|023 - Imprudente.
O sinal tocou, e eu tentava me concentrar no som abafado das conversas ao meu redor enquanto caminhava pelo corredor lotado da escola. Mas algo estava errado. Era como se o ar tivesse mudado, mais pesado, quase sufocante. Um arrepio percorreu minha espinha, e eu parei no meio do caminho.
Um cheiro estranho, podre, invadiu minhas narinas. Eu já o tinha sentido antes, mas nunca tão forte. Olhei ao redor, mas ninguém parecia notar. Talvez fosse melhor assim. Se fosse o que eu temia, ninguém mais deveria se envolver.
Largando meu material no armário, desviei para o lado oposto da multidão. O corredor parecia mais estreito a cada passo, e meu peito apertava com a sensação de algo sombrio se aproximando. Meus pés me levaram até os fundos da escola, onde o silêncio era quase absoluto, quebrado apenas pelo leve farfalhar das árvores sob a brisa.
Aquela energia obscura estava me sufocando. Fechei os olhos, tentando localizar a presença, mas nada aconteceu. Minhas mãos estavam trêmulas, e o suor escorria pela minha nuca. Eu precisava afastar aquela coisa de todos os alunos, mas como?
O cheiro do que imaginei ser enxofre aumentou, e uma sombra surgiu na borda da floresta. Parecia humano à distância, mas ao se aproximar, vi os olhos brilhando em vermelho intenso e um sorriso cruel que parecia partir o rosto ao meio.
-Você veio atrás de mim?- perguntei, minha voz mais firme do que eu esperava.
A criatura não respondeu. Em um instante, ela avançou com uma velocidade impossível. Tentei desviar, mas o impacto me jogou no chão. Meu ombro ardeu, e ao olhar, vi garras afiadas tingidas de sangue. Meu sangue.
-Merda...! - murmurei, sentindo aquilo arder. Estendi as mãos, tentando usar minha telecinese para empurrá-lo, mas o máximo que consegui foi fazer algumas folhas ao redor se agitarem.
O demônio riu, sua voz grave ecoando como um trovão. Ele avançou novamente, e tudo que pude fazer foi correr. Meus pés me levaram mais fundo na floresta, mas eu sabia que não conseguiria fugir por muito tempo.
Ele me alcançou em segundos, me agarrando pela gola da camisa e me jogando contra uma árvore. A dor explodiu nas minhas costas, e o mundo pareceu girar. Tentei chutar, me debater, mas ele era muito mais forte.
Meu coração batia tão rápido que parecia que ia explodir. -Me solta, desgraçado!- murmurei, tentando reunir qualquer força que me restava. Mas nada acontecia.
As garras do demônio se ergueram novamente, prontas para me atingir, e eu sabia que dessa vez ele não erraria. A adrenalina tomou conta, e um desespero primal subiu pela minha garganta. Foi então que senti. O calor.
Ele começou nas minhas mãos, uma ardência quase insuportável que me fez gritar. Mas não era só dor. Era poder. Um fogo intenso surgiu nas minhas palmas, iluminando a escuridão ao meu redor.
Com tudo que tinha, joguei as chamas contra o demônio. Ele gritou, um som horrível que fez meus ouvidos zumbirem. Suas garras me soltaram, e eu cai no chão, ofegante, enquanto as chamas o consumiam.
O cheiro de carne queimada invadiu o ar, e eu assisti enquanto seu corpo físico se desintegrava. Mas antes que eu pudesse me recuperar, uma forma negra e etérea emergiu das cinzas. A risada ecoou pela floresta enquanto a sombra desaparecia na escuridão.
Ainda ofegante, tentei me levantar, mas minha visão estava turva. Eu mal conseguia ficar de pé.
-Você...- A voz de uma mulher me fez congelar.
Virei lentamente, e lá estava ela, me olhando com uma mistura de horror e raiva. A idiota Swan.
-Você me seguiu, garota?- perguntei, tentando soar mais firme do que me sentia.
-Eu sabia que havia algo errado com você! - ela respondeu, a voz cheia de acusação. -Você é perigoso, Erick. Esse... isso que você fez? Você é sequer humano?!
-E você só percebeu isso agora?- retruquei, com um sorriso cansado.
-Você precisa ficar longe do Jacob,- ela continuou, ignorando meu tom. -Você vai machucá-lo!
Eu dei um passo à frente, mesmo com as pernas fracas. -Escuta, Bella, não me diga o que fazer. E definitivamente não me ameace. Não vai acabar bem pra você.
Ela recuou, ainda atordoada, antes de virar e sair apressada.
