05. A mentira que ela contava
Lembro que a noite estava fria, quebradiça e não me dava esperança alguma. Mas Shawn disse que estava vindo e eu, bom, não precisava de mais nada. Nem mesmo precisava que a noite me fizesse sentir algo além da solitude, mesmo que ela fizesse um esforço enorme pra assolar meu peito. Ele disse que chegaria em trinta minutos, mas já se passavam dos cinquenta e cinco e eu já não conseguia pensar em mais cenários do que poderia ter acontecido. Liguei cinco, dez, vinte. Shawn não me atendeu em nenhuma delas. Deitei no sofá, com a cabeça no estofado e o braço esticado para o chão, tocando de leve o tapete felpudo, observando a porta. Nenhuma lâmpada da casa estava acesa e a luz da lua que entrava pela janela era a única iluminação no apartamento. O que tornava tudo um pouco mais triste, mas eu não estava com coragem pra fazer com que o ambiente ficasse tão diferente de como eu estava por dentro. Lembro que meu celular vibrou e eu me desesperei para pegá-lo, lendo uma mensagem do meu até então namorado dizendo que houve uma mudança de planos: "Você não vai acreditar!!! John Meyer me chamou pra ir em um pub aqui perto com o resto do pessoal. Você se importa?" Lembro de ter relido várias vezes, piscando devagar e com o choro preso na garganta. Quando marcamos de nos ver, eu disse que estava com saudades dele, que fazia tempo que não nos víamos, que eu queria seu carinho. Por mais tosco que isso tenha parecido, era verdade. Com uma tristeza que saciou meu estômago, respondi com um "Nada, se divirta", virei para o lado das costas do sofá e dormi até o dia seguinte.
— Não posso — respondi à proposta de ser a fotógrafa da Tour, sentindo as memórias, os porquês, as noites de insônia embriagarem momentaneamente todo o meu ser. — Não posso, Shawn.
Suas sobrancelhas se uniram em tristeza, seu sorriso degenerou e sua mão escorregou de onde tocava meu braço, em puro desnorte. Não consegui sustentar seu olhar estilhaçado por muito tempo, então, parti com meu olhar para a vista à nossa frente, tentando estabelecer um limite de quando minhas lágrimas poderiam aparecer, tentando controlar seu atrevimento.
Deus me ajude. Isso tá doendo demais.
— Você não quer? — perguntou Shawn, em um fio de voz.
— Não posso — corrigi-o, focando em seus olhos dessa vez. — Você não tem noção de como me machucou, não é? Porque se tivesse, não estaria aqui, não teria me feito essa proposta. — Peguei sua mão e a espalmei em meu peito, fazendo-o sentir meu coração batendo desesperado, como se estivesse pronto para sair correndo a qualquer momento. — Tem agora?
Quando vi o bico de choro se formando em seus lábios, soltei sua mão assustada, surpresa, sem nada programado para conseguir reagir. As lágrimas desciam descompassadas, tão atrevidas quanto as minhas, enquanto ele se perdia em algo para falar.
— Eu fui burro! – chiou, escondendo com as mãos seu rosto vermelho e molhado. Eu não conseguia esboçar nenhum movimento diante da cena, mesmo que apostasse que meus olhos saltavam de seus respectivos buracos. Nunca tinha visto Shawn chorar antes, era uma cena inédita pra mim. E ele repetiu como foi burro mais umas três vezes. — Me desculpa, Ellie. Eu... Eu não queria ter te feito sofrer... Eu não... Eu fui insensível! Como eu pude, sabe? Você é, tipo, o amor da minha vida e eu... Fui burro. Eu me acomodei — disse, deixando com que seus braços caíssem nas laterais de seu corpo.
Se antes meu coração já batia feito um louco, agora ele estava em cólicas. Não duvidava ele sair até pelo buraco do meu ouvido para consolar seu protegido que chorava a sua frente.
Desviei o olhar.
— Acho melhor você ir pra casa.
Ele assentiu, secando o rosto e suspirando, tomando um momento para conseguir se recuperar.
