Eu quero é Distância
A estrada estava um caos, o trânsito deixava os motoristas ainda mais irritados e impacientes, além da chuva não facilitar a situação. O semáforo mudava suas cores normalmente, contudo ninguém podia sair do lugar. Até que não seria tão incômodo ficar sentado ali por uma hora se os motoristas em volta não começassem a buzinar e gritar em pedido de acesso da pista. Johnny via-se batucando os polegares no volante ao som de The Killers pelo rádio de sua Range Rover. Enquanto a cabeça seguia o ritmo da bateria, seus lábios cantarolavam a letra de Runaway quase num sussurro. Estava cansado, e como não queria se irritar com os outros a volta, preferiu se distrair com algo mais. Tudo corria bem de certa forma, até seu celular vibrar e Johnny suspirar longamente. Hoje não era seu dia de sorte.
- O que aconteceu dessa vez? - com os olhos, seguia as gotas que escorriam pelo para-brisa.
- Algo não parece certo, ela está muito estranha ultimamente...
- Por que não pergunta logo qual o problema? - resmungou.
- Tá maluco? Você viu o que aconteceu da última vez. Imagina eu aparecer agora, perguntar isso e ela achar que não confio nela.
- Ah, pelo amor de Deus... - Johnny revirou os olhos - Isso é drama demais pro meu cérebro. Já está me dando azia.
- Coloque-se no meu lugar, se sua namorada passasse menos tempo com você por causa das novas amigas, te mandasse menos mensagens e fosse pra festas na casa de outros homens, como você se sentiria? Ela não é assim, é isso que estou querendo dizer.
- Jaehyun, isso se chama ciúmes. Toma vergonha na cara, fala que sente falta dela e vão se beijar embaixo de uma árvore, ou sei lá o que mais quiser fazer, só resolvam isso logo. Diálogo é a resposta do seu problema, pronto falei.
- Acordou de mal humor Johnny boy?
- Eu vou começar a cobrar por essas terapias de casal que você e o Yuta me obrigam a fazer. Eu lá tenho cara de terapeuta do amor?
- Mas você ajudou o Yuta na boa, que injustiça...
- Eu não estou apto para tal serviço. Contate nosso especialista Winwin, o caso de vocês está fora de controle. - imitando a voz de uma recepcionista, Johnny comentou.
- Mas o que o Winwin tem a ver com a história?
- Fica na sua e não discuta com o gênio. Winwin é o homem que procura, ele é bem mais experiente nisso do que eu.
- Ei, mas que mentira mais ridícula.
- Jaehyun, estou na rua, se me pegarem com o celular vou mandar a multa pra você pagar.
- Meu Deus.
- Se eu morrer, já sabe. Se responsabilize, você que me ligou.
- Credo cara... Johnny, você está precisando de mais atenção amorosa. Quer que eu te ajude a encontrar alguém pra te fazer companhia? As amigas da Gayeon estão solteiras, não parecem pessoas ruins.
- Okay, e de onde saiu essa agora? - soprou as palavras indignado.
- Você tá muito ranzinza. Quando estávamos no Japão, você disse que queria uma namorada. Até na faculdade ficava chamando as meninas pra sair, você não me engana. Toda vez que a coisa ia ficar séria você ia lá e terminava, que tal dar uma chance de verdade dessa vez?
- Por culpa de vocês me lembrei do quão problemáticos são relacionamentos. Não quero mais, muito obrigado.
- Johnny essa sua solidão mascarada aí corrói, sabia?
- Tinha um motivo pra nunca dar certo com as meninas na faculdade.
- Começou... E qual é?
- Era Deus me protegendo desse mal.
- E depois dessa eu que sou o dramático?
- Cara, não vai dar certo eu num relacionamento e ponto final. Você e o Yuta me traumatizaram.
- Agora a culpa é minha também.
- Com toda certeza, se fosse eu no seu lugar, já estava solteiro de novo.
- Mas eu amo minha namorada, Johnny.
- Tá vendo, é disso que estou falando! - coçou os olhos já entediado de ficar ali sentado no trânsito - Não obrigado, prefiro minha solidão.
- Diga isso quando se apaixonar.
- Uma vez já foi o suficiente pra eu aprender a lição.
ㅡ Você está passando tempo demais com o Winwin e o Taeyong. Isso não está te fazendo bem... É lavagem cerebral o nome!
Finalmente a fila de carros começou a andar novamente.
- Ok Jaehyun, agora é a minha deixa.
- Johnny, você é muito esquisito e complicado. Sabe disso, né?
- Muito obrigado. Agora se resolva logo com a Gayeon e pare de me ligar pra falar dessas coisas. Se tiver mais problemas, Winwin é o cara que procura, fui!
