15
Henry correu, correu como se sua vida dependesse disso, e afinal dependia. Olhava diretamente para o portal, apesar da vontade quase sufocante de querer olhar para trás e se certificar de que Charlotte realmente estava vindo, sabia que não poderia, confiava o suficiente nela para crer que seria o melhor. A luz que iluminava tudo causaria uma perda de memória que a Bolton não sabia precisar, por isso ele não poderia olhar para trás. Seu coração batia rápido, em um ritmo que acompanhava seus pés, escutava somente a pulsação de seu sangue cada vez mais alta. Faltava pouco quando ele começou a escutar os tiros, assim que passou pelo portal a luz da Caverna o acertou em cheio, fechou os olhos por instinto e sentiu seu corpo ser jogado para frente após algo o empurrar.
- Ai meus céus!
Não soube quem gritou, mas o peso que o estava impedindo de se levantar foi retirado rapidamente de cima dele, se colocou de joelhos e balançou a cabeça para tentar clarear sua mente. Os sons começaram a aumentar ao redor, seus olhos se acostumaram com a claridade e não viu ninguém à sua frente.
- Eu estou bem!
O grito irritado de Charlotte veio acompanhado por um gemido de dor, o Hart virou apressado e encontrou sua amiga sentada no chão, sendo examinada por Schwoz e com o braço esquerdo sujo de sangue. Sua respiração falhou por um segundo, mas ele logo se levantou e correu para ficar ao lado dela.
- O que aconteceu? - perguntou preocupado.
Charlotte apertou sua mão com a que estava livre e falou de maneira tranquilizadora, o que ele não entendeu como ela conseguia com toda aquela situação.
- Foi só um tiro, passou de raspão e o Schowz só vai precisar fazer alguns pontos.
- Só um tiro. - Piper repetiu, rindo ironicamente. - Você levou um tiro! Um tiro, garota!
- Isso não é só uma coisa, Charlotte. Você podia ter morrido. - Jasper fez coro a preocupação de todos e esgasgou indignado quando ela revirou os olhos fazendo pouco caso.
- Eu não morri e estou bem. - falou, seu tom claramente dizia que ela estava cansada e não estava a fim de começar nenhuma discussão, pena que pelo visto era a única.
- Você teve sorte e sabe disso. - Schwoz resmungou, levantando-se para pegar seu kit de primeiros socorros.
- Eu não entendo o porquê desse incompetente do meu irmão ter te deixado pra trás.
- Era preciso, mas acredite, eu não queria. - afirmou entre dentes, irritado pela acusação.
Charlotte o lançou um pequeno sorriso e deu outro aperto em sua mão. Henry somente a ajudou a levantar ao som das vozes de seus amigos. Os dois sabiam que estavam todos preocupados e irritados pelo o que aconteceu com eles na outra terra, mas se encontravam exaustos mentalmente e fisicamente, tudo o que eles queriam naquele momento era comer algo, tomar um banho e ir dormir até a próxima encarnação. Torcendo sempre para que as lembranças ruins ficassem no passado.
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Charlotte estava deitada de costas na grama de seu quintal, olhava o céu pintado de estrelas se sentido mais leve após um dia inteiro sem preocupações. Não havia ido à escola nem ao trabalho, Ray afirmou que tanto ela quanto Henry precisavam de uns dias de descanso após tudo o que haviam passado, principalmente quando ela tinha alguns pontos no braço para sarar. Encontrar uma explicação para seus pais sobre o porque dela estar sempre com uma blusa de mangas longas não foi complicado, até porque os dois estavam em outra reunião fora do estado.
Era quase hora do jantar e ela deveria ter ido para a casa dos Hart, mas não estava com vontade de sair dali. Deitada sob as estrelas sentindo o vento da noite era uma das sensações mais relaxantes que ela já havia experimentado, ficar livre dos pensamentos sufocantes que a invadiam nas últimas horas era um bálsamo mais que bem-vindo. Estava tentando não pensar se seu plano havia dado certo, não queria acabar com todas as lembranças dos que estavam ao redor na hora da explosão, só as das últimas 48 horas, também não queria pensar se o Outro Henry estava bem ou não, ou se Helena havia ficado com o resto de sua memória intacta.
Escutou passos vindos à sua direita, não precisou virar o rosto para saber quem era. Sentiu a pessoa deitar ao seu lado e fechou os olhos quando seus ombros se tocaram, esticou sua mão e aproveitou a sensação de calma que a invadiu quando ele entrelaçou seus dedos. Ele estava ali, estava bem e vivo ao seu lado, era só o que importava.
- Pensei que talvez você fosse querer uma companhia pro jantar.
