|003 - Classe De História.
Dentre todas as preocupações que tive nos últimos meses, nunca imaginei que algo tão tosco como a adaptação a uma escola nova, pudesse ser uma delas. Estava irritantemente nervoso naquela manhã de segunda-feira, o suficiente para nem mesmo conseguir provar o desjejum sobre a mesa.
Com a mochila nas costas e a chave da lata-velha em mãos, eu encarava o horizonte incapaz de algo tão simples como entrar no carro e sair dirigindo. Me sentia uma criancinha que iria à escola pela primeira vez, e isso era ridículo demais até para mim. Um toque súbito em minha mão direita me fez saltar no lugar como um gato assustado, mas consegui voltar a respirar quando encontrei apenas Jacob Black atrás de mim.
-Gosta de assustar as pessoas pela manhã?! - reclamei, levando a mão ao peito ao tentar recuperar o fôlego.
-Seria um bom hobby, mas não temos tempo agora. - era a primeira vez que eu ouvia sua voz desde o dia da minha chegada.
Passei a maior parte do final de semana enfurnado no quarto, com a desculpa que precisava descansar depois da viagem. Ele também não ficou em casa, saia cedo e voltava tarde, o que sinceramente era um alívio para mim. Porém, ali estava ele agora, olhando profundamente para mim sem explicar o motivo. Parecia analisar cada cantinho sórdido da minha alma com aqueles olhos tão escuros.
Não importava o quanto sua face jovem parecesse inócua à primeira vista, sempre que eu olhava por um limitado tempo em seus olhos sentia uma sensação indefinível crestar dentro de mim, e não sabia até o presente momento se era isso bom ou ruim. Era apenas diferente de tudo que já senti.
Em dado momento ele desviou o olhar e virou o rosto em um movimento consideravelmente brusco, estendendo a mão para mim sem dizer nada em seguida.
-O quê? - acabei perguntando em confusão, ele revirou os olhos com impaciência e avançou um passo em minha direção.
Segurou meu pulso de um jeito que fez meu braço se arrepiar do começo ao fim, perdi o ar e mesmo querendo isso, não consegui me afastar. Sua mão era quente mesmo naquele tempo frio, mas algo mais pareceu totalmente longe do comum nele. Senti quando Jacob tirou de mim a chave do carro, mas permaneci atônito sem saber o porquê por uns cinco segundos, até que sua voz me despertou dos devaneios e eu o vi entrar no carro.
-Você vem?
-O que está fazendo? Eu tenho que ir para a escola! - recuperei a voz e me aproximei da porta do carona.
-É pra lá que estamos indo, entra logo. - ele reclamou parecendo mais impaciente e inquieto do que antes, não me movi - Vou te deixar lá e voltar, está bem? E-eu... Billy achou que você iria se perder na cidade, agora quer fazer o favor de entrar?
Quis reclamar daquele tom áspero que ele sempre usava comigo, mas me contentei em entrar no carro antes que além de tudo, me atrasasse para a primeira aula. Ao baque seco da porta fechando, aquele perfume desconhecido novamente inundou o ambiente no interior do veículo. Mesmo que não soubesse de onde vinha, eu gostava daquele cheiro.
Jacob deu a partida na pick-up laranja, que só ligou depois de algumas tentativas, mas logo atravessava a brancura da neblina matutina como um fantasma de ferrugem na névoa. Os pneus ganharam a estrada enlameada com um som aquoso, e seguindo a risca marrom no verde da grama, deixamos a reserva para trás rumo àquela cidadezinha úmida e misterios.
XXX
Ao descer do carro, uma frígida rajada de vento me fez estremecer da cabeça aos pés, o céu escuro indicava o prenúncio de uma nevasca. Ajeitei no corpo a parca grossa e puxei o capuz para cima a fim de proteger minhas orelhas. Mesmo que estivessem agora enluvadas minhas mãos se encontravam dormentes de frio.
Black parou a minha frente enquanto eu ainda arrumava a mochila no ombro, me estendeu de volta a chave da pick-up. Peguei o objeto de sua mão por impulso, agradecendo as luvas por me impedir de tocar sua pele diretamente mais uma vez. Somente quando ele deu meia volta sem sequer se despedir, parei para pensar em quantos quilômetros deveriam separar a reserva daquele colégio.
-Vai mesmo andar tudo isso de volta à reserva? - a pergunta fugiu com afobação pelos meus lábios antes que eu pudesse controlar.
-Quanta preocupação... Mas não precisa se desesperar, eu conheço um truque milenar chamado "carona", já ouviu falar? - mesmo que estivesse claramente debochando de mim, vi a sombra de um sorriso em seu rosto quando olhou para trás por um instante. Imaginei como seu rosto ficaria sem todo aquele mau humor.
-Espero que te apresentem o "sequestro", já ouviu falar?
Minha resposta venenosa foi mais uma brincadeira do que qualquer coisa, mas eu nunca admitiria isso em voz alta. Jacob seguiu sua caminhada sem se dar ao trabalho de dizer mais qualquer coisa, rumo à saída do barulhento estacionamento da Forks High School.
