02. Dalla Morte Alla Vita
THE TOUCH OF DEATH | ϐοα ℓєιτυяα
𔘓 ‧₊˚ Dalla morte alla vita
There must be an Angel
Playing with my heart
Naquela noite, Yoongi mal pôde dormir.
Sua mão pareceu se manter gelada até a manhã seguinte pelo breve toque no rosto daquela criatura.
O que seria aquilo?
Será que não havia sido uma boa pessoa e com sua morte próxima, um demônio estava a rondá-lo para arrastá-lo para o inferno?
O garoto nunca acreditou no inferno mas não pôde deixar de pensar na opção, qual mais seria a explicação?
Claro, além da opção de seus sentidos estarem tão fora do normal a ponto de poder tocar algo que na verdade está apenas na sua cabeça.
O jovem professor decidiu que não compartilharia aquela assustadora experiência com ninguém, afinal, não queria preocupar ainda mais aqueles que o cercavam. Mas definitivamente o garoto iria buscar algum tipo de "iluminação".
Naquela mesma semana, depois de visitar a escola que costumava dar aula e rever as crianças que tanto lhe faziam falta, acompanhado de sua irmã, Yoongi foi a um templo a caminho de casa.
O lugar era grande e silencioso e naquele horário, estava quase vazio.
Ideal.
De joelhos, em frente a uma imponente imagem de Buda, Min orou, coisa que não fazia a um bom tempo, era algo que tinha costume apenas na infância.
Ele diria que foi uma experiência boa, se sentiu mais leve em seguida, não sabendo se tinha sido de fato pela oração ou um falso sentimento de proteção contra sabe-se lá qual mau o rondava, mas antes de se retirar do local sagrado, ele parou.
A criatura pálida de olhos sombrios estava lá. Dentro do templo sagrado. Um demônio não poderia entrar naquele lugar, um demônio não poderia… Yoongi sentiu a respiração ficar presa em sua garganta quando aquele ser se aproximou de si como há algumas noites atrás em seu quarto.
Cara a cara consigo, uma voz grossa como a de quem não a usa há muito tempo falou:
— Eu não sou um demônio.
E desapareceu.
— Yoongi, você está bem? — perguntou sua irmã ao notá-lo parado olhando para o nada.
— Estou. — ele respondeu num fio de voz, permitindo que sua irmã lhe encaminhasse para o carro.
Quando chegou em casa, o jovem foi pesquisar tudo que pôde sobre criaturas de olhos e asas negras, mas nada de bom lhe aparecia.
— O que está acontecendo? — ele cochichou para si mesmo, coçando o cabelo nervoso com a situação.
Ele não queria falar disso com sua psicóloga, mas talvez devesse.
Caminhando até o banheiro, Yoongi abriu a torneira da pia e encheu as mãos de água, banhando o rosto. Depois de enxugá-lo, o jovem se encarou no espelho. Estava mais pálido do que costumava ser e havia perdido peso.
— Se eu tivesse descoberto mais cedo nada disso estaria acontecendo, eu teria tantas chances de... droga, eu estou morrendo. — ele não impediu que um par de lágrimas lhe descessem pelas maçãs do rosto.
Todo o período desde a descoberta até então Yoongi havia se mostrado forte, passando a imagem de que estava tudo bem se ele tivesse que partir dali mais cedo que o normal mas... ele ainda não estava preparado para isso, não estava tudo bem.
it's okay but I'm pretty bad
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Depois do jantar, já se sentindo esgotado daquele dia, Min foi para a cama, se deitando e fechando os olhos, como nas noites anteriores, torcendo para que os últimos dias não tivessem passado de um sonho muito longo e realista.
Desejou acordar apenas na manhã seguinte para descobrir que o câncer, o afastamento de seus pequenos e aquele ser amedrontador não passavam de um pesadelo.
Mas nada disso aconteceu. Yoongi acordou no meio da madrugada, sentindo a garganta seca. Indo até a cozinha, ele encheu um copo de água e bebeu aos poucos, temendo agora a penumbra do cômodo, coisa que nunca havia o incomodado desde que era uma criança.
