Capítulo 07 - ENEM
Semanas depois fui mandada novamente para a coordenação. Quando eu apareci e Regina esboçou o que parecia ser uma reação lamentosa, levantei o braço para impedi-la.
— Não, Regina. Foi uma ótima média! Já é a última semana de setembro e eu só tinha recebido até agora uma advertência!
Ela riu, levantando-se para pegar o livro negro, meu companheiro de sempre. Eu me aconcheguei no sofá, esperando o decorrer da situação.
— Você sempre dá um jeito de não levar três no mesmo mês, hein - disse Regina, sentando-se novamente. - Sempre dando um jeito de evitar uma suspensão.
— Ah Regina, por favor, você não me conhece? Eu tenho um grande organograma em casa, mapeando todos os passos da minha indisciplina - ri. Regina me encarava atônita de sua mesa, segurando a caneta no ar. - Cruzes, criatura, é brincadeira.
Ela soltou os ombros como se estivesse aliviada, então sorriu amarelo ao dizer:
— Com você nunca dá para ter certeza.
Como tinha sido expulsa no início da aula, tinha mais de meia hora na companhia de Regina. Normalmente, ela estava sempre ocupada e eu aproveitava para dormir no sofá - ou brigar com Beto, dependendo do que acontecesse. Mas, naquele dia, depois de anotar minha advertência e me entregar o papel, ela apoiou-se nas mãos, debruçando-se na mesa e, naquele tom calmo de sempre, disse:
— E o ENEM, Kate?
Até tu, Regina?
— É... Em duas semanas né? - eu disse, tentando não parecer tão apavorada com a pergunta como eu estava realmente.
— Sim! Está estudando muito? - perguntou, genuinamente interessada.
— Ah sim, claro - menti. - Especialmente agora na reta final.
A verdade era que mal abria os livros para fazer os deveres de casa. Não preciso nem dizer que muito menos para estudar para o ENEM. Gosto de pensar que, talvez, se eu já soubesse o que fazer na faculdade, teria mais motivação para estudar. A verdade é que não só não tenho motivação como continuo sem a menor ideia do que fazer da minha vida no sentido acadêmico. Ou em qualquer outro sentido, pra ser sincera.
Ela com certeza sabia que eu estava mentindo porque o motivo pelo qual não fui expulsa nenhuma outra vez nesse mês era que estava repleta de provas. Havia passado as duas últimas semanas fazendo uma média de duas provas por dia. Com certeza não estava estudando para o ENEM com tanta porcaria para estudar para simplesmente conseguir me formar. Para não ser pega na mentira, resolvi continuar falando para manter a mente dela ocupada:
— Me inscrevi também para fazer os SATs.
Foi a primeira vez que falei isso para alguém. Pra qualquer pessoa incluindo Mariana e minha própria mãe. Tenho essa mania de não contar meus planos para ninguém ou contar apenas para um número limitado de pessoas. Assim, se por acaso não conseguir realizar o que pretendia, ninguém fica me olhando com cara de "oh, coitadinha".
— SATs?
— É tipo o ENEM americano – expliquei de forma simplificada. - É aceito nas universidades americanas e serve para testar todas as áreas do conhecimento.
Continuei explicando por alguns minutos. Seus olhos se arregalam à medida que foi entendendo. Ela estava quase sorrindo ao dizer:
— Kate, que maravilha! Você quer estudar fora?
— É uma ideia - dei de ombros. - Não custa tentar, não é?
— Não custa mesmo! Quando é a prova?
— Ah, tem várias datas - me encolhi. Era muito estranho falar desses planos secretos para alguém. - Vou fazer no final de Novembro... Mas não tenho muitas esperanças. As universidades pedem notas muito altas.
— O que não é diferente daqui, não é mesmo? - Regina disse, numa tentativa frustrada de me deixar mais calma. Então quicou na cadeira, como se estivesse tendo uma ideia genial. - Ah, já sei! Por que você não participa do nosso grupo de estudo?
Antes que eu tenha tempo de perguntar que grupo de estudo, ela continuou falando:
— Roberto está participando dele. Ele não tem vindo mais para a coordenação. A última vez foi aquela com você, no início do mês. Acho que ele está se adequando bem...
E continuou falando sem parar sobre como Roberto estava caminhando para ser, sei lá, o novo Einstein. Eu já estava saturada quando ela finalmente parou de falar e me deu espaço para entender melhor o que ela dizia.
— Que grupo de estudo? - perguntei, já tendo completa ciência que jamais participaria dele se Roberto estava incluído.
— Você sabe, Kate. Aquele grupo de estudos que se reúne toda terça e quinta às 16 horas? Onde os alunos com as melhores notas ajudam aqueles com dificuldade nas matérias? Você já participou dele há muito tempo atrás, lembra? - ela disse, com certo saudosismo. - Ajudando as pessoas? Quando você era a melhor aluna do colégio?
— Ah, aquele grupo - disse, com um sorrisinho. Oh, o passado. - E quem está sendo tutor daquela peste, digo, de Roberto?
