Capítulo 44 - Nós sempre teremos Paris
Eu nunca, em toda minha vida, tinha andado tanto. Meus pés pareciam a ponto de fazer bolhas por todo lado e eu estava tão cansada que queria me jogar na grama da primeira praça e ali ficar, por toda eternidade. Alexander, por sua vez, atlético como era, estava caminhando naturalmente, como se caminhar a droga de uma cidade inteira fosse sua rotina diária.
Eu não estava reclamando: longe de mim. Como poderia reclamar quando um de nossos primeiros roteiros foi a própria Torre Eiffel, bela e magnânima com vista para uma Paris ainda semiadormecida?
― Sorria, Katerine – Alex dizia e eu tentava me esconder das fotos.
― Alexander, eu tenho vergonha – reclamava.
― Não estou nem aí – ele reclamava de volta, se aproximando para uma selfie.
Estava tão frio e ele tão perto que eu perdia todos os motivos para reclamar, por mais que não fosse fã de fotos. Nós ficamos na torre tempo suficiente para que Alex ficasse satisfeito com a quantidade de fotos e para que eu ficasse satisfeita com a vista. Mentira, eu nunca ficaria satisfeita com a vista. Alex me apressou, todavia:
― Temos um monte de coisas para ver – ele disse, me puxando pela mão na direção do elevador para descida. – We'll always have Paris (nós sempre teremos Paris – uma menção ao filme Casablanca).
O mesmo processo se repetiu nos diversos pontos turísticos que visitamos: arco do triunfo, Notre-Dame, os jardins de Luxemburgo, o Panteão, a pirâmide do Louvre (mas não entramos, não havia tempo) e até na Sacre-Couer. Alex, apesar de já ter ido a Paris e de sempre consultar seu celular, nos fez fazer caminhos sem o menor sentido. Fomos e voltamos de Paris, a pé e de metrô umas duzentas vezes. Mas tudo valia a pena. Tudo valida muito a pena.
No meio da tarde, estávamos lá em cima da Sacre-Couer, olhando a vista da igreja. Por ser localizada em um bairro muito alto, era possível ver tudo lá de cima. O clima era incrível. Paris era incrível. Eu estava ligeiramente deslumbrada com tudo, mas Alexander estava distraído. Aparentemente também deslumbrado – estranhamente, parecia deslumbrado comigo. Comigo nas fotos do seu telefone, para ser mais exata.
― Quais são seus outros talentos, Katerine? – Ele perguntou, com um pequeno sorriso. – Além de tocar bateria, compor músicas e sair bem em fotos?
Eu dei um sorriso zombeteiro, mas não virei para encará-lo. Ainda estava debruçada no beiral da Igreja, pensando na vida e evitando, mais do que tudo, pensar nele.
― Vou deixar você descobrir sozinho – respondi.
― E quando vou poder ver suas músicas? – Ele perguntou, parando ao meu lado no beiral. Só que não estava olhando a paisagem. Estava de costas para ela e olhando só para mim. – Se você disser nunca, ficarei very magoado.
― Prefiro não responder nada, então – olhei em sua direção, pelo canto do olho.
― Suspense faz parte do seu charme – ele respondeu, apoiando-se nos cotovelos e escorando-se no beiral.
― Que charme, Alexander? – Eu ri.
― Yours.
― Não sou charmosa – retruquei.
― Gostaria de te dar um presente – ele disse, puxando a mochila para o lado em busca de abri-la.
― Um presente? De onde surgiu esse presente? – Perguntei, ligeiramente em pânico.
― Eu comprei enquanto você ia fazendo nossos pedidos no McDonalds – ele respondeu, perfeitamente calmo.
― Eu achei que você estava fazendo uma ligação.
― Porque eu te disse que estava fazendo uma ligação – ele respondeu, rindo, puxando um embrulho da mochila. – Mas eu menti. Não podia dizer que estava comprando um presente.
― Você não deveria estar comprando um presente – repreendi.
― Acho que só cabe a você aceitar – ele comentou, esticando o pacote na minha direção.
Eu olhei do pacote para ele, sem saber o que dizer. Parecia uma caixa de joalheria e meus joelhos deram uma simples fraquejada. Meu coração, com aquela pontada constante, resolveu entregar os pontos e estava batendo tão forte que eu quase conseguia ouvi-lo. Meus dedos se atrapalharam e só depois de muitos minutos consegui abrir a caixa.
― Uma pulseira? – Eu sussurrei, sem ar.
― Não é uma simples pulseira – Alex disse, se apressando para me ajudar a tirá-la da caixinha. – É uma pulseira que você pode completar com pingentes, não é incrível?
― É uma pulseira da Pandora? – Perguntei, horrorizada de pensar no preço. Virei a caixinha e lá estava o logo. – Alexander, deve ter custado uma fort...