Fiquei ali, sozinho, tentando recuperar o fôlego. Minha camisa estava rasgada, e o sangue ainda escorria pelo meu ombro. O peso daquela luta, e de tudo o que veio depois, era esmagador.
XXX
Com o corpo ainda tremendo e o ombro latejando de dor, comecei a caminhar de volta para a escola. Cada passo parecia um esforço monumental, e o gosto de ferro na boca não ajudava. Eu precisava me recompor antes de entrar no prédio, mas a adrenalina começava a desaparecer, deixando a exaustão e a dor tomarem conta.
A floresta ficou mais rala conforme eu me aproximava do gramado que cercava a escola. Antes de sair completamente das árvores, um som suave de passos chamou minha atenção. Virei para a origem e vi Edward vindo em minha direção com um misto de preocupação e urgência no rosto.
-Erick!- Ele correu até mim, nem o vi se mover até estar do meu lado, os olhos dourados se fixando na minha camisa ensanguentada. -O que aconteceu? Quem fez isso com você?
-Eu estou bem,- murmurei, desviando o olhar. Mas ao tentar continuar andando, senti minhas pernas fraquejarem. Edward estava ao meu lado em um instante, segurando meu braço antes que eu caísse.
-Isso não é 'bem'.- Ele passou os olhos pelo meu ferimento, o maxilar apertado. -Você precisa de um hospital. Agora.
-Não é nada que não tenha lidado antes - respondi com uma tentativa falha de aliviar a tensão.
Edward ignorou minha resistência e passou o braço pelos meus ombros, me guiando em direção provavelmente ao estacionamento, que estava estava cruelmente longe. Foi quando notei o restante dos Cullen se aproximando, provavelmente atraídos pelo cheiro de sangue.
Alice e Emmett pararam a uma boa distância, mas Jasper... Jasper parecia travar uma batalha interna. Ele mal conseguia se conter, os punhos cerrados enquanto seus olhos escuros brilhavam com um desejo inconfundível.
-Afaste-se, Jasper - Edward rosnou, sua voz baixa e cheia de autoridade.
-Eu estou tentando,- Jasper respondeu, os dentes cerrados. -Mas ele está... Ele está sangrando muito.
-Vai embora,- disse Edward, o tom mais duro agora. -Todos vocês.
Alice pegou o braço de Jasper e o arrastou para longe, enquanto Emmett olhava para mim e balançava a cabeça. -Vai ser difícil esconder essa, mano- ele murmurou antes de seguir os outros.
Assim que ficamos sozinhos, Edward me colocou no carro, abrindo as janelas antes mesmo de ligar o motor. Percebi que ele nem estava respirando, como se precisasse se controlar.
-Você está bem?- perguntei, franzindo a testa.
Ele lançou um olhar rápido para mim, os olhos ainda tensos. -Não se preocupe comigo. Só... tente não sangrar mais.
O caminho até o hospital foi silencioso, exceto pelo som do vento entrando pelas janelas abertas. Edward parecia desconfortável, mas determinado. Ele estacionou na entrada de emergência e rapidamente saiu para abrir a porta para mim.
Carlisle estava de plantão e apareceu quase imediatamente. Seus olhos analisaram meu estado com calma profissional, mas vi a preocupação em sua expressão.
-Venha comigo - disse ele, me guiando para uma das salas de atendimento.
Edward tentou seguir, mas Carlisle ergueu uma mão. -Fique aqui, Edward. Eu cuido disso.
Edward hesitou, mas assentiu, recuando para o corredor.
Dentro da sala, Carlisle fechou a cortina, criando um pequeno espaço de privacidade. Ele examinou meu ombro com cuidado, limpando o sangue ao redor do ferimento.
-Você quer me contar o que aconteceu?- perguntou, sua voz baixa.
-Você já deve ter uma ideia,- respondi, soltando um suspiro. -Era um demônio. Ele estava me seguindo, precisei sair da escola para afastá-lo dos estudantes.
Carlisle parou por um momento, seus olhos dourados encontrando os meus. - Sozinho?
-Nenhum dos outros estava perto de mim...- Dei de ombros, mas me arrependi instantaneamente por causa da dor. -Eu senti a presença dele na escola. Não tive escolha a não ser levar a coisa pra longe.
-Você foi imprudente, poderia ter acabado morto - Carlisle comentou, mas não havia julgamento em seu tom. Ele parecia mais preocupado do que qualquer coisa.
-Eu não podia deixá-lo perto dos humanos, - respondi, me defendendo. -Se eu não fizesse nada, alguém poderia ter se machucado.
Levei alguns instantes para perceber que me referi aos alunos como apenas "humanos", e isso me trouxe um calafrio. Eu me sinto mais como um deles depois de tudo, exatamente como estúpida Bella disse.