— Você deve querer ficar sozinha com seu namorado, e eu aqui te atrapalhando. — Ele esboçou algo que era pra ser um riso descontraído, mas não deu certo. Nada certo.
Eu sabia que não devia nenhuma satisfação, eu sabia.
— Ele não é meu namorado — falei baixinho, encarando meus dedos que tentavam fazer com que toda a energia recém-chegada ao meu corpo se dissipasse aos poucos.
— Mas é questão de tempo, ele mesmo disse. Espero que ele não te decepcione. — "Como eu fiz", mas essa parte ficou implícita.
— Não acho que seja questão de tempo. — Cala a boca, Ellie!
— Por que diz isso?
Precisei de um momento antes de responder, já que uma parte de mim se recusava a dar qualquer resposta a ele. Mas essa parte era apenas o exército de 300 diante do exército massivo do Império Persa. E o massivo Império Persa queria porque queria responder todas as suas perguntas.
— Porque, Shawn, ele não me faz sentir nem um terço do que você fazia.
(...)
Acordei com baques surdos vindo de algum lugar, mas de algum lugar muito próximo e foi isso que me motivou a sentar e olhar em volta. Engoli um grito quando vi um passarinho se debatendo no chão do meu quarto. Por mais que tenha engolido o grito, o desespero, acostumado a ficar dentro, apossou-se do meu corpo. Sua penugem escura se contrastava no carpete enquanto eu, de joelhos no colchão, protegendo-me com o edredom e com os olhos arregalados, observava-o em agonia. O animal provavelmente estava machucado — havia sangue na região onde ele se debatia — e compartilhava do meu desespero ao tentar voar, já que, creio eu, era a única coisa que sabia fazer. Bem, eu não reclamaria se ele começasse a falar e me fizesse ficar rica.
Estiquei-me até a cômoda e catei meu celular, tentando achar algo que me ajudasse ou me dissesse o que fazer. A maioria dos sites dizia que eu só precisava, cuidadosamente, levá-lo até a janela e, então, a natureza cuidaria do resto. Mas ele estava machucado, provavelmente, cairia e morreria se eu o colocasse janela afora e eu não sou nenhuma assassina de passarinhos!
Fiz o que qualquer pessoa medrosa e cautelosa faria. Saí de fininho e fui bater na porta de Katherine atrás de ajuda. O que não contava era, assim que abrisse minha porta, dar de cara com Shawn indo direção ao mesmo lugar que eu.
— O que faz aqui? — perguntei sem o filtro de esconder a surpresa.
— Ah, oi — saudou e virou-se na minha direção, analisando-me de cima a baixo. — Eu... Esqueci minha carteira aqui ontem. O que faz usando isso aqui fora? — disse desviando o olhar, com as bochechas vermelhas.
Olho pra baixo em confusão e me amaldiçoo em 15 línguas — eu não sei 15 línguas — diferentes quando dei de cara com o que vestia. Com o que não vestia, na verdade. Saí tão apressada que nem percebi que só usava o essencial para não ser presa por atentado ao pudor. E por muito pouco.
— Ah, foi mal. — Ando em ré até minha porta e me cubro com ela, deixando só minha cabeça de fora. — Você pode chamar Katherine pra mim? Ou Geoff. Ou qualquer pessoa que esteja aí dentro. Eu preciso de ajuda.
Ele franze o cenho.
— Anh... Não pode ser eu?
Pisquei várias vezes sem saber o que dizer até me dar conta que precisava agir rápido, já que o pobre passarinho agonizava no chão a alguns metros.
— Você se importa? — Sorri sem graça e ele riu.
— Não, Ellie. O que foi? — perguntou se aproximando e, meio desconfortável, abri caminho para que ele entrasse em meu apartamento.
— Um passarinho entrou pela janela do meu quarto e parece machucado, não sei o que fazer — digo pegando o blusão que esqueci em cima do balcão da cozinha, vestindo-o.
— Já aconteceu comigo em Pickering — comentou, indo em direção ao meu quarto e encontrando o bicho como eu o deixei.
