|017 - A Caça.
A noite estava abafada, a escuridão apertava o peito, sufocante. A lua cheia escondida por nuvens pesadas não ajudava, era como se o mundo estivesse lentamente declinando para desabar em cima de mim. Sentei no sofá da casa de Billy, mas não conseguia ficar parado.Jacob havia se transformado a poucos minutos, havia virado um lobo gigante, de pelagem castanha, bem diante dos meus olhos. Ele mal conseguiu lutar contra a transformação, parecia tão assustado e cheio de dor.
Afinal, o que aquele garoto inconsequente estava pensando? Fugir para a floresta, como se isso fosse mantê-lo longe de mim? Ou como se isso fosse mantê-lo seguro? Eu não sabia, gostaria de poder ler seus pensamentos, assim teria talvez uma ideia de onde ele foi. Jacob precisava de ajuda, e eu pude sentir naquele olhar que o medo dele não era sobre mim, mas sobre seu próprio controle. Ele quase me feriu... E ainda assim, eu me preocupava mais com ele do que comigo. Acho que estou ficando louco...
De pé, olhei pela janela. As árvores balançavam com o vento. Lá fora, a tempestade iminente só aumentava o desespero que eu sentia. Jacob estava por aí, em algum lugar, uma fera sem controle. Tudo porque ele achava que podia resolver isso sozinho.
Eu sabia que precisava de ajuda, e havia apenas uma pessoa que poderia entender o que eu estava passando – ou ao menos, a única pessoa que poderia lidar com um lobisomem fora de controle sem virar jantar no processo.
Peguei o telefone da cozinha e liguei para Edward. O toque ecoou na casa vazia, cada segundo mais tenso. Por um momento, pensei que ele não atenderia, que talvez sequer estivesse em casa, e aí eu estaria sozinho com o problema. Mas então, sua voz, baixa e melodiosa, veio pelo outro lado.
— Erick?
— Edward, eu preciso de você. Agora.
Eu não precisava dizer mais, desligamos e eu corri até o carro, dirigindo rápido até a bifurcação na estrada. Edward apareceu em minutos, rápido como sempre, surgindo das sombras como se fizesse parte delas. Ele estava parado ao lado da placa, seus olhos dourados brilhando suavemente na escuridão. O ar ao redor dele era frio, e uma parte de mim – a parte que ainda se lembrava de ser humano e não de viver entre monstros – se arrepiou.
— O que aconteceu? — ele perguntou sem rodeios.
— Jacob se transformou em uma espécie de lobo, eu não sei... Foi tudo muito rápido. Ele fugiu para a floresta. Está fora de controle.
–Então ele também virou...? Achei que não haveriam mais... – Edward murmurou baixo, o vento agitando seus cabelos.
–Como assim, "também"? Você já sabia?! Por que não me contou?! – gritei sem perceber, ele franziu os lábios e olhou para o chão.
–Se eu te falasse, não poderia mais ficar por perto... Te proteger...
–Explica isso direito, Edward!
–Os Quileutes são seres sobrenaturais, assim como eu e minha família... Acho que eles se intitulam "guerreiros espirituais", mas o termo popular é transformo. Eles têm uma ligação com a reserva, como uma maldição que os faz proteger aquela terra de criaturas inimigas... Como eu, ou os caçadores de recompensa que estão por toda parte em Forks, te caçando.
–E onde entra a parte em que você decidiu que esconder tudo de mim era uma boa ideia?!
–Eles ameaçaram te prender na reserva se sequer desconfiasse que falamos algo! Os lobos! Meu pai me manteve de fora das coisas, porque eu queria te contar, eu juro... Só fiquei sabendo da história inteira ontem.
–Espera... Quem disse a vocês para não me contar?
–Billy Black... Ele saiu lá de casa uma meia hora antes da sua ligação, sabe dos seus poderes.
As palavras de Edward ainda ecoavam na minha mente, "transmorfo", "guerreiro espiritual", "caçadores na cidade"... Era informação demais em tempo de menos, tudo se misturava em uma massiva tempestade na minha mente, como a que se armava à nossa volta. Se havia todo tipo de coisa me caçando na cidade, Jacob também estava exposto na floresta,e isso me fazia questionar se Billy sequer o havia prevenido sobre isso. Ele havia omitido tanta coisa nos últimos tempos, que eu não duvidava de que tivesse deixado até o próprio filho no escuro.
