CAPÍTULO 4 - CONVITE
27/06/1981 (sábado)
No sábado, Roberto viajou para Anápolis, onde sua família morava, para passar o final de semana. Sentia saudades de sua mãe, Maria Rosa, ou D. Rosinha como todos a chamavam e de seus irmãos Giba, Edu e Rosângela. Como gostaria de poder encontrar seu pai, Alceu Toledo! Ele faleceu há alguns anos, antes de vê-lo formado em medicina. Roberto foi o único filho que quis fazer faculdade. Sempre sentiu vocação para cuidar da saúde das pessoas. Os outros irmãos quiseram tocar a fazenda. Seu pai tentou, sem sucesso, influenciá-lo para a veterinária. Ele sempre insistiu em ser médico de pessoas.
O carinho da família e os problemas rotineiros da fazenda o fizeram esquecer temporariamente de Regina, mas ao retornar para casa domingo à noite, sua ansiedade voltou. Como iria aguentar até a próxima consulta para revê-la? Isso estava ficando fora de controle. Nunca se sentiu atraído assim por mulher alguma. Estava parecendo um adolescente inexperiente. Era um homem vivido e acostumado a sair com as mulheres que queria. Precisava tomar as rédeas da situação. Se havia interesse da parte dela, e ficara evidente que a atração era mútua, tinha que convidá-la para sair. Beijar aquela boca e dar uns amassos naquele corpo delicioso iriam acalmar sua excitação, pensava Roberto.
Segunda-feira chegou e pareceu se arrastar como se o dia tivesse quarenta e oito horas. Terça-feira não foi diferente. A quarta-feira prometia ser um repeteco, quando, na hora do almoço, Roberto cruzou com Regina num corredor do hospital. Ambos ficaram surpresos e sem saber o que dizer.
Roberto foi o primeiro a se manifestar com um cumprimento simples. Regina respondeu da mesma forma. Voltaram a ficar em silêncio, mergulhados no olhar um do outro.
- Preciso ir, Dr. Roberto.
- Você já almoçou?
- Passei aqui para almoçar com meu pai, mas parece que não será possível. Ele está em reunião.
- Posso convidá-la para almoçar comigo? Finalmente Roberto conseguia articular algumas palavras com sentido.
Regina ficou hesitante por alguns segundos, mas aceitou.
- Ok. Onde podemos ir?
- O que gosta de comer?
- Não sou enjoada, mas gostaria de algo leve. Está muito calor.
- Ótimo! Conheço um lugar muito bom. Vamos no meu carro?
- Pode ser. Na volta pego meu carro aqui. Quanto tempo você tem para o almoço?
- Tempo suficiente. Meu próximo paciente está marcado para às 16h.
- Então, vamos. Estou morta de fome.
Ela fez graça e sua risadinha o deixou sem fôlego. Será que havia algo nela que não fosse encantador?
Roberto levou meia hora para chegar ao restaurante que ficava em uma área charmosa e badalada da cidade.
Regina ainda não conhecia o local e aprovou de imediato.
- Muito boa escolha, Dr. Roberto.
- Que bom que você gostou Regina! Pode me chamar de Beto. O que quer beber?
- Pode ser um suco de laranja bem gelado.
- Já escolheu o que quer comer? - Roberto perguntou quando o garçom chegou para tirar o pedido.
- Deixo a sua escolha. Vamos ver se me surpreende!
- Opa! Vou me esforçar o máximo.
- Você é daqui de Goiânia, Dr. Roberto... ops, Beto?
- Bem melhor! Não, nasci em Anápolis. Minha família é de agricultores. Sou o único peixe fora d'água.
- Você tem irmãos?
- Sim, somos quatro filhos. Eu sou o caçula. O Giba, o mais velho, é casado com a Marlene e tem dois filhos, Guilherme e Alice. Depois vem a Rosângela e o Eduardo. Eles vivem na fazenda com minha mãe. Meu pai faleceu um ano após eu ter entrado na faculdade.
- Sinto muito! - Regina mostrou sinceridade no olhar. - Como se chama a fazenda?
- Matagal. Temos plantações de soja, gado leiteiro e meu irmão iniciou um novo empreendimento de pesca esportiva. É bem diversificado. Temos um pequeno haras também.
- Sou apaixonada por cavalos.
- Você sabe montar?
- Sim, mas há tempos não cavalgo.
- Fale-me mais de você. Seu pai disse que você é maestrina, além de cantora e pianista.
- A música é minha paixão. Minha mola propulsora. Não sei viver sem a música.
- Você é compositora também?
- Escrevi algumas peças. Nada muito complexo. Ainda estou estudando.
- Andréia também vai seguir os passos da mãe?
- Andréia gosta de cantar, é afinada e está encantada pelo violino. Mas sua paixão é a patinação. Sempre temos alguma influência sobre os filhos. Ela sorriu timidamente.
Deus, era difícil resistir a beijar aquela boca. - Calma, vamos com calma, mentalizou Roberto.
- Você também gosta de patinar?
- Sim. Gosto de patinar, de dançar, de cantar... tudo o que envolve música me atrai.
- Sabe dançar o country?