Shawn se aproximou cuidadosamente e eu o observei enquanto mordia a almofada do dedão, temerosa.
— Preciso de uma toalha — disse com uma pose analítica e eu, de prontidão, corri até o armário para lhe conseguir uma.
Pegando a toalha da minha mão, Shawn envolveu a ave com cuidado, posicionando suas asas contra seu corpo pequenino e fazendo com que o pássaro ficasse mais calmo, evitando que ele se movesse e se machucasse ainda mais.
— Ok, agora você vai pegar uma caixa de sapato com tampa, furá-la para que ele consiga respirar e colocar outra toalha dentro para não ficar tão desconfortável.
Fiz tudo o que ele pediu, ainda me permitindo tagarelar como foi destino eu ter comprado um sapato semana passada ou, então, não teria nada para abrigar o bichinho. Shawn ria da minha história enquanto acomodava o pássaro dentro da caixa e eu não consegui conter o sorrisinho bocó em reação a sua risada.
— Agora, a gente precisa colocar uma garrafa de água morna dentro da caixa. Ele está fraquinho e precisa de uma fonte extra de calor — disse xeretando nos armários atrás de uma panela. Quando achou, encheu-a d'água e colocou no fogo.
Enquanto a água esquentava o mínimo que fosse, ficamos observando o passarinho dentro da caixa que estava na bancada da cozinha, sem a coragem de tampa-la, já que ele não parecia apresentar nenhum risco de fuga. Na verdade, parecia cansado e os olhos pesados confirmavam nossa teoria. Com meu coração mole, já sabia que havia me apaixonado. Sentindo que recebia mais atenção que o pássaro, eu levantei o olhar e encontrei Shawn me encarando. Ele ficou sem graça pelo flagra e foi tirar a água do fogo.
Sem comentar nada, ajudei-o a acomodar a garrafa de plástico no lado contrário de onde o bicho lutava contra o cansaço. Shawn se certificou de que estava confortável e tampou a caixa cheia de furos, colocando-a em um lugar quentinho e longe da luz até decidirmos o que fazer.
— E agora? — perguntei cruzando os braços, apoiando meu quadril na pia.
Antes que Shawn respondesse, e ele parecia ter uma resposta, minha porta se abre e Katherine surge falando como se pudesse me ver.
— Ellie, sério, eu nem sei porque ainda tento. Ontem, eu estava afim de uma coisa diferente, né, daí pedi que Geoff me xingasse na hora do sexo. — Arregalei os olhos e olhei pra Shawn que segurava o riso.
— Katherine... — Saí da cozinha às pressas e tentei impedi-la.
— Não, me deixa falar. Eu percebi que ele ficou meio nervoso e antes que eu pudesse voltar atrás, ele me chama de desempregada. "Sua... Sua desempregada!" Eu quis morrer!
—... Estou com visita.
Shawn coloca a cabeça para fora da cozinha escondida, vindo em nossa direção. Katherine levou um susto.
— Por que não me avisou?! — reclamou ela, dando-me um tapa no braço.
— Ai! Eu tentei, mas você nunca se deixa ser interrompida.
— Que vergonha... — disse embaraçada, cobrindo o rosto com as mãos. — Shawn, por favor, não fala nada pro Geoff, tá bom? Ele me mata.
— Relaxa, Kath. — disse rindo, sentando ao lado dela no sofá. — Ellie e eu também já tentamos algo assim, mas quem me xingou foi ela. Não sei, parecia que ela guardava aquilo há muito tempo.
Por que ele ficava tão desinibido ao lado de Katherine?
— Quem te mandou contar isso?! — Bati em seu braço como Katherine bateu no meu. Ele nem reclamou, apenas deu de ombros.
Katy riu, mas sua risada logo cessou quando ela notou que quem estava na minha casa era Shawn, meu ex-namorado. Então, começou a nos averiguar com os olhos semicerrados.
— E o que ele faz aqui? — perguntou desconfiada. — Vocês estão...?
