Capítulo 04 - Causa da morte: pegação inconsequente em momentos alcoolizados
Para ser muito sincera, eu tinha esquecido que era aniversário do Caio. Foi um longo dia de trabalho e a ideia do show de talentos ficou latejando na minha cabeça, me impedindo de pensar em qualquer outra coisa que não se relacionasse com os dois mil reais. Ou com a parede de Igor cheia de posters do Alex.
Por isso, fiquei surpresa quando entrei na nossa vila e percebi que, mesmo do portão que separava a vila da rua, eu conseguia ouvir o som ensurdecedor e ver as luzes que brilhavam pela janela da casa dos meus vizinhos. Para quem não estava empolgado com o aniversário, aquela era uma senhora festa
Arrastei-me sorrateiramente para minha própria casa, abrindo o portão de ferro e a porta da cozinha sem ser percebida por nenhum dos convidados festeiros do outro lado do muro. Então continuei me arrastando até meu quarto, escada acima, onde larguei minha mochila, peguei uma roupa qualquer no armário e fui tomar banho.
Tentei acordar e me empolgar com a festa iminente, mas a verdade é que minha vontade era de colocar meu lindo pijama e deitar na minha confortável cama. Porém, eu não podia fazer isso. Era aniversário do Caio. Irmão da minha melhor amiga. Meu melhor amigo. E meu peguete nas horas vagas? É, e meu sabe lá Deus mais o quê.
Enfiei-me em um vestido vermelho e calcei minhas sapatilhas douradas. Nem sequer passei uma escova no cabelo, pensando que quanto mais rápido eu fosse, mais cedo poderia voltar. Peguei o embrulho do presente que tinha comprado pra ele na semana anterior e desci de volta para vila, andando na direção de sua casa.
Até conseguir chegar à porta da sala, tive que me espremer muitas vezes. Havia uma infinidade de pessoas do portão de ferro da casa até a porta, apertadas em um pequeno corredor. Isso era só um prelúdio do que estava acontecendo lá dentro. A sala dos Lopez estava irreconhecível com a quantidade de pessoas, cerveja e bagunça. Eu estava me preparando para correr para fora quando Mariana apareceu na minha frente, em um dos seus vestidos esvoaçantes.
— Ah, aí está você! — disse ela sorrindo ao me estender uma lata aberta de cerveja.
— Oi — respondi meio intimidada, empurrando a cerveja de volta. — Quanta gente, hein.
— Eu sei! — ela suspirou. — Deu um trabalhão para conseguir falar com todos esses amigos perdidos do meu irmão, mas acho que valeu a pena, né? Todo mundo veio.
Ah! Foi Mari quem chamou todas essas pessoas! Agora faz mais sentido. É bem típico dela. Eu levantei os olhos de novo, tentando reconhecer algum amigo de Caio que eu conhecesse. A verdade é que eu não conhecia muitos. Ok, talvez a verdade verdadeira fosse que ele não fizesse questão de apresentar muitos amigos. Mesmo assim, quando levantei os olhos para encarar todas aquelas pessoas dançando e conversando, só vi pessoas que eu conhecia. Ou seja, só vi amigos de MARIANA.
— Onde está ele? — perguntei, levantando meu presente.
— Da última vez que o vi, estava na sinuca. — respondeu rapidinho, olhando para alguma coisa atrás de mim. Eu olhei por cima do ombro e vi Igor passando pela porta, parecendo tão assustado com a quantidade de pessoas quanto eu. — Já volto!
— Não sabia que vocês tinham uma sinuca.
— Nós não temos! — ela ainda gritou atrás de mim, antes de eu perdê-la na multidão.
Eu ainda fiquei alguns minutos parada no meio daquela confusão, tentando digerir o que era tudo aquilo. Uma festa de aniversário para Caio onde só estão amigos da Mariana e uma sinuca que alguém trouxe? É possível trazer uma sinuca? Será que isso foi uma espécie de presente? Quem é que tem dinheiro para comprar a droga de uma SINUCA de aniversário para alguém?
Subi as escadas na direção dos quartos, imaginando que se a sinuca não estava na sala de estar, nem na de jantar, também não estaria na cozinha. Eu fiquei quase tonta de tantas pessoas que tive que desviar na escada, mas achei mais justo me forçar a desviar do que esperar que elas desviassem, considerando que meu estado alcóolico era de longe o melhor.
— Com licença? — eu cutuquei uma garota loira encostada na parede do corredor. — Você sabe onde está Caio?
— Caaaaaio? — ela riu animada. — Quem é Caaaaio?
Eu fiz o possível para evitar fazer uma careta ou dizer qualquer coisa. Simplesmente continuei tentando obter informações, como se nunca tivesse topado com uma pessoa que está numa festa de aniversário de alguém que não conhece.
