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Construção - Parte 6

Será que não seria mais fácil se ela te explicasse? — apontei para a mulher que ainda acariciava os cabelos do Tomás.

— Mary? — ele pergunta ainda desnorteado, dando sua completa atenção a mulher a sua frente, enrolando entre seus dedos uma mecha do cabelo negro dela.

Enxugando as lágrimas que saiam abundante de seus olhos, a mulher ainda não diz nada, somente confirma com a cabeça.

— Isso não pode ser possível... Isso aqui... Você... Eu achei que... — suas palavras parecem tão confusas quanto ele.

A mulher segura o rosto dele com muita delicadeza, alisando cada feição dele com a ponta de seus dedos. Os olhos dele se fecham de maneira quase automática e ele busca o contato dos dedos dela.

Tomás mesmo estando um pouco torto no colo dela, ele segura o rosto da mulher e o traz para si, colando os seus lábios nos dela. Não há sutileza, não há calma, somente uma saudade tão intensa que conseguimos sentir. O beijo não dura mais do que alguns segundos.

Logo depois ele já está abraçando a mulher com muita força. Os nós dos dedos dele estão brancos de tanto apertar a carne das costas da mulher. Ela parecia estar perdendo o ar de tanto ser apertada, mas não se importava. Os dois riam, choravam, soluçavam, se apertavam, tudo ao mesmo tempo.

— Como isso pode ser possível minha pequena? — ele diz, alisando os braços dela, apertando, beliscando de leve, tentando descobrir se ela era mesmo de verdade.

A mulher começa a fazer vários gestos com as mãos. Ah, agora sim está claro. Libras. Ela realmente é muda. Tomás olha todos os movimentos com muito cuidado e sorri em determinados momentos. Meu conhecimento de libras é zero, mas Tomás parece compreender tudo.

— Nada disso importa... — ele segura o rosto da mulher e beija longamente a sua testa. Ele então se vira na minha direção.

— Obrigado por trazê-la para mim Tessa... — ele fica de pé e ajuda a mulher a sair do chão.

— Não fiz nada demais Tomás...

— Longe disso, você fez tudo Tessa. Deixa eu te apresentar a mulher da minha vida, essa é Mary — ele diz com a voz carregada de emoções e dá um beijo na lateral da cabeça dela.

— Prazer em conhecê-la Mary — aperto a mão que ela me estendeu. Seu sorriso era enorme e contagiante, mesmo sem dizer uma palavra, dava para sentir a sua felicidade.

— Mary foi o meu primeiro e único amor — Tomás diz. Estou um pouco curiosa para saber sobre a história dos dois, mas não vou forçar nenhuma pergunta. — Ela morava no mesmo prédio que eu, nos conhecemos desde crianças, estudamos sempre na mesma escola. Crescemos juntos e ela sempre despertou os melhores sentimentos em mim. O primeiro desenho que eu fiz em toda a minha vida foi dela.

Mary sorri para ele e segura a sua mão.

— Começamos a namorar assim que nos descobrimos. Descobri que uma das minhas coisas favoritas era desenhar a Mary, em toda a sua beleza jovial, imperfeita e pura. Mas pouco depois do aniversário dela de 17 anos, num acidente de carro, ela acabou perdendo a vida... — a voz de Tomás treme nesse momento.

Deve ser muito difícil para ele falar sobre isso. Pelo modo como ele fala, parece não ter superado completamente o seu trauma.

— Sinto muito — Lee diz, me surpreendendo com a avalanche de amor que me toma ao sentir a sinceridade de suas palavras. Ele entendia muito bem sobre a dor da morte de pessoas que ele ama.

— Obrigado — Tomás responde, sorrindo sem dentes. — Depois dessa tragédia, foi que eu passei a desenhar ainda mais a Mary. Não sei se foi uma tentativa minha de não perder as imagens que eu tinha em minha mente, ou outra coisa, mas tudo o que eu colocava no papel era ela. Me fechei para o mundo... — Mary limpa uma lágrima que tinha escorregado dos olhos do Tomás.

— Cada pessoa lida com o luto da melhor maneira que consegue. Sei que você fez o seu melhor — sorri para ele.

— Eu estava puto com o mundo. Sempre achei muito injusto ela não poder ter a oportunidade de amadurecer, envelhecer, cair e levantar. Foi por isso que eu sempre tentei mudar um pouco seus traços, uma mudança sutil, mas que com o correr dos anos se mostrou perfeita. Eu sempre via o rosto dela em meus sonhos, e nos meus sonhos ela sempre estava diferente. Na minha imaginação sempre me pegava pensando... Será que a Mary cortaria os seus cabelos? Será que os seus olhos mudariam? Seu sorriso ficaria mais marcante? Ela cresceria quantos centímetros ainda? Os meus traços sempre foram procurando o seu crescimento... E agora esses traços estão aqui, na minha frente, em carne e osso. Isso é impossível.