— Não! — disse um pouco alto demais. — Não, ele só estava me ajudando. Um passarinho entrou pela janela do meu quarto e Shawn me ajudou.
— E você ligou pra ele vir? — O tom de desconfiança ainda passeava pela sua voz.
— O quê? Não. Ele esqueceu a carteira na sua casa e eu encontrei com ele no hall.
— Entendi. E cadê esse suposto passarinho?
— Katherine, vai tomar no cu.
— É exatamente o que você diria se não tivesse passarinho nenhum!
Revirei os olhos.
— Ele está em uma caixa na cozinha, sua desempregada. — Ela se fez de ofendida e se afundou no sofá abraçando uma almofada, sem falar mais nada. — Inclusive, Shawn, o que a gente faz agora?
— Temos que levá-lo ao veterinário — disse e eu concordei. — A asa parece quebrada e não podemos só deixá-lo voar por aí.
— Certo. Vou me trocar e aí levo.
Shawn coçou a nuca.
— Eu posso ir também.
Katherine revelava só os olhos pela almofada e eles iam pra lá e pra cá.
— Não vai te atrapalhar? — Eu não tenho carro, nem uma clínica veterinária em mente, então agradeceria qualquer ajuda.
— Não tenho nada programado pra hoje. — Deu de ombros.
— Me espera, então? — Ele assentiu e eu sorri em agradecimento, partindo pro quarto com Katherine em meu encalço como eu sabia que seria.
— O que está fazendo? — perguntou se sentando na beirada da minha cama enquanto eu revirava o guarda roupa atrás de algo.
— Procurando uma roupa — respondi como se fosse óbvio. Quando achei o vestidinho de mangas curtas que estava atrás, tirei o blusão e eu o vesti, também deixando a jaqueta que usaria separada.
— Você sabe que não estou falando disso — cantarolou e eu interrompi minha ida ao banheiro para encará-la por um segundo. — Toda essa aproximação com Shawn... Não é perigoso?
Suspirei voltando a me movimentar, fazendo minha higiene, passando os cremes faciais de sempre e o protetor solar. E, enquanto eu o fazia, aproveitei para pensar. Seria trágico se eu me apaixonasse por Shawn de novo, não seria? Há também a questão que não existe muito esse "de novo" aí não. Em algum momento eu o superei? Duvido muito. O perigo mora onde exatamente? Ah, é. Ele se acomodou no relacionamento e quebrou meu coração. Mas é exatamente um perigo...?
— Não sei — respondi com sinceridade ao voltar, pegando os tênis brancos de debaixo da cama, calçando-os quando me sentei ao seu lado. — Espero que não.
— Eu também não, amiga. Só se mantenha atenta, está bem? Você nunca foi muito resistente ao charme dele.
Entendi na pele do que Katherine estava falando quando voltei a presenciar Shawn como motorista. Que saco! Por que ele tinha que ficar tão lindo dirigindo? Os dedos pressionando o couro do volante, e às vezes batucando ao som do que passava na rádio, a mandíbula bem marcada ao se concentrar na estrada, fazendo-me lembrar quando namorávamos e ele sempre dava um jeitinho de manter sua mão na minha coxa... Acho que fiz um novo buraco na caixa do passarinho machucado.
— Está tudo bem? — perguntou me olhando de soslaio, com um sorrisinho nos lábios.
— Aham. A gente tá indo pra onde mesmo? — desconversei.
— Eu lembrei que tenho uma amiga veterinária que mora não muito longe daqui — comentou ao fazer uma curva. Desviei o olhar.
— Ah, legal. Bom que fica de graça, né?
Shawn riu.
— É. Mas você bem sabe que dinheiro não é um problema pra mim.
— E quem disse que seria você a pagar a conta? Que eu saiba o Fred caiu na minha janela. — Abri a caixa de leve só pra me certificar que o passarinho ainda dormia tranquilo.
— Você deu um nome pra ele?!
— Não resisti. — Sorri amarelo e ele balançou a cabeça. — Ele tem cara de Fred.