— Ok. — sorri. — Você sabe onde é o quarto da sinuca?
— Ahhh seiiii... — ela disse, como se estivesse implicitamente dizendo "porque você não perguntou algo que eu soubesse antes". — Acho que é o segundo a esquerda. Não, não! Direita. Não, não. Acho que é esquerda mesmo.
Agradeci ainda meio tonta, quando um garoto se aproximou dela com uma lata de cerveja me olhando meio torto. Depois de quase tropeçar nos pés de alguns malucos no caminho, eu descobri que a segunda porta a esquerda não era a porta certa, pois era a sala da tevê e a única coisa que havia lá dentro era um casalzinho se agarrando (e não, não era composto pelo Caio, eu chequei). Claro que eu já tinha ido a casa deles várias vezes, mas hoje parecia totalmente diferente com todas aquelas pessoas aflorando minha claustrofobia e agorafobia (pra quem não sabe, medo de multidões). Depois de abrir a porta do banheiro acidentalmente e ver um cara praticamente mergulhado na privada, eu finalmente acho o quarto certo. Não achei a sinuca, mas acho Caio. Estava em seu quarto, como eu supus. Sentado na sua cama, com a tevê ligada nos Simpsons, várias garrafas vazias de cerveja e um olhar amargurado.
— Vá embora — ele disse, entre dentes, sem nem olhar na direção da porta.
— Não vou não — soei como uma criança irritada. Sinceramente, eu estava irritada. Eu estava irritada para cacete.
— Eu quero ficar sozinho! — ele praticamente gritou. Diga-me sobre crianças irritadas. Eu bufei e ele resolveu olhar na minha direção. — Ah, é você.
— Ah, sou eu. — imitei o desanimo de sua voz. — Desculpe se você estava esperando a Miss Universo ou algo assim. Só tem eu mesmo.
Os lábios dele se torceram numa espécie de sorriso consternado, enquanto ele chegava para o lado, abrindo espaço na cama ao seu lado.
— Por que você está aqui? — murmurou, voltando os olhos para a tevê. — A festa está rolando lá fora.
— Nossa, você me jura? — disse, ironicamente, enquanto pulava na cama. — Quase não percebi enquanto estava te procurando e sua casa estava lotada de pessoas.
Ele gemeu baixinho, como se a menção a casa cheia de pessoas fosse alguma causa de dor. Talvez Caio também tenha agorafobia e não saiba.
— Sinceramente, Caio, eu não conheço ninguém lá fora. Quer dizer, até conheço algumas pessoas que a louca da Mariana convidou, mas eu não suporto a maior parte daquelas pessoas — revirei os olhos. — Além disso, o motivo dessa festa não está lá, está aqui. Aliás, é pra você.
Ele pegou o embrulho da minha mão sem dar muita atenção. Parecia que o papel queimava seus dedos. Murmurou um obrigado sem tirar os olhos de Bart Simpson, que parecia ser a coisa mais importante do universo.
— Não vai abrir? — pentelhei.
Ele nem sequer me respondeu, ainda olhando fixo para televisão. Dessa vez não consigo me conter e realmente faço uma careta de alguém que está ironicamente concordando com a ação dele. Então dou de ombros e levanto-me para ir embora. O único motivo deu estar nessa droga de casa era para dar parabéns e se ele quer ficar sozinho, DANE-SE, que fique.
Todavia, antes mesmo que eu conseguisse esticar meus joelhos, a mão dele agarrou meu braço e me puxou de volta. Novamente estou sentada na cama. De costas pra ele, dessa vez.
— Pra onde você vai? — ele perguntou atrás de mim.
— Pra casa. — respondi, sem nem me dar ao trabalho de virar em sua direção.
— Posso ir junto?
Gargalhei.
— Não estava pretendendo ter companhia. — então me virei para encará-lo. — É a SUA droga de festa de aniversário, você sabe disso?
— Eu não queria uma festa de aniversário! Eu não pedi pra fazerem uma pra mim!
— É, mas Mari fez com o maior amor, achando que você iria ficar feliz. Tudo bem, ela pode ter passado um pouco dos limites, mas você conhece a sua irmã. Você sabe que ela é assim, extremamente empolgada com tudo. — respondi. — Então vê se você pelo menos finge que fica feliz e não quebra o coração da sua pobre irmã mais nova.
Ele apertou o botão de desligar do controle e Bart sumiu num "puuuf" lento.
— Você só está dizendo isso porque é a melhor amiguinha dela.