De onde estava, podia ver a janela de vidro da sala recebendo a luz da lua que beijava os móveis de estofado sobre o carpete e a antiga estante de livros de seus pais.
Depois que retornou ao quarto, Min fechou a porta devagar, não conseguindo evitar pensar que talvez aquela criatura estivesse ali agora. Nenhum som que pudesse ser emitido por um ser vivo era ouvido, mas ele quase tinha certeza que aquele ser estava ali.
E estava certo.
Assim que se virou, o comprido par de asas que ia até o chão estava parado ao lado de sua cama, mais distante da luz da janela por tanto mais obscuro. Yoongi já estava quase cansado disso, se tivesse algum senso de humor para a situação certamente acusaria a criatura de estar o stalkeando.
— Se você não é um demônio, o que você é? — ele se atreveu a perguntar, sempre consciente dos olhos negros opacos sobre si.
— O oposto disso. — o ser respondeu com a mesma voz pesada que falara no templo, mantendo a expressão imutável.
— O oposto de um demônio? Como assim? Você vai me dizer que é um anjo? — o garoto perguntou em um tom beirando ao deboche.
Um único e leve aceno de sua cabeça foi a resposta.
— Você não parece um anjo. — ele falou baixo, não querendo que seus pais ouvissem aquele improvável diálogo.
Nenhum dos dois haviam se movido até então.
— Você já viu um antes? — o então intitulado anjo perguntou retoricamente.
Yoongi não respondeu.
— Por que você está aqui?
Foi a vez de Jungkook não responder e o silêncio quase se perpetuou.
— Ok, se você fosse apenas fruto de um delírio meu e eu te perguntasse se você é real ou não, você me diria a resposta verdadeira?
— Se eu fosse fruto de um delírio seu, eu não seria eu, então não sei o que responderia. — Jungkook respondeu.
Yoongi ficou um período em silêncio. Era uma boa resposta.
— Posso te tocar? — ele perguntou depois, já que a criatura ainda não havia desaparecido e, sendo delírio ou um anjo de verdade, o que poderia fazer além de interagir?
A criatura não respondeu, mas se aproximou, fazendo o humano palpitar.
À um passo de distância ele podia sentir o frio daquela pele em tom de leite emanar para si, arrepiando os pelos de seu corpo.
Os olhos como duas pérolas negras eram assustadores mas o ser em si era… Yoongi não diria bonito, afinal, bonito era Tom Cruise, o protagonista de seus filmes de ação favoritos, já aquela criatura era... excentricamente atraente, como nada que tenha visto antes.
O jovem rapaz deu um passo à diante, deixando poucos centímetros de distância entre os dois para erguer a mão direita rumo ao maxilar um tanto quanto marcado do anjo. Ele já esperava pelo toque gélido, mas ainda assim sua mão tremeu ao contato.
— Por que você é tão gelado? — ele cochichou como um questionamento interno.
Mais uma vez, não obteve uma resposta, mas a criatura não fez menção de se afastar, então ele deslizou as pontas macias de seus dedos pelo rosto perfeito e afastou dali apenas para tocar as asas cobertas de cumpridas plumas pretas. Eram sedosas sob o toque.
— Como eu posso te chamar? — ele perguntou, sem parar de deslizar os dedos pelas penas, que se agitaram um pouco em algum momento. — Além de anjo?
— Jungkook.
— Jungkook. — Yoongi experimentou o soar daquele nome em sua língua. — E você não vai me dizer qual sua função?
— Não acho que seria agradável de se ouvir.
— Você vai me matar, não vai? — o humano perguntou com um gosto amargo na boca.
O anjo o respondeu apenas pelo olhar. Havia um pesar no opaco enegrecido das esferas em seu rosto.
— Eu vou sentir dor? — perguntou o jovem.
— Não. Vou te mostrar sua vida pelos meus olhos e então fecharei os seus.
Seria reconfortante se não fosse pelo desfecho, Yoongi sentiu um fio molhado descer pelo rosto e soube que estava chorando.