Carlisle ficou em silêncio enquanto suturava o ferimento, suas mãos precisas e eficientes. Finalmente, ele terminou, limpando a área e cobrindo-a com um curativo. Nem preciso dizer que quase molhei as calças com o quanto aquilo doeu.
-Você tem sorte de estar vivo, - ele disse, fechando a caixa de instrumentos. -Mas precisa ter mais cuidado, Erick. Enfrentar algo assim sozinho não é sábio.
-Eu sei... - murmurei, me sentindo cansado de tudo.
Carlisle suspirou, colocando uma mão firme no meu ombro bom. -Vou fazer mais algumas pesquisas sobre essa presença demoníaca e a sua maldição. Até lá, tente descansar. E, por favor, avise alguém antes de se colocar em perigo novamente.
Assenti, agradecido, e ele abriu a cortina. Edward estava do lado de fora, esperando. Quando me viu, seu rosto relaxou visivelmente, mas ainda havia tensão em seus olhos.
-Vamos para casa,- ele disse, colocando a mão na base das minhas costas para me guiar.
Eu não discuti. O dia já tinha sido longo demais.
No carro, o silêncio era preenchido apenas pelo som do vento entrando pelas janelas abertas. Edward estava concentrado na direção, como sempre, mas eu sabia que ele podia sentir minha inquietação. Meus dedos tamborilavam no painel, e meu estômago parecia estar em um nó impossível de desatar.
- Bella Swan me viu na floresta. - As palavras saíram antes que eu pudesse pensar melhor.
Edward franziu as sobrancelhas, lançando-me um olhar rápido antes de voltar os olhos à estrada.
- Viu você fazendo o quê exatamente?
Eu respirei fundo, tentando manter a calma.
- Enfrentando o demônio. Ela me viu usando magia. Foi rápido, mas... Não sei.
Edward apertou o volante com força suficiente para o couro ranger, mas seu tom continuou calmo.
- O que você fez depois?
- Ameacei de leve - confessei, desviando o olhar. - Nada demais, só insinuei que talvez não fosse uma boa ideia ela abrir a boca. Mas, cara... eu não sei se ela vai falar. E se falar... tô ferrado. E vocês também.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, o que só aumentou minha ansiedade. Finalmente, respondeu:
- Bella não vai falar. Vou conversar com ela, está na minha aula de biologia.
- Conversar? Edward, isso não é algo que você resolve com conversa. - Eu me virei para ele, sentindo o peso do medo apertar meu peito. - Ela me viu conjurando fogo do nada, enfrentando uma criatura que nem deveria existir. Isso não é coisa que se esquece.
Ele suspirou, balançando a cabeça.
- Confie em mim, Erick. Eu vou cuidar disso.
Queria acreditar, mas a culpa era um buraco sem fundo. Olhei pela janela, tentando evitar o olhar dele.
- Ainda assim... Rosalie tem razão, não tem? Eu tô trazendo problemas. Primeiro os demônios atrás de mim, agora isso com a Bella... Não é justo com vocês. Não é justo com você.
Edward soltou uma risada curta, amarga, enquanto balançava a cabeça de novo.
- Rosalie tem sua opinião, e eu entendo a preocupação dela, mas você não é um problema, Erick. Você é... parte disso agora. Parte de mim.
As palavras dele eram reconfortantes, mas não o suficiente para afastar o peso que eu sentia.
- E se eu ferrar tudo? Se eu expuser vocês? E se isso custar tudo o que você tem? Tudo o que você ama?
Edward parou o carro de repente no acostamento, virando-se para me encarar diretamente. O olhar dele era tão intenso que eu quase recuei.
- Escute, Erick. Eu já vivi mais tempo do que deveria, já vi coisas que ninguém deveria ver. Se há algo que eu aprendi, é que segredos, por mais pesados que sejam, são mais fáceis de carregar quando você tem alguém com quem compartilhá-los. Então pare de pensar que está sozinho nisso, porque você não está. Nós lidaremos com isso juntos.
Tentei engolir o nó na minha garganta, mas era difícil. Queria acreditar no que ele dizia, mas o medo ainda estava lá, me corroendo.
- Eu só... não quero ser mais um problema para você.
Ele sorriu, um sorriso pequeno, mas que parecia sincero.
- Você é muitas coisas, Erick. Mas um problema? Definitivamente não é uma delas.
Mesmo assim, o clima continuou tenso. Olhei pela janela novamente, perdido em meus pensamentos, enquanto Edward dirigia em silêncio. Por mais que suas palavras me confortassem, a sensação de que eu estava prestes a explodir o equilíbrio que ele e sua família tinham construído era quase insuportável.
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