Capítulo 2 | A entrevista
O tipo de mulher que quer você, mas não precisa de você.
(Miss independent — Ne-yo)
Nada como um dia após o outro, vejo todo mundo dizer. Mas, o que fazer se o dia seguinte for ainda pior que o primeiro dia?
Minha mãe só saiu da prostituição quando pegou AIDS, a vida é difícil para ela. As pessoas se afastam quando descobrem a doença, muitas vezes não entendem como o HIV é transmitido, seja por ignorância ou preconceito mesmo. Não é fácil, mas, tem dias melhores e dias piores. Hoje, é um dos piores.
A maioria das pessoas, conseguem ter uma vida comum mesmo após contrair a doença. Em bons casos, depois de muito pouco tempo o vírus se torna quase indetectável no sangue e nem mesmo corre-se o risco de transmissão. Mas, com a minha mãe não foi um bom caso, ela pegou o vírus de uma espécie mais rara que não só é resistente a medicamentos, como fez a doença progredir muito mais rápido para AIDS.
Minha mãe, claro, ficou muito mal com tudo isso. E hoje ela nem tenta mais lutar, segundo o que ela diz em suas palestras motivacionais, é necessário entender que tudo o que ela está passando é fruto das suas próprias escolhas de vida. O que é lindo de ouvir quando você está numa palestra e não quando o palestrante é sua mãe.
Hoje, acordei bem mais cedo que o costume com o celular tocando. Ela está internada no hospital, pela terceira vez, só esse mês. Mal sabe ela que todo o dinheiro gasto nessas internações vem de um trabalho que ela não pode nem imaginar que eu tenho.
Chego no hospital são quase 8 horas da manhã, logo sou informada que o pior já passou. Mas, ela precisará ficar alguns dias internada. Subo até seu quarto e vejo sua face abatida, minha mãe tem cabelos ruivos curtos e é magra demais. Sua pele — geralmente bem tratada — está pálida, seus olhos vermelhos mostram que ela não dormiu.
— Oi, mamãe, como você está? — Digo assim que ela me vê, com um sorriso amarelo.
— Abbe! — Ela diz meu nome e sorri. — Estou bem, mas tive que desmarcar algumas palestras.
— Tenho certeza que as pessoas vão entender. Você está realmente bem?
— Ah, Abbe, eu nunca estou realmente bem, minha filha. Mas, não corro risco, então não foi tão ruim assim. — Ela diz, mais sorridente do que deveria estar.
Minha mãe tem o costume de minimizar seus problemas, então nunca sei se posso acreditar quando ela diz que está bem. Pela forma que ela falou você deve pensar "ok, ela está bem" mas eu preciso ler as entrelinhas, ela está péssima, com dor, incomodada, sofrendo muito provavelmente.
— Você está se cuidando?
— Tanto quanto possível.
— Certo…
Em alguns momentos é difícil estar perto de minha mãe, não pela doença, nem mesmo pelas mentiras, mas pela nossa própria relação, desgastada depois de anos de vida conturbada.
— Ah, Abbe. Arrumei uma entrevista de emprego para você.
Minha mãe vive me arrumando empregos, nunca duram muito tempo, mas, eu sempre acabo ficando alguns meses nas vagas, por ela.
É difícil viver uma vida dupla, claro. Minha mãe sabe que arrumo dinheiro de algum lugar, não sei o que ela pensa de verdade no fundo de seu coração, mas, sei que ela nunca se perdoaria se soubesse que segui a profissão que eu queria desde garotinha, não importa o quanto isso me faça feliz.
— Ah, sério, mãe! Que legal, quando e onde? — Pergunto fingindo animação.
— Hoje às 4 da tarde. Numa empresa grande de tecnologia, claro que é um cargo baixo, mas, você pode crescer lá dentro. Sei que você consegue se você esforçar Abbe.