As asas de Jungkook se agitaram uma segunda vez. Segundos depois os dedos gélidos do mesmo tocaram suas bochechas, contornando as lágrimas salgadas. O professor ergueu seus olhos para ele mais uma vez, abrindo um curto sorriso ao constatar que a falta de expressão no rosto da criatura passava às suas asas as suas reações. Suas asas se agitaram quando ele as tocou, e agora também, pouco antes de tocá-lo.
— Quanto tempo eu tenho? — ele fez a pergunta que considerou mais importante, e a que mais o assustava.
Jungkook certamente não deveria dar essa informação a ele. Nem qualquer outra que havia compartilhado com o humano, mas simplesmente não conseguia pensar em negar ao garoto uma coisa tão valiosa sobre sua própria vida, não quando o garoto o olhava como se depositasse toda e qualquer esperança em si.
— Algumas semanas.
— Quantas?
— Doze.
Doze semanas. Três meses.
Era tudo que Yoongi tinha.
Seu estômago se embrulhou e ele correu até o banheiro, vomitando todo o jantar. Ele agradecia mentalmente pelos pais terem sono pesado para não despertarem com seus soluços entre o choro, mas isso nem chegou a passar pela sua cabeça enquanto estava sentado ao lado do vaso, encharcando as palmas das mãos que lhe cobriam o rosto com as torrenciais lágrimas.
Quando o rapaz voltou ao quarto com os olhos úmidos e a expressão mais abatida, o anjo surpreendentemente ainda estava lá, e quando se aproximou dele, este lhe... abraçou. Ele sentiu o corpo gelado da criatura alada lhe envolver e não resistiu, enterrando o rosto no peitoral daquele ser que mesmo frio lhe passava uma sensação boa, confortável. Seus olhos se fecharam quando se aconchegou nos braços alheios, e quando voltou a abri-los, notou que as asas volumosas o envolviam junto naquele abraço, e com um sorrisinho fraco, tornou a fechá-los.
Sem que notasse como chegou ali ou quando foi que pegou no sono, Min acordou na manhã seguinte totalmente coberto, com um belo girassol na cômoda ao lado da cama.
Ele pegou a flor, acariciando as pétalas com as pontas dos dedos e se levantou para arranjar um vaso com água para colocá-la.
Lembrando-se do diálogo que tivera com Jungkook na noite anterior, Yoongi decidiu que aceitaria seu destino e aproveitaria ao máximo seus últimos dias.
Depois do almoço no mesmo dia foi ao médico para uma checagem de sua saúde e uma nova sessão do tratamento, combinando com a irmã que mais uma vez visitaria seus queridos alunos ainda naquela semana e no domingo iria visitar seus sobrinhos.
Um amigo seu da escolinha, também professor, prometeu visitá-lo e levar alguns filmes para verem juntos e no mês seguinte, organizariam uma festa para ele e seus alunos.
Ele se sentia muito amado e acolhido cada vez que estava com seus pequenos, eles eram tão espontâneos em demonstrar o quanto gostavam dele que seu coração se enchia de alegria. E seus pais gostavam de vê-lo feliz contando sobre os planos dos próximos dias, por mais que chorassem sozinhos pelo medo de perder o filho caçula.
Quando a próxima noite chegou, Yoongi já se sentia à espera da visita do ser alado em seu quarto, e isso não tardou a acontecer. Ele não pôde evitar um pequeno sorriso ao vê-lo, mas quando notou isso, logo voltou à uma expressão normal.
— Olá, anjo. — ele falou, sentado na cama.
— Olá, humano. — Jungkook o respondeu.
— É normal ficar visitando os que estão no... leito de morte? — Yoongi não soube bem definir seu próprio estado então usou o termo mais comum.
— Todos me vêem antes de partir. — o anjo não foi tão direto em sua resposta, pois sabia que não, não era normal visitá-lo com tanta antecedência.
Mas a resposta pareceu satisfazer o humano, que apenas concordou.
— Há quantos de vocês? — foi sua próxima pergunta.
— Anjos?
— Da morte.
— Apenas eu.
Yoongi o olhou confuso.
— Como apenas você? Milhares de pessoas morrem ao mesmo tempo, como você busca todas elas de uma só vez?