— Olha, não sei. Espera - ela disse, procurando algo em sua mesa. - Ah, achei - ela abre um pequeno caderno, então começa a procurar nas páginas alguma informação. Provavelmente o nome do pobre coitado que está sendo tutor de Roberto. É para minha total surpresa que ela diz: - Aqui está. Mariana Lopez.
— O quê? - não consegui me impedir de dizer. O susto foi mais forte.
— Mariana Lopez - ela disse de novo. – Ué, Mariana Lopez é a Mari, sua amiga?
Por sorte, não precisei responder. O sinal tocou e eu sorri, me despedindo de Regina, que continuava dizendo que eu deveria pensar em dar uma chance para o grupo de estudo. Duas palavras: Nem. Morta.
Mariana? Mariana? MARIANA? Minha amiga Mariana de todos os anos da vida? Como ela pôde não ter me contado? Ou pior, como ela pôde fazer isso com si mesma? Ser mentora de ROBERTO? Não tinha mais ninguém pra ser? Será que ela se ofereceu para salvar algum amigo dessa sina cruel? Por que ela não me disse? Eu poderia, pelo menos, sugerir boas respostas para qualquer tipo de piada que aquele idiota possa fazer. Tenho muita prática!
Caminhei de volta para sala de aula me sentindo traída. Se Mari percebeu que eu estava aborrecida, não disse nada. O restante da manhã passou enquanto eu tentava entender o que era aquilo. Mariana ajudando Roberto a estudar pelas minhas costas, sem nem mencionar o fato. Meu ex-namorado-destruidor-de-corações-cachorro-arrependido Roberto!
Foi só quando nós estávamos esperando Caio que eu consegui juntar coragem para perguntar que DROGA era aquela. Tentei ser o mais sutil possível, mas no final das contas, não consegui:
— Mariana? - ela levantou os olhos do celular para mim. - Pode me dizer por que você é a tutora do idiota do ROBERTO na porcaria do grupo de estudos desse colégio maldito?
Seus lábios se descolaram com o susto e ela os fechou e abriu algumas vezes antes de bloquear a tela do celular, guarda-lo no bolso e cruzar os braços.
— Olha, Kate, eu só estou tentando ajudar.
— AJUDAR? Mariana, ele é um...
— Ele está diferente - ela me interrompeu. - E pediu ajuda. Está preocupado com o futuro dele, coisa que você também deveria fazer.
Foi minha vez de separar os lábios de surpresa com sua resposta. Mariana estava sendo GROSSA COMIGO por causa de ROBERTO? Que droga era essa?
— Mariana... - eu tentei começar de novo. Ia lembra-la da pessoa que Roberto era, do que ele fez comigo, do que ele continua fazendo comigo... Mas ela me interrompeu novamente, levantando a mão para me impedir de falar.
— Kate, não significa nada. Só estou ajudando o garoto a ter um futuro. E é bom pra você, porque ele para de ser expulso das aulas e vocês não precisam mais conviver na coordenação. - ela deu de ombros, esboçando um sorriso. - Além disso, esse trabalho ficará bonito no meu currículo.
— Você vai fazer artes cênicas! - disse, num impulso.
— Provavelmente vou ser professora de artes cênicas! - ela fechou a cara de novo ao responder. - É bom ter experiências acadêmicas.
Nós duas nos encaramos sem dizer nada por segundos. Talvez até minutos. Só percebemos que Caio tinha chegado quando ele buzinou, chamando nossa atenção.
— Agradeço se você puder não contar para o Caio, porque pior do que a sua, seria a reação dele. - ela disse, andando na direção do carro.
— Sinceramente, Mariana, é a sua vida que você vai estragar com essa ideia estúpida. Então, dane-se.
Ela deu um grito de frustração pelo meu "uso de palavras inadequadas" e eu segurei meu ímpeto de dizer que ela deveria agradecer por eu não ter dito algo muito pior que dane-se. Porque ela merecia.
««
A última semana de setembro também estava cheia de provas. A média de duas provas por dia se manteve e na sexta feira, depois das duas provas do dia, eu queria dormir por três dias consecutivos. Ao mesmo tempo, eu sabia que só tinha uma semana para o ENEM e que precisava pelo menos fazer algumas provas antigas.
Dormi até tarde no sábado, mas passei o resto do final de semana com a cara enfiada em provas antigas e simulados online. Foi fácil não ter distração, visto que meu relacionamento com Mariana continuava completamente conturbado devido à situação tutora-de-Roberto e Caio estava fora da cidade, em um Congresso de Educação Física em Petrópolis. Meu pai, para variar, estava embarcado e minha mãe perdida em seus próprios problemas.
Na segunda, já comecei a ter vontade de chorar. Já era a primeira semana de outubro, o que significava que no final dela estaríamos sentados em uma sala cheia de jovens desesperados por horas e horas tentando obter uma pontuação suficiente para nos colocar dentro de uma faculdade. Para nos fazer ser alguém na vida. O colégio estava tomado por um desespero pré-ENEM e este parecia ser o tópico de absolutamente todas as conversas. Os professores prepararam aulas exclusivas de revisão até tarde, os inspetores estavam usando camisas "seu concorrente está estudando, e você?" e até Regina parecia mais ansiosa do que o normal quando fui até a coordenação pedir a droga de um remédio para dor de cabeça. A angústia que eu sentia por dentro não sumiria com um remédio para dor de cabeça, mas talvez aquele latejar constante pudesse ao menos diminuir.