— Qual o nome da empresa? — Digo pegando meu celular para achar o endereço. Por fora meus dentes estão abertos num sorriso amplo, por dentro a culpo por não ter ao menos ne avisado disso antes.
— Park Enterprise. É para ser assistente da secretária de uma gerente de algum departamento lá.
— Assistente da secretaria? Quanto ganha uma assistente de secretaria?
— Não sei, mas não dá para você querer chegar ganhando rios de dinheiro.
— Claro mãe. — Digo e engulo todo o amargo que me sobe.
O dia passa correndo depois que saio do hospital, mal tenho tempo para respirar ou almoçar até que o horário da tal entrevista chega.
Chego na empresa vestindo uma calça de alfaiataria preta e uma camiseta branca lisa. O arranha-céu imponente, de vidro se estende a minha frente, eu não esperava que o lugar fosse tão grande.
Me direciono até a recepção onde uma moça simpática, vestida num terninho preto, sorri para mim.
— Em que posso ajudá-la?
— Oi, meu nome é Abigail, tenho uma entrevista agora às 4 horas da tarde, para o cargo de assistente de secretária.
— Ah, claro. Espere um momentinho que estou chamando alguém para te acompanhar. — Ela diz e eu me sento em uma das cadeiras confortáveis que tem por ali.
Alguns minutos se passam, até que meu nome é chamado, me levanto e sigo a mulher loira até uma sala um pouco mais simples, de paredes brancas e várias cadeiras confortáveis dispostas em formato de círculo, onde se encontram algumas outras moças mais ou menos com a mesma idade que eu.
A entrevista começa, preciso preencher uma ficha, faço um teste psicológico, em seguida começam as perguntas de praxe, porque estou ali, quanto quero ganhar e esse tipo de coisa.
A entrevista termina e sou dispensada, com um sorriso e um aviso de que serei notificada até o final do dia caso eu seja escolhida. Não sei o que esperar, ganho numa noite o que ganharia aqui em um mês inteiro de trabalho, então, por que ainda assim quero tanto essa vaga?
Pego um táxi para casa, e logo que chego sou bombardeada por perguntas.
— Como sua mãe está? Você chegou e saiu tão rápido que não consegui perguntar antes. — Nick questiona.
— Ela está como sempre, diz que está ótima mas é visível que não está.
— E a entrevista? — Maddy pergunta entre uma mordida e outra em seu sanduíche.
— Foi surpreendentemente bem, gostei muito dessa empresa. Consigo me ver trabalhando lá.
— Qual o salário?
— 2 mil.
— Não acredito que você vai trocar a gente para ganhar 2 mil por mês, ganhamos isso em uma noite.
— Eu não vou trocar vocês! Ficarei com os dois empregos. Assistente de secretaria dias de semana e nos finais de semana vou pro clube, nunca dá movimento dia de semana mesmo…
— Pierre vai odiar saber que você começará a trabalhar, de novo. — Nicolle diz com um levantar de sobrancelhas.
— É uma pena que não posso fazer nada quanto a isso. Amo o Pierre, mas ele precisará lidar com isso caso eu consiga a vaga.
— E você vai conseguir, você sempre consegue o que quer.
— Nem sempre.
— Conta outra Abbe… Não teve uma vez que você não tenha conseguido o que queria. — Maddy fala com um olhar sério.
— Claro que teve, ontem é um bom exemplo disso.
— Como assim? O que rolou ontem que não estou sabendo de nada?
— Tomei um fora. — Digo me jogando no sofá ao lado de Nick.
— Quando isso aconteceu e como não estamos sabendo disso?
— Não queria falar nesse assunto, vocês sabem como é... Um dos caras da despedida de solteiro. Chamei ele para vir para casa comigo.
— Não acredito!!! Alguém finalmente derreteu o coração de pedra da nossa querida Abbezinha!