— Tempo e espaço existem pra vocês, humanos, para nós não. Eu posso estar aqui agora como em muitos outros lugares, já que passado e futuro não existem e o espaço é tão relativo quanto. — Jungkook explicou de maneira que o professor apenas o olhou ainda mais confuso. — Tudo bem não entender isso, depois que ascender, você o fará. É assim para todos. É algo como… não dá pra explicar álgebra para um bebê de alguns meses de vida, por mais que seja uma coisa lógica e racional, ele não entenderia. Vocês são como os bebês, por enquanto.
— Estou confuso se devo me ofender ou não. — Yoongi o olhou com os olhos semicerrados.
— Não deve. Não é como se vocês não fossem inteligentes o suficiente pra entenderem, ninguém chama um bebê de burro por não entender algebra porque ele simplesmente não tem capacidade pra isso ainda, mas um dia ele crescerá e terá capacidade de entender. O mesmo se dá com vocês. Vocês tem limitações aqui que não terão mais depois que ascenderem.
— Hum, ok. — Yoongi ficou encarando Jungkook de pé a sua frente. — Você não quer sentar aqui comigo? — ele bateu uma das mãos na cama. — Ou suas asas não deixam?
— Não vejo necessidade.
— Você consegue recolher suas asas?
— Recolher minhas asas?
— É, sumir com elas, você sabe. — o humano o olhava como se fosse algo óbvio.
— Minhas asas fazem parte de mim como qualquer outro membro, "recolhê-las" seria o mesmo que tentar recolher um braço ou sumir com uma de minhas pernas. Seria estranho. — ele explicou na mesma expressão e tom de voz imutável, e observou Yoongi gargalhar a sua frente.
— Desculpe, eu imaginei isso. — o garoto riu mais, limpando uma pequena lágrima que ficou na borda dos olhos. — E foi engraçado.
O anjo ficou apreciando a risada gostosa do jovem professor, observando cada pequena alteração em seu rosto, os olhos gateados, a saliência das bochechas e os dentes branquinhos bem alinhados de seu sorriso gengival. O garoto era radiante como um campo de girassóis quando sorria e Jungkook definitivamente queria ver mais daquilo.
— E então, quem criou vocês? Quer dizer, quem criou os anjos também criou os humanos, certo? Quem? — Yoongi perguntou depois que se recuperou do ataque de riso.
— A Deusa.
— É uma mulher?
— Não é humana, por tanto nem homem nem mulher. A chamamos no feminino pois a temos como a mãe de todos, criadora de tudo que há.
Yoongi balançou a cabeça, atencioso à cada palavra da criatura de belas asas estático à sua frente.
— Existe céu e inferno?
Jungkook já havia percebido que estava sendo a enciclopédia mística do humano curioso de pernas dobradas sobre a cama.
— Eu já te passei informações demais, garoto, não vou ultrapassar mais sobre esse assunto. Mas não há nada com que tenha que se preocupar, nada de ruim o aguarda no pós vida. — ele assegurou, vendo o jovem soltar o ar audivelmente.
— Ah, agora que estava ficando divertido. — Min resmungou tal qual seus alunos quando tinham que encerrar uma brincadeira que todos gostavam.
Jungkook se aproximou mais um passo, erguendo a mão devagar e tocando seus dedos longos e gélidos na linha do rosto alheio, sentindo a pele morna do professor, que sem entender a finalidade disso apenas permitiu o toque, corando ao capturar os olhos mortiços do anjo em si, parecendo lhe decorar todos os detalhes. Seu coração pareceu descompassado e Yoongi quebrou a conexão de seus olhos, abaixando o rosto, o que fez com que Jungkook afastasse sua mão.
— J-jungkook, porque eu... tenho que partir tão cedo? — ele perguntou longos segundos depois, ainda olhando para o chão. — É você quem escolhe isso?
O anjo sentiu suas asas se agitarem novamente, não queria o garoto triste, ele quis tocá-lo outra vez mas pensou que seu toque gelado talvez não fosse algo muito reconfortante.