― Acho que só cabe a você aceitar – ele disse, tirando a pulseira da caixa. – Inclusive, veja, já tem um pingente.
Eu olhei para pulseira em sua mão. Ela brilhava, mesmo como o pouco sol de Paris. Era incrivelmente bonita e tinha um pingente de...
― É uma torre Eiffel? – Eu perguntei, esticando a mão para tocá-lo.
― Sim, é seu primeiro pingente – ele abriu um largo sorriso. – A ideia é preencher sua pulseira com pingentes que remetam a memórias, entende? Dessa forma, você sempre terá Paris.
Ele segurou meu pulso, puxando-o para perto dele, a fim de colocar a pulseira nele. Ele fechou-a com maestria e soltou meu braço. Eu levantei-o contra o escasso sol, para ver a pulseira em todo seu esplendor.
― Gostou?
― Sim, Alexander – eu respondi, olhando para ele. Estava ciente que minhas bochechas queimavam. – Obrigada. Eu amei.
Eu queria beijá-lo. Eu queria mais do que desesperadamente beijá-lo. Ele não tinha dado nenhum indicio de que queria me beijar o dia todo – totalmente diferente do que tínhamos feito no dia anterior. Eu cogitei me lançar em seus braços, mas foi exatamente nesse momento que um grupo de turistas brasileiros passou por nós fazendo arruaça e gritando as horas.
Fiquei assustada com tão tarde já era.
― Nós temos que ir, né? – Alexander perguntou, já que também ouviu.
Ele não olhou na minha direção ao perguntar. Tinha virado de costas e estava olhando a vista, distraído, com um olhar tão perdido que parecia que – no final das contas – talvez nós não tivéssemos sempre Paris, como ele vinha dizendo. Talvez nossa Paris seja só meu pingente.
― Sim – eu respondi, num suspiro sofredor.
Como se estivesse só esperando o final de nosso diálogo, uma chuva começou a cair. Os poucos raios de sol continuavam no céu, mas estavam acompanhados de uma chuva fina. Uma chuva como aquelas de filme, que só serve para deixar a fotografia mais bonita e os protagonistas mais apaixonados.
Eu gritei, dando gargalhada da situação, ao sentir os pingos no meu rosto. Alex começou a rir também, me puxando na sua direção.
CABUUUUUUM.
Congelamos, um no braço do outro, temendo o barulho ensurdecedor. Sentindo nosso medo, a chuva triplicou... Quadriplicou... Em poucos minutos depois, estava dez vezes mais forte que a original e nem o raio de sol mais resistente continuava no céu. Em poucos minutos também, eu estava completamente encharcada. Alexander também. Eu precisei conter ainda mais minha vontade de esquecer todo medo e tomar seus lábios de uma vez.
A cidade também começou a ficar encharcada. Por todo lado, havia turistas correndo, buscando abrigo em restaurantes e lojas próximas. Do topo da igreja, conseguíamos ver o caos que se instalava e como as ruas pareciam estar cada vez mais alagadas. Todos os vendedoras de rua sumiram, mais rápido do que quando eles viam a polícia. As próprias patrulhas policiais, tão comuns nas ruas francesas, não eram vistas em canto nenhum.
O que se via, e muito bem, era a cidade alagando. Paris, a velha Paris, não estava suportando aquele volume de água em um tempo tão curto e estava alagando tanto e tão rápido que, em poucos minutos, já parecia o Rio de Janeiro.
Eu e Alex tentamos de tudo. Corremos molhados para fora da Igreja e pela cidade alagada, tentando chegar na estação de trem. Só que a realidade não nos permitia passar de algumas poucas ruas. O trânsito estava um nó, não conseguíamos passar a pé por algumas ruas – de tão alagadas e tínhamos um atraso toda vez que um trovão ressoava, pois eu petrificava com o susto.
Essa era a única parte de nossa saga epopeica que Alexander parecia achar graça.
Eu não sei quanto tempo passamos assim, mas minhas roupas já estavam tão molhadas e pesadas que já não eram mais uteis NEM para tampar e proteger meu gesso – que em teoria não deveria ser molhado.
Pouco depois dessa constatação, quando estávamos mais uma vez presos entre ruas, Alex simplesmente pariu e começou a mexer no celular, em baixo daquela chuva mesmo.
― Já chega – ele resmungou. Depois resmungou mais um monte de coisas inaudíveis, em seu sotaque britânico.
Eu tentei perguntar o que ele estava fazendo, mas fui ignorada. Ele estava muito focado em seu aparelho. Só depois que acabou e o guardou novamente que ele teceu alguma explicação:
― Vamos ficar ali nesta noite – ele apontou para um hotel, do outro lado da rua. – Sei que isso deve estar parecendo deja-vu de ontem, mas Katerine, não temos outra opção.