Johnny sempre agia de forma mais descontraída em frente aos seus amigos, contudo Jaehyun sabia que aquele assunto era delicado e havia deixado uma cicatriz no coração mole do amigo mais alto. Era por este motivo que os dois foram atrás de Johnny em busca de ajuda com seus relacionamentos. Para Yuta e Jaehyun não existia alguém mais experiente do que ele dentro do círculo de amigos, além é claro de Taeyong, contudo o último citado era um pouco fechado sobre tal temática. O ex-jogador de futebol americano era um homem de segredos, nada gostava de compartilhar, apenas quando necessário. Confiança não era o problema, e Jaehyun sabia bem disso, Johnny somente odiava falar sobre sua vida, simples assim. E pelo ramo profissional que sua família seguia, muitas vezes fora privado de se divertir ou sair com seus amigos durante os breves anos colegiais que compartilharam após ele ir morar na Coréia.
Já longe do trânsito, Johnny encontrava-se mais à vontade por estar no estacionamento do edifício em que morava. Assim que recolheu as sacolas de compras no banco de trás, trancou o carro e guardou as chaves no bolso de seu jeans, respirou fundo analisando as horas no relógio de prata em seu pulso. Imaginava se sua mãe ainda estaria o esperando após tamanho atraso. Via-se farto da situação em que ela havia o colocado e nem mesmo quis ligar para dar satisfação pela demora. Mesmo assim, Johnny agradecia por estar em casa, longe das buzinas e a brisa gélida devido a chuva. Dentro do elevador, sentiu um aroma de frango frito que o deixou mais faminto do que já estava e o fez pensar no que havia na geladeira que fosse fácil e rápido de se fazer. Perdido em pensamentos, ele nem ao menos percebeu que o elevador havia parado em um andar anterior ao seu. No instante em que ergueu a cabeça pronto para sair, uma mulher esbelta escondendo seus olhos com finos óculos escuros adentrou o cubículo. O mais alto estranhou, visto que já era noite para ela usar tal acessório, entretanto se silenciou e manteve a expressão neutra. Devido a este fato, e por nunca a ter visto antes, Johnny checou o andar no painel metálico e permaneceu aonde estava. A mulher, no entanto, indicou que iria ao estacionamento pelo botão que apertou no elevador. E então fez-se um breve silêncio, que Johnny iria quebrar até se surpreender.
- Boa noite. - via-se de braços cruzados e nariz empinado.
- Boa noite... - sorriu, contudo, sentiu-se desconfortável.
- O que acha dos apartamentos aqui? - nem ao menos o fitava enquanto perguntava - Visitantes tem fácil acesso aos andares pela portaria?
- Confio na segurança do prédio. Ela foi considerada a melhor da cidade, por isso estou aqui na verdade. - estranhando a situação, Johnny equilibrava os dois sacos de papel com suas compras enquanto respondia - É um bom lugar pra se viver, gosto daqui.
- Ótimo, só para ter certeza. - descruzou os braços - Espero não ter nenhum problema futuro com você também.
Assim que ela finalizou, a porta abriu-se novamente, agora no décimo segundo andar. Sem muita pressa Johnny saiu se virando para a mulher no elevador com a intenção de se despedir.
- Digo o mesmo...? - uma careta confusa.
- Bem, adeus. - e as portas fecharam-se.
Novamente sozinho. Agora no corredor, caminhando à porta de seu apartamento, tentou compreender o diálogo que acabara de ter. Assim que digitou a senha e abriu a porta, deixou um suspiro pesado fugir ao ver saltos pretos na entrada ao lado do cesto de guarda-chuvas. Sem pressa, ele descalçou seu tênis e seguiu para a sala de estar a caminho da cozinha. Lá estava ela, contemplando um programa de culinária na enorme televisão da sala luxuosa daquele apartamento.
- Está atrasado. - indagou sem desconectar o olhar da competição de pratos exóticos.
- Esse é o preço que paga por me avisar que ia visitar já estando dentro do meu apartamento e enquanto ainda estou no mercado. - deixou as compras em cima da bancada de silestone branca da cozinha - Eu também trabalho sabia?
- Uma mãe não pode mais visitar o filho dela?
- Agora me vem com essa... Tudo bem, então, a que devo a graça da sua bela visita mamãe?
Dessa vez encarando o filho que guardava as compras em sua lentidão com um semblante rabugento, a mulher prosseguiu:
- A emissora propôs um jantar com os funcionários. Irão anunciar meu novo posto como âncora do jornal da noite.
- O quê? - largou os pacotes de lámen em cima da bancada - Você foi promovida?! Isso é incrível, você conseguiu!
- É claro que consegui, quando foi que falhei em alguma coisa?
- Acho melhor não abrirmos esta porta querida mamãezinha... - juntou os lábios em um bico breve junto a uma careta.