— Eu não escolho quem, quando ou como. Isso é obra do destino, regido pela Deusa, eu apenas faço o trabalho. Não tenho como lhe mostrar a razão por trás de seus planos, apenas posso te dizer que vocês só partem daqui quando já concluíram seu dever neste planeta. Não importa com qual idade ou de qual maneira seu corpo morre, você só faz a travessia depois de concluir sua própria missão neste mundo. Então não se preocupe com nada. — Jungkook se atreveu a erguer o rosto do humano para si, dobrando um dos joelhos para estar sobre ele e ficar à altura do jovem na cama. — Você já fez ótimas ações aqui, e terá uma vastidão de maravilhas para conhecer depois que partir. Eu sei que você irá amar tudo que está por vir tanto quanto ama estar com as suas crianças.
"Mas elas precisam de mim" — Yoongi respondeu mentalmente, sentindo novas lágrimas lhe molhando a face e se deixando cair contra o anjo ajoelhado à sua altura na frente da cama, envolvendo seus braços em seu pescoço e chorando contra ele. Movendo as asas em torno do garoto, Jungkook mais uma vez o envolveu, apertando aquele corpo que em contraste com o seu parecia tão quente, até que o professor pegasse no sono.
— Sei que você ainda não quer ir, e eu também não quero que vá. — falou baixo depois de ajeitar o humano entre os cobertores e tirar-lhe uma mexa dos cabelos negros de cima dos olhos cerrados.
Com pesar, Jungkook abandonou o quarto.
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Levou alguns dias para o anjo retornar. Na verdade, ele o via todos os dias, mas por um tempo não permitiu que o humano notasse sua presença. Ele só voltou a estar presente para Yoongi quando o mesmo ficou o dia todo de cama, sentindo os efeitos do severo tratamento.
Quando o professor o viu ao lado da janela, sorriu para ele. Sua boca estava pálida e seus olhos fundos, mas o sorriso não pareceu um esforço, foi espontâneo.
— Como se sente? — ele perguntou, se aproximando.
Ainda era manhã, então os raios do sol brincavam entre as penas negras de suas asas e a fresta aberta da janela puxava os ventos para dançar com as mechas de seus cabelos. Esses detalhes pareceram encantadores para o jovem professor acamado, que não disfarçou a admiração em seus olhos conforme media a beleza extraordinária da criatura à sua frente.
— Minha cabeça dói, estou enjoado e fraco. — tinha um beicinho em seus lábios agora um tanto esbranquiçados e ele cerrou os olhos quando terminou de falar.
— Onde estão seus pais?
— Na sala. Queriam ficar aqui comigo, mas... eu estava esperando por você. — Yoongi estendeu a mão, sorrindo quando o anjo a pegou.
O humano simplesmente soube que nunca se cansaria daquele toque gelado em sua pele.
— Como sabia que eu viria? — Jungkook como sempre parecia lhe examinar detalhadamente.
— Não sabia, mas estava torcendo por isso.
— E o que eu posso fazer por você?
— Você pode me distrair. — Min tentou puxá-lo para se sentar ao seu lado na cama mas notou que talvez estivesse mais fraco do que imaginou, já que a criatura não saiu do lugar. — Vamos, sente aqui, por favor, me incomoda te ver em pé o tempo todo. — ele pediu, vendo Jungkook agitar as asas antes de se sentar. — Ótimo, agora… hum, me mostre seus incríveis dons angelicais.
— Quem você quer que eu coloque para dormir eternamente? — o anjo perguntou, intencionalmente divertindo o humano.
— Uh, o anjo da morte na verdade é uma roca de fiar, que perigoso! — Yoongi deu uma risadinha. — Ei, anjo, porque você não tem expressões? Vocês não riem nem choram?
— Não temos muito contato com emoções, isso é algo mais humano. Até podemos sentir alegria ou tristeza mas isso não nos transborda como em vocês.
— Então o que exatamente vocês sentem? — o jovem perguntou curioso.
— Amor.
Jungkook poderia ter sido mais específico, deixando claro que esse amor era a todos os seres humanos, mas talvez ele tenha empregado a palavra em um sentido mais íntimo, mais particular.
— Jungkook?
— Sim?
— Você gosta do que faz? — Min o olhava agora mais sério.