— Você também é meu melhor amigo. - eu disse. Então depois pensei que talvez essa fosse uma declaração forte. Nunca tinha dito isso pra ele antes. — Enfim, você pode não saber disso, que seja, fica sabendo agora... Você é — assumi, dando um sorriso sem jeito. — Ver você com essa cara de tacho no dia do seu aniversário não é uma coisa muito legal pra mim, não que você se importe com isso, mas chega a dar dor no coração. E não estou mesmo muito a fim de ter dor no coração, então vou embora.
Ele ficou me encarando. Seus olhos pareciam mais esverdeados do que o normal, apesar de já ser tarde da noite de uma sexta-feira e a iluminação do quarto se limitar a lâmpada fraca acesa sobre nossas cabeças.
— Por favor, fique. - ele disse e meu coração doeu de novo, mas por outras razões. Talvez eu tivesse omitido no meu discurso, mas a verdade é que eu estava apavorada com a possibilidade de estar gostando de Caio. Era desesperador.
— Você está péssimo, sabia? — disse. — Vai tomar um banho e fazer essa barba. Vou procurar uma roupa decente para você vestir, você vai armar um sorriso nesse rosto e eu vou te arrastar lá para o meio daquela multidão, você querendo ou não. - ele abriu a boca para contestar e eu continuei. — Ou eu vou embora.
Ele fechou a boca novamente e eu sorri vitoriosa. Ainda se lamuriando, ele se levantou e se arrastou na direção do banheiro. A porta fechou-se num clique ao mesmo tempo que abri o armário dele.
Tenho vontade de dar um berro: consegue estar pior que o meu armário. E só eu sei como isso é uma coisa praticamente impossível. Jan Baptista van Helmont provavelmente diria que aquele fuzuê de roupas sujas e sei lá mais o que, seria um lugar propício para geração espontânea de ratos e baratas. Então bom, não é de se admirar que eu fique com um pouco de nojo de mexer lá.
Na verdade, talvez isso fosse uma desculpa para não ter que mexer lá. Mexer no armário de outra pessoa era uma experiência muito íntima e eu fiquei constrangida de invadir assim o armário dele. O que será que eu poderia achar? Um pacote de camisinhas? A coleção antiga de revistas de mulher pelada? Ou nem tão antiga assim?
Dei um passo para trás, examinando melhor as camisas, casacos e calças penduradas nos cabides. Estava uma noite consideravelmente fria, apesar de ser setembro. Puxei a jaqueta de couro. Impossível não me sentir atraída por ela. Parecia que fazia tempo que ela não era utilizada, pois estava praticamente moldada ao cabide, o que era realmente lamentável. Se ele não gostava da jaqueta que me desse! Eu até tinha uma a um tempo atrás, mas então bom, briguei com o dono dela e tive que devolvê-la. Sacudi a cabeça tentando tirar Beto de dentro dela.
Peguei uma calça jeans mais clara e uma blusa pólo azul. Joguei tudo em cima da cama bagunçada dele e depois me aventurei num puxa-puxa de gavetas até achar seus sapatos. Alguns mocassins, estranhamente alguns all stars e uma infinidade de tênis de marca. Escolhi um adidas preto, com listras em branco na diagonal. Então juntei tudo e sentei na cama esperando Caio sair do banho.
— Estou me sentindo uma criança - a porta do banheiro se abriu e eu pulei com o susto. Levantei os olhos para dar de cara com Caio, trajando apenas uma toalha branca amarrada na cintura (!) e a cara cheia de creme de barbear.
— Crianças não fazem a barba - me forcei a responder, olhando para meus pés.
Senhor. Ele faz educação física. Dá pra ver. Contenho o ímpeto de me abanar. O que Mariana tinha de pequena e magra, Caio tinha de grande e forte. Ele me fazia parecer uma anã do alto do meu um metro e sessenta, enquanto Mariana tinha ainda uns cinco centímetros a menos que eu. Ele também não tinha o cabelo ruivo da irmã. O dele era castanho claro. E, gente do céu, o que era aquele abdômen? Respirei fundo, fazendo o possível para não transparecer meus sentimentos sobre todos aqueles gomos.
Ele riu, mas respondeu amargurado.
— Está vendo o que eu digo quando falo que não quero fazer 21 anos? Olha bem para minha cara e vê se eu tenho juízo pra fazer 21 anos!
— Bom, se você conseguir hábitos simples como arrumar seu armário e fazer sua cama, não vejo porque não. Ah é, beber menos também é uma boa ideia. Sabe, daqui a pouco vai ficar com uma pança.
Honestamente, não sei por que disse isso. Talvez simplesmente porque estava morrendo com a figura desnuda dele, que estava LONGE de ter uma pança. Caio não respondeu nada, mas eu não ousei levantar meus olhos até ele. Muito perigoso. Continuei falando, ainda que não tivesse nada de bom para acrescentar:
— Sem falar que isso não é coisa que um professor de educação física faça, sabe como é. Você tem que ser um exemplo de saúde para os seus alunos.
