Capítulo 16 | Não passou a noite sozinha
Eu queria saber antes, o que eu sei agora
Eu não mergulharia, não me curvaria
A gravidade dói, você fez ela tão doce
Até eu acordar no concreto
(Wide awake - Katy Perry)
Chego em casa depois de um tempo, emocionalmente exausta. Relembrar o passado é cutucar uma ferida que talvez ainda não esteja completamente fechada, não sei se um dia estará.
As meninas estão no sofá quando entro, Nick está comendo e vendo televisão, Maddison está aconchegada com a cabeça em seu ombro. Maddy nem mesmo olha para mim quando entro e não consigo entender o que fiz de errado.
— Sua mãe ligou, está indo para Kentucky para algumas palestras. Disse que volta no próximo mês. Pediu que você mandasse mil dólares. — Nick diz com a boca cheia.
Suspiro com a notícia, posso apostar como ela foi dirigindo aquele carro velho até o outro lado do país.
— São quantos quilômetros daqui até Kentucky? — Maddy pergunta sem olhar para mim.
— Muitos… Deve ser mais de um dia de viagem num carro normal. Dois na lata velha que ela dirige.
— Você devia dar um carro novo de presente para ela. — Nick diz.
— Não é simples assim, não posso simplesmente chegar nela e falar “ei mãe comprei um carro para você com esse dinheiro que eu não deveria ter”.
— Sabe, às vezes acho estranho, fico me perguntando… — Começa Nick. — Como sua mãe pode não suspeitar de nada? Porque você gasta um bom dinheiro com ela, hotel quando ela viaja, aluguel, despesas médicas… Isso tudo leva boa parte da grana que você ganha. Ela tem uma noção disso, não tem como ela simplesmente achar que você paga tudo com seu salário de secretária.
— Você está dizendo?
— Acho que, no fundo, sua mãe sabe como você ganha dinheiro, ela só prefere fingir que não sabe, afinal, tem sido útil para ela até agora.
— Não acho que… — Começo a dizer, mas logo em seguida me interrompo.
Faz todo sentido o que Nick está dizendo, minha mãe não é ingênua assim, como estou sendo em achar que ela nunca nem pensou nisso. Tenho certeza que ela tem amigas nesse ramo ainda e não sou exatamente desconhecida.
Venho me enganando há tanto tempo em acreditar que minha mãe não sabia de nada. Que simplesmente nunca pensei em como isso não fazia o menor sentido. Mas minha mãe sempre soube como me influenciar a acreditar e a fazer as coisas da forma que ela queria, não deveria nem mesmo me surpreender.
— Acho que você tem razão. — Digo suspirando alto.
— Olha só que cena rara, Abigail Jones admitindo um erro… — Maddison fala.
— O que deu em vocês duas pelo amor de Deus? — Nick grita. — Você está parecendo uma criança droga, se tem um problema, simplesmente fale, conversem e vejam as coisas como adultas. Mas que saco. Não sou a mãe de vocês. — Nick diz e se levanta, cruzando os braços com a expressão de brava.
— Meu problema é que a Abigail não pensa em nada além do próprio umbigo. Estou cansada de fingir que você não é uma grande egoísta. — Maddison diz se levantando.
— Egoísta? Que porra fiz para você me chamar assim? Droga Maddy, qual o problema com você?
— Comigo? Por que o problema é comigo? Por que você não aceita que não é perfeita?
— Eu não sou perfeita. Você é que me põe num pedestal que eu nunca pedi para estar. Tenho problemas, eu tenho falhas, traumas e coisas para lidar. Mas você prefere acreditar que tive tudo na mão, só porque eu não sou você. Porque não passei pelas mesmas coisas que você. Porra entendo que deve ter sido difícil para caralho a sua vida, entendo que ser trans não é fácil, se aceitar, se amar, aceitar que as pessoas amam você. Entendo essa porra. Mas, não significa que eu tenha tido uma vida melhor…
— Você… — Maddy começa, mas logo corto ela.
— Cala a boca e me deixa terminar. Não é a única que teve uma infância difícil, eu nunca tive ninguém. Fui arrastada para uma vida que eu não queria e que me envergonhava, não tinha amigos, não tinha namorado. Tinha só a minha mãe que estava sempre bêbada ou dopada demais. Eu fazia o dever de casa num prostíbulo enquanto um cara qualquer fodia minha mãe por uma miséria. Eu tinha que dar banhos e colocar ela na cama algumas vezes por que ela não conseguia fazer isso sozinha. Chorava sozinha no meu quarto, e quando me cansei de chorar comecei a tomar álcool e usar drogas. Então não haja como se eu fosse a porra de uma princesa criada a leite com pera que tem sempre teve tudo na mão e fugiu da família porque queria algo diferente. — Grito pondo para fora tudo o que está guardado dentro de mim.
