10 - a nova cláusula
MEUS OLHOS CINEMATOGRÁFICOS são ecléticos, o que significa que possuem a capacidade de transformar tudo em cenários muito distintos. Desde romance a terror, pulando para cenas de ação ou de drama excessivo. Por isso, enquanto permaneço à porta esperando que o meu irmãozinho decida começar a falar, eu vejo o meu quarto desaparecer e minhas paredes serem pintadas de cinza, agora Bruno e eu pertencendo a um filme investigativo dos anos cinquenta. E não me pergunte o porquê. Ainda que os olhos sejam meus, eu não possuo o controle de nada.
— Eu não sabia que você era amiga da Mina.
— E eu não sabia que você era louco apaixonado por ela.
É óbvio que eu vou encher o saco do meu irmãozinho por causa disso. Não que eu queira ser gratuitamente babaca, mas é que, na minha opinião, o amor é algo sem sentido que deixa as pessoas vulneráveis, e quando essa pessoa em específico é o Bruno, eu me sinto no direito de tirar proveito da situação.
— Tá, eu vou ser bem honesto com você, OK? — Ele se senta na cama, cruzando as mãos na frente do rosto e adotando uma cara de filhote assustado que me deixa um pouco irritada. — Você sabia que a Mina namorava desde o nono ano?
— É, eu fiquei sabendo — resmungo, tirando os meus livros de perto dele antes que algum acidente ocorra. — Mas ela e o Lucas já terminaram faz um tempão.
— Eu sei. — Bruno suspira. — Já faz quase um ano na verdade, mas eu ainda não tive coragem de chamar a Mina pra sair.
Ponho todos os livros em cima da minha escrivaninha antes de voltar o olhar para o meu irmãozinho, meu sorriso de pena se formando sem querer no rosto. É mais forte que eu. Vai ver eu não tenho controle sobre nada no meu corpo, afinal de contas.
— Então você realmente gosta dela...
— Dá pra parar de rir? — ele pede, e eu me forço a esconder o sorriso.
Caminho de volta à minha cama e me deito sobre os travesseiros, o mais longe possível de Bruno. Ele se move, arrastando os meus lençóis no processo, e fica de lado na cama pra poder olhar para mim enquanto fala:
— Eu tenho uma leve queda por ela desde, sei lá, o sétimo ano, mas eu não me sentia confiante pra porra nenhuma quando eu tinha doze, e é claro que eu não ia tentar nada enquanto ela tinha um namorado. Só que as coisas mudaram, não é? — Ele sorri para mim, dando de ombros. — Eu meio que tô tentando criar coragem nesses últimos meses porque eu acho a Mina gente boa, além de muito bonita, e quero de verdade poder levá-la ao baile de formatura no fim do ano.
Opa, calma aí. Eu já sei bem onde ele quer chegar, mas eu preciso intervir rapidinho para analisar o que ele acabou de dizer.
— Baile de formatura? — repito, fazendo uma careta. — Não acredito que a Escola de Boafortuna faz a porra de um baile de formatura.
— Pois é, é um evento idiota, mas bem grande. O sonho dos calouros e o maior prêmio pra quem tá no último ano. E é claro que você quer ir com uma boa companhia.
— No seu caso, Mina Leão.
Ele assente, e eu ergo o olhar para o teto de gesso sobre nossas cabeças.
Droga, eu não sabia disso. Não que eu esteja me importando com essa porra de festa, mas qual é. Ainda que eu não dê a mínima para essa escola e para todos os meus colegas de turma, não vou querer ficar de fora de um evento como esse, porque eu me conheço, e sei que se eu não for, vou me odiar pra caramba pelos próximos mil anos. Então vou logo admitir para mim mesma que quero ir, mesmo que eu já tenha a certeza de que pisarei nessa festa sem companhia alguma.
— Tá bem. O que eu ganho te ajudando a sair com a Mina? — pergunto, indo direto ao ponto. Não há motivos pra prolongar demais essa conversa.
— Ganha pontos comigo?
Tiro os olhos do teto, pronta para soltar uma risada na cara desse garoto. Não há motivo algum para eu querer ganhar pontos com o Bruno, e ele sabe bem disso. E se fosse o contrário, eu duvido muito que ele faria o mesmo por mim.
— Vai precisar mais do que isso, irmãozinho.
— E se eu te disser o que faço todos os dias depois da aula?
E é nesse ponto que me sinto na palma da sua mão. Eu juro que não quero assumir que estou curiosa há semanas pra saber o que ele faz e para onde ele vai todo santo dia, mas como de costume a minha curiosidade é muito mais forte do que eu. Queria muito ser alguém que lida bem não sabendo de todas as coisas, mas eu não sou. Infelizmente, o meu lado espiã está sempre gritando mais alto.