A mulher ameaçou a jogar os chinelos, que usava, no filho que se escondeu detrás da bancada rapidamente.
- Menino ingrato... Tsc. - calçou novamente o chinelo desligando a televisão - Vamos direto ao ponto, quero que me faça um favor. - em frente a ele, ela cruzou os braços.
- Eu sabia que isso acabaria desse jeito. - um suspiro.
- Estou em uma situação delicada e agora com meu novo cargo preciso manter minha imagem limpa de escândalos.
- Então já começamos com tudo dando errado, hein?
- Preocupante, mas é aí que você entra.
Terminando de guardar as compras, Johnny sentiu um calafrio paralisando exatamente onde estava.
- Já organizei o quarto de hóspedes com a bagagem pesada. Está tudo resolvido, você não precisa se preocupar.
- Espera, não... Eu não vou fazer parte disso de novo. - voltou a encarar a mãe, desta vez com a expressão mais fechada e séria - Já me afundaram demais nisso e eu nem tenho nada a ver com esse assunto. No fim me custou muito mais caro do que pra vocês, sabe disso.
- John pare de ser infantil, você não é mais uma criança.
- Infantil? Sou eu quem está obrigando o filho a acobertar minhas decisões ruins ao invés de tomar responsabilidade pelos meus atos?
Essa fora a gota d'água. Com velocidade a mulher acertou a face do mais alto com a palma de sua destra. A expressão irritadiça dela permaneceu enquanto Johnny, cheio de ódio, encarou rapidamente a bancada branca de sua cozinha antes de voltar o olhar para a mãe.
- Você não mora mais sob o meu teto, mas quem lhe deu este apartamento fui eu. Agora pare de agir como um moleque mimado e faça o que estou mandando. - seguiu a sala de estar buscando sua bolsa.
Com a maçã de seu rosto avermelhada e aparentando inchar levemente, Johnny cerrou os punhos segurando com toda a sua força a vontade de expor toda a sua insatisfação com a forma como a mãe sempre o tratou. Estava frustrado, porém indignado por ser repreendido daquela forma.
- É melhor estar em casa quando eles chegarem de manhã. - terminou de calçar os saltos já abrindo a porta para partir - Já fazem alguns anos, então é preciso que eu diga, ou você ainda se lembra do nosso acordo?
- Acordo? - soprou um riso - Quis dizer a sua ameaça? - seus olhos transmitiam frieza - Você é uma péssima mãe.
- Por favor, pensei que já tivesse superado essa fase. - não gaguejou, entretanto sentiu o peso das palavras do filho. - Vive sua vida como bem entende, temos seu pai a quem culpar por isso, mas você ainda me deve muito por ter te criado.
- Acho que nunca vou conseguir sentir algo bom a seu respeito desse jeito, sabia?
- Do seu amor que eu não preciso. - partiu fechando a porta atrás de si.
- Claro... - Johnny murmurou - Quem um dia precisou do seu, fui eu. Patético.
O jantar acabou passando em branco para o atlético dono daquele apartamento. Não tinha mais fome após se prender em pensamentos do que estava por vir no dia seguinte. Era tarde, amanhã teria que ir trabalhar cedo, porém chegaria atrasado por ter de tomar conta, contra sua vontade, de uma bomba, aquela que sempre mantiveram afastada de si e mesmo assim lhe custou muitas coisas em sua vida. Não tinha energia nem mesmo para reclamar, tudo o que conseguiu fora pensar em como seriam os dias a partir de agora. Após um banho demorado, Johnny sussurrou um gemido cansado ao suas costas finalmente se chocarem com o colchão ortopédico de sua cama. Gostava de viver ali sozinho, mesmo que fosse um tanto espaçoso demais para uma pessoa só, ficar sozinho era um de seus hobbies. Apagou a luz do abajur antes de encarar o teto novamente. Voltou a se lembrar dos velhos tempos, aqueles em que mesmo pressionado pela mãe, tinha alguém para lhe confortar, que preenchia a falta de amor em sua vida.
- Como ela deve estar agora...? - fechou os olhos e aos poucos adormeceu.
Enquanto Johnny cedia à fadiga de um longo dia no trabalho e o peso das palavras de sua mãe, uma mudança ocorria no andar de baixo sem muito alvoroço. Já era muito tarde da noite, porém com a quantia certa na mão, todos fizeram sua parte do serviço até antes da madrugada se estender.
As coisas ficaram silenciosas e tranquilas por tempo demais na vida de Johnny. Seus segredos, assim como os de sua família poderiam causar dificuldades entre ele e seus amigos. O que viria a sua porta na próxima manhã, ele sabia, seria muito mais complicado de acobertar. Entretanto este não haveria de ser o único problema que o perturbaria esse ano.
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