Shawn me ignorou e retomou o assunto.
— Minha janela ou não, eu faria questão de pagar a conta. — disse irredutível, estacionando em frente a um prédio espelhado. Odeio prédios espelhados e como eles contribuem para o aquecimento global.
— Foda-se?
— Que feio! Ensinando Fred a ser boca suja — disse com um tom reprovador ao tirar o cinto. Revirei os olhos enquanto tirava o meu.
Saímos do carro e, eu sei que Shawn não percebeu, mas não passou batido pra mim quando ele pegou a caixa cheia de furos do meu colo para que ficasse livre para segurar minha mão ao atravessar a rua. Tentei não fazer uma grande coisa disso e acho que obtive sucesso. Caminhamos até a portaria, na qual Shawn ajeitou os detalhes e disse que sua amiga Jess já nos esperava. Fomos liberados e, em menos de cinco minutos, já estávamos em frente ao apartamento dela.
— Oh! — exasperei quando a tal Jess abriu a porta, desviando o olhar quase de imediato, encarando qualquer coisa, literalmente qualquer coisa, que não fosse o rosto seu corpo amostra ou seu rosto extremamente envergonhado quando viu quem ela esperava em companhia.
Ainda bem que Fred estava sã e salvo dentro da caixa.
— Puta merda. Jessica, o que é isso? — perguntou Shawn em completo embaraço.
Um embaraço completamente compreensível quando Jessica estava só de lingerie, usando um batom vermelho, preparado um ambiente a luz de velas e uma taça de vinho na mão como se estivesse esperando Shawn pelado com apenas um violão cobrindo seu pau ao algo do tipo.
Ela, no mesmo momento, pegou a manta do sofá e se cobriu.
— Eu pensei que...
— Como você pode ter confundido?! — Shawn esganiçou a voz de cabrito.
— Você disse que tinha um pássaro precisando dos meus cuidados. Baseado no nosso último encontro, eu tive meus motivos pra ter confundido! — explicou, encolhendo-se na manta a cada palavra que dizia.
Pelo amor de Deus. Queria eu ter tampado as orelhas de Fred pra isso. Passarinhos têm orelhas?
— Ok, gente. Obrigada pela disposição, moça... Mesmo que não tenha sido exatamente para o que a gente tenha pedido — disse a última parte mais baixo. — Vocês se resolvam aí, eu vou procurar uma clínica pro Fred.
— Ellie, espera! — Shawn interveio, mas a própria Jessica o interrompeu.
— O que aconteceu com ele? — perguntou indicando a caixa.
Eu voltei a me aproximar, mesmo que relutante.
— Ele entrou pela janela do meu quarto hoje e acho que quebrou a asa.
— Se você quiser, eu dou uma olhada. Desculpa por isso — disse envergonhada.
Jess abriu espaço para que entrássemos em seu apartamento apagando todas as velas no caminho e ligando as respectivas luzes dos cômodos — eu conseguia sentir o constrangimento enquanto o fazia —. Pedindo-nos um instante, ela se dirigiu ao seu quarto para trocar de roupa.
— Que situação, hein... — comentei como quem não quer nada, mas estava me corroendo em curiosidade.
Shawn percebeu.
— Jess e eu nos conhecemos depois que você e eu terminamos — explicou e eu não o impedi de continuar. — Ela é uma amiga, mas teve uma vez que eu bebi demais e, bem... — Desviei o olhar. — Não aconteceu mais nenhuma vez, mas acho que ela...
— Entendi.
Quando Jess voltou já apropriadamente vestida — com tecido até demais para seu apartamento de clima agradável —, analisou Fred e deu o diagnóstico de alguns arranhões e, infelizmente, de uma asa quebrada. Ela limpou os ferimentos e fez um curativo que nem Shawn e nem eu conseguiríamos fazer.
— Prontinho, amiguinho — disse fazendo carinho na cabeça dele. — Agora Fred precisa de cuidados. O curativo precisa ser trocado semanalmente, ou antes, se você o perceber sujo. Devem durar umas quatro semanas até que a asa se recupere. Enquanto isso, ele precisa de uma boa dieta e nada de ficar na mira de outros animais que o machuquem.