A voz veio tranquila e com um leve toque de divertimento.
- Você é sempre bem-vindo. - afirmou, abrindo seus olhos e virando o rosto para encarar o perfil de seu amigo.
Henry abriu um sorriso convencido e se voltou para ela, seus olhos brilhavam como a luz das estrelas, Charlotte poderia encara-los pelo resto da noite.
- Eu sei que sim. - disse, a fazendo rir um pouco antes de voltar a encarar o céu noturno. - Já ouviu o conto grego sobre a constelação de Lira?
- Não lembro muito bem, nunca havia parado para prestar atenção na história das constelações. - admitiu, Henry levantou suas mãos unidas e apontou com seu indicador um conjunto de estrelas mais à sua esquerda.
- Olha bem para aquelas que parecem formar uma-
- Panela? - o interrompeu rindo, pôde escutar o bufo indignado dele bem próximo ao seu rosto.
- Não, é uma lira. - afirmou descrente, mas logo retornou a sua explicação. - A constelação recebeu esse nome por conta do instrumento que Orpheu tocava.
- E qual a história?
Tinha que admitir que estava curiosa, Henry abaixou seus braços, mas sem desgrudar suas mãos, e começou a falar.
- Diz o mito que existia esse cara chamado Orpheu, ele era muito apaixonado por Eurídice, que também era apaixonada por ele.
- Uma história de amor então. - concluiu.
- Sim e não. - falou, rindo um pouco quando ela se voltou para ele confusa.
- Como assim?
- Em várias versões ela morreu e foi para o submundo, mas existem poucas que dizem que ela escolheu ir. - respondeu simples.
- Mas por quê? - perguntou confusa, deitando de lado e o vendo repetir seu gesto.
- Deve ter tido seus motivos. - respondeu, dando de ombros levemente e esticando sua mão para descansar na cintura dela. - Quando ele descobriu foi até o submundo para trazê-la de volta, mas Hades não deixou que eles simplesmente retornassem.
- Claro que não, ou não seria Hades. - falou como se fosse óbvio, conseguindo uma risada dele.
- Bom ponto.
- Então o que eles deveriam fazer? - ignorou o arrepio que percorreu seu corpo quando Henry começou a traçar círculos em seu quadril com o dedão.
- Eles poderiam retornar ao mundo dos vivos, mas Orpheu deveria ir na frente com Eurídice atrás. As estrelas também formam o caminho que os dois percorreram, mas tem um porém, ele não poderia olhar por nenhum motivo para trás ou ela voltaria para o submundo e nunca mais saíria.
- Ah não. - interrompeu antes que ele continuasse.
- Eu não vou conseguir terminar se você continuar me interrompendo. - afirmou, se aproximando um pouco mais.
- É impossível, já estou sentindo o que vai acontecer. - se defendeu, voltando a encara-lo com toda a atenção.
Henry continuou, a olhando de uma forma que fez o coração da Bolton se aquecer.
- Bom, eles foram desse jeito por todo o caminho até a saída, mas quando estavam perto do fim, Orpheu não aguentou. - ela já esperava por isso, mas Henry logo veio em defesa do personagem. - Tem que entender que ele estava cheio de dúvidas, não acreditava que Eurídice ainda estava atrás dele, ele perdeu a confiança tanto nele quanto nela.
- Ele olhou. - concluiu, soltando um suspiro desanimado.
- Sim, ele olhou. - confirmou, com um sorriso triste.
Charlotte esticou o braço esquerdo, sentindo uma leve pontada de dor, e levou a mão ao rosto do Hart, que fechou os olhos por alguns segundos tentando gravar o toque dela em sua mente.
- Fico feliz por você não ter olhado. - confessou, em um tom baixo e aliviado.
- Se você me pedir, eu nunca vou. - garantiu, abrindo os olhos e se perdendo na maneira surpresa e carinhosa que ela o encarou.
- Você foi mesmo atrás de mim. - parecia que somente naquele momento Charlotte havia se dado conta, ele tinha voltado por ela.
- Eu iria até o submundo por você.
A promessa foi feita com facilidade. A Bolton sorriu, se aproximou e acabou com a pequena distância que existia entre os dois, os lábios se tocaram com calma, afinal, eles tinham todo o tempo do mundo e todo o amor também.
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E aqui está o final. Agradeço a todos que leram e deixaram comentários lindos que aqueceram meu coração, vocês não sabem o quanto eu fiquei feliz ao ver cada um de vocês aqui.
Espero que tenha sido um bom final, essa história é a minha preferida, até porque foi a primeira que comecei a escrever. Beijos e abraços à todos, se cuidem e cuidem de quem vocês amam.
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