— Você está sendo injusta! — Maddison diz, com lágrimas nos olhos.
— Injusta está sendo você que devia ser minha amiga, mas ao invés de conversar comigo sobre o que está acontecendo simplesmente vira as costas e começa a falar mal de mim. Tem um problema, me fale, converse. Não tire conclusões e comece a agir como se fosse culpa minha não adivinhar o que aconteceu.
Maddison abre a boca para responder, mas a fecha em seguida, seus olhos encaram os meus com mágoa, mas também com vergonha. Eu apenas respiro fundo, não é a primeira vez que a gente briga, é normal brigas desse tipo acontecer quando se passa muito tempo com a outra pessoa. Sei, que no futuro riremos disso, mas nesse momento tudo o que eu queria era um pouco de paz.
Meu telefone toca, eu o ignoro e continuo olhando para Maddy, esperando uma resposta que não vem.
— Certo, estarei no meu quarto quando quiser conversar. Tive uma manhã de merda, preciso de um tempo. — Digo e me retiro.
Quando chego ao quarto o celular volta a tocar, não me surpreendo ao olhar o nome de quem está ligando, arremesso o telefone para longe de mim, frustrada. Esse maldito não pode simplesmente me deixar em paz? O telefone cai com um baque em algum lugar do quarto e finalmente para de tocar, no mesmo momento que a porta se abre.
— Nem quero saber o que o telefone fez para você. — Maddison diz.
— Droga, espero que não tenha quebrado. — Respondo.
— É bem provável que tenha… Espero que nossa amizade não tenha se quebrado também…
— Nossa amizade é mais forte que um telefone de última geração.
— Ainda bem… — Ela começa. — Fui uma vaca.
— Eu também. — Respondo.
— Sim, mas isso não justifica o modo que agi com você. Eu deveria ter conversado e não… Sabe, eu só… Me senti usada e acabei descontando em você.
— Eu… Não entendo.
— Joseph, ele queria você, isso é nítido, eu fui apenas algo que ele usou para ter o que queria. Ele estava com você aqui hoje e não perguntou sobre mim, eu sei. Você também não se importou em me perguntar se eu estaria bem com isso.
— Não achei que isso te magoaria, foi coincidência. Eu estava de mau-humor e nos encontramos. Acabou rolando, me desculpe se te feri, não achei que você gostasse tanto assim de Joseph…
— Não gosto! Mas estou cansada de ser vista como um objeto fetichista, estou cansada de ser tratada como se fosse menos mulher que você.
— Você não é menos mulher do que ninguém Maddy. Você está insegura, e é normal se sentir assim…
— Você não se sente insegura.
— Maddison, eu sou inseguro o tempo todo. Quando subo no palco, quando preciso falar na frente de uma galera, quando conheço alguém novo. Eu só aprendi a disfarçar melhor que a maioria. — Digo e Maddison sorri.
— Você está bem? Disse que teve uma manhã difícil.
— Nem sei por onde continuar. Meus dias tem sido difíceis desde que esse maldito homem apareceu na minha vida, eu só…
— De qual homem estamos falando? — Maddy pergunta.
— Christopher. — Nick responde entrando pela porta, franzo a sobrancelha me perguntando se ela estava ouvindo a conversa, mas antes que eu possa dizer algo, ela continua. — Ele está aqui, e quer falar com você.
Meu corpo gela somente em ouvir a menção de que ele está ali. Fui usada, humilhada. Mereci isso, precisava de um tapa na xara para acordar. Não deixarei acontecer de novo, estou acordada agora.
— Mande ele a merda. — Digo a Nick que levanta as sobrancelhas ao constatar o ódio em meu rosto.
— Sim senhora. — Ela diz com ironia e se retira.
— Ele não vai embora… — Suspiro e passo a mão pelo cabelo.
— O que quer dizer?
— Christopher não vai desistir até ter o que quer.
— Nick também não.
Logo após Maddison falar, podemos ouvir a voz de Nicolle aumentando o tom, algumas palavras são muito nítidas em meio a gritaria “policia” entre elas. Christopher vai embora.
Minha amiga entra no meu quarto como um furacão após a partida do ruivo, exigindo saber o que aconteceu. E eu conto cada detalhe, sua noiva chegando, ele me enfiando em um cômodo de sua casa como quem esconde lixo das visitas.
— Aquele cretino. Não acredito que ele fez uma coisa dessa. — Maddie diz.
— Eu devia ter chutado as bolas dele quando tive chance. — Nick completa.
— Fui uma tola de me deixar cair em seu papinho. Christopher nunca escondeu que era noivo, eu me meti nessa furada porque quis e agora estou pagando o maldito preço.
— Não precisa pagar esse preço, sabe… — Maddison fala.
— O que quer dizer?
— Não precisa de Christopher. Você não passou a noite sozinha, passou?
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