–E-eu... Eu me resolvo com ele depois. Precisamos achar Jacob primeiro!
Edward me olhou por um momento, seus olhos avaliando a situação, avaliando a mim. Eu sabia que ele não gostava de Jacob apenas pelo olhar que me lançou, o jeito que o pai dele havia ameaçado os Cullen. Mas eu precisava do vampiro. Sabia disso. Eu ainda não era o suficiente para lidar com isso sozinho.
— Certo — ele disse, sua voz cortante como uma lâmina. — Vamos encontrá-lo.
Eu não esperei outra palavra. Saímos da estrada, o vento forte chicoteando meu rosto enquanto caminhávamos em direção à floresta. As árvores se estendiam em sombras longas e retorcidas, o chão úmido e traiçoeiro. Eu tentava acompanhar Edward, mas ele se movia com uma facilidade sobrenatural, quase como se estivesse flutuando entre os galhos e folhas.
A floresta era um labirinto. Eu não fazia ideia de onde Jacob poderia estar. Só sabia que ele estava lá fora, sozinho e perigoso. Cada som que vinha da escuridão fazia meu coração saltar, a adrenalina percorrendo meu corpo.
Edward, em contraste, parecia tranquilo. Seus olhos dourados varriam o ambiente, atentos a qualquer movimento, qualquer som. Ele sabia o que estava procurando. Eu, por outro lado, estava apenas esperando que Jacob não se machucasse. Ou pior... que ele não machucasse ninguém.
— Está perto — murmurou Edward, interrompendo meus pensamentos. — Eu posso sentir.
Antes que pudesse perguntar o que ele queria dizer com "sentir", um farfalhar nas árvores chamou minha atenção. Meus sentidos, ainda em processo de se acostumar com essa nova vida, gritaram um aviso. Algo estava errado. Muito errado.
— Edward...
Eu nem terminei a frase quando três figuras surgiram da escuridão. Eles eram rápidos, tão rápidos que mal tive tempo de processar o que estava acontecendo. Dois homens e uma mulher, todos vampiros. Os mesmos que interceptaram ontem. Eles não se pareciam com Edward. Havia algo de perverso neles, algo violento em cada movimento. Seus olhos brilhavam em tons de vermelho intenso, haviam ingerido sangue humano a pouco tempo, eu podia ver os vestígios nas roupas deles.
O vampiro mais alto, um homem esguio com um sorriso cruel nos lábios, deu um passo à frente. Seu olhar estava fixo em mim, e o medo frio correu pela minha espinha. James.
— Ele é nosso — disse o vampiro, sua voz como veneno. — Viemos por ele.
Eu senti Edward se movendo antes mesmo de ouvir sua voz. Ele se colocou na minha frente, numa posição defensiva. O ar ao redor dele ficou ainda mais frio.
— Vocês não vão levá-lo — Edward respondeu, sua voz baixa, controlada, mas carregada de ameaça.
Eu sabia que Edward era forte, mas também sabia que não estávamos em vantagem. Três vampiros contra ele? Contra mim? Eu mal sabia usar meus poderes, e mesmo quando conseguia, a magia parecia drenar minha energia. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que não podia deixar Edward lidar com isso sozinho. Ele estava aqui por minha causa, e eu não ia ficar parado como uma presa indefesa.
O ataque foi brutal e rápido. James avançou sobre Edward com uma velocidade sobre-humana, mas Edward o deteve com uma força impressionante, seus movimentos ágeis e precisos. A batalha entre os dois era como um redemoinho de sombras, difícil de acompanhar.
Mas eu não tive muito tempo para observar. A vampira – uma mulher alta e magra, com cabelos ruivos vibrantes – avançou em minha direção. Meu coração disparou, e eu ergui as mãos, tentando canalizar a energia que sabia que estava dentro de mim. Eu senti o poder correndo pelas minhas veias, quente e pulsante, mas instável. Quando a vampira estava prestes a me atacar, uma rajada de energia saiu de mim, a jogando para trás.