— A história de vocês dois é incrivelmente triste, mas de uma forma que nem sei como começar a explicar, conseguiu se tornar um pouco mais feliz.

— Sim. E espero que ela ainda esteja bem longe do fim. Mas você quer saber de uma coisa Tessa? Na realidade eu nem me importo muito como isso é possível... Não preciso de explicações. A Mary está aqui, eu não poderia pedir mais nada.

— Acho que isso é um modo de pensar...

— E eu posso te perguntar uma coisa?

— Claro.

— Esse rapaz do seu lado é fruto dos seus desenhos?

— Muito óbvio?

— Mesmo com essa roupa, esses traços não são muito comuns. Agora eu entendi completamente o motivo de você estar tão dispersa mais cedo hoje no trabalho... Acho que não vou conseguir me concentrar em muita coisa depois disso...

— A grande loucura que está sendo o meu dia! Sim, esse é o meu desenho, Lee. Lee, conheça o meu chefe Tomás — apresento os dois.

Não quero deixar o Tomás assim sem nenhuma explicação, então eu resumo da melhor maneira que eu consigo tudo o que aconteceu hoje. Deixo de fora o sequestro do Gustavo e da Tex, não acho que ele precise desse drama na vida dele, ele já tem muito o que pensar.

Nem tinha pensado na possibilidade de outros desenhos ganharem vida, mas então a Mary apareceu. Somente digo a ele que preciso encontrar os meus outros desenhos, o quanto antes.

— Essa sem sombra de dúvida deve ser a história mais maluca que eu escutei em toda a minha vida... E olha que a gente recebe cada ideia mirabolante na parte de edição...

— Com certeza. Se alguém me falasse essa mesma história, eu com certeza riria descontroladamente da cara de quem quer que fosse.

— Mas aqui, olhando para a Mary, segurando o seu braço, vendo de perto os dois em todos os seus detalhes, não tenho como duvidar das suas palavras. Sei que essa é a verdade, da forma mais pura, maluca e mágica que alguém poderia me dizer.

— Estou ainda tentando de algum jeito assimilar tudo isso — admito e sinto o peso voltar aos meus ombros.

— Vai ser difícil, mas não impossível... — Lee diz, colocando uma mão sobre o meu ombro.

— Acho que você está pensando demais Tessa — Tomás diz. — Acho que você deveria se importar bem menos com o motivo de tudo isso estar acontecendo e estar se focando mais em aproveitar. Eu nem quero buscar uma explicação. Nem quero pensar se isso tem algum tempo limite. Só aproveitar cada momento, cada abraço.

— Queria que o meu caso fosse tão simples... — se eu pudesse apenas aproveitar a companhia do Lee sem restrições...

— Pode ser... Só sei que a Mary aqui vai ficar sufocada por um bom tempo. Tenho muito carinho guardado aqui dentro para ela...

Impossível ver e não se sentir envolvido pelo amor entre esses dois.

Agora ficava claro para mim o motivo pelo o qual os meus traços e os do Tomás terem tantas diferenças.

Enquanto eu desenhava por paixão, para criar algo do zero que eu pudesse amar, Tomás desenhava por amor, para continuar a amar algo que já não pertencia mais a esse mundo.

Ele continuava a provar o seu amor todo dia, desenhando traços que poderiam ser a sua ruína, mas que acabaram sendo a sua salvação.

Mas então que uma imagem pra lá de perturbadora toma conta da minha mente: uma imagem do Gustavo e da Tex sendo torturados pelo Bruce. Até o ar me foge nesse momento.

— Você parece ter pensado em algo bem amedrontador Tessa... — Tomás diz. — E desculpa pela sinceridade das minhas palavras, mas você me parece bem cansada.

— Parece até que eu estou acordada há três dias, quando na verdade ainda não chegamos nem na hora do almoço.

— Vamos Tessa? — Lee se intromete, segurando com firmeza o meu ombro. Ele está certo, não podemos ficar ali jogando conversa fora.

— Claro... — concordo e sorrio para o meu chefe.

— E você meu caro Tomás, vá recuperar todo o tempo que você não pode passar ao lado dessa delicada moça — Lee também sorri e aquele é um belo modo de se despedir dos dois.

— Tessa! — Tomás me chama antes que nos afastemos demais deles. Eu me viro para encará-lo. — Eu sei que nunca vou conseguir te agradecer completamente por ter me dado a chance de ver a Mary mais uma vez... Mesmo você não achando que fez nada, você fez muito.

— Bobagem Tomás. Eu fico imensamente feliz por você ter tido essa oportunidade. Agora vá, vá aproveitá-la.

— Mais uma vez, obrigado. Aos dois — ele sorri e segura a mão da Mary, mas ela se desvencilha dele e vem na minha direção.

Sou surpreendida com um abraço caloroso. Assim que me solta, ela gesticula alguma coisa, mas como não sei nada de libras não faço a menor ideia do que disse. Só imagino ser algo bom, já que o seu abraço foi muito bondoso.