- Sim, e você?
- Eu sou bom nisso, pelo menos é o que dizem. Roberto dá uma gargalhada.
Regina se encantou com o modo simples dele ser. Ela se deu conta que o almoço estava bem mais interessante do que imaginou. Realmente, tudo estava perfeito.
Os pratos chegaram. Ficaram em silêncio por algum tempo saboreando a refeição. Regina notou que Roberto estava pensativo e havia uma ruga no meio de sua testa. Algo o incomodava.
- Está tudo bem?
Ele levantou o rosto e a encarou.
- Queria lhe perguntar algo, mas temo que o assunto lhe aborreça.
- Você só vai saber se me perguntar.
- Você já teve algum relacionamento sério?
- Está perguntando isso por causa da Andréia, não é?
- Sim. Não pude deixar de notar que vocês usam o sobrenome de seu pai. Houve alguém importante na sua vida? Alguém lhe magoou?
- Ele não me magoou, mas me marcou, sim. A culpa foi mais minha do que dele. Eu o conheci e saímos uma única vez. A experiência foi péssima. Nunca mais o vi. Dois meses depois descobri que estava grávida. Meus pais... meus amados pais, nunca me julgaram e me deram todo o apoio. Fizeram-me entender que Andréia é uma benção e que tudo que acontece na vida tem uma razão de ser.
- E depois dele? Alguma outra pessoa se tornou especial?
- Nunca mais houve outra pessoa. Tenho muitos amigos, mas não me envolvo emocionalmente com ninguém. Acho que ficou um trauma em mim.
- Isso quer dizer que não tenho chance alguma?
- Podemos mudar de assunto?
- Claro. Desculpe. Ficaram em silêncio algum tempo. Roberto retomou o diálogo.
- Posso assistir você reger seu coral algum dia?
- Sim, será uma honra.
Regina olhou o relógio.
- Nossa, já são três horas. O tempo voa. Temos que voltar.
- Sim, vou pedir a conta.
Enquanto esperavam o garçom, Regina voltou ao assunto.
- Você ficou chateado? Não quis ser grosseira. Desde que descobri a gravidez, decidi dedicar a minha vida para Andréia. Tudo isso que tem acontecido entre nós, essa atração e as alucinações de Andréia, têm mexido muito comigo. Há uma série de conflitos dentro de mim que tenho que resolver antes de me envolver com alguém. Como disse, acredito que tudo na vida tem uma razão de ser, existem sinais que lhe mostram uma direção a seguir. É um contraponto a toda bagagem que carregamos, de experiências boas e ruins, que influenciam nas nossas tomadas de decisão. Só lhe peço para irmos devagar, sem pressão. Sinto-me muito bem ao seu lado. Nosso almoço foi maravilhoso.
O garçom chegou com a conta. Roberto pagou e eles saíram. Havia uma sensação de tristeza no coração dos dois.
A caminho do carro, Roberto parou e olhou para ela.
- Vou esperar quanto tempo for necessário. O que eu senti desde o primeiro dia em que a vi foi inédito. Não sou um garoto. Sou homem vivido. Posso lhe afirmar com certeza que esse sentimento que brotou no meu peito é totalmente novo e desconhecido para mim. Mas é bom, é muito bom. Preenche meus dias e minhas noites com pensamentos alegres e muitas vezes excitantes. Sonho com seus olhos azuis, imagino meus lábios beijando os seus e seu corpo colado ao meu. É muito mais que só prazer físico, é algo mais intenso.
Lágrimas escorriam dos olhos de Regina enquanto Roberto continuava falando.
- Quando Andréia me olhou fixamente na segunda consulta, algo estranho aconteceu comigo também. Imagens de pessoas e lugares que não reconheço surgiram em minha mente e senti que era verdade o que ela dizia. Não consegui esquecer aquelas sensações. Quando ela mencionou que eu já havia sido seu pai, a emoção travou minha garganta e tive que me segurar para não chorar. Tudo isso é muito louco, porque parece fazer sentido no meu íntimo.
Roberto enxugou as lágrimas dela com um toque leve dos dedos, num carinho tão doce que ela se sentiu derreter. Sim, era algo muito estranho, muito intenso.
Entraram no carro e retornaram em silêncio até o hospital.
Ao chegarem ao destino, Roberto a acompanhou até seu carro. Ela olhou a bolsa a procura da chave e quando ergueu o rosto, encontrou o olhar dele. Voltaram a sentir aquela emoção indescritível. Regina se despediu dele com um beijo no rosto. Ele fechou os olhos por alguns segundos e quando os abriu, deixou as pernas dela bambas com todas as promessas sensuais que ela viu ali.
- Preciso ir e você tem paciente lhe aguardando.
- Quando posso lhe ver novamente?
- Eu tenho seu telefone. Ligo para você.
Roberto a viu entrar e dar partida no carro e sentiu um aperto no peito. Era doloroso demais se afastar dela. Ficou parado no estacionamento olhando até o carro dela desaparecer ao dobrar a esquina. Criou um mantra mental.
- Ela vai ser minha! Ela vai ser minha! Retornou ao trabalho com esse mantra nacabeça.
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