Por um momento, pensei que estava seguro. Mas não por muito tempo. Os caçadores eram implacáveis. A vampira se recuperou rápido, seus olhos queimando de ódio enquanto avançava novamente.
Eu tentei canalizar mais magia, mas o cansaço me atingiu como uma onda. Minhas mãos tremiam, e a energia parecia escorregar de mim como água entre os dedos. Edward estava lutando com dois vampiros agora, mas mesmo ele começava a ser sobrepujado. Seus movimentos, antes ágeis e calculados, começaram a ficar mais lentos.
Eu estava prestes a ser atingido quando um uivo ensurdecedor ecoou pela floresta. De repente, uma enorme figura lupina emergiu das sombras, se lançando sobre a vampira que estava prestes a me atacar. Jacob!
Ele rasgou o ar com suas garras afiadas, seu corpo enorme e bestial. A vampira não teve chance. Jacob era uma força da natureza, movido por pura raiva e instinto. Ele atacou com uma fúria que eu nunca tinha visto antes, despedaçando a vampira em segundos.
Eu observei, meu corpo congelado de medo e admiração, enquanto Jacob lidava com os outros caçadores. O vampiro que antes havia atacado Edward foi jogado contra uma árvore com um estrondo. Ossos quebraram. O outro vampiro fugiu.
Quando tudo finalmente terminou, o silêncio na clareira era palpável. A respiração pesada de Jacob era o único som. Ele se virou para mim, seus olhos ainda brilhando com um castanho selvagem, mas havia algo de humano neles. Algo que eu reconhecia. Preocupação. E medo.
Mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele virou-se para Edward, que limpava o sangue do rosto. Ele lentamente voltou à forma humana, terminando nú e de joelhos no meio de nós dois
— Você o colocou em perigo! Por que trouxe ele aqui?! — Jacob rosnou, sua voz profunda e carregada de fúria.
Edward, por outro lado, parecia mais calmo do que eu esperava. Seus olhos se estreitaram ao encarar Jacob, mas sua expressão era neutra.
— Eu o salvei — disse Edward, sua voz baixa, mas firme.
— Salvou? — Jacob deu um passo à frente, agora de pé. — Você o expôs! Aqueles vampiros estavam atrás dele! E se você tivesse falhado?
Eu sabia que aquilo estava prestes a se transformar em algo pior. O temperamento forte de Jacob sempre foi uma presença latente, mas agora estava explodindo. Ele estava furioso, não só pelo perigo que eu tinha corrido, mas pelo fato de eu ter chamado Edward para me ajudar. E Edward, claro, não ajudava em nada, com seu tom calmo e superior.
— Você causou isso! — disse Edward, o veneno evidente em cada palavra. — Você fugiu, Jacob. Se eu não estivesse aqui e ele estivesse sozinho, estaria morto.
E então, Jacob perdeu o controle.
Num segundo ele era lobo de novo e os dois estavam trocando socos e mordidas. Eu me vi no meio de uma tempestade de raiva e frustração. Edward era ágil, desviando da maioria dos avanços de Jacob, mas o lobisomem tinha força bruta do seu lado. Cada impacto entre eles fazia a terra tremer.
— Parem! — Eu gritei, minha voz finalmente cortando o ar.
Eu me coloquei entre eles, erguendo ambos no ar com magia, empurrando-os para longe com as mãos trêmulas. Eles me olharam, ainda respirando pesadamente, os corpos tensos, mas algo no meu grito os fez parar. Talvez tenha sido a raiva em minha voz, ou talvez, finalmente, eles perceberam o quão ridícula era aquela briga.
— Vocês dois precisam parar com isso! — eu gritei, meu peito arfando de frustração e cansaço. — Não estamos em guerra aqui. Vocês dois estão tentando me proteger, mas nesse momento estão me colocando ainda mais em perigo com essa disputa idiota!
Jacob me olhou, seus olhos, agora animalescos, se suavizaram, mas sua raiva ainda era palpável. Edward, por outro lado, permaneceu impassível, como se estivesse acima de qualquer sentimento humano. Mas eu sabia que não era verdade. Eu sabia que, de algum jeito estranho, ele se importava comigo. Talvez até mais do que deveria.