— Gosto de estar servindo à Deusa, de ser útil e de levá-los a um lugar melhor, mas não gosto do sofrimento que os causo cada vez que faço isso. — Jungkook foi sincero.
— Deve ser difícil pra você. — havia condolência em sua voz e sua expressão. — Ter que levar pessoas em condições tristes... em acidentes, assassinatos, crianças! Eu nunca poderia lidar com algo assim.
— Eu fui feito com essa função, posso lidar com tudo isso. Não é tão fácil, mas não é de todo ruim. As crianças são as mais fáceis, vão leves, alegres e curiosas em sua maioria. Elas gostam de tocar nas minhas asas e sempre questionam sobre meus olhos, são adoráveis.
Yoongi sorriu imaginando a cena das crianças curiosas sobre as asas do anjo ao seu lado.
— Depois que eu... partir. — o jovem humano tocou o rosto pálido de temperatura glacial de Jungkook. — Voltarei a te ver?
Suas asas se agitaram outra vez, dessa vez um pouco mais forte.
— Não. — ele demorou para responder e quando o fez, se levantou. — Tenho que ir. Te verei em breve. — e sumiu.
Yoongi suspirou.
Não queria partir, não queria deixar os pais, não queria se despedir de suas crianças, e agora também não queria se afastar do anjo de asas negras.
No dia seguinte, quinze de seus alunos, seus pais e outros seis professores estavam na casa do senhor e senhora Min, que foi antecipadamente organizada para uma confraternização e onde agora ocorria uma animada festa infantil, cheia de doces, com um pequeno parque de diversões instalado no quintal e dois palhaços que faziam bonitas pinturas nos rostinhos das crianças felizes enquanto o outro fazia diversos animais com bexigas e entregava para os pequenos.
Seus alunos não sabiam e os adultos também não ousaram citar, mas aquela festa era uma despedida. Yoongi teve que fazer um grande esforço para se esquecer desse fato e poder se divertir com seus amados anjinhos, mas quando a noite caiu e ele terminou de se despedir da última criança com um abraço apertado, recebendo muitos beijinhos na bochecha, ele precisou se trancar em seu quarto e chorar por um longo período enrolado em si mesmo sobre o colchão que parecia tão grande, como se o engolisse e lhe tirasse o ar.
E enquanto as antigas palavras de consolo de Jungkook haviam sumido de sua mente e tudo que conseguia pensar era que em pouco tempo não faria mais parte daquele mundo e todas as pessoas que amava ficariam para trás, ele só desejou ser embalado pelas asas do anjo que lhe fizera companhia desde o mês anterior.
So come over now
And talk me down
Como se pudesse ter sentido sua necessidade, o anjo apareceu, se sentando em sua cama e o trazendo para os seus braços, deitando sua cabeça em seu peito, cobrindo-o com as plumas sedosas de suas asas. Nenhum dos dois falou qualquer coisa, o único som eram os soluços do humano aconchegado no colo de Jungkook.
E como sempre acontecia, o efeito da criatura alada levou Yoongi para o mundo dos sonhos. Mas diferente das vezes anteriores, o anjo não o deixou ali sozinho, ele permaneceu com o jovem em seus braços até o amanhecer.
Ele simplesmente não pôde evitar, a maneira tão confortável com que o garoto parecia dormir contra si, os pequenos sons da respiração mais profunda que dava de tempos em tempos, os leves apertos que suas mãos mornas davam em seus ombros de vez em quando durante o sono e o jeito que ele esfregava o rosto em seu peitoral, se ajeitando melhor em seu colo… Jungkook não quis soltá-lo nunca mais, parecia tão natural quanto um passarinho em seu habitual ninho.
Os cabelos sedosos de Yoongi cheiravam a coco, era doce e suave. Combinava com a personalidade do professor do primário.
Min acordou aos poucos, primeiro se mexendo um pouco e resmungando coisas que não podiam ser decifradas, até abrir os olhos e encontrar o maxilar do anjo acima de sua cabeça. Ele sorriu instantaneamente.
— Não foi embora dessa vez... — ele comentou, sem dar um sinal de que se levantaria.
— Você parecia confortável demais.
— Sim, eu estou. — sua voz estava baixinha pelo sono recente.