Haviam carros de diferentes cores e modelos espalhados pelas vagas do amplo espaço cimentado, alunos agasalhados circulavam por entre eles em suas conversas corriqueiras. De um grupinho mais barulhento em específico, ouvi risadinhas quando me aproximei do carro para trancar as portas.
"Que carro é esse?!", um dos infelizes zombou, aumentando a comoção dos outros que não passavam de uma junta estúpida de hienas. Em meu âmago, sentia uma vontade desconcertante de entrar novamente no meu querido presente de boas-vindas e atropelar múltiplas vezes todos eles, mas decidi que isso era apenas fome e os ignorei.
O prédio da escola se apresentou diante de mim, de tijolinhos vermelhos e janelas brancas. Uma ampla porta dupla de madeira aguardava aberta pelos estudantes que fugiam do frio, parecendo formiguinhas de casaco pelos corredores espaçosos repletos de fileiras e mais fileiras de armários.
Pesquei no bolso da calça o papel que Billy havia me entregado na noite anterior, estava amassado, mas isso não era novidade para mim. Porém, antes que eu pudesse checar a numeração do meu armário, um braço rodeou meus ombros sem permissão ou aviso prévio me arrancando um xingamento pelo susto.
-Caralho! - estremeci, soltando o papel que pairou até o piso como uma borboleta morta.
-Calma, cara! Você é Erick Lindbergh, o novato? - ao meu lado havia um garoto asiático, pouco mais alto que eu, seu cabelo era muito preto e os olhos castanhos me avaliavam com curiosidade, usava camisa e gravata por baixo das roupas de inverno.
-Sou, mas acho que vou dispensar o abraço de recepção. - respondi, me desvencilhando dele.
-Somos xarás! Meu nome é Eric Yorkie, e sou os olhos e os ouvidos desse lugar. Faço parte do jornal da escola. - ele ignorou minha grosseria e continuou falando, eloquente e irritante ao mesmo tempo, sua apresentação tinha um toque de bordão pronto de marketing barato.
-Legal... - resmunguei ao recolher meu papel com as informações do chão, queria mandar esse cara pastar pelas manchas de lama agora pintadas na folha amassada.
-"O bad boy intocável", já tenho um título pra sua matéria! Uma ótima primeira página! - ele continuou tagarelando, mas eu não tinha tempo para isso.
"A que horas nos vemos para a sessão de fotos?", ouvi ele gritar enquanto me afastava. Já podia prever, eu terminaria louco nessa cidade antes do fim do semestre.
XXX
O papel sujo com certeza me ajudou a encontrar o armário, mas não continha um mapa embutido dos corredores intricados e cada vez mais vazios daquela escola. Perdido entre escadas e o orgulho que me impedia de perguntar a um aluno qualquer onde deveria ir, levei muito mais tempo do que deveria para encontrar meu destino.
À vista da placa que eu tanto procurei, se tornou nítido que estava atrasado quando parei em frente a porta ainda aberta. Todos já estavam sentados em seus lugares, com a professora de pé diante da turma explicando o conteúdo, este interrompido com a minha chegada.
Ela, como a grande maioria das pessoas faz, me olhou de cima a baixo com aquele olhar que grita "Hey, seu adolescente sem futuro!". Porém, apenas estendeu a mão para o papel que eu trazia. Após olhar brevemente as informações ali escritas para confirmar meus dados, apontou para a única cadeira vazia naquela sala horrendamente cheia de pessoas me encarando.
As mesas compartilhadas de madeira escura me pareceram um pesadelo, nunca gostei de dividir meu espaço pessoal, quanto mais com o cara estranho sentado ali. Ele era estupidamente pálido, como se nunca tivesse visto o Sol na vida. Não havia qualquer mancha ou espinha em sua pele leitosa, sua face parecia parte de uma detalhada pintura classicista do Renascentismo, e os cabelos eram uma bagunça de fios curtos em tom de cobre. Era de uma beleza irreal, parecia um devaneio romântico em forma humana.
Seus olhos muito pretos estavam fixos na lousa, como se pudesse perfurar a superfície alva como ele por tanto a encarar. A cada passo que eu dava em sua direção mais uma sensação estranha em meu cerne se intensificava, era como se não ele pertencesse genuinamente àquela sala, como se algo que existia tão nítido em todos os outros presentes faltasse nele.
Ainda assim, me sentei, sem me dar ao trabalho de falar com meu estranhamente bonito parceiro de mesa. Com o aquecedor da sala ligado, pude deixar meu casaco junto da mochila em uma parte vaga do banco, e recuperei meu caderno na mochila quando a professora retomou sua monótona aula de História.
Sempre preferi Literatura à qualquer matéria, uma pena que minha mãe achasse meus livros um grande desperdício de dinheiro, embora ela tivesse alguns exemplares muitos antigos e sem título em seu quarto, que nunca me deixou pegar. Trouxe todos comigo quando deixei para trás aquela casa, pois não havia ninguém mais que fosse me dizer para não lê-los.