— Erick, eu só... eu só queria te manter seguro... — Jacob disse, ao novamente se tornar humano, a raiva dando lugar à frustração em sua voz. Ele parecia perdido, como se não soubesse mais o que fazer ou como agir.
— Eu sei, Jacob. Mas fugir e me deixar sozinho com esse caos não vai me manter seguro. E brigar com Edward não vai resolver nada.
Jacob apertou os punhos, mas não respondeu. Sua mandíbula estava cerrada, e ele evitava olhar diretamente para mim. Estava claramente lutando contra seus próprios sentimentos, mas ao menos tinha parado de atacar Edward.
— Eu estava tentando proteger você também, Erick — disse Edward, sua voz baixa, mas carregada de uma calma calculada que parecia irritar Jacob ainda mais. — Esses caçadores sabiam quem você era. Estavam atrás de você por um motivo.
Eu olhei para ele, confuso e cansado demais para decifrar o que aquilo significava.
— O que quer dizer com isso?
Edward deu um passo à frente, seus olhos fixos nos meus com uma intensidade que me fez estremecer.
— Isso não foi um ataque aleatório. Eles sabiam quem você era. Sabiam que você era especial. — Ele fez uma pausa, sua expressão ficando mais grave. — Eles queriam te capturar. Levar você para alguém... ou algo. Tem uma recompensa por você... Ainda não sei o que e nem quem oferece, mas isso só piora as coisas.
Meu estômago revirou. Algo. Eu já sabia que minha família tinha segredos sombrios, que havia uma maldição que me perseguia, mas ouvir aquilo me fez sentir como se estivesse caindo em um abismo sem fundo.
— Levar para quem? Para o demônio da maldição...? — eu perguntei, minha voz soando mais fraca do que eu gostaria.
Edward hesitou, o que não era típico dele. Normalmente, ele parecia saber todas as respostas, mas dessa vez, havia incerteza em seus olhos.
— Ainda não sei — ele admitiu. — Mas vou descobrir. E quando descobrir, vou acabar com quem seja.
Jacob rosnou baixinho ao ouvir aquilo, mas não falou nada. Eu sabia que ele devia estar odiando a ideia de depender de Edward para qualquer coisa depois dessa briga, mas era nítido que ele não tinha conhecimento de nada do que estava acontecendo. Sua expressão confusa olhando para mim para o vampiro era nítida. E, porra, eu também não estava tão confortável com isso, mas a realidade era que precisávamos de toda a ajuda possível.
— Isso precisa parar — eu disse, tentando manter a voz firme apesar da confusão e do cansaço que me dominavam. — Essa briga entre vocês... Isso não está nos ajudando. Não quero ser tratado como um prêmio a ser conquistado ou alguém que precisa ser protegido o tempo todo. Eu posso lutar por mim mesmo.
Os dois ficaram em silêncio. Jacob, com sua postura rígida, parecia se segurar para não explodir novamente. Edward, sempre calmo e distante, observava-me com um olhar que eu não conseguia decifrar.
A tensão entre eles era palpável, mas pelo menos, por enquanto, parecia que tinham parado de lutar. Jacob ainda estava claramente irritado, especialmente com Edward, mas sua fúria parecia mais contida. Ele deu um passo para trás, cruzando os braços, enquanto Edward continuava imóvel, observando cada movimento, como se estivesse pronto para outra batalha.
O silêncio entre nós era quase ensurdecedor. Eu sentia o peso das emoções no ar, mas ao mesmo tempo, estava cansado demais para lidar com tudo aquilo. A batalha contra os caçadores, a magia instável correndo por minhas veias, a pressão de ser perseguido por forças que eu nem entendia completamente... tudo estava me sobrecarregando.
— Eu preciso de um tempo. — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, mas firme. — Preciso pensar.
Eu vi Jacob abrir a boca para dizer algo, mas o cortei antes que ele pudesse falar.
— Sozinho.
Isso o calou imediatamente. Ele ficou parado, me olhando com frustração, mas não disse mais nada. Edward também permaneceu em silêncio, o que era um alívio. Eu sabia que se eu continuasse ali, no meio deles, a tensão só aumentaria, e eu precisava clarear minha cabeça antes de tomar qualquer decisão. Tudo estava se movendo rápido demais.