― Eu preciso ir embora – eu pontuei.
― Precisa? – ele indagou. – Por que você precisa ir embora?
― Eu comprei o bilhete para hoje – murmurei.
― Katerine, eu compro outro para você amanhã – ele revirou os olhos. – Não tem a menor condição de conseguirmos chegar à estação com esse tempo.
Ele puxou o capuz para cima, colocou os óculos de sol e me puxou pelo braço, para atravessar a rua. Quando entramos, me afastei – seguindo suas ordens. Ele se apressou para o balcão, para conversar com o recepcionista. Eu fiquei de costas, tentando camuflar na recepção e ouvir um pouco da conversa.
Mas eu não entendia nada: era francês.
A questão é que o diálogo não parecia nada bom. Parecia uma discussão. Eu não conhecia o tom de voz do atendente, mas conhecia o de Alex. Ele estava claramente irritado – como fica quando eu falo algo sobre Caio, por exemplo.
O silêncio reinou algum tempo depois e eu olhei para eles, curiosa. Alex estava completamente molhado, segurando um chaveiro.
― Desde de quando você fala francês? – Perguntei.
― Eu não falo – Alex riu. – Quem fala é o Charlie Pirre.
― Quem?
Ele esticou a mão para me entregar um documento de identidade. Eu peguei e encarei a foto de Charlie Pirre. Era Alex, mas com bastante mudança. E tinha uma série de dados: falsos.
― Usar uma identidade falsa não é crime na Europa? – Perguntei.
― Existem algumas legalidades que podem ser quebradas em prol da qualidade de vida.
Eu continuei encarando, muda.
― Ou você preferiria que Alex... Que meu verdadeiro eu reservasse um quarto para você?
Eu assenti, entendendo seu ponto. Tombei a cabeça para o lado e dei um suspiro. Alexander vivia em outra realidade – uma que eu achava difícil entender. Ele sacudiu a chave, parecendo ligeiramente desolado.
― Preciso falar uma coisa... – ele começou. – Eles só tinham um quarto disponível. Ainda que eu tenha reservado dois online.
― Ah – eu disse, sem saber qual era resposta que ele queria. – Tudo bem.
― Eu sinto muito – ele disse, enquanto nós caminhávamos para o elevador.
― Alexander – eu disse, chamando o elevador pré-histórico. – Eu já dormi com você antes. Eu quero dizer, no mesmo quarto.
Estava um pouco difícil para mim. Era complicado entender nosso relacionamento. Se ontem estávamos rolando pelos jardins e nos beijando muito mais do que eu sequer sonharia, hoje Alex não tinha esticado nem um DEDO na minha direção. O que NÃO quer dizer que a química não estava mais presente. Porque estava. E cada vez mais forte. Estava nas nossas conversas, nos flertes ocultos e nos nossos sorrisos – ah, nos nossos sorrisos.
― Eu sei que já – ele respondeu, abrindo a porta do elevador para mim. – Mas naquele dia você tinha choice... Como se diz choice?
― Escolha – eu respondi, entrando. – Eu tinha escolha. E escolhi ficar.
― Hoje você não tem – ele me ignorou, me seguindo para dentro do elevador. Ele pressionou o andar do quarto por um tempo muito maior do que o necessário. – Não tem.
― Se eu tivesse, Alexander, eu escolheria ficar ainda assim.
As portas do elevador fecharam e nós subimos, em silêncio.
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Estou cansada de pedir desculpas para vocês especialmente porque sei que o que eu fiz não tem perdão. Se eu fosse leitora dessa história teria ficado profundamente chateada com quase 2 meses sem postagens e provavelmente até teria desistido de ler (além de ter xingado a autora de tudo quanto é nome). Eu aceito os xingamentos e lamento as perdas. Gostaria muito que vocês continuassem dando uma chance para a história.
Eu tenho tentado cada vez mais me organizar e dar tempo para tudo, mas o trabalho tem consumido muito de mim - especialmente em viagens. Esse mês passarei todo mês no Rio de Janeiro - minha cidade - e assim, espero conseguir voltar a postar regularmente. Não quero fazer promessas de quando sai o próximo capítulo, mas quero acreditar que toda terça-feira sairá um COM CERTEZA. Quero acreditar que vou postar mais frequentemente esse mês, para compensar minha ausência.
Espero que vocês saibam que não é descaso. Estive muito triste, por muito tempo, especialmente porque estive sem tempo para escrever. Escrever é minha grande terapia e é o que me faz mais feliz, no fim do dia. São vocês que me fazem feliz. Então, peço que me perdoem. Ou melhor, se não quiserem me perdoar, não há problema. Gostaria apenas que vocês não desistissem de Alexander e Katerine.
Eles precisam de vocês, tá bem? Eu também.
Beijos e obrigada.
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