— Ok. Obrigado, Jess. Desculpa por antes — Shawn disse, coçando a nuca.
— Só não vamos mais falar sobre isso. Nunca mais. — Ela sorriu sem graça e incisivamente, indicando a saída.
Depois de agradecer mais uma vez, despedimo-nos e voltamos para o carro.
— Esse foi seu recorde de ver mulheres seminuas em menos de cinco horas? — perguntei brincando e Shawn revirou os olhos, começando a nos locomover.
— Quem me dera — disse em um suspiro e eu franzi o cenho, mas decidi não me prolongar muito no assunto.
— Estamos indo pra onde agora?
— Pet shop. Vamos comprar as coisas pro Fred — respondeu óbvio e eu fiquei o encarando. — O quê? — perguntou rindo.
— Nada.
Ao chegarmos à loja, não demos nem três passos e já havia comentários e olhares sobre nós. Não me surpreendi, mas ri internamente das fãs que me odiavam vendo as prováveis fotos que teriam da gente mais tarde pensando que tínhamos voltado. Por essas coisas que valem a pena viver, sabe? Shawn segurava a caixa destampada com um Fred impacientemente mobilizado dentro, enquanto mostrava pra ele as diversas gaiolas, talvez esperando que em vez de um "piu", Fred soltasse um "gostei daquela amarela". Sinceramente. Meu celular começou a tocar dentro da bolsa e eu avisei Shawn que estaria no canto, ele concordou e voltou a escolher os utensílios de passarinho com o passarinho.
Quem ligava era meu pai.
— Oi, pai. Tá tudo bem? — perguntei estranhando a ligação.
— Oi, Ellie. Está sim. Só queria falar com você — disse e eu fiquei ainda mais em alerta, sua voz parecia cansada e eu não ouvia os gritos da minha mãe por perto. O lugar que ele estava era até um pouco silencioso demais.
— Ok, pode falar.
— Soube que você comprou seu próprio estúdio! — comemorou e eu engoli em seco.
— Na verdade...
— Estou tão orgulhoso! — Tossiu antes de prosseguir: — Sempre soube que você seria grande, querida. Está apenas me provando o que eu já sabia.
— Pai...
— Sua mãe nem acreditou! — Ele deu uma risada catarrenta e eu revirei os olhos. Novidade. — Mas eu... Eu sempre soube que você conseguiria.
— Eu não comprei meu estúdio, pai. Você está doente?
Houve um momento de silêncio.
— Mas... — Seu tom parecia de decepção e eu quis me jogar da ponte. Ele ignorou minha pergunta. — Não comprou? Por quê? Seu irmão me disse que tinha comprado...
Era mesmo a última coisa que havia conversado com Lucas e não tive a coragem para desmentir, já que estava certa de uma coisa que nem aconteceu. Isso que dá ser precipitada. De qualquer forma, não podia decepcionar meu pai. Ele sempre esteve aqui por mim e eu só não podia deixar que isso acontecesse. Não podia perder essa fé quando era a única que me restava.
— Não comprei porque estou saindo em turnê! — Eu me odeio. — É, vou ser a fotógrafa-chefe de uma tour mundial. Pensei que o reconhecimento faria bem pro futuro estúdio, sabe? Fora que com o dinheiro que entrar, posso bancar um ainda maior. — Ri nervosa.
— Oh! — Ele comemorou, parecia animado. — E a tour é de quem?
— Ah, essa é a melhor parte — disse com uma felicidade falsa e raivosa que me fez beliscar minha própria coxa. É, eu merecia sofrer pelo que viria a seguir. — É do Shawn, pai!
— Shawn? Ah, meu Deus! Vocês voltaram? Não poderia estar mais feliz, Ellie! A tour vai passar por Boston, né?
Agora já não tinha mais volta.
(...)
escrevi esse capítulo escutando folklore
digam o que acharam e não esqueçam de votar:)
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