A semana foi passando, mas minhas dúvidas não. Eu continuava sem saber o que fazer na faculdade... Nada me agradava, nada me motivava. Era cada vez mais difícil conseguir me concentrar em alguma coisa que os professores diziam com a angústia que foi se instaurando em meu peito. A preocupação latente de que eu deveria ter estudado mais, eu deveria ter me esforçado para ser melhor aluna, eu deveria ter feito os trabalhos para casa, eu deveria... Deveria mesmo?
Para melhorar Mariana continuava me tratando de forma estranha. Só conversávamos superficialmente, sobre o colégio ou sobre Alex. Ela estava sempre com Igor e sempre com pressa. Durante todo o trajeto do carro ficava encarando e digitando em seu celular. E eu tinha certeza que ela não estava falando com Igor, mas sim com aquele que não deve ser mencionado. E não, não estou falando de Voldemort.
Na sexta-feira, depois de ter chorado por meia hora por não ter conseguido resolver uma questão de matemática de uma prova anterior do ENEM com nenhuma das dezessete fórmulas que tentei, me senti subitamente calma. Talvez porque estivesse me consolando de que não havia mais mesmo o que fazer. As provas já começariam na manhã do dia seguinte e a melhor coisa que eu podia fazer era ficar calma e tentar descansar.
Qual era a droga do meu problema? Eu nunca ficava nervosa com provas! Eu nunca ficava nervosa com nada acadêmico! Por que deveria ser diferente com o ENEM? Sim, é uma prova diferente. Mais extensa, com mais peso no meu futuro... Mas não é como se fosse uma questão de vida ou morte, certo? Eu precisava me acalmar. Respirei fundo. Caso eu não consiga pontuação para ser aprovada em nada, talvez eu deva interpretar como Deus me dando mais um ano para pensar no que eu realmente gostaria de fazer da minha vida. Passar na faculdade não é uma questão de vida ou morte, mas é sim uma questão de saber escolher BEM. Por que eu estava me condenando e me matando por alguma coisa que eu nem sabia o que era? Eu queria ser aprovada no ENEM, mas não sabia nem pra quê.
No dia seguinte, acordei cedo. Mais cedo do que precisaria para estar no horário correto nos portões de onde se realizaria o exame. Estava muito distante daquela Kate desesperada pela questão de matemática. Tinha ajustado minhas ideias e resolvido não me desesperar. Eu tinha algum conhecimento acumulado - especialmente dos anos que fui a melhor aluna do colégio - e confiava que talvez isso fosse suficiente, se conseguisse me manter calma.
Ainda que eu tenha pegado carona com a Mariana, como sempre, quando chegamos lá me distanciei. Mesmo no carro já estava com os fones nos ouvidos. Não queria ouvir desesperos pré ENEM, não queria ouvir surtos, não queria ouvir dicas de último minuto... Só queria ouvir Rooney.
E, pra mim, isso fez toda diferença.
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Hello!!!!
1) Esse capítulo foi super pequeno, então ADIVINHA O QUE VAI TER NO SÁBADO?????????????????????????????????? SIIIIIIIIIIIIIIIIIIM, CAPÍTULO!!!!!!! \o////
Mas vamos brincar?! Será que a gente consegue chegar em 80 estrelas até sábado?! Eu vou postar independentemente de quantas estrelas tiverem, só queria ver se a gente consegue chegar ao número! Se chegar antes.... EU POSTO ANTES!!!
2) Kate e eu somos a mesma pessoa no que diz respeito ao ENEM. Eu tava na exata vibe dela, ouvindo minhas boas músicas e sem querer ouvir os desesperados do último segundo falando da matéria. E vocês, são mais estressadas? E essa Mari hein?
3) Gente: meu celular que eu uso com o número que vocês tem quebrou. Eu consegui reanimar ele hoje, abri nosso grupo do whatsapp e pam: 12 mil mensagens x.x! Vocês são demais, hahahaha. Vou tentar me inteirar dos acontecimentos.
4) Meu novo livro continua em pré-venda! Mais informações no site: www.clarasavelli.com
5) A partir do dia 20/08 vou começar a liberar um monte de novidades sobre a Bienal do Rio e mesmo quem não pode ir, também vai ter surpresas! Então não esqueçam de me seguir nas redes sociais (todas são claraguta - snap, insta, twitter...) e de me adicionar no facebook (Clara Savelli).
6) Acho que é só!!!! Obrigada pelas leituras, comentários e estrelas! Eu dei uma pequena geral em alguns comentários, mas o wattpad não me deixa responder em massa porque diz que eu to fazendo spam. Aparentemente mandar corações é fazer spam.
Beijos e até sábado *ou antes*
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