Jungkook desceu os olhos para os seus e deixou uma pequena carícia em sua bochecha, fazendo o humano sorrir e fechar os olhos novamente.
— Obrigado, Jungkook. — o garoto cochichou.
Não houve nos próximos dias uma só manhã e nem um mísero anoitecer que o anjo da morte não estivesse visitando o humano de olhos castanho e franjas negras que caiam tão bem em seu rosto e isso os levou à sentimentos ternos, mas expressivamente mais intensos do que deveriam sentir sendo eles quem eram.
Um anjo e um humano.
Quando chegou o decisivo dia da partida de Yoongi, seus familiares não eram os únicos embebidos em tristeza.
O jovem professor estava internado há sete dias com seu estado de saúde agravado e os médicos já haviam desiludido os pais e irmã do garoto que estava ligado às máquinas e respirando com ajuda de aparelhos.
Os olhos de Min estavam chorosos mas sua expressão num todo era tranquila, seu anjo estava ao seu lado, por mais que seus pais e irmã também no quarto não pudessem ver, ele confiava em Jungkook. Todos ali derramavam muitas lágrimas, deixando beijos em suas mãos e falavam bonitas palavras para ele.
Suas próprias palavras de amor à família ele tentava dizer apenas pelos olhos conforme sentia a aproximação do anjo.
Quando o mesmo esteve a altura de seu rosto, seus olhos se encontraram e ele pode ver a si mesmo, um bebê sendo embalado pelos braços dos pais; depois criança, brincando com sua irmã e a gatinha que tiveram na infância e que faleceu por conta da idade quando estava na faculdade; viu a si mesmo na adolescência trocando cartinhas com o primeiro e único namoradinho que havia tido aos quinze anos, e seu diploma ao fim do curso de pedagogia; então seus amados alunos lhe recebendo no primeiro dia de aula com flores e balas de doce de leite, ele estava nervoso aquele dia, com medo dos pequenos não gostarem dele, mas cada rostinho lhe sorriu e ofereceu um presente, saindo orgulhosos quando ele deixava claro o quanto havia gostado, havia sido o dia mais feliz de sua vida; as atividades divertidas que faziam quando algum deles comemorava aniversário; e os pulinhos de alegria quando concluíam um novo aprendizado e orgulhavam seu professor.
A última lembrança que surgiu na pequena retrospectiva foi a manhã que acordou nos braços do anjo.
O curto filme que passava pelas iris de Jungkook para aquele que faria a travessia não eram momentos escolhidos por ele, o anjo, e sim os que foram mais marcantes para o próprio humano. Surpreendeu a si mesmo se ver nas memórias mais marcantes de Yoongi, que chorou sem medir a intensidade ao fim do momento.
O anjo ficou olhando para ele, passou os olhos pela família arrasada e voltou a encarar o garoto que o olhava numa súplica muda.
Ele estava hesitando porque não sabia o que fazer. Sabia exatamente o que devia fazer, mas não podia lutar contra a força daquilo que queria fazer, daquilo que precisava fazer.
Jungkook era honrado pela sua função e por contribuir para o belo plano da Suprema Criadora, mas pela primeira vez ele não cumpriria com seu dever.
Jungkook sentiu que por Yoongi, ele quebraria todas as regras quantas vezes fosse necessário.
Em vez de cobrir os olhos úmidos do garoto e separar-lhe a alma do corpo, o anjo se inclinou, selando um beijo tão gelado quanto sua palma na testa do jovem que cerrou os olhos com o contato, e suas asas se abriram, cobrindo todo o corpo do frágil humano, passando a emanar um brilho esplendoroso em torno dos dois que não era visto por nenhuma das pessoas no quarto.
Quando o contato foi quebrado e Yoongi tornou a abrir os olhos, Jungkook não estava mais lá, apenas sua família. O respirador em seu rosto pareceu imediatamente o incomodar e ele o tirou, respirando perfeitamente sozinho. As máquinas mostravam uma vitalidade à mais, deixando explícito que seus sinais estavam estáveis e a apatia que o havia tomado por todos os últimos meses não estava mais presente. Min se sentia inteiramente bem.
Seu pai chamou um médico enquanto sua mãe e irmã ficaram e o fizeram companhia, em incessantes perguntas sobre como estava se sentindo. A melhora repentina do jovem surpreendeu seu médico, que logo colocou Yoongi em uma sequência de exames, onde descobriram que o câncer havia simplesmente… desaparecido, como se ele nunca houvesse estado doente.
Aquela noite o deixaram em observação, incrédulos quanto ao que havia acontecido e na manhã seguinte todos os outros médicos e enfermeiras o olhavam surpresos, afinal um caso como o dele correria fácil dentro do hospital. Min podia dizer que foi uma celebridade por um dia e finalmente pode ter alta no horário do almoço.
E seu apetite havia voltado ao normal, o que alegrou ainda mais sua mãe que decidiu cozinhar diversos pratos diferentes para o filho que durante tantas semanas comia pouco e colocava grande parte para fora em poucos minutos.
Mas por todas as horas que seguiram sua milagrosa cura, Yoongi tinha apenas uma coisa em sua mente: Jungkook o havia curado.
E ele queria mais do que qualquer coisa vê-lo novamente.
Na primeira noite que passou em casa desde que recebeu alta, Min se banhou e ficou apoiado contra a janela, desejando como nunca que seu anjo lhe visitasse.
Quando o ar gelado emanou de trás de si para as suas costas, ele se virou, sorrindo ao ver Jungkook com sua imagem imponente o olhando como da primeira vez, inexpressivo, mas agitando suas asas. Sem esperar por qualquer palavra, o humano se aproximou rapidamente e se jogou sobre o anjo, enrolando seus braços no pescoço da criatura que o apertou pela cintura de volta.
— Você me salvou! — ele falou sorrindo, sabendo que chorava mas agora de felicidade. — Me salvou!
Jungkook não falou nada, apenas apreciou o cheirinho de coco do cabelo do garoto em seu nariz.
Quando Yoongi lhe soltou, olhou nos olhos do anjo.
— Isso não te causou problemas?
— Qualquer problema que isso possa me trazer... já valeu a pena se te fez feliz. — a criatura respondeu, colocando uma mecha do cabelo do garoto atrás da orelha, deixando-o corado.
— Por que fez isso? — Min perguntou, seus olhos brilhavam à espera da resposta.
— Porque eu o amo. — Jungkook o olhou nos olhos para dizer tais palavras.
— Como ama a todos os humanos? — ele precisava ter certeza de que estava interpretando certo.
— Eu amo a todos os querendo bem, mas eu amo você o querendo comigo, entre meus braços, entre as minhas asas. — o anjo explicou, tornando a segurar o jovem professor pela cintura e trazendo-o para si. — Eu posso? — ele perguntou, se referindo aos lábios róseos de Yoongi agora pertos o suficiente dos seus para se roçarem.
A resposta de Yoongi foi jogar seus lábios aos da criatura alada que lhe tomou a boca com a ternura que só um anjo poderia, acariciando a derme com cuidado antes de tocar a língua e explorar ambos um ao outro, docemente.
A diferença de temperatura dos dois tornava tudo mais intenso e Jungkook tirou o seu humaninho do chão, caminhando até a cama e o colocando sobre ela.
— Eu te amo. — o humano sussurrou antes de ter novamente os lábios gelados de Jungkook contra os seus e sentir o peso dele e suas asas abertas sobre seu corpo.
Não houve em toda a história alguém que tenha feito amor com a morte, apenas Yoongi pode dizer que sentiu o gélido toque mortal de seu anjo amado lhe fazer nascer o sentimento mais avassalador de sua vida: a paixão mais profundamente real e vivida de seu amor divinamente concebido.
ᥫ᭡𓂃 THE END
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E chegamos ao fim dessa pequena história. Eu realmente agradeço a todos que leram até aqui. E obrigada pelo apoio na conta, eu realmente sou muito grata por isso.
Eu amo essa fanfic, é uma das minhas preferidas, então foi muito satisfatório adaptar ela para um ship que também amo. Espero de coração que vocês tenham gostado dela.
Vejo vocês na próxima. ♡♡
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