— Eu não tenho coração de pedra, tá mais para um coração de gelo. Além do mais, tudo isso é só para provar que eu não tenho tudo o que eu quero. Agora vou pro quarto que preciso dormir antes de hoje a noite. — Jogo o celular na direção de Maddy. — Se ligarem da entrevista. Pegue o recado para mim por favor.
Deito em minha cama sem nem trocar de roupa, exausta do dia corrido que tive hoje. Fecho os olhos e cabelos vermelhos com um par de olhos castanhos passeiam pelos meus sonhos.
Durmo durante algumas horas, até que sou acordada por minhas amigas aos berros, não só consegui o emprego, mas, começo no trabalho amanhã. Pelo visto, precisarei avisar Pierre que não vou ao clube hoje, e amanhã.
Acordo cedo no dia seguinte, tomo um banho e me arrumo tentando fazer pouco barulho, afinal, as garotas só foram dormir a poucas horas e não quero acordá-las. Me visto com uma camisa branca de botão e uma saia lápis preta, não dá para errar com um clássico. Pego minha bolsa e saio com o carro de Nick, preciso me lembrar de comprar um mimo de agradecimento pela gentileza. Paro numa starbucks no caminho e peço um caramel machiatto, que tomo enquanto dirijo até a empresa.
Estaciono o carro na vaga de visitantes, afinal não tenho uma vaga ainda e entro novamente no prédio espelhado.
— Olá! Abigail, seja bem-vinda, parabéns pela contratação. — Michelle, a recepcionista diz. — Você se lembra de onde fica a sala da Natasha?
— Muito obrigada, Michelle. Me lembro sim.
— Certo, ela está te esperando lá, para te mostrar a empresa. Novamente, seja bem-vinda.
Michelle me entrega um crachá com meu nome e função nele, em seguida passo pela entrada e sigo para a mesma sala de ontem, mas, nem tenho tempo de entrar antes de ser arrastada pela empresa com Natasha.
— Pessoal, essa aqui é a Abigail, nossa nova assistente de secretária. Vamos todos dar boas-vindas a ela. — Ouço Natasha falar pela milésima vez, enquanto dou um novo sorriso e aceno.
Diretores, time de marketing, time de T.I, RH e sabe-se deus quantos setores mais fui apresentada. Honestamente, acho isso tudo extremamente desnecessário, mas Natasha insiste em dizer que como trabalharei com todo mundo, é importante que eu conheça o pessoal.
— Finalmente chegamos na última sala e a mais importante, você não vai trabalhar muito diretamente com nosso CEO, mas, ele sempre faz questão de trocar algumas palavras com os novos funcionários. — Natasha diz, enquanto paramos no último andar do prédio, claro que a sala do cara é o último andar completo, o que mais eu poderia imaginar.
— Tracy, essa é a Abigail, nossa nova assistente de secretária. Ela está aqui para conhecer o patrão.
— Claro, vou avisar que você está aqui, Abigail, só um minuto. — Tracy diz e enquanto interfona para o CEO, Natasha se despede, aparentemente o tour pela empresa finalmente acabou.
— Pode entrar Abigail. O chefe está te esperando.
Dou alguns passos no enorme salão, até me ver de frente com uma porta, eu bato, curiosamente da mesma forma que bato na porta de Pierre, na esperança de que a coincidência faça com que esse cara seja tão legal quanto meu outro chefe.
No momento que estou abrindo a porta é que me dou conta de que não me dei ao trabalho de perguntar o nome do cara para Tracy ou Natasha. Espero que na mesa dele tenha uma daquelas placas com o nome escrito e que eu consiga enxergar antes de passar vergonha.
No momento em que olho para o CEO, entretanto, percebo que não precisava me preocupar com isso, eu sei o seu nome muito bem.
— Bom dia, senhor Christopher. — Digo olhando para os olhos puxados e os cabelos vermelhos que assombraram meus sonhos.
O que estão achando do livro até agora? Por favor não esqueça de deixar seu voto para eu saber que estão gostando.
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