— Ela disse muito obrigada. E deseja sorte a vocês — Tomás me diz, e agora é ele quem vem me dar um abraço.

— Acho que vamos precisar...

Olho para o lado e vejo que a Mary também está abraçando o Lee, que retribui o contato de maneira meio esquisita, mas não parece incomodado. Depois de passarmos por um momento de despedidas, sorrisos e apertos de mãos, o casal vai saindo da garagem, vão caminhando a pé, sem pressa, e com sorrisos que iluminariam até o mais nublado dos dias.

Viro o meu olhar para o lado assim que não consigo mais ver os dois, encarando o homem perfeito ao meu lado. Ele ainda olha para frente e tem um sorriso misterioso em seus lábios. Lee percebe que eu o estou encarando e desvia o olhar, virando para o outro lado, mas ainda consigo ver as suas bochechas ganharem um pouco de cor.

Tive vontade de sorrir ao presenciar aquela cena.

— Os dois compartilham um amor puro e forte — Lee diz, acho que tentando explicar o motivo de desviar o seu olhar do meu, encabulado.

— Quase impossível não perceber isso — e mais uma vez me pego desejando do fundo da minha alma um dia compartilhar um amor mútuo, tão forte e puro quanto esse.

Mas infelizmente o meu coração só tinha disparado descompassado uma vez durante toda a minha vida, e era pra esse cara aqui do meu lado, mas eu já o tinha feito comprometido...

— E agora que nós temos duas espadas mágicas, podemos fazer um bom estrago com o Bruce, não é? Agora até eu posso entrar na luta! — digo, mudando completamente o assunto. Não quero ficar pensando em amores.

— Não sei se eu me sentiria confortável colocando você em uma situação de risco Tessa...

— Você pode me ensinar o básico com uma espada...

Quer dizer, eu não era uma completa leiga em relação a lutas com espadas. Para poder reproduzir as posturas e ações do Lee com mais fidelidade, eu estudei com afinco treinos com espada, até tinha feito algumas aulas, mas tudo o que eu tinha empunhado era uma espada de bambu.

Nunca tinha segurado alguma espada de verdade, mas eu tenho um ótimo conhecimento teórico.

— Um treino básico de alguns minutos não vão te preparar para enfrentar o Bruce... Você acima de qualquer pessoa deve saber. Eu realmente não quero que você corra algum risco desnecessário...

— Lee, mas eu já estou correndo risco apenas de estar viva, e você sabe muito bem disso...

— Sei disso, mas não tenho muita coisa a fazer com os meus sentimentos...

— Agradeço a sua preocupação, mas quem te fez ser um mestre espadachim sabe muita coisa sobre espadas, concorda?

— Ah sim... Fico sempre me esquecendo que eu sou um personagem que você criou... Desculpe por pensar pouco de você... — ao dizer essas palavras, as suas bochechas vão ficando com um tom adorável de vermelho.

— Tudo bem Lee. Isso também é novo para mim... Não pense demais nisso.

— Mas mesmo você tendo conhecimento Tessa, ainda não consigo ficar tranquilo com você se aproximando assim do Bruce... E se ele te colocar também naquele pingente dele?

— Só temos que tomar mais cuidado agora. Antes não sabíamos dele, agora já sabemos o que ele pode fazer... E eu também vou dar um jeito de falar com a polícia... Caso aconteça algo com a gente...

— Tessa, mas o que a polícia pode fazer contra uma pessoa com poderes?

— Você falou bem, ele pode ter poderes, mas ainda é uma pessoa. De carne e osso como todos nós... Mas sinceramente espero que consigamos resolver tudo sem precisar envolver a polícia...

— Vamos encontrar um jeito... Mas temos que encontrá-los... A cidade é grande... Vai ser difícil encontrá-los sem magia... Quase como encontrar uma agulha em um enorme palheiro.

Mas o que o Lee não tinha era o pensamento de uma pessoa da nossa época. Realmente, com os recursos que tinham disponíveis no mundo que eu tinha desenhado para ele, seria bem complicado encontrar uma pessoa.

Mas temos a tecnologia do nosso lado. Acho que saber onde eles estão pode acabar sendo mais fácil do que eu tinha imaginado. E então minha mente começa a trabalhar bem mais rápido. Praticamente corro para o meu carro.

— A sua cara está bem animada... Você tem alguma ideia? — Lee pergunta já abrindo a porta do passageiro e pulando para dentro do carro.

— Eu tenho um plano! — digo bem animada.

E com esse capítulo encerramos a terceira parte do livro! Qual vocês acham que é o plano da Tessa? Sou do time de Lee e acho extremamente arriscado colocar ela num possível campo de batalha.

Estão preocupados com o plano? Enfim, vamos acertar os cintos pra entrarmos a toda velocidade na parte final desse livro!

Obrigada a todos que estão acompanhando o livro, nem tenho palavras para agradecer o carinho de vocês :) e vamos que vamos ler a parte final da história ❤️ beijos e até breve!

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