— OK. O que você faz todos os dias depois da aula?
— Calma aí, Evazinha — ele me para, levantando a porra do indicador na frente do meu rosto. — Preciso primeiro saber se você vai me ajudar.
O problema é: eu não quero sentir que estou usando a Mina. Se eu concordar em fazer o que Bruno quer, será como jogar o seu jogo, e eu não tô a fim de ser condizente com as ações desse garoto que não poderia ser mais irritantemente hétero. Mas, mais uma vez, eu me pego atraída pelos prós que suas propostas me trazem. Apoiar a ideia do meu irmãozinho me possibilita saber de coisas que andam me tirando o sono, sem contar que, para ajudá-lo, eu teria que passar mais tempo com a Mina, algo que, confesso, eu não acharia ruim. Mas se Bruno quer mesmo que eu aceite essa nova cláusula no nosso acordo de paz, ele precisa saber que tenho algumas observações.
— Certo. Digamos que eu encha a sua bola nas próximas vezes em que eu vir a Mina, vocês marcam um encontro e saem juntos. Como eu vou saber que você não vai ser um babaca com ela?
— Porque eu não sou esse tipo de cara. — O encaro com as sobrancelhas erguidas, e ele suspira. — Tá, talvez eu seja com você, mas eu não pediria pra sair com ela se fosse pra ser um zé mané.
Me ergo por cima dos travesseiros, me sentando e apoiando minhas costas na cabeceira. O encaro com os olhos semicerrados, nenhum movimento dele passando despercebido pelos meus olhos cinematográficos que ainda insistem em transformar tudo em um cenário em preto e branco.
— Se quiser que eu aceite, vai ter que concordar com algumas regras. — Ergo meu polegar no ar, contando à medida que falo. — Um: eu não vou forçar a Mina a fazer algo que ela não queira, então se ela disser não, é não. Dois: se eu me sentir desconfortável em algum momento fazendo isso, saiba que eu não vou hesitar em pular fora. Três: se toda essa idiotice durar muito tempo, eu vou precisar ganhar mais em algum momento.
— Está bem — ele aceita, sem demora.
— Agora dá pra me dizer o que você faz todos os dias depois da aula?
Bruno me dirige um sorriso de lado, não sei se sarcástico ou só bobo demais para o meu gosto, e eu reviro os olhos automaticamente.
— Eu sou voluntário em um abrigo de animais.
A gargalhada sai contra a minha vontade, e eu preciso cobrir a minha boca pra impedir que uma nova onda de risadas escape. Eu não acredito nisso...
—... Nem a pau, Bruno! — exclamo. — Eu só acredito vendo.
— Tá bem, não posso fazer nada se não quer...
— Não, eu tô dizendo que só acredito vendo. — Sorrio, erguendo uma sobrancelha. — Me leve com você e seus amigos qualquer dia e, se for verdade, vejo o que posso fazer quanto você e a Mina. O que acha? É pegar ou largar.
Por um momento eu penso que Bruno recusará, já que ele odeia tanto a ideia de um encontro, por mais breve que seja, entre seu grupo de amigos e eu. Por isso até fico surpresa quando ele assente, erguendo a mão em minha direção, pronto para selar o nosso novo acordo. Talvez ele goste mesmo da Mina, e eu não sei se isso é fofo ou, sei lá, assustador. Eu gosto da minha amizade com ela e não sei se estou muito animada com a ideia de chegar um dia em casa e encontrá-la aos amassos com o meu meio-irmão insuportável no meio da nossa sala de estar. Uuuuugh.
Mas eu admiro Bruno, por mais que doa admitir isso. Se ele está disposto a mudar nossas regras idiotas só porque gosta de uma garota, eu não quero ser a estraga prazeres aqui. Então, prefiro acreditar que estou fazendo isso mais por mim do que por ele, mais para alimentar o meu desejo de descobrir se o que Bruno me diz é verdade do que para fazê-lo ir à droga do baile de formatura com a Mina. E preciso me lembrar que, se ele for a porra de um babaca com ela em algum momento, será eu a pessoa que vai ensiná-lo uma lição, e isso por si só já me soa como uma vitória.
Revirando os olhos só pra manter a pose, eu estendo a mão e aperto a sua. Com meus olhos cinematográficos ainda montando toda a cena em preto e branco, assisto meu irmão e eu aceitarmos a nova cláusula como se não houvesse um pingo de ódio um pelo outro correndo em nossas veias.
Eu até me pego perguntando a mim mesma se será realmente a última vez que selaremos acordos idiotas em um apertar de mãos na porra do meu quarto.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro