível!
— Obrigada! — ela agradece, me olhando por cima da caneca de café. — A cabeleireira em que eu fui é, tipo, fantástica.
Bruno continua parado aqui, parecendo um bobalhão. Me lança um olhar que não consigo interpretar de imediato, mas quando ele encara Mina pelo canto do olho, eu entendo o que ele está tentando me dizer.
Talvez eu tenha mesmo esquecido de fazer a ponte entre os dois. Na verdade, esqueci até mesmo da existência de Bruno Vinhedo durante a tarde inteira, então, bem, eu meio que não tive culpa.
— Eu vou subir. Estudar um pouco. — Ele solta essa mentira descarada, e me esforço para não rir. — Foi bom te ver, Mina.
— Digo o mesmo, Bruno — fala ela, claramente mentindo também.
Meu irmãozinho me lança um último olhar antes de subir, suas passadas pesadas ecoando por todo o andar de baixo. Mina e eu terminamos as torradas, ela bebe até a última gota de café e quando menos espero, minha visita já está com a mochila nas costas, pronta para ir embora.
— Obrigada pela lista de exercícios. Prometo que mando foto das questões resolvidas ainda essa semana.
— Tá bem, sem pressa. — Cruzo os braços, meio sem jeito. Ainda que eu não queira, sei que preciso fazer isso. — Ei, Mina.
Ela me encara. Eu nem sei o que dizer, então preciso surgir com uma desculpa, e rápido.
— O que você acha de sair com o Bruno e eu no fim de semana? Ele ficou de me levar a uma lanchonete bacana da cidade...
É óbvio que é mentira, mas momentos extremos exigem medidas extremas. Observo Mina morder os lábios, os olhos se apertando um pouquinho.
— Eu adoraria, mas... A prova de Matemática já é na segunda.
— Se distrair um dia antes de uma prova importante é fundamental, Mina Leão.
Ela permanece calada por mais um tempo, parada à porta de entrada. A noite está quase caindo e ela avisou que não precisava lhe acompanhar novamente até a entrada do condomínio, então preciso resolver isso aqui e agora. Com um sorriso breve, ela assente, finalmente cedendo.
— Está bem, vou com vocês.
Abro a minha boca para dizer alguma coisa, mas de repente eu não me lembro o quê. Então só fico aqui, parada como uma boba, encarando Mina. Ela tem um sinal pequeno abaixo do olho esquerdo, um ponto solitário no meio do rosto. Seus cabelos estão surpreendentemente bonitos, ainda que rebeldes demais, e não sei como, mas esse novo corte parece combinar ainda mais com ela, mas do que seus cabelos longos antigos.
— Você gosta de azeitonas? — É o que sai da minha boca.
Ela sorri.
— Adoro. Por quê?
Merda.
— Por nada, eu só... bobagem minha. — Abrindo a porta de entrada, vejo o resquício da luz do dia adentrar e alcançar os meus olhos, deixando a pele dourada de Mina ainda mais brilhante. — Qualquer coisa manda mensagem, tá bem?
— Pode deixar.
— Até amanhã, Mina.
Ainda sorrindo, ela passa pela soleira da porta, seguindo de costas o caminho ladrilhado que a leva até a rua.
— Até amanhã, Aquário.
E mesmo que ela me impeça de acompanhá-la até a entrada do Condomínio Falsa Escócia, eu continuo assistindo ela se afastar, seguindo sozinha pelas ruas com essa sua pose de líder rebelde e esse novo corte de cabelo que, céus... a caiu muito bem.
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