Sem esperar por uma resposta de nenhum dos dois, virei as costas e comecei a caminhar de volta pela floresta. Cada passo me afastava da confusão que eles representavam. Eu podia ouvir o som do vento entre as árvores, o farfalhar das folhas, e por um momento, tudo parecia estranhamente quieto. A escuridão da noite parecia menos opressiva agora, talvez porque eu estava finalmente sozinho e sabia que Jacob estava bem.
A sensação de poder ainda pulsava dentro de mim, inquieta, instável. A magia estava lá, pronta para ser usada, mas eu não tinha ideia de como controlá-la de verdade, e isso me aterrorizava. Se esses vampiros caçadores estavam atrás de mim, quem mais estaria? E como eu poderia me defender quando nem ao menos compreendia os meus próprios poderes?
A imagem de Jacob e Edward brigando passou pela minha mente. Eles eram tão diferentes, mas de alguma forma, eu me sentia preso entre os dois. Jacob, com toda sua intensidade, sua lealdade feroz, e Edward, com sua frieza impenetrável, mas uma determinação que eu não podia ignorar.
E agora, eu estava no meio disso tudo. Não sabia o que pensar sobre eles, sobre o que sentia. Eu sabia que estava atraído por ambos, mas também sabia que era mais complicado do que isso. O ódio de Jacob, a rivalidade velada de Edward... tudo era uma bagunça, e eu precisava de respostas.
A verdade é que eu não podia continuar assim. Algo grande estava por vir, e eu precisava estar preparado. Precisava descobrir mais sobre a maldição da minha família, sobre os poderes que corriam no meu sangue. E, acima de tudo, precisava decidir em quem confiar.
Enquanto continuava andando pela floresta, uma coisa ficou clara para mim: minha vida nunca mais seria a mesma.
XXX
O clima ainda estava pesado, e meu peito ainda ardia de frustração e raiva quando cheguei em casa e encontrei Billy, sentado em sua cadeira de rodas, como sempre. Só que, desta vez, não tinha nada de habitual na maneira como eu olhava para ele. Minha cabeça estava uma bagunça, e era como se todas as perguntas, as desconfianças, tudo tivesse se acumulado até o limite.
Ele estava olhando para a TV e nem percebeu quando me aproximei. Ou, talvez, só estivesse fingindo. Eu fechei a porta com um estrondo, e ele ergueu o olhar, surpreso, os olhos escuros analisando meu rosto como se estivesse tentando entender o que eu sentia.
— Erick, o que houve? — perguntou, com a voz cautelosa.
— O que houve? — repeti, sentindo uma explosão de raiva invadir cada célula do meu corpo. Dei um passo à frente, e ele, instintivamente, deu um leve recuo na cadeira. — Me diz você, Billy. Como você pôde mentir para mim esse tempo todo?
— Erick... calma — ele disse, mas sua voz soava hesitante, como se soubesse que não tinha desculpas. — Do que você está falando?
— Do seu filho. Do seu "adorável" filho Jacob. — Minha voz era quase um grito. — Você nunca achou que eu tinha o direito de saber que ele era um lobisomem? Que ele se transformaria a qualquer momento e que eu poderia estar em risco?
Billy tentou levantar as mãos num gesto de calma, mas eu estava longe de me acalmar. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, o ódio explodiu dentro de mim, e senti o poder correr em minhas veias, tão natural e ao mesmo tempo monstruoso. Com um movimento brusco da mão, ergui Billy da cadeira com minha força sobrenatural. Seus olhos se arregalaram, e ele tentou se segurar, mas não adiantou nada. Eu o joguei contra a parede, segurando-o ali com magia, paralisado, a alguns centímetros do chão.
— Erick, pare! — ele gritou, mas minha raiva só aumentou.
— Eu sou uma aberração, Billy! Uma aberração que você deixou solta, sem saber do perigo que representava para os outros. Você sabia sobre tudo isso, não é? Sabia da maldição, sabia dos poderes... e mesmo assim me deixou descobrir da pior forma possível. — As palavras saíam quase em sussurros, mas cada uma carregava uma dor indescritível. Eu havia confiado nele...!