— Ainda não sou formado — ele respondeu finalmente.
— Você se forma esse semestre, besta. Em dezembro, né? - levantei os olhos para ele pela primeira vez desde que ele apareceu seminu.
— Como você sempre sabe de tudo? — ele riu, apoiando-se no batente da porta. Já não tinha mais creme de barbear em seu rosto e nem resquícios de barba.
— Apenas sou bem informada — respondi. — Digo, mais ou menos. Eu não sabia sobre o show de talentos da minha escola...
— Deve ser porque você nunca para na sala de aula — ele continuou rindo.
— É, deve ser. Sua irmã me disse que o primeiro prêmio é dois mil reais, dá para acreditar nisso? — tentei não soar muito empolgada, mas era meio difícil.
— Você vai participar?
— Não — respondi rápido. — Quer dizer, eu não tenho um número e muito menos um par ou grupo.
— Nem pense em tocar com aquele imbecil — ele disse, engrossando o tom.
— Cruzes, Caio. Nunca passou pela minha cabeça — respondi, meio que mentindo.
Fitei seus pés caminhando até a cama e me levantei, surpreendentemente constrangida por nossa proximidade.
— Vou te esperar lá fora. — disse.
Vi pelo rabo de olho que ele assentiu com a cabeça, olhando para roupa que separei. Toquei a maçaneta antes de me virar e dizer:
— Ah, Caio?
— O que? — ele respondeu olhando de cara feia pra jaqueta.
— Obrigada.
— Pelo que? Acho que quem tem que agradecer aqui sou eu.
— Pelo lance da advertência, pai. — pisquei pra ele. — E não tem nada pra você agradecer. Vê se não demora muito. Como eu disse, não suporto quase ninguém lá embaixo.
— Dá para esquecer esse lance de pai? — ele reclamou.
— Ué, por quê? Foi engraçado.
— Não sou seu pai. - ele disse, virando para me encarar. - Não sou seu irmão. Não sou nada seu.
Congelei no chão com a mão na maçaneta gelada. Meus olhos se encheram de água, mas eu preferi culpar o susto com o surto do que propriamente suas palavras.
— Não sou seu parente - ele corrigiu. - Na verdade, graças a Deus não sou seu parente.
Eu continuei encarando, chocada. O que ele queria dizer? Que eu seria uma parente insuportável?
— Aliás, Kate, você está linda - completou, voltando a olhar na direção de sua roupa.
Então entendi. Isso é a maneira dele dizer: graças a Deus não sou seu parente, então nós podemos nos pegar inconsequentemente pelas paredes da minha casa, das boates que você entra ilegalmente e de qualquer outro lugar, desde que eu esteja meio alcoolizado. Eu sorri, porque era a única coisa que eu consegui pensar em fazer. Então disse:
— Tanto faz, Caio, você nunca poderia ser meu pai. Só temos, o quê, quatro anos de diferença? Puff, quase nada - revirei os olhos. - Mas ah, obrigada. Eu sou sempre linda.
Ele riu, dando um puxão na toalha. Eu gritei, tapando meus olhos com uma mão, para logo depois terminar de puxar a maçaneta com a outra e sair, batendo a porta atrás de mim.
Jesus. Essa pegação inconsequente em momentos alcoolizados vai me matar.
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POR ESSA VOCÊS NÃO ESPERAVAM: CAPÍTULO MEIA NOITE! #estoudevolta
Um capítulo cheio de fofura para nenhuma fã de Kate+Caio botar defeitooooooooooo.
E gente, o próximo capítulo está BOMBÁSTICO. Dica: tem Caio. Tem Beto. E talvez tenha os dois se engalfinhando, inclusive. Voltem terça para ver :B
GENTE: QUE LINDO. Já estamos com quase 2k de leituras e mais de 300 estrelinhassssssss <3
Não estou dando conta de responder tudo, especialmente porque Acampamento está nos DESTAQUES (lindo maravilhoso chorei) e toda hora eu recebo notificação de algo! Então, se alguém quiser falar muito comigo, manda uma inbox por aqui! Eu vejo mais rápido (mas também demoro um pouco às vezes porque sou enrolada).
Acho que é isso!
Ah, mentira! Lembrei de uma coisa! Criei um snapchat e aprendi a mexer (mais ou menos nele). É claraguta! Me adicionem (se diz adicionem lá tbm? sei lá).
Agora é só isso mesmo.
Beijos e OBRIGADA MIL VEZES POR TODA ESSA ALEGRIA QUE VOCÊS ME FORNECEM!
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