Do fim daquela aula até o horário de almoço, meu dia se passou numa vagareza análoga à tortura. Me sentia medíocre e pressionado entre aquelas pessoas que não conhecia, meus antigos colegas não eram melhores ou mais agradáveis, mas ainda tinham a vantagem de serem idiotas que eu ao menos sabia o nome para xingar.
Quando o sinal tocou, anunciando o início do intervalo, juntei minhas coisas às pressas, e fui o primeiro a escapar das garras do professor de Física para o corredor. Já sabia onde se encontrava o refeitório, meu tempo perdido nos corredores ao menos serviu de algo, então consegui um bom sanduíche na cantina e me sentei na primeira mesa que encontrei.
Estava tão perto de dar a primeira dentada no meu almejado almoço, quando alguém subitamente arrastou a cadeira ao meu lado e sem mais nem menos se sentou. Ergui contra a minha vontade o olhar do meu sanduíche para quem quer que fosse o infeliz e encontrei alí duas garotas, uma delas de cabelo castanho estava sentada e a outra de óculos e cabelo escuro, parada como um dois de paus ao lado da mais atrevida.
-Oi! Você é o Erick, né? O novato de quem todo mundo está falando? Bom, claro que é, eu teria te visto se já fosse daqui... - a garota sentada tagarelou, sem me deixar responder, usava uma blusa rosa e me olhava de um jeito estranho - Meu nome é Jessica Stanley, muito prazer em te conhecer.
Ela me estendeu a mão, com o dorso virado para cima parecendo esperar um beijo ali, a outra observava a situação como se fosse um filme muito interessante.
-Legal. - foi minha única resposta, antes de apenas morder meu sanduíche.
Jessica puxou envergonhada a mão para trás e fingiu se espreguiçar. Queria que elas dessem o fora e me deixassem comer em paz, mas a garota de pé meramente se sentou segurando a risada.
-Sou Angela Weber, a propósito. Agora diga "X". - e com uma câmera saída não tenho ideia de onde, tirou uma foto minha de boca cheia.
-Que droga foi essa?! - perguntei já estressado, engolindo pesadamente o que tinha na boca, meu sanduíche nem mesmo parecia mais gostoso.
-O Eric... Me disse para fazer uma foto, para a sua entrevista no jornal... - Angela hesitou.
Minha última vontade era iniciar uma discussão sobre respeito à privacidade com aquelas duas no meio da cantina lotada, joguei a mochila no ombro e saí andando. Desisti por fim de almoçar, só queria um canto escuro para fumar até a próxima aula e assim, evitar uma visita à delegacia.
Quando ouvi passos atrás de mim e a voz de Jessica, no entanto, senti que nem o cigarro poderia me acalmar hoje.
-Erick! Erick, espera! - ela chamou, praticamente gritando, tive que me obrigar a parar pela quantidade de pessoas que agora assistiam atentamente aquela cena - Angela é um pouco estúpida, não repare nisso... Mas, ainda podemos almoçar juntos, o que acha? - ela enrolava uma mecha de cabelo no dedo e sorria ao falar.
-Oh, claro... E então também vai dizer o quanto eu sou "um pouco estúpido" aos outros, quando eu não puder te ouvir? - dei a ela meu melhor sorriso angelical, sua expressão caiu novamente em vergonha.
-N-não! Não é isso que eu quis-!
-Fofa... - interrompi, erguendo a mão a sua frente - Sinto informar, mas da fruta que está tentando conseguir aqui, eu gosto muito mais do que você.
As risadinhas próximas cessaram, e a cor sumiu do rosto de Jessica. Todos os alunos próximos me olharam como se tivesse surgido um tentáculo da minha testa. A pressão do julgamento foi demais para suportar, atravessei a porta do refeitório às pressas, e foi quando subitamente bati em algo em algo rígido e muito gelado no caminho.
Ao erguer o olhar, encontrei a minha frente aquele rosto alvo, de traços harmoniosos como se fosse esculpido em mármore, pertencente ao garoto da aula de história. No entanto, dessa vez não foram suas feições a chamarem a minha atenção, um ofego assustado escapou dos meus lábios. Seus olhos antes tão pretos, agora tinham as íris num límpido tom de castanho dourado.
Desviei dele e corri para o mais longe que pude dali, pois além de tudo, o mesmo arrepio estranho e indefinível que tomou meu corpo quando toquei a pele morna de Jacob Black, agora transpassava minha espinha pelo breve choque com esse desconhecido gelado.
XXX
NOTAS DA AUTORA:
Olá, amigos!
Finalmente o nosso vampiro apareceu! Mas, o que serão esses arrepios do Erick?
Edit: Repostando este capítulo e os anteriores até o momento sem muitas alterações.
Deixem suas teorias nos comentários, e obrigada por ler!
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