Ele me olhou, os olhos cheios de algo que eu não sabia se era culpa ou arrependimento. Mas a essa altura, isso não importava. Eu precisava ouvir dele, precisava de uma explicação, mesmo que não pudesse jamais perdoá-lo.
— Eu... — ele começou, a voz trêmula. — Eu achei que não fosse seguro para você saber de tudo, Erick. Eu pensei que...
— Que não era seguro para mim? — Eu ri, uma risada amarga e cortante. — E acha que foi seguro para aqueles garotos da escola? Eles só queriam me bater, e eu... eu os queimei vivos! Vivos, Billy! E eles morreram, morreram porque você nunca me contou a verdade. Porque você me deixou me tornar uma aberração, um monstro que eu não consigo controlar... Ao invés de me matar quando teve chance!
Minhas mãos tremiam, e o poder em mim fervia, como se estivesse prestes a explodir. Mas a expressão de Billy mudou. Ele estava nervoso, mas havia algo a mais em seu rosto, algo que eu nunca tinha visto. Talvez fosse vergonha. Talvez fosse arrependimento. Mas ele fechou os olhos e suspirou, como se finalmente decidisse falar algo que havia guardado para si por tempo demais.
— Erick... eu nunca quis que você passasse por isso. Eu nunca quis que você soubesse, que carregasse esse peso — ele disse com uma voz baixa, cheia de pesar. — Sua mãe... ela era meu primeiro amor, e eu nunca me perdoei por ter me afastado dela. E quando soube que você estava sozinho, que ela tinha morrido... eu só quis proteger você.
Essas palavras me atingiram como uma faca. Primeiro amor? Era isso? Ele estava falando da minha mãe, como se ela fosse uma desculpa para mentir, para esconder a verdade? Eu o soltei com um movimento brusco, e ele caiu de volta na cadeira. Eu estava ofegante, os punhos cerrados, e as lágrimas já deslizavam pelo meu rosto sem que eu pudesse evitar.
— Você sabia, desde o começo, e mesmo assim me deixou descobrir sozinho. Me deixou acreditar que eu era só... normal. — Minha voz saiu embargada. — Eu perdi o controle, Billy. Eu poderia ter perdido o controle aqui e machucado você e Jacob. E agora... não tem como voltar atrás.
Ele me olhou, os olhos tristes, mas não disse nada. Sabia que não havia desculpas que poderiam consertar aquilo. A raiva dentro de mim já estava dando lugar a um vazio, uma dor tão profunda que quase me tirava o ar. Não suportava ficar ali mais um segundo, com toda aquela confusão, toda aquela mentira.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, virei as costas e saí. Peguei a chave do carro que ele me emprestara e saí às pressas, meus passos ecoando pela casa vazia. Assim que entrei no carro e liguei o motor, senti as lágrimas descendo com mais força. Eu estava tremendo, e tudo em mim parecia desmoronar.
Acelerando pela estrada, eu mal enxergava para onde ia, com as lágrimas embaçando minha visão. Meu peito doía, e eu sentia como se estivesse afundando. Tudo era uma mentira, tudo estava errado. Eu era uma aberração. Um monstro.
Depois de um tempo dirigindo sem rumo, algo brilhou à minha frente na estrada. Uma figura solitária, esperando sob a chuva. Quando me aproximei, percebi que era Edward, parado, me observando com aquele olhar sério e firme.
Estacionei o carro com um solavanco e saí, mal conseguindo respirar. Ele me olhou, seus olhos intensos e penetrantes, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, eu o abracei, apertando-o contra mim, enquanto as lágrimas escorriam sem controle.
— Eu n-não consigo... não consigo mais, Edward. — Minha voz era apenas um sussurro entre soluços. — Eu sou um monstro. Eu matei pessoas, matei... e eles me deixaram acreditar que estava tudo bem, q-que eu era normal...!
Ele envolveu os braços ao meu redor, sua presença fria, mas estranhamente reconfortante, como uma âncora em meio ao caos. Ele não disse nada, apenas me segurou ali, permitindo que eu chorasse. Talvez ele soubesse que, naquele momento, as palavras eram inúteis.
Ali, nos braços de Edward, enquanto o mundo continuava em pedaços ao meu redor, senti que, talvez, ele fosse a única pessoa que poderia realmente